segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Tempestade - Atos III e IV

ATO III
Cena I
(Diante da cela de Próspero.
Entra Ferdinando, carregando um feixe de lenha.)
FERDINANDO - Há jogos fatigantes, mas aumenta-lhes a fadiga a atração. Muitos serviços de baixa
qualidade são levados a cabo com nobreza, e assuntos mínimos a ricos fins podem levar por vezes. Esta
tarefa humilde poderia ser-me tão repugnante quanto odiosa; mas a dama a que sirvo anima os mortos e
em prazer me transforma estas canseiras. Dez vezes mais gentil ela se mostra do que o pai intratável,
todo feito de aspereza e rigor. Em obediência à sua imposição, preciso agora carregar e empilhar alguns
milheiros destas achas de lenha. Minha doce senhora sofre, quando me contempla neste áspero trabalho,
e diz que nunca imposta foi tarefa assim tão baixa a um tal trabalhador. Sou equecido; mas estes
pensamentos agradáveis as forças me estimulam; quanto menos penso na situação, mais produtiva se me
torna a tarefa.
(Entra Miranda); Próspero a segue a certa distância.)
MIRANDA - Oh! Por obséquio, não trabalheis assim! Antes o raio queimasse toda a lenha que obrigado
sois a empilhar. Quando ela for queimada, há de chorar por vos haver cansado. Agarrado meu pai está
com os livros. Descansai, por favor. Nestas três horas ele não aparece. -
FERDINANDO - O, mui prezada senhora, baixará o sol no ocaso, sem que eu possa concluir minha
tarefa.
MIRANDA - Se vos quiserdes assentar, um pouco carregarei as achas. Por obséquio, dai-me essa; eu
mesma a deporei na pilha.
FERDINANDO - Não, preciosa criatura; preferira quebrar o dorso, arrebentar os nervos, a vos ver
degradada num serviço tão humilhante, enquanto eu fico ocioso.
MIRANDA - É tão digno de mim esse trabalho quanto de vós, sobre me ser possível executá-lo muito
mais depressa, porque não me repugna, como vejo que acontece convosco.
PRÓSPERO (à parte) - Pobre criança; já estás tocada; esta visita o prova.
MIRANDA - Pareceis fatigado.
FERDINANDO - Não, mui nobre senhora; para mim faz manhã fresca, na noite em que de vós estiver
perto. Dizei-me, por obséquio, vosso nome; só desejo incluí-lo, de ora em diante, nas minhas orações.
MIRANDA - Miranda. Ó pai! Revelei-o, de encontro ao que ordenastes.
FERDINANDO - Admirável Miranda! Sim, remate de toda perfeição, digna de quanto no mundo há de
mais raro. A numerosas damas já dirigi olhares ternos, por vezes tendo-me ficado presos os atentos
ouvidos na harmonia de seu doce falar. Dotes variados me fizeram gostar de outras mulheres, sem,
contudo, empenhar nisso a alma toda, porque sempre se opunha algum defeito às suas qualidades mais
sublimes, para o valor manchar-lhes. Vós, no entanto, ah! tão perfeita e incomparável, fostes feita de
tudo o que de mais custoso pode haver na criação.
MIRANDA - Não me recordo de ninguém do meu sexo, nem vi nunca feições de outra mulher, tirante as
minhas, quando ao espelho estou. Do mesmo modo, jamais tive ante os olhos, dentre os seres a que eu
podia dar o nome de homem, senão vós, caro amigo, e meu bom pai. Como a gente é lá fora, desconheço.
Mas por minha pureza - a jóia rara de meu dote de noiva - não quisera ter outro companheiro em todo o
mundo senão vós tão-somente, nem comigo criar na imaginação outra pessoa a que eu pudesse amar.
Mas falo muito, vejo-o agora, olvidada inteiramente das recomendações de meu bom pai.
FERDINANDO - Por posição, Miranda, eu sou um príncipe, ou, porventura, rei - antes não o fosse! - a
quem fora tampouco suportável este serviço vil de carrear lenha como sentir nos lábios uma mosca.
Minha alma é que vos vai falar agora: no mesmo instante em que vos vi, voou-me do peito o coração,
para servir-vos, razão de eu me ter feito vosso escravo. Por vossa causa, apenas, transformei-me num
paciente lenhador.
MIRANDA - Amais-me?
FERDINANDO - Ó céu! Ó terra! Sede testemunhas do que ora vou dizer, e com propício resultado
coroai meu juramento, se eu falar a verdade. Sendo eu falso, por desgraças trocai quanto o futuro me
reserve de bens. Mais do que a tudo neste mundo eu vos amo, estimo e honro.
MIRANDA - Sou tola por chorar do que me alegra.
PRÓSPERO (à parte) - Belo encontro de dois afetos raros. Possa o céu chover graças no que entre
ambos neste instante germina.
FERDINANDO - Qual a causa de chorardes?
MIRANDA - De minha desvalia, que não se atreve a oferecer-vos tudo que eu desejara dar e, muito
menos, a receber o que me fora morte não chegar a possuir. Mas é criancice tudo isso; quanto mais tenta
esconder-se minha afeição, maior se patenteia. Fora, fora, esperteza vergonhosa! Santa inocência,
ensina-me a expressar-me! Sou vossa esposa, se me desposardes; caso contrário, morrerei servindo-vos;
podeis me recusar por companheira, mas vossa criada poderei ser sempre, quer o queirais, quer não.
FERDINANDO (ajoelhando-se) - Minha querida, minha senhora! E eu sempre assim, humilde.
MIRANDA - Meu marido, portanto?
FERDINANDO - Sim, aceita-vos o coração com o mesmo entusiasmo que a escravidão aceita a
liberdade. Eis minha mão.
MIRANDA - E a minha aqui; com ela vos dou meu coração. E agora, adeus, por uma meia hora.
FERDINANDO - Oh, por milhares!
(Ferdinando e Miranda saem por lados diferentes.)
PRÓSPERO - Tão alegre quanto eles não presumo que possa estar, pois foram surpreendidos por quanto
aconteceu; coisa nenhuma me deixa mais alegre. Mas é tempo de voltar a meu livro, pois preciso realizar
até à ceia muita coisa de extrema relevância.
(Sai.)

Cena II
(Outra parte da ilha. Entra Calibã com uma garrafa, Estéfano e Trínculo.)
ESTÉFANO - Não me fales! Quando o barril ficar vazio, beberemos água.Antes disso, nem uma gota.
Por isso, criemos coragem e vamos abordá-lo! - Monstro-criado, bebe à minha saúde.
TRÍNCULO - Monstro-criado! A loucura desta ilha! Dizem que só há cinco habitantes na ilha. Três aqui
estão; se os outros dois tiverem o cérebro como nós, o Estado não irá lá muito bem das pernas.
ESTÉFANO - Bebe, monstro-criado, quando eu mandar. Tens os olhos quase enfiados na cabeça.
TRÍNCULO - Onde querias que ele os tivesse? Seria um monstro muito famoso, em verdade, se tivesse
os olhos na cauda.
ESTÉFANO - Meu servo-monstro afogou a língua em xerez. Quanto a mim, o mar não poderá
afogar-me. Sem tocar pé em terra, posso nadar, de ida e vinda, trinta e cinco léguas. Por esta luz.
Monstro, serás o meu tenente, ou o meu porta-bandeira.
TRÍNCULO - Tenente, se quiserdes, pois segurar a bandeira é o que ele não poderá.
ESTÉFANO - Não haveremos de correr, monsieur Monstro.
TRÍNCULO - Nem andar, tampouco; ficareis deitados, como cães, sem dizer palavra.
ESTÉFANO - Bezerro da lua, fala uma vez na vida, se fores um bom bezerro da lua.
CALIBÃ - Como passa tua Honra? Deixa-me lamber a sola de teus sapatos. Não hei de continuar no
serviço dele; não é corajoso.
TRÍNCULO - Mentes, monstro ignorante! Encontro-e em condições de esbarrar num oficial de justiça.
Vamos, responde, peixe devasso: já houve algum covarde que bebesse tanto xerez como eu bebi hoje?
Não quererás dizer uma mentira monstruosa, sendo, como és, metade peixe e metade monstro?
CALIBÃ - Vê como ele zomba de mim! Consentes isso, príncipe?
TRÍNCULO - "Príncipe", foi o que ele disse! Como um monstro assim pode ser tão ingênuo!
CALIBÃ - Vê! Vê! Vai recomeçar! Por favor, mata-o a dentadas.
ESTÉFANO - Trínculo, pára com essa língua suja. Se provocares desordem... a primeira árvore! O pobre
monstro é meu súdito e não sofrerá nenhuma indignidade.
CALIBÃ - Obrigado, meu nobre lorde. Queres mais uma vez ouvir minha proposta?
ESTÉFANO - Quero, sem dúvida. Ajoelha e repete-a. Eu e Trínculo ficaremos de pé.
(Entra Ariel invisível.)
CALIBÃ - Como já te disse, sou servo de um tirano, de um feiticeiro, que por meio de sua astúcia me
despojou desta ilha.
ARIEL - Mentes!
CALIBÃ - Tu é que mentes, símio bobo. Por mim, meu valente amo te matava. Não menti nada.
ESTÉFANO - Trínculo, se o interromperdes mais uma vez em sua história, por esta mão, arranco-vos
alguns dentes.
TRÍNCULO - Não falei nada.
ESTÉFANO - Então, psiu! Nem mais uma palavra.
(A Calibã.)
Continua.
CALIBÃ - Foi por feitiçaria, como disse, que ele ficou com a ilha. Caso tua Honra se dispuser a
castigá-lo - pois sei que tens coragem, que é o que falta àquele tipo -
ESTÉFANO - Isso é verdade.
CALIBÃ - Serás o dono da ilha e eu teu criado.
ESTÉFANO - Mas de que modo levaremos a cabo o empreendimento? Podes conduzir-me até ao
inimigo?
CALIBÃ - Posso, sim, meu senhor. Hei de entregar-to quando estiver dormindo, onde possível te for
meter-lhe na cabeça um prego.
ARIEL - É mentira! Não podes.
CALIBÃ - Bobo sarapintado! Tipo imundo! Suplico à tua Alteza dar-lhe golpes e tomar-lhe a garrafa; ela
conosco, ele que beba água do mar, somente, pois não lhe mostrarei as fontes frescas.
ESTÉFANO - Trínculo, não enfrentes outro perigo. Se interromperes mais uma vez o monstro com uma
única palavra, por esta mão, mandarei embora a minha misericórdia e te farei virar bacalhau.
TRÍNCULO - Mas que fiz eu? Não fiz nada. Vou mudar de lugar.
ESTÉFANO - Não disseste que o monstro estava mentindo?
ARIEL - Mentes!
ESTÉFANO - Minto, não? Então toma isto.
(Bate em Trínculo.)
Se gostares disto, desmente-me mais uma vez.
TRÍNCULO - Eu não te desmenti. Além de transtornado do espírito, ficastes com os ouvidos
perturbados? A peste seja de vossa garrafa. Tudo isso é efeito do xerez. Que a peste carregue vosso
monstro e o diabo vos arranque os dedos.
CALIBÃ - Ah! Ah! Ah!
ESTÉFANO - Agora, prossegue e tua história. Tu, aí, coloca-te mais longe!
CALIBÃ - Bate-lhe com vontade! Mais um pouco, que eu baterei também.
ESTÉFANO - Mais longe! - Adiante!
CALIBÃ - Ora, como eu te disse, ele tem o hábito de dormir toda tarde. Aí, te fora possível asfixiá-lo,
após o teres privado de seus livros; ou, munido de um pau, lhe partirás em dois o crânio; se não, o
estriparás com qualquer vara, ou a garganta com faca lhe seccionas. Mas, primeiro, é preciso que te
lembres de lhe tomar os livros, pois, sem eles, é um palerma como eu, já não dispondo de espírito
nenhum sobre que mande. Todos, como eu, lhe têm ódio entranhado. Basta queimar-lhe os livros.
Utensílios valiosos também tem - assim lhes chama - para enfeitar sua futura casa. Mas o que é sobretudo
de estimar-se é a beleza da filha, que ele próprio considera sem par. Mulher nenhuma jamais eu vi,
tirante Sicorax, minha mãe, e ela mesma. Mas tAo longe deixa ela Sicorax como o que é grande ao que é
muito pequeno.
ESTÉFANO - assim bonita?
CALIBÃ - Muito, senhor; há de enfeitar-te o leito, posso jurar-te, e dar-te bela prole.
ESTÉFANO - Monstro, vou matar esse homem. Sua filha e eu seremos rei e rainha. - Viva nossa Graça!
- E Trínculo e tu próprio sereis vice-reis. Agrada-te a proposta, Trínculo?
TRÍNCULO - Excelente.
ESTÉFANO - Dá-me a mão. Entristece-me haver-te batido; mas enquanto viveres, guarda uma boa
língua na cabeça.
CALIBÃ - É certo ele dormir nesta meia hora. Queres, então, destruí-lo? ESTÉFANO - Por minha honra.
ARIEL - Vou contar isso para o meu senhor.
CALIBÃ - Transbordo de prazer; deixas-me alegre. Rejubilemos, pois. Cantar não queres o estribilho
que há pouco me ensinaste?
ESTÉFANO - Farei o que me pedes, monstro; farei tudo o que me pedires. Cantemos, Trínculo. (Canta.)
Zombemos dele, oh oh! Vamos rir dele!
Vamos rir dele, oh oh! Zombemos dele!
O pensamento é livre.
CALIBÃ - Não é essa a melodia.
(Ariel toca a melodia num tamboril e numa flauta.)
ESTÉFANO - Que significa isso?
TRÍNCULO - É a melodia de nosso estribilho, tocada pelo fantasma de Ninguém.
ESTÉFANO- Se fores um homem, mostra-te sob a tua verdadeira forma; se fores o demônio, assume a
que bem te aprouver.
TRÍNCULO - Oh! Que os meus pecados sejam perdoados!
ESTÉFANO - Quem morre, salda as dívidas. Desafio-te! Misericórdia!
CALIBÃ - Estás com medo?
ESTÉFANO - Não, monstro; eu, não.
CALIBÃ - Não tenhas medo; esta ilha é sempre cheia de sons, ruídos e agradáveis árias, que só deleitam,
sem causar-nos dano. Muitas vezes estrondam-me aos ouvidos mil instrumentos de possante bulha;
outras vezes são vozes, que me fazem dormir de novo, embora despertado tenha de um longo sono.
Então, em sonhos presumo ver as nuvens que se afastam, mostrando seus tesouros, como prestes a sobre
mim choverem, de tal modo que, ao acordar, choro porque desejo prosseguir a sonhar.
ESTÉFANO - Que reino e tanto me vai ser este! Vou ter música de graça.
CALIBÃ - Uma vez destruído Próspero.
ESTÉFANO - O que se dará dentro de pouco. Não me esqueci da história.
TRÍNCULO - O som está se distanciando; acompanhemo-lo, para depois liquidarmos o nosso negócio.
ESTÉFANO - Monstro, vai na frente, que nós te acompanhamos. Quisera ver esse tamborileiro; tem
talento, de fato. Não vens?
TRÍNCULO - Eu também vou Estéfano.
(Saem.)

Cena III
(Outra parte da ilha.
Entram Alonso, Sebastião, Antônio, Gonzalo, Adriano, Francisco e Outros
GONZALO - Oh! Por Nossa Senhora! É-me impossível, senhor, dar mais um passo. Os velhos ossos me
doem de rachar. Isso é um perfeito labirinto, ora reto, ora com voltas. Com licença, preciso de descanso.
ALONSO - Não te censuro, velho, porque eu próprio fatigado me sinto de tal modo, que os espíritos
tenho obnubilados. Assenta-te e descansa. Neste ponto, deixo toda esperança, recusando-me a ouvir-lhe
as vás lisonjas. Já não vive quem tanto procuramos; afogou-se, rindo-se o mar do nosso afã na terra. Pois
que se vá!
ANTÔNIO (à parte, a Sebastião) - Alegro-me por vê-lo tão desesperançado. Só por causa de um primeiro
malogro, certamente não haveis de abrir mão de vosso intento.
SEBASTIÃO (à parte, a Antônio) - Aproveitemos o primeiro ensejo.
ANTÔNIO (à parte, a Sebastião) - Que seja à noite, pois estando todos prostrados de fadiga, embora o
queiram, não poderão ficar tão vigilantes, como quando dispostos.
SEBASTIÃO (à parte, a Antônio) - Bem, à noite.
(Música solene e estranha. No alto, Próspero, invisível. embaixo entram figuras bizarras, que carregam
uma mesa com iguarias; dançam à volta da mesa, saudando gentilmente; depois de convidarem o rei e
as demais pessoas para comer, desaparece.)
ALONSO - Que harmonia! Escutai, meus bons amigos.
GONZALO - Que suave e deliciosa melodia!
ALONSO - Ó céus! Dai-nos bons guardas. Que foi isso?
SEBASTIÃO - São fantoches com vida. Agora creio que haja unicórnios, que na Arábia serve uma
árvore de trono para a fênix que a reinar lá se encontra neste instante.
ANTÔNIO - Creio nos dois; e tudo o mais que de hábito tem sido posto em dúvida, procure-me; jurarei
que é verdade nua e crua. Os viajantes não mentem, muito embora na pátria os tolos os acoimem disso.
GONZALO - Se eu relatasse em Nápoles tudo isto, alguém me acreditara? Se contasse de que jeito são
estes insulanos - pois são, sem dúvida, habitantes da ilha - que embora sejam de exterior monstruoso -
observai bem! - revelam gentileza muito maior do que o fariam muitos - melhor, ninguém - da geração
humana?
PRÓSPERO (à parte) - Falastes com acerto, nobre honesto, que muitos do que estão hoje nesta ilha são
piores que o diabo.
ALONSO - Ao fim não chego de minha admiração ante estas formas, estes gestos e sons, que, embora do
uso da fala carecentes, concretizam uma linguagem muda e eloqüentíssima.
PRÓSPERO - Elogio à saída.
FRANCISCO - Eles sumiram por modo muito estranho.
SEBASTIÃO - Pouco importa, uma vez que as viandas nos deixaram, pois fome não nos falta, Sois
servidos a provar o que há aqui?
ALONSO - Muito obrigado.
GONZALO - Ora, senhor, não tenhais medo. Quando nós éramos meninos, quem creria, porventura, que
houvesse montanheses com barbela de touro na garganta, a pender-lhes do peito como saco balouçante
de carne? Ou gente houvesse com a cabeça no peito? Ora, tudo isso nos é presentemente asseverado.
pelos viajantes sobre os quais apostas correm de um contra cinco.
ALONSO - Vou sentar-me para comer, embora perca a vida. O melhor já passou; todo o restante não
vale nada. Mano, nobre duque, vinde, imitai-nos nisso.
(Trovões e relâmpagos. Entra Ariel sob a forma de uma harpia, agita as asas sobre a mesa e faz
desaparecer as iguarias por meio de wn artifício engenhoso.)
ARIEL - Três pecadores sois que ora o Destino - que tem como instrumento o baixo mundo e tudo o que
ele encerra - fez nas praias - vomitar pelo mar nunca saciado, justamente nesta ilha que não deve conter
seres humanos, por não serdes dignos de conviver com os outros homens. Vou deixar-vos privados da
razão.
(Vendo Alonso, Sebastião, etc. sacar das espadas.)
É com valor como esse que os humanos se enforcam e se afogam. Loucos todos! Eu e meus
companheiros somos servos do Fado. Os elementos de que vossas espadas são compostas, poderiam tão
bem ferir os ventos sibilantes, ou matar com pancadas irrisórias as águas que não cessam de reunir-se,
como estragar de leve uma penugem, sequer, de minhas asas. Igualmente invulneráveis são meus
companheiros. Mas embora pudésseis fazer algo: ora as vossas espadas se tornaram muito pesadas para
vossas forças; não as levantaríeis. Mas lembrai-vos - que esta é a minha incumbência neste instante - que
vós três o bom Próspero expulsastes de Milão, entregando-o, e sua filha, ao mar que ora vos pune. Foi
por esse feito facinoroso que as Potências - que tardar podem, mas jamais esquecem - contra vosso
sossego concitaram tantos mares furiosos, tantas praias, sim, todas as criaturas. De teu filho, Alonso, te
privaram. Pela minha voz te anunciam destruição morosa, pior do que qualquer modalidade de morte
repentina, que vos há de passo a passo seguir por onde fordes. Para vos preservardes dessa cólera - que
sobre vós há de cair sem falta nesta ilha desolada - só de auxílio vos será contrição muito sincera e, de
ora em diante, uma existência pura.
(Desaparece em meio de trovões. A seguir, ao som de uma música agradável, tornam a entrar as figuras
bizarras, que se põem a dançar fazendo momices e contorções e depois carregam a mesa.
PRÓSPERO (à parte) - Com muita perfeição tomaste a forma, meu Ariel, de harpia: era graciosa, a um
tempo, e ameaçadora. Em teu discurso, não te afastaste em nada do que eu disse. Do mesmo modo, os
criados secundários, com muita exatidão e sempre a ponto, de seus papéis saíram. Eficientes estão sendo
meus altos sortilégios, achando-se estes meus imigos presos à sua própria loucura. Todos eles estão em
minhas mãos. Mas vou deixá-los com seus delírios, para ir ver o moço Ferdinando, que morto todos
crêem, e à minha e sua amada estremecida.
(Desaparece.)
GONZALO - Em nome de quanto há de mais sagrado, por que, senhor, olhais tão fixamente?
ALONSO - É monstruoso! monstruoso! Pareceu-me que as ondas tinham voz e me falavam, que ventos
me cantavam e que o próprio trovão - órgão profundo e pavoroso - o nome vinham me dizer de Próspero
e com voz grave a morte me anunciavam. É certo, então: leito encontrou meu filho no chão lodoso. Irei,
pois, procurá-lo até onde não chegou sonda nenhuma e na lama com ele sepultar-me.
(Sai.)
SEBASTIÃO - Dá-me de cada vez um só demônio, que as legiões vencerei.
ANTÔNIO - Estou contigo.
(Saem Sebastião e Antônio.)
GONZALO - Aqueles três estão desesperados. Tal qual veneno, cuja ação demora para se patentear, o
crime deles só agora os rói por dentro. Assim, concito-vos - por terdes todos juntas mais flexíveis - a ir
atrás deles, para os resguardarmos das conseqüências a que poderia levá-los a loucura.
ADRIANO - Vinde, peço-vos.
(Saem.)

ATO IV
Cena I
(Diante da cela de Próspero.
Entram Próspero, Ferdinando e Miranda.)
PRÓSPERO - Se vos puni com muita austeridade, farto prêmio os trabalhos vos compensa, pois o fio vos
dou de minha vida, de que eu próprio dependo. Novamente nas mãos ta deposito. Todas essas vexações
não passavam de experiências a que tua afeição foi submetida. Galliardamente resististe a todas. Ratifico
ante o céu meu rico mimo. Ó Ferdinando! Não me julgues fútil por elogiá-la assim, pois vais em breve
convencer-te de quanto ela ultrapassa quaisquer louvores, que a coxear se esforçam, mas em vão, por
segui-la.
FERDINANDO - Creio nisso, embora o contestasse algum oráculo.
PRÓSPERO - Então recebe minha filha, como presente meu e tua aquisição dignamente alcançada. Mas
se acaso o laço virginal lhe desatares antes de haverem sido celebradas, sem omissão, as santas
cerimônias e seus ritos sagrados: muito longe de abençoar essa união o céu, deitando sobre ela o grato
orvalho, há de o ódio estéril, o desdém de olho mau e a atroz discórdia o leito vos juncar de ervas
daninhas de tal modo nojentas, que repulsa por ele sentireis. Acautelai-vos, por isso, e que vos ilumine a
lâmpada de Himeneu.
FERDINANDO - Pelo meu desejo ardente de vir a ter, com tal amor, tranqüilos dias, vida mui longa e
bela prole: as cavernas mais negras, os lugares mais oportunos, os mais poderosos argumentos dos gênios
da maldade que em nós próprios habitam, nunca me há de mudar a honra em luxúria, nem deixar-me sem
fio o gume desse dia santo. Antes de tal pensar, ficarão mancos os cavalos de Febo e acorrentada nos
abismos a noite.
PRÓSPERO- Bela jura. Senta-te, pois, e fala-lhe; pertence-te. Aqui, Ariel, meu servo diligente! (Entra
Ariel.)
ARIEL - Que deseja meu mestre poderoso? Aqui estou.
PRÓSPERO - Muito a ponto realizaste com meus servos menores minhas ordens mais recentes. Preciso
novamente de todos vós, para uma peça idêntica. Vai buscar-me os espíritos, depressa, sobre os quais te
dei força, e aqui os reúne. Concita-os a moverem-se de pronto, porque desejo apresentar aos olhos deste
amoroso e jovem par algumas ilusões de minha arte. Prometi-lhes que o faria, e de mim isso ora esperam.
ARIEL - Neste momento?
PRÓSPERO - Sim, num piscar de olhos.
ARIEL - Sem que digas "Muito bem!" ou me grites "Vai e vem!" Velozes como ninguém aqui estarão
sem porém. Amais-me, mestre, também?
PRÓSPERO - De coração, meu delicado Ariel. Antes de eu te chamar não te aproximes.
ARIEL - Muito bem. Compreendi.
(Sai.)
PRÓSPERO - Olha, sê verdadeiro; não afrouxes a rédea dos carinhos; os mais fortes juramentos são
palha para o fogo dos sentidos. Procura comedir-te; do contrário, boa noite, juramentos!
FERDINANDO - Senhor, ficai tranqüilo; a branca e fria neve da virgindade que ora trago no coração me
abate por completo o calor dos sentidos.
PRÓSPERO - Muito bem. - Agora, meu Ariel, volta depressa! Antes de haver espírito de sobra do que
faltar-nos um. Sê prestimoso. - E agora, apenas olhos; ninguém fale.
(Música serena. Mascarada. Entra Íris.)
ÍRIS - Ceres, deusa benéfica, apressada de teus campos te afasta de cevada, de trigo, aveia, ervilha e de
centeio, de teus prados virentes, onde, em meio de forragem, rumina o lento gado; dos córregos de
margens com bordado de peônias e caniços, em que abril faz nascer, ao teu gesto, flores mil, porque
coroas castas as pudicas ninfas possam tecer; das matas ricas de sombra, a que se acolhem namorados do
desdém das zagalas já cansados; das vinhas especadas, das ruidosas praias do mar, e, assim, das alterosas
montanhas onde ao sol costumas pôr-te... A rainha que no alto tem a corte. de quem sou ponte de água e
mensageira, te ordena deixar tudo e, mesureira, à sua graça juntar-te soberana, para que aqui, com
cortesia lhana, brinques com ela. Seus pavões, de vê-la já se ufanam. Vem, Ceres, recebê-la!
(Entra Ceres.)
CERES - Mensageira de cores variegadas, que a consorte de leve sempre agradas, que com tuas asas de
açafrão às flores deitas orvalho e restituis as cores e com teu arco azul linda coroa nos bosques pões e na
sutil lagoa: linda charpa da terra dadivosa, que quer de mim tua rainha airosa? Por que me mandou vir
para o gramado?
ÍRIS - Porque um contrato seja celebrado de amor sincero, e para que se apreste voluntário presente.
CERES - Arco celeste, saberás informar-me se com ela estão Vênus e o filho? Desde aquela vez em que,
por astúcia, a filha amada me tiraram, em presa cobiçada de Dis a transformando, a escandalosa
companhia abjurei da deusa airosa e de seu filho cego.
IRIS - A companhia dos dois não te amedronte, que na via de Pafo os encontrei; num carro lindo de
pombas ia o filho. Não sorrindo se partiram daqui, porque feitiço libertino tentaram, antes disso, lançar
neste casal de namorados que haviam feito votos sublimados de não subirem para o casto leito sem que
acendido já tivesse a jeito sua tocha Himeneu. Mas foi em vão; partiu sem realizar sua intenção a
acolorada amante de Mavorte. Seu petulante filho, de tal sorte ficou zangado que quebrou as setas, juras
fazendo claras e secretas de não lançar nenhum disparo mais, porém, como os peraltas, com os pardais
gastar o tempo todo.
CERES - Pelo andar percebo que a alta Juno está a chegar.
(Entra Juno.)
JUNO - Como vai indo minha irmã? Comigo vinde abençoar este casal amigo, porque sejam felizes e
exalçados nos filhos por nascer.
Cantiga
JUNO - Honras, filhos e riquezas,
vida longa sem surpresas,
horas felizes sem conta
Juno agora vos apronta.
CERES - Celeiro sempre repleto,
de tudo, do chão ao teto,
vides ao peso encurvadas,
plantas sempre carregadas;
só vos chegue a primavera
estando a colheita à espera.
Felicidades sem conta
é o que Ceres vos apronta.
FERDINANDO - Nunca vi espetáculo tão belo. Fascinante harmonia! Temerário não serei por demais
imaginando que se trate de espíritos?
PRÓSPERO - Espíritos que eu conjurei de seus confins longínquos, por meio de minha arte, para darem
corpo às minhas presentes fantasias.
FERDINANDO - Oh! Deixai-me viver sempre aqui mesmo; um pai tão raro e sábio, em paraíso
transforma este lugar.
(Juno e Ceres falam baixo e mandam Iris executar uma ordem.)
PRÓSPERO - Silêncio, amigo.
Juno e Ceres cochicham gravemente. Algo ainda há por fazer. Silêncio agora; caso contrário, ficará
quebrada toda nossa magia.
ÍRIS - Náiades ninfas das correntes ledas, de coroas de junco e expressões quedas, saí de vossos leitos e
na grama vinde dançar; é Juno que o proclama. Ninfas pudicas, nada vos impeça de exaltar este enlace.
Bem depressa.
(Entram algumas ninfas.)
Segadores tostados pelo sol, de agosto lassos, à reunião de escol comparecei alegres, e com vossos
chapéus de palha de centeio nossos festejos animai, porque hoje é dia feriado. Dando mostras de alegria,
vinde todos tirar uma das ninfas que, de pouco, deixaram suas linfas, para dançar na grama.
(Entram alguns segadores, com vestes limpas, e se reúnem às ninfas, em dança graciosa. Quase no fim
da dança, Próspero estremece subitamente e fala, com o que todos desparecem devagar, no meio de um
ruído cavo e confuso.)
PRÓSPERO (à parte.) - Por pouco não me esquece a traça infame do animal Calibã e de seus cúmplices,
contra a minha existência. Estamos quase no minuto da trama combinada.
(Aos espíritos.) Muito bem; é o bastante; ide-vos todos.
FERDINANDO - Curioso como vosso pai se encontra sob violenta paixão!
MIRANDA - A não ser hoje, nunca o vi externar tão forte cólera.
PRÓSPERO - Pareceis, caro filho, um tanto inquieto, como quem sente medo. Criai ânimo, senhor;
nossos festejos terminaram. Como vos preveni, eram espíritos todos esses atores; dissiparam-se no ar,
sim, no ar impalpável. E tal como o grosseiro substrato desta vista, as torres que se elevam para as
nuvens, os palácios altivos, as igrejas majestosas, o próprio globo imenso, com tudo o que contém, hão
de sumir-se, como se deu com essa visão tênue, sem deixarem vestígio. Somos feitos da matéria dos
sonhos; nossa vida pequenina é cercada pelo sono. Reconheço, senhor, que estou irritado. Suportai-me,
vos peço; é da fraqueza. Enturva-se-me o cérebro já velho. Não vos amofineis com minha doença. Caso
vos for do agrado, entrai na cela, para aí repousardes. Enquanto isso, darei algumas voltas, porque possa
tornar-me calmo.
FERDINANDO E MIRANDA - Paz vos desejamos.
(Saem.)
PRÓSPERO - Rápido como o pensamento, vem meu Ariel. Agradeço-te.
(Entra Ariel.)
ARIEL -Sigo sempre de perto tuas intenções. Que queres?
PRÓSPERO - Precisamos, espírito, estar prontos para que Calibã não nos surpreenda. ARIEL - É certo,
mestre. Quando trouxe Ceres, pensei em te falar; mas tive medo de causar-te desgosto.
PRÓSPERO - Dize-me onde deixaste esses lacaios?
ARIEL - Como disse, senhor, todos estavam vermelhos de bebida e tão valentes, que o próprio ar
atacavam pelo ousio de lhes soprar no rosto, o chão calcavam por lhes beijar os pés, e sempre atentos na
traça combinada. Nesse instante toquei meu tamboril, ao que eles, logo, como potros selvagens, com as
orelhas em pé ficaram, olhos espantados, e as narinas abertas, como o cheiro de música a sentir.
Enfeitiçados lhes deixei os ouvidos de tal forma, que, como bezerrinhos, os mugidos me seguiam por
entre os tojos duros, os espinheiros e as mordentes sarças, que nas pernas mui frágeis lhes entravam. Por
fim deixei-os no paul coberto de imundícies, atrás de vossa cela, onde até ao queixo se contorcem, para
da lama se livrarem pegajosa.
PRÓSPERO - Muito bem, caro pássaro. Conserva-te invisível por mais alguns momentos. Vai a casa e
me traze o que encontrares de badulaques; com isso engendraremos armadilha para esses malfeitores.
ARIEL - Vou já! Vou já!
(Sai.)
PRÓSPERO - É um demônio, um demônio de nascença, em cuja natureza jamais pôde atuar a educação.
Foram perdidos todos os meus esforços; sim, perdido completamente, sempre, quanto hei feito a ele por
amor à humanidade. Seu corpo com a idade fica hediondo e cada vez mais ulcerado o espírito.
Atormentá-los vou até que rujam.
(Volta Ariel, carregado de vestimentas brilhantes, etc.)
Vamos, pendura tudo nessa corda.
(Próspero e Ariel se tornam invisíveis. Entram Calibã, Estéfano e Trínculo, inteiramente molhados.)
CALIBÃ - Agora, por favor, pisai de leve, porque a toupeira cega não perceba quando nos caem os pés.
Estamos perto.
ESTÉFANO - Monstro, vossa fada, que dizíeis ser uma fada sem maldade, procedeu simplesmente
conosco como com marotos.
TRÍNCULO - Monstro, estou sentindo o cheiro de urina de cavalo, o que me causa grande indignação ao
nariz.
ESTÉFANO - Ao meu também. Estás ouvindo, monstro? Se me causares o menor aborrecimento... Toma
cuidado!
TRÍNCULO - Não passarás de um monstro perdido.
CALIBÃ - Concedei-me, meu bom senhor, um pouco mais de vosso favor; sede paciente, que o prêmio
prometido vai deixar-vos esquecido de tantos contratempos. Por isso falai baixo; tudo se acha tão
sossegado como à meia-noite.
TRÍNCULO - Sim, mas perdemos as garrafas no atoleiro!
STÉFANO - O que não constitui para nós, monstro, apenas uma desgraça, mas perda irreparável.
TRÍNCULO - Que eu sinto mais do que toda esta umidade. Isso, monstro, ainda é trabalho de vossa fada
sem maldade.
ESTÉFANO - Hei de recuperar a minha garrafa, ainda que me atole até às orelhas.
CALIBÃ - Acalma-te, meu rei. Estás vendo isto? É a boca da caverna. Entra sem bulha e o bom crime
comete decidido, que dono te fará desta bela ilha e de mim, Calibã, teu lambe-pé.
ESTÉFANO - Dá-me a mão; já começo a ter pensamentos sanguinários.
TRÍNCULO - Ó Rei Estéfano! Ó par! O digno Estéfano, vê que belo guarda-roupa aqui está para ti!
CALIBÃ - Deixa isso, tolo; são bugigangas.
TRÍNCULO - Oh, oh, monstro! Sabemos muito bem o que sejam pacotilhas. Ó Rei Estéfano!
ESTÉFANO - Tira esse manto, Trínculo. Por esta mão, quero esse manto para mim.
TRÍNCULO - Tua Graça o terá.
CALIBÃ - Na hidropsia se afogue este pateta. Que estais pensando, para assim ficardes diante desses
andrajos? Deixai isso. Primeiro, a morte dele. Caso acorde, desde os pés à cabeça vai deixar-nos a pele
triturada, de nós todos fazendo bela papa.
ESTÉFANO - Fica quieto, monstro! - Senhora linha, este gibão não é o meu? Presentemente o gibão já
passou a linha. Agora gibão, vais perder os cabelos e tornar-te gibão careca.
TRÍNCULO - A ele! A ele! Com licença de Vossa Graça, mas sabemos roubar em linha reta.
ESTÉFANO - Muito obrigado pela pilhéria. Fica com esta roupa. Não se dirá que o espírito não é
recompensado enquanto eu for rei deste país. "Roubamos em linha reta!" Multo bem dito, realmente.
Toma mais esta peça, como prêmio da frase.
TRÍNCULO - Vem, monstro; passa um pouco de visgo nos dedos e some com o resto da roupa.
CALIBÃ - Não quero nada; perderemos tempo com isso, e nos transforma remos em macacos ou em
patos bravos, de testa acanhada e para baixo.
ESTÉFANO - Monstro, espicha os dedos. Ajuda a levar isto para onde está o meu barril de vinho. Caso
contrário, expulso-te do meu reino. Mimos, carrega isto.
TRÍNCULO - E isto também.
ESTÉFANO - Sim, e mais isto.
(Ouve-se barulho de caçada. Entram diversos espíritos sob a forma de cães, que se põem a perseguir
Estéfano, Trínculo e Calibã. Próspero e Ariel os espicaçam com gritos.)
PRÓSPERO - Pega, Montanha! Pega!
ARIEL - Prateado! Por aqui, Prateado!
PRÓSPERO - Aqui, Fúria! Aqui, Sultão! Pega! Pega!
(Calibã, Estéfano e Trínculo saem perseguidos.)
Vai, incumbe os meus duendes de torce-lhes com secas convulsões todas as juntas, de com cãibras os
nervos repuxar-lhes, com beliscões deixando-os mais manchados do que os gatos selvagens e as panteras.
ARIEL - Escuta: estão rugindo.
PRÓSPERO - Que sejam perseguidos sem piedade. Meus inimigos, neste instante, se acham de todo ao
meu dispor. Dentro de pouco terás o ar à vontade. Alguns momentos, ainda, me acompanha e cumpre
tudo que eu te mandar fazer.
(Saem.)

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