sábado, 11 de junho de 2011

Percy Jackson e o Ladrão de Raios - Capítulos 1 ao 5

UM
Sem querer, transformo em pó minha professora de iniciação à Álgebra

Olhe, eu não queria ser um meio-sangue.
Se você está lendo isto porque acha que pode ser um, meu conselho é o seguinte: feche
este livro agora mesmo. Acredite em qualquer mentira que sua mãe ou seu pai lhe
contou sobre seu nascimento, e tente levar uma vida normal.
Ser meio-sangue é perigoso. É assustador. Na maioria das vezes, acaba com a gente de
um jeito penoso e detestável.
Se você é uma criança normal, que está lendo isto porque acha que é ficção, ótimo.
Continue lendo. Eu o invejo por ser capaz de acreditar que nada disso aconteceu.
Mas, se você se reconhecer nestas páginas – se sentir alguma coisa emocionante lá
dentro -, pare de ler imediatamente. Você pode ser um de nós. E, uma vez que fica
sabendo disso, é apenas uma questão de tempo antes que eles também sintam isso, e
venham atrás de você.
Não diga que eu não avisei.
Meu nome é Percy Jackson.
Tenho doze anos de idade. Até alguns meses atrás, era aluno de um internato, na
Academia Yancy, uma escola particular para crianças problemáticas no norte do estado
de Nova York.
Se eu sou uma criança problemática?
Sim. Pode-se dizer isso.
Eu poderia partir de qualquer ponto da minha vida curta e infeliz para prová-lo, mas as
coisas começaram a ir realmente mal no último mês de maio, quando nossa turma do
sexto ano fez uma excursão a Manhattan – vinte e oito crianças alucinadas e dois
professores em um ônibus escolar amarelo indo para o Metropolitan Museum of Art, a
fim de observar velharias gregas e romanas.
Eu sei, parece tortura. A maior parte das excursões da Yancy era mesmo.
Mas o sr. Brunner, nosso professor de latim, estava guiando essa excursão, assim eu
tinha esperanças.
O sr. Brunner era um sujeito de meia-idade em uma cadeira de rodas motorizada. Tinha
o cabelo ralo, uma barba desalinhada e usava um casaco surrado de tweed que sempre
cheirava a café. Talvez você não o achasse legal, mas ele contava histórias e piadas e
nos deixava fazer brincadeiras em sala. Também tinha uma impressionante coleção de
armaduras e armas romanas, portanto era o único professor cuja aula não me fazia
dormir.
Eu esperava que desse tudo certo na excursão. Pelo menos tinha esperança de não me
meter em encrenca dessa vez.
Cara, como eu estava errado.
Entenda: coisas ruins me acontecem em excursões escolares. Como na minha escola da
quinta série, quando fomos para o campo de batalha de Saratoga, e eu tive aquele
acidente com um canhão da Revolução Americana. Eu não estava apontando para o
ônibus da escola, mas é claro que fui expulso do mesmo jeito.
E antes disso, na escola da quarta série, quando fizemos um passeio pelos bastidores do
tanque dos tubarões do Mundo Marinho, e eu de, alguma forma, acionei a alavanca
errada no passadiço e nossa turma tomou um banho inesperado. E antes disso... Bem, já
dá para você ter uma idéia.
Nessa viagem, eu estava determinado a ser bonzinho.
Ao longo de todo o caminho para a cidade agüentei Nancy Bobofit, aquela
cleptomaníaca ruiva e sardenta, acertando a nuca do meu melhor amigo, Grover, com
pedaços de sanduíche de manteiga de amendoim com ketchup.
Grover era um alvo fácil. Ele era magrelo. Chorava quando ficava frustrado. Devia ter
repetido de ano muitas vezes, porque era o único na sexta série que tinha espinhas e
uma barba rala começando a nascer no queixo. E, ainda por cima, era aleijado. Tinha
um atestado que o dispensava da Educação Física pelo resto da vida, porque tinha
algum tipo de doença muscular nas pernas. Andava de um jeito engraçado, como se
cada passo doesse, mas não se deixe enganar por isso. Você precisa vê-lo correr quando
era dia de enchilada na cantina.
De qualquer modo, Nancy Bobofit estava jogando bolinhas de sanduíche que grudavam
no cabelo castanho cacheado dele, e ela sabia que eu não podia revidar, porque já estava
sendo observado, sob o risco de ser expulso. O diretor me ameaçara de morte com uma
suspensão “na escola” (ou seja, sem poder assistir às aulas, mas tendo de comparecer à
escola e ficar trancado numa sala fazendo tarefas de casa) caso alguma coisa ruim,
embaraçosa ou até moderadamente divertida acontecesse durante a excursão.
- Eu vou matá-la – murmurei.
Grover tentou me acalmar.
- Está tudo bem. Gosto de manteiga de amendoim.
Ele se esquivou de outro pedaço do lanche de Nancy.
- Agora chega. – Comecei a levantar, mas Grover me puxou de volta para o assento.
- Você já está sendo observado – ele me lembrou. – Sabe que será culpado se acontecer
alguma coisa.
Quando me lembro daquilo, preferia ter acertado Nancy Bobofit no ato. A suspensão na
escola não teria sido nada em comparação com a encrenca que eu estava prestes a me
meter.
O sr. Brunner guiou o passeio pelo museu.
Ele foi na frente em sua cadeira de rodas, conduzindo-nos pelas grandes galerias cheias
de ecos, passando por estátuas de mármore e caixas de vidro repletas de cerâmica preta
e laranja muito velha.
Eu ficava alucinado só de pensar que aquelas coisas tinham sobrevividos por dois mil,
três mil anos.
Ele nos reuniu em volta de uma coluna de pedra com quatro metros de altura e uma
grande esfinge no topo, e começou a explicar que aquilo era um marco tumular, uma
estela, feita para uma menina mais ou menos da nossa idade. Contou-nos sobre as
inscrições laterais. Estava tentando ouvir o que ele tinha a dizer, porque era um pouco
interessante, mas todos ao meu redor estavam falando, e cada vez que eu dizia para
calarem a boca, a outra professora que nos acompanhava, a sra. Dodds, me olhava de
cara feia.
A sra. Dudds era aquela professorinha de matemática da Geórgia que sempre usava um
casaco de couro preto, apesar de ter cinqüenta anos de idade. Parecia má o bastante para
entrar com uma moto Harley bem dentro do seu armário. Tinha chegado em Yancy no
meio do ano, quando nossa última professora de matemática teve um colapso nervoso.
Desde o primeiro dia, a sra. Dodds adorou Nancy Bobofit e concluiu que eu tinha sido
gerado pelo diabo. Ela me apontava o dedo torto e dizia: “Agora, meu bem”, com a
maior doçura, e eu sabia que ia ficar detido depois da aula por um mês.
Certa vez, depois que ela me fez apagar as respostas em antigos livros de exercícios de
matemática até meia-noite, disse a Grover que achava que a sra. Dodds não era gente.
Ele olhou para mim, muito sério, e disse:
- Você está certíssimo.
O sr. Brunner continuou falando sobre arte funerária grega.
Finalmente, Nancy Bobofit, abafando o riso, falou algo sobre o sujeito pelado na estela,
e eu me virei e disse:
- Quer calar a boca?
Saiu mais alto do que eu pretendia.
O grupo inteiro deu risada. O Sr. Brunner interrompeu seu história.
- Sr. Jackson – disse ele -, fez algum comentário?
Meu rosto estava completamente vermelho. Eu disse:
- Não, senhor.
O sr. Brunner apontou para uma das figuras na estela.
- Talvez possa nos dizer o que esta figura representa.
Olhei para a imagem entalhada e senti uma onda de alívio, porque de fato a
reconhecera.
- É Cronos comendo os filhos, certo?
- Sim – disse o sr. Brunner, e obviamente não estava satisfeito. – E ele fez isso porque...
- Bem... – eu quebrei a cabeça para me lembrar. – Cronos era o deus-rei e...
- Rei? – perguntou o sr. Brunner.
- Titã – eu me corrigi. – E... ele não confiava nos filhos, que eram os deuses. Então,
hum, Cronos os comeu, certo? Mas sua esposa escondeu o bebê Zeus e deu a Cronos
uma pedra para comer no lugar dele. E depois, quando Zeus cresceu, ele enganou o pai,
Cronos, e o fez vomitar seus irmãos e irmãs.
- Eca! – disse uma das meninas atrás de mim.
- ...e então houve aquela grande briga entre os deuses e os titãs – continuei -, e os deuses
venceram.
Algumas risadinhas do grupo.
Atrás de mim, Nancy Bobofit murmurou para uma amiga:
- Como se fôssemos usar isso na vida real. Como se fossem falar nas nossas entrevistas
de emprego: “Por favor explique por que Cronos comeu seus filhos.”
- E por que, Sr. Jackson – disse o sr. Brunner -, parafraseando a excelente pergunta da
Srta. Bobofit, isso importa na vida real?
- Se ferrou – murmurou Grover.
- Cala a boca – chiou Nancy, a cara ainda mais vermelha que seu cabelo.
Pelo menos Nancy também foi enquadrada. O sr. Brunner era o único que a pegava
dizendo algo errado. Tinha ouvidos de radar.
Pensei na pergunta dele, e encolhi os ombros.
- Não sei, senhor.
- Entendo. – O sr. Brunner pareceu desapontado. – Bem, meio ponto, Sr. Jackson. Zeus,
na verdade, deu a Cronos uma mistura de mostarda e vinho, o que o fez vomitar as
outras cinco crianças, que, é claro, sendo deuses imortais, estavam vivendo e crescendo
sem serem digeridas no estômago do titã. Os deuses derrotaram o pai deles, cortando-no
em pedaços com sua própria foice e espalharam os restos no Tártaro, a parte mais escura
do Mundo Inferior. E com esse alegre comentário, é hora do almoço. Sra. Dodds, quer
nos levar de volta para fora?
A turma foi retirada, as meninas segurando a barriga, os garotos empurrando uns aos
outros e agindo como bobões.
Grover e eu estávamos prestes a segui-los quando o sr. Brunner disse:
- Sr. Jackson.
Eu sabia o que vinha a seguir.
Disse a Grover para ir andando. Então me voltei para o professor.
- Senhor?
O sr. Brunner tinha aquele olhar que não deixa a gente ir embora – olhos castanhos
intensos que poderiam ter mil anos de idade e já ter visto de tudo.
- Você precisa aprender a responder à minha pergunta – disse ele.
- Sobre os titãs?
- Sobre a vida real. E como seus estudos se aplicam a ela.
- Ah.
- O que você aprende comigo – disse ele – é de uma importância vital. Espero que trate
o assunto como tal. De você, aceitarei apenas o melhor, Percy Jackson.
Eu queria ficar zangado, aquele sujeito me pressionava demais.
Quer dizer, claro, era legal em dias de torneio, quando ele vestia uma armadura romana,
bradava “Olé!” e nos desafiava, ponta de espada contra o giz a correr para o quadronegro
e citar pelo nome cada pessoa grega ou romana que já viveu, o nome de sua mãe e
que deuses cultuavam. Mas o sr. Brunner esperava que eu fosse tão bom quanto todos
os outros a despeito do fato de que tenho dislexia e transtorno do déficit de atenção, e de
que nunca na vida tirei uma nota acima de C-. Não – ele não esperava que eu fosse tão
bom quanto; ele esperava que eu fosse melhor. E eu simplesmente não podia aprender
todos aqueles nomes e fatos, e muito menos escrevê-los direito.
Murmurei alguma coisa sobre me esforçar mais, enquanto o sr. Brunner lançava um
olhar longo e triste para a estela, como se tivesse estado no funeral daquela menina.
Ele me disse para sair e comer meu lanche.
A turma se reuniu nos degraus da frente do museu, de onde podíamos assistir ao trânsito
de pedestres pela Quinta Avenida.
Acima de nós, uma imensa tempestade estava se formando, com as nuvens mais escuras
que eu já tinha visto sobre a cidade. Imaginei que talvez fosse o aquecimento global ou
qualquer coisa assim, porque o tempo em todo o estado de Nova York estava esquisito
desde o Natal. Tivemos nevascas pesadas, inundações, incêndios nas florestas causados
por raios. Eu não teria ficado surpreso se fosse um furacão chegando.
Ninguém mais pareceu notar. Alguns dos garotos estavam jogando biscoitos para os
pombos. Nancy Bobofit tentava afanar alguma coisa da bolsa de uma senhora e, é claro,
a sra. Dodds não via nada.
Grover e eu nos sentamos na beirada do chafariz, longe dos outros. Pensamos que, se
fizéssemos isso, talvez ninguém descobrisse que éramos daquela escola — a escola para
esquisitões lesados que não davam certo em nenhum outro lugar.
- Detenção? - perguntou Grover.
- Não - disse eu. - Não do Brunner. Eu só gostaria que ele às vezes me desse um tempo.
Quer dizer, não sou um gênio.
Grover não disse nada por algum tempo. Então, quando achei que ele ia me brindar com
algum comentário filosófico profundo para me fazer sentir melhor, ele disse:
- Posso comer sua maçã?
Eu não estava com muito apetite, então a entreguei a ele.
Observei os táxis que passavam descendo a Quinta Avenida e pensei no apartamento de
minha mãe, na área residencial próxima ao lugar onde estávamos sentados. Eu não a via
desde o Natal. Tive muita vontade de pular em um táxi e ir para casa. Ela me abraçaria e
ficaria contente de me ver, mas também ficaria desapontada. Imediatamente me
mandaria de volta para Yancy e me lembraria que preciso me esforçar mais, ainda que
aquela fosse minha sexta escola em seis anos e que, provavelmente, eu seria chutado
para fora de novo. Não conseguiria suportar o olhar triste que ela me lançaria.
O sr. Brunner estacionou a cadeira de rodas na base da rampa para deficientes. Comia
aipo enquanto lia um romance. Um guarda-chuva vermelho estava enfiado nas costas da
cadeira, fazendo-a parecer uma mesa de café motorizada.
Eu estava prestes a desembrulhar meu sanduíche quando Nancy Bobofit apareceu diante
de mim com as amigas feiosas – imagino que tivesse se cansado de roubar dos turistas -
e deixou seu lanche, já comido pela metade, cair no colo de Grover.
- Oops. - Ela arreganhou um sorriso para mim, com os dentes tortos. As sardas eram
alaranjadas, como se alguém tivesse pintado o rosto dela com um spray de Cheetos
líquido.
Tentei ficar calmo. O orientador da escola me dissera um milhão de vezes: "Conte até
dez, controle seu gênio." Mas estava tão furioso que me deu um branco. Uma onda
rugia nos meus ouvidos.
Não me lembro de ter tocado nela, mas quando dei por mim Nancy estava sentada com
o traseiro no chafariz, berrando:
- Percy me empurrou! A sra. Dodds se materializou ao nosso lado. Algumas das
crianças estavam sussurrando:
- Você viu...
- ...a água...
- ...parece que a agarrou...
Eu não sabia do que elas estavam falando. Tudo o que sabia era que estava encrencado
outra vez.
Assim que se certificou de que a pobre Nancy estava bem, prometendo dar-lhe uma
blusa nova na loja de presentes do museu etc. e tal, a sra. Dodds se voltou para mim.
Havia um fogo triunfante em seus olhos, como se eu tivesse feito algo pelo ela esperara
o semestre inteiro:
- Agora, meu bem...
- Eu sei - resmunguei. - Um mês apagando livros de exercícios.
Não foi a coisa certa para dizer.
- Venha comigo - disse a sra. Dodds.
- Espere! - guinchou Grover. - Fui eu. Eu a empurrei.
Olhei para ele perplexo. Não podia acreditar que estivesse tentando me proteger. Ele
morria de medo da sra. Dodds.
Ela lançou um olhar tão furioso que fez o queixo penugento dele tremer.
- Acho que não, sr. Underwood - disse ela.
- Mas...
- Você... vai... ficar... aqui.
Grover me olhou desesperadamente,
- Tudo bem, cara - disse a ele. - Obrigado por tentar.
- Meu bem - latiu a sra. Dodds para mim. - Agora.
Nancy Bobofit deu um sorriso falso.
Lancei-lhe meu melhor olhar de "vou acabar com a sua raça". Então me virei para
enfrentar a sra. Dodds, mas ela não estava lá. Estava postada à entrada do museu, lá no
alto dos degraus, gesticulando impaciente para mim.
Como ela chegou lá tão depressa?
Tenho milhares de momentos desse tipo - meu cérebro adormece ou algo assim e,
quando me dou conta, vejo que perdi alguma coisa, como se uma peça do quebra-cabeça
desaparecesse e me deixasse olhando para o espaço vazio atrás dela. O orientador da
escola me disse que isso era parte do transtorno do déficit de atenção, era meu cérebro
que interpretava tudo errado.
Eu não tinha tanta certeza.
Fui atrás da sra. Dodds.
No meio da escadaria, olhei para Grover lá atrás. Ele parecia pálido, movendo os olhos
entre mim e o sr. Brunner, como se quisesse que o sr. Brunner reparasse no que estava
acontecendo, mas o professor estava absorto em seu romance.
Voltei a olhar para cima. A sra. Dodds desaparecera de novo. Estava agora dentro do
edifício, no fim do hall de entrada.
Certo, pensei. Ela vai me fazer comprar uma blusa nova para Nancy na loja de
presentes.
Mas aparentemente não era esse o plano.
Eu a segui museu adentro. Quando finalmente a alcancei, estávamos de volta à seção
greco-romana.
A não ser por nós, a galeria estava vazia.
A sra. Dodds estava postada de braços cruzados na frente de um grande friso de
mármore com os deuses gregos. Ela fazia um mulo estranho com a garganta, como um
rosnado.
Mesmo sem o ruído, eu teria ficado nervoso. É esquisito estar sozinho com uma
professora, especialmente a sra. Dodds. Algo no modo como ela olhava para o friso,
como se quisesse pulverizá-lo...
- Você está nos criando problemas, meu bem - disse ela.
Fiz o que era seguro. Disse:
- Sim, senhora.
Ela ajeitou os punhos de seu casaco de couro.
- Você achou mesmo que ia se safar desta? A expressão em seus olhos era mais que
furiosa. Era perversa. Ela é uma professora, pensei, nervoso. Não é provável que vá me
machucar. Eu disse:
- Eu... eu vou me esforçar mais, senhora. Um trovão sacudiu o edifício.
- Nós não somos bobos, Percy Jackson - disse a sra. Dodds. - Seria apenas uma questão
de tempo até que o descobríssemos Confesse, e você sentirá menos dor.
Eu não sabia do que ela estava falando.
Tudo o que pude pensar foi que os professores haviam descoberto o estoque ilegal de
doces que eu estava vendendo no meu dormitório. Ou talvez tivessem descoberto que eu
pegara meu trabalho sobre Tom Sawyer na Internet sem ter nem lido o livro, e agora
iam retirar minha nota. Ou pior, iam me obrigar a ler o livro.
- E então? - exigiu.
- Senhora, eu não...
- O seu tempo se esgotou - sibilou ela.
Então algo muito estranho aconteceu. Os olhos dela começaram a brilhar como carvão
de churrasco. Os dedos se esticaram, transformando-se em garras. O casaco se fundiu
em grandes asas de couro. Ela não era humana. Era uma bruxa má e enrugada, com asas
e garras de morcego e com uma boca repleta de presas amareladas - e estava prestes a
me fazer em pedaços.
Então as coisas ficaram ainda mais esquisitas.
O sr. Brunner, que estava na frente do museu um minuto antes, foi com a cadeira de
rodas até o vão da porta da galeria, segurando uma caneta.
- Olá, Percy! — gritou ele, e lançou a caneta pelo ar.
A sra. Dodds deu um bote para cima de mim.
Com um gemido agudo, eu me esquivei e senti as garras cortando o ar ao lado do meu
ouvido. Agarrei a caneta esferográfica no alto, mas quando ela atingiu minha mão já
não era mais uma caneta. Era uma espada - a espada de bronze do sr. Brunner, que ele
sempre usava em dias de torneio.
A sra. Dodds virou-se na minha direção com uma expressão assassina nos olhos.
Meus joelhos ficaram bambos. As mãos tremiam tanto que quase deixei a espada cair.
Ela rosnou:
- Morra, meu bem!
E voou para cima de mim.
Um terror absoluto percorreu meu corpo. Fiz a única coisa que me ocorreu
naturalmente: desferi um golpe com a espada.
A lâmina de metal atingiu o ombro dela e passou direto por seu corpo, como se ela fosse
feita de água: Zaz!
A sra. Dodds era um castelo de areia debaixo de um ventilador. Ela explodiu em areia
amarela, reduziu-se a pó, sem deixar nada do cheiro de enxofre, um grito estridente que
foi sumindo e um calafrio de maldade no ar, como se aqueles olhos vermelhos
incandescentes ainda estivessem me olhando.
Eu estava sozinho.
Havia uma caneta esferográfica na minha mão-.
O sr. Brunner não estava lá. Não havia ninguém lá além de mim.
Minhas mãos ainda estavam tremendo. Meu lanche devia estar contaminado com
cogumelos mágicos ou coisa assim.
Será que eu havia imaginado tudo aquilo?
Voltei para o lado de fora.
Tinha começado a chover.
Grover estava sentado junto ao chafariz com um mapa do museu formando uma tenda
em cima de sua cabeça. Nancy Bobofit ainda estava lá, encharcada do banho no
chafariz, resmungando para as amigas feiosas. Quando me viu, disse:
- Espero que a sra. Kerr tenha chicoteado seu traseiro.
- Quem? - respondi.
- Nossa professora. Dãã!
Eu pisquei. Não tínhamos nenhuma professora chamada sra. Kerr. Perguntei a Nancy de
quem ela estava falando.
Ela simplesmente revirou os olhos e me deu as costas.
Perguntei a Grover onde estava a sra. Dodds.
- Quem? - respondeu ele.
Mas Grover primeiro fez uma pausa, e não olhou para mim, portanto, pensei que
estivesse me gozando.
- Não tem graça, cara - disse a ele. - Isso é sério. Um trovão estourou no alto.
Vi o sr. Brunner sentado embaixo do guarda-chuva vermelho, lendo seu livro, como se
nunca tivesse se mexido. Fui até ele. Ele ergueu os olhos, um pouco distraído.
- Ah, é a minha caneta. Por favor, traga seu próprio instrumento de escrita no futuro, sr.
Jackson.
Entreguei a caneta ao sr. Brunner. Não tinha notado que ainda a estava segurando.
- Senhor - disse eu -, onde está a sra. Dodds? Ele olhou para mim com a expressão
vazia.
- Quem?
- A outra professora que nos acompanhava. A sra. Dodds. Professora de iniciação à
álgebra.
Ele franziu a testa e se inclinou para a frente, parecendo ligeiramente preocupado.
- Percy, não há nenhuma sra. Dodds nesta excursão. Até onde sei, nunca houve uma sra.
Dodds na Academia Yancy. Está se sentindo bem?
DOIS
Três velhas senhoras tricotam as meias da morte.
Eu estava acostumado a uma ou outra experiência esquisita, mas normalmente elas
passavam depressa. Aquela alucinação 24 horas por dia e sete dias por semana era mais
do que podia encarar. Durante o resto do ano escolar o campus inteiro parecia me
pregando algum tipo de peça. Os alunos agiam como se estivessem completa e
totalmente convencidos de que a sra. Kerr – uma loira alegre que eu nunca tinha visto
na vida até o momento em que ela entrou no nosso ônibus no fim da excursão – era
nossa professora de iniciação à álgebra desde o Natal.
De vez em quando eu soltava uma referência à sra. Dodds para cima de alguém, só para
ver se conseguia fazê-los titubear, mas eles me olhavam como se eu fosse louco.
Acabei quase acreditando neles: a sra. Dodds nunca tinha existido.
Quase.
Mas Grover não conseguiu me enganar. Quando eu mencionava o nome Dodds ele
hesitava, depois alegava que ela não existia. Mas eu sabia que ele estava mentindo.
Alguma coisa estava acontecendo. Alguma coisa havia acontecido no museu.
Eu não tinha muito tempo para pensar no assunto durante o dia, mas, à noite, visões da
sra. Dodds com garras e asas de couro me faziam acordar suando frio.
O tempo maluco continuou, o que não ajudava meu humor. Certa noite, uma tempestade
de raios arrebentou a janela do meu dormitório. Alguns dias depois, o maior tornado
jamais visto no vale do Hudson tocou o chão a apenas trinta quilômetros da Academia
Yancy. Um dos eventos correntes que aprendemos na aula de estudos sociais era o
número inusitado de pequenos aviões que caíram em súbitos vendavais no Atlântico
naquele ano.
Comecei a me sentir mal-humorado e irritado a maior parte do tempo. Minhas notas
caíram de D para F. entrei em mais atritos com Nancy Bobofit e suas amigas. Era posto
para fora da sala e tinha de ficar no corredor em quase todas as aulas.
Finalmente, quando nosso professor de inglês, o sr. Nicoll, me perguntou pela
milionésima vez por que eu tinha tanta preguiça de estudar para as provas de ortografia,
eu explodi. Chamei-o de velho dipsomaníaco. Não sabia direito o que aquilo queria
dizer, mas soou bem.
O diretor mandou uma carta para minha mãe na semana seguinte, tornando oficial: eu
não seria convidado a voltar para a Academia yancy no ano seguinte.
Ótimo, disse a mim mesmo. Simplesmente ótimo.
Eu estava com saudades de casa.
Queria ficar com minha mãe no nosso pequeno apartamento no Upper East Side,
mesmo que tivesse de freqüentar uma escola pública e aturar meu padrasto detestável e
seus jogos de pôquer estúpidos.
E no entanto... havia coisas em Yancy de que eu sentiria falta. A vista da minha janela
para os bosques, o rio Hudson a distância, o cheiro dos pinheiros. Sentiria falta de
Grover, que tinha sido bom amigo, mesmo com seu jeito meio estranho. Fiquei
pensando como ele iria sobreviver ao próximo ano sem mim.
Também sentiria falta da aula de latim - os dias malucos de torneio do sr. Brunner e sua
confiança em que eu poderia me sair bem.
Quando a semana de exames foi se aproximando, latim era a única prova para a qual eu
estudava. Não tinha me esquecido que o sr. Brunner falara, sobre essa matéria ser
questão de vida ou morte para mim. Não sabia muito bem por quê, mas acreditar nele.
Na noite anterior ao meu exame final, fiquei tão frustrado que joguei o Guia Cambridge
de mitologia grega do outro lado do dormitório. As palavras tinham começado a flutuar
para fora da página, dando voltas na minha cabeça, as letras fazendo manobras radicais
como se estivessem andando de skate. Não havia jeito de eu me lembrar da diferença
entre Quíron e Caronte, ou Polidectes e Polideuces. E conjugar aqueles verbos latinos?
Nem pensar.
Fiquei indo de um lado para outro no quarto, com a sensação de que havia formigas
andando por dentro da minha camisa.
Lembrei a expressão séria do sr. Brunner, de seus olhos de mil anos. De você, aceitarei
apenas o melhor, Percy Jackson.
Respirei fundo. Peguei o livro de mitologia.
Eu nunca havia pedido ajuda a um professor antes. Se falasse com o sr. Brunner, quem
sabe ele me daria algumas dicas. Poderia, pelo menos, pedir desculpas pelo grande F
que ia tirar na prova. Não queria sair da Academia Yancy deixando-o pensar que eu não
tinha me esforçado.
Desci a escada para os gabinetes dos professores. A maioria estava vazia e escura, mas a
porta do sr. Brunner estava entreaberta e a luz que vinha da sua janela se estendia ao
longo do piso do corredor.
Eu estava a três passos da maçaneta da porta quando ouvi vozes dentro da sala.. O sr.
Brunner tinha feito uma pergunta. Uma voz que, sem sombra de dúvida, era a de Grover
disse: "...preocupado, senhor."
Eu gelei.
Normalmente não sou bisbilhoteiro, mas desafio alguém a não tentar ouvir quando seu
melhor amigo está falando sobre você com um adulto.
Cheguei um pouquinho mais perto.
- ...sozinho nesse verão — Grover estava dizendo. – Quer dizer, uma benevolente na
escola! Agora que sabemos com certeza, e eles também sabem...
- Só vamos piorar as coisas se o apressarmos - disse o sr. Brunner. - Precisamos que o
menino amadureça mais.
- Mas ele pode não ter tempo. O prazo final do solstício de verão...
- Terá de ser resolvido sem ele, Grover. Deixe-o desfrutar sua ignorância enquanto
ainda pode.
- Senhor, ele a viu...
- Imaginação dele - insistiu o sr. Brunner. - A Névoa sobre os alunos e a equipe será
suficiente para convencê-lo disso.
- Senhor, eu... eu não posso fracassar nas minhas tarefas de novo. – A voz de Grover
estava embargada de emoção. – Sabe o que isso significaria.
- Você não fracassou, Grover - disse o sr. Brunner gentilmente. - Eu deveria tê-la visto
como ela era. Agora vamos apenas nos preocupar em manter Percy vivo até o próximo
outono...
O livro de mitologia caiu da minha mão e bateu no chão com um ruído surdo.
O sr. Brunner silenciou.
Com o coração disparado, peguei o livro e voltei pelo corredor.
Uma sombra deslizou pelo vidro iluminado da porta da porta de Brunner, a sombra de
algo muito mais alto do que meu professor de cadeira de rodas, segurando alguma coisa
suspeitamente parecida com o arco de um arqueiro.
Abri a porta mais próxima e me esgueirei para dentro.
Alguns segundos depois ouvi um lento clop-clop-clop, como , blocos de madeira
abafados, depois um som como o de um animal farejando bem na frente da minha porta.
Um grande vulto escuro parou diante do vidro e depois seguiu adiante.
Uma gota de suor escorreu por meu pescoço.
Em algum lugar no corredor, o sr. Brunner falou.
- Nada - murmurou ele. - Meus nervos não andam to bons desde o solstício de inverno.
- Nem os meus - disse Grover. - Mas eu podia ter jurado...
-Volte para o dormitório - disse-lhe o sr. Brunner. - tem um longo dia de provas
amanhã.
- Nem me lembre.
As luzes se apagaram na sala do sr. Brunner.
Aguardei no escuro pelo que pareceu uma eternidade.
Por fim, me esgueirei para o corredor e subi de volta para o dormitório.
Grover estava deitado na cama, estudando as anotações para a prova de latim como se
tivesse estado lá a noite inteira.
- Ei! - disse ele, com olhar de sono. - Vai estar preparado para a prova?
Não respondi.
- Está com uma cara horrível. – Ele franziu a testa. – Tudo bem?
- Só estou cansado.
Virei-me para que ele não pudesse perceber minha expressão e comecei a me preparar
para dormir.
Não entendi o que tinha ouvido lá embaixo. Queria acreditar que havia imaginado
aquilo tudo.
Mas uma coisa estava clara: Grover e o sr. Brunner estavam falando de mim pelas
costas. Achavam que eu corria algum tipo de perigo.
Na tarde seguinte, quando estava saindo da prova de latim de três horas, atordoado com
todos os nomes gregos e romanos que tinha escrito errado, o sr. Brunner me chamou de
volta.
Por um momento, fiquei preocupado achando que ele descobrira minha bisbilhotice na
noite anterior, mas não parecia ser esse o problema.
- Percy - disse ele. - Não fique desanimado por deixar Yancy. É... é para o seu bem.
Seu tom era gentil, mas ainda assim as palavras me deixaram sem graça. Embora ele
estivesse falando baixo, os que terminavam a prova podiam ouvir. Nancy Bobofit me
lançou um sorriso falso e, fez pequenos movimentos de beijo com os lábios.
Eu murmurei:
- Está bem, senhor.
- Quer dizer... - O sr. Brunner andou com a cadeira para trás e para frente, como se não
tivesse certeza do que falar. - Este não é o lugar certo para você. Era apenas uma
questão de tempo.
Meus olhos ardiam.
Ali estava meu professor favorito, na frente da classe, me dizendo que eu não era capaz.
Depois de falar o ano todo que acreditava em mim, agora me dizia que eu estava
destinado a ser expulso.
- Certo - disse eu, tremendo.
- Não, não - disse o sr. Brunner. - Ah, que droga. O que eu estava tentando dizer... é que
você não é normal, Percy. Não é nada ser...
- Obrigado - soltei. - Muito obrigado, senhor, por me lembrar.
- Percy...
Mas eu já tinha ido.
No último dia de aulas, enfiei minhas roupas na mala.
Os outros garotos estavam fazendo piadas, falando sobre os planos para as férias. Um
deles ia fazer trilha na Suíça. Outro faria um cruzeiro de um mês pelo Caribe. Eram
delinqüentes juvenis como eu, mas delinqüentes juvenis ricos. Os papais eram
executivos, embaixadores ou celebridades. Eu era um joão-ninguém, de uma família de
joões-ninguém.
Eles me perguntaram o que ia fazer no verão, e eu disse que voltaria para a cidade.
O que não lhes contei foi que ia arranjar um trabalho de verão passeando com cachorros
ou vendendo assinaturas de revistas, e passar o tempo livre pensando em onde iria
estudar no outono.
- Ah - disse um dos garotos. - Legal.
Eles voltaram à conversa como se eu não existisse.
A única pessoa de quem tinha medo de me despedir era Grover, mas do jeito como as
coisas aconteceram, eu nem precisei. Ele havia comprado uma passagem para
Manhattan no mesmo onibus Greyhound que eu, então lá estávamos nós, juntos outra
vez, indo para a cidade.
Durante toda a viagem de ônibus, Grover olhava nervoso para o corredor, observando
os outros passageiros. Ocorreu-me que ele sempre agia de modo nervoso e inquieto
quando saíamos de Yancy, como se esperasse que algo ruim fosse acontecer. Antes, eu
achava que ele tinha medo de que o provocassem. Mas não havia ninguém para fazer
isso no Greyhound.
Finalmente, não pude mais aguentar.
- Procurando Benevolentes? L
Grover quase pulou do assento.
- O que... o que você quer dizer?
Confessei ter ouvido a conversa dele com o sr. Brunner na noite anterior ao dia da
prova.
O olho de Grover estremeceu.
- Quanto você ouviu?
- Ah... não muito. O que é o prazo final do solstício de verão?
Ele se esquivou.
- Olhe Percy... Eu só estava preocupado com você, entende? Quer dizer, tendo
alucinações com professoras de matemática demoníacas...
- Grover...
- E eu estava dizendo ao sr. Brunner que talvez você estivesse muito estressado, ou
coisa assim, porque não havia uma pessoa chamada sra. Dodds e...
- Grover, você mente muito mal mesmo.
As orelhas dele ficaram cor-de-rosa.
Do bolso da camisa, ele pescou um cartão de visitas encardido.
- Pegue isto, certo? Para o caso de você precisar de mim este verão.
O cartão tinha uma escrita floreada, que era um terror para os meus olhos disléxicos,
mas por fim consegui identificar coisa como:
Grover Underwood
Guardião
Colina meio Sangue
Long Island, Nova York
(800) 009 -0009
- O que é Colina Meio...
- Não fale alto! — ganiu. — É meu, ah... endereço de verão.
Meu coração desabou. Grover tinha uma casa de veraneio. Eu nunca imaginara que a
família dele poderia ser tão rica quanto as dos outros em Yancy.
- Certo - falei, mal-humorado. - Tá, se eu quiser uma visita à sua mansão.
Ele assentiu.
- Ou... ou se você precisar de mim.
- Por que iria precisar de você?
Saiu mais rude do que eu pretendia.
Grover ficou com a cara toda vermelha.
- Olhe, Percy, a verdade é que eu... eu tenho, de certo modo, que proteger você.
Olhei fixamente para ele.
Durante o ano inteiro me meti em brigas para manter os valentões longe dele. Perdi o
sono temendo que, sem mim, ele fosse apanhar no ano que vem. E ali estava Grover
agindo como se fosse ele a me defender.
- Grover – disse eu -, do que exatamente você está me protegendo?
Houve um tremendo barulho de algo sendo triturado embaixo dos nossos pés. Uma
fumaça preta saiu do painel e o ônibus inteiro foi tomado por um cheiro de ovo podre. O
motorista praguejou e levou o Greyhound com dificuldade até o acostamento.
Depois de alguns minutos fazendo alguns sons metálicos no compartimento do motor, o
motorista anunciou que teríamos de descer. Grover e eu saímos em fila com todos os
outros.
Estávamos em um trecho de estrada rural - um lugar que a gente nem notaria se não
tivesse enguiçado lá. Do nosso lado da estrada não havia nada além de bordos e lixo
jogado pelos carros que passavam. Do outro lado, depois de atravessar quatro pistas de
asfalto que refletiam uma claridade trêmula com o calor da tarde, havia uma banca de
frutas como as de antigamente.
As coisas à venda pareciam realmente boas: caixas transbordando de cerejas e maçãs
vermelhas como sangue, nozes e damascos, jarros de sidra dentro de uma tina com pés
em forma de patas, cheias de gelo. Não havia fregueses, só três velhas senhoras sentadas
em cadeiras de balanço à sombra de um bordo, tricotando o maior par de meias que eu
já tinha visto.
Quer dizer, aquelas meias eram do tamanho de suéteres, mas eram obviamente meias. A
senhora da direita tricotava uma delas. A da esquerda a outra. A do meio segurava uma
enorme cesta de lã azul brilhante.
As três mulheres pareciam muito velhas, com o rosto pálido e enrugado como fruta
seca, cabelo prateado preso atrás com lenço branco, braços ossudos espetados para fora
de vestidos de algodão pálido.
A coisa mais esquisita era que elas pareciam olhar diretamente para mim.
Encarei Grover para comentar isso e vi que seu rosto tinha ficado branco. O nariz
tremia.
- Grover? - disse eu. - Ei, cara...
- Diga que elas não estão olhando para você. Estão, não é?
- Estão. Esquisito, não? Você acha que aquelas meias serviriam em mim?
- Não tem graça, Percy. Não tem graça nenhuma.
A velha do meio pegou uma tesoura imensa — dourada e prateada, de lâminas longas,
como uma tosquiadeira. Ouvi Grover tomar fôlego.
- Vamos entrar no ônibus - ele me disse. – Venha.
- O quê? - disse eu. - Lá dentro está fazendo quinhentos graus.
- Venha! - Ele forçou a porta e subiu, mas eu fiquei embaixo.
Do outro lado da estrada, as velhas ainda olhavam para mim. A do meio cortou o fio de
lã, e posso jurar que ouvi aquele ruído cruzar as quatro pistas de trânsito. As duas
amigas dela enrolaram as meias azuis e me fizeram imaginar para quem seria aquilo - o
Pé Grande ou o Godzilla.
Na traseira do ônibus, o motorista arrancou um grande pedaço de metal fumegante do
compartimento do motor. O ônibus estremeceu e o motor voltou à vida, roncando.
Os passageiros aplaudiram.
- Tudo em ordem! - gritou o motorista. Ele bateu no ônibus com o chapéu. - Todo
mundo para dentro!
Quando já estávamos a caminho, comecei a me sentir como se tivesse pego uma gripe.
Grover não parecia muito melhor. Estava tremendo e batendo os dentes.
- Grover?
- Sim?
- O que me diz?
Ele enxugou a manga da camisa.
- Percy, o que você viu lá atrás, na banca de frutas?
- Você quer dizer, aquelas velhas? O que há com elas, cara? Elas não são com... a sra.
Dodds, são?
A expressão dele era difícil de interpretar, mas tive a sensação de que as velhas da
banca de frutas eram algo muito, muito pior do que a sra. Dodds. Grover disse:
-Só me diga o que você viu.
- A do meio pegou uma tesoura e cortou o fio.
Ele fechou os olhos e fez um gesto com os dedos parecido com o sinal-da-cruz, mas não
era isso. Era outra coisa, algo um tanto... mais antigo.
Ele disse:
- Você a viu cortar o fio?
-Sim. E daí? - Mas mesmo enquanto dizia isso, já sabia que era algo importante.
- Isso não está acontecendo - murmurou Grover. Ele começou a morder o dedão. - Não
quero que seja como na última vez.
- Que última vez?
- Sempre na sexta série. Eles nunca passam da sexta.
- Grover - disse eu, porque ele estava realmente começando a me assustar -, do que você
está falando?
- Deixe que eu vá com você da estação do ônibus até sua casa. Prometa.
Aquele me pareceu um pedido estranho, mas prometi.
- É uma superstição ou coisa assim? – perguntei.
Nenhuma resposta.
- Grover... aquele corte no fio. Significa que alguém vai morrer?
Ele olhou para mim com tristeza, como se já estivesse escolhendo o tipo de flores que
eu gostaria de ter em meu caixão.

TRÊS
Grover de repente perde as calças

Hora da confissão: descartei Grover assim que chegamos ao terminal rodoviário.
Eu sei, eu sei. Foi rude. Mas Grover estava me deixando fora de mim, me olhando como
se eu fosse um homem morto, murmurando: “por que sempre tem de ser na sexta
série?”
Sempre que Grover ficava nervoso, sua bexiga entrava em ação, portanto não fiquei
surpreso quando, assim que descemos do ônibus, ele me fez prometer que o esperaria e
foi direto para o banheiro. Em vez de esperar, peguei minha mala, saí discretamente e
tomei o primeiro taxi saindo do Centro.
- Cento e quatro Leste com a Primeira Avenida – disse ao motorista.

*****

Uma palavra sobre a minha mãe, antes que você a conheça.
Seu nome é Sally Jackson e ela é a melhor pessoa do mundo, o que apenas prova minha
teoria de que as melhores pessoas são as mais azaradas. Os pais dela morreram em um
desastre de avião quando estava com cinco anos, e ela foi criada por um tio que não lhe
dava muita bola. Queria ser escritora, assim passou o curso de ensino médio trabalhando
e economizando dinheiro para pagar uma faculdade com um bom programa de oficinas
literárias. Então o tio teve câncer e ela precisou abandonar a escola no último ano para
cuidar dele. Depois que ele morreu, ela ficou sem dinheiro nenhum, sem família e sem
diploma.
A única coisa boa que lhe aconteceu foi conhecer meu pai.
Não tenho nenhuma lembrança dele, apenas essa espécie de sensação calorosa, talvez o
mais leve resquício de seu sorriso. Minha mãe não gosta de falar sobre ele porque isso a
deixa triste. Ela não tem fotografias.
Veja bem, eles não eram casados. Ela me contou que ele era rico e influente, e o
relacionamento deles era um segredo. Então um dia ele zarpou pelo Atlântico em
alguma jornada e nunca mais voltou.
Perdido no mar, minha mãe me contou. Não morto. Perdido no mar.
Ela vivia de trabalhos esporádicos, estudava à noite para tirar o diploma de ensino
médio e me criou sozinha. Nunca se queixava ou ficava zangada. Nem uma só vez. Mas
eu sabia que não era uma criança fácil.
Acabou se casando com Gabe Ugliano, que foi simpático nos primeiros trinta segundos
em que o conhecemos e depois mostrou quem realmente era, um imbecil de marca
maior. Quando eu era pequeno apelidei-o de Gabe Cheiroso. Sinto muito, mas é a
verdade. O cara fedia a pizza de alho embolorada enrolada num calção de ginástica.
Em nosso fogo cruzado, tornávamos a vida da minha mãe bem difícil. O modo como
Gabe Cheiroso a tratava, o jeito como ele e eu nos relacionávamos... bem, um bom
exemplo é minha chegada em casa.
Entrei em nosso pequeno apartamento, esperando que minha mãe já tivesse voltado do
trabalho. Em vez disso, Gabe Cheiroso estava na sala de estar, jogando pôquer com seus
cupinchas. Na televisão, o canal de esportes estava no voluma máximo. Havia
batatinhas e latas de cerveja espalhadas pelo tapete.
Mal erguendo os olhos, ele disse com o cigarro na boca:
- Então você está em casa.
- Onde está a minha mãe?
- Trabalhando – disse ele. – Você tem alguma grana?
E foi isso. Nada de Bem-vindo ao lar. Bom ver você. O que fez nos últimos seis meses?
Gabe tinha engordado. Parecia uma morsa sem tromba com roupas de brechó. Tinha uns
três fios de cabelo na cabeça, todos penteados por cima da careca, como se isso o
deixasse bonito ou coisa assim.
Era gerente do Hipermercado de Eletrônica, no Queens, mas passava a maior parte do
tempo em casa. Não sei por que ainda não tinha sido demitido. Ele só fica recebendo o
pagamento, gastando o dinheiro em charutos que me dão náuseas e em cervejas, é claro.
Sempre cerveja. Toda vez que eu estava emc asa ele esperava que eu lhe fornecesse
fundos para jogar. Chamava isso de nosso “Segredo de Homem”. Isto é, se eu contasse
para minha mãe, ele me quebrava a cara.
- Não tenho grana nenhuma – falei.
Ele ergue uma sobrancelha oleosa.
Gabe era capaz de farejar dinheiro como um cão de caça, o que era surpreendente, já
que seu prórpio cheiro deveria encobrir qualquer outro.
- Você pegou um taxi no terminal de ônibus – disse ele. – Provavelmente pagou com
uma nota de vinte. Recebeu seis ou sete dólares de troco. Alguém que espera viver
embaixo deste teto deveria ser capaz de se sustentar. Estou certo, Eddie?
Eddie, o síndico do prédio, olhou para mim com uma ponta de solidariedade.
- Vamos, Gabe – disse ele. – O garoto acabou de chegar.
- Estou certo? – repetiu Gabe.
Eddie fez uma careta para sua tigela de pretzels. Os outros dois caras soltaram juntos
seus gases.
- Tudo bem – disse eu. – Tirei um maço de dólares do bolso e joguei o dinheiro em
cima da mesa. – Tomara que você perca.
- Seu boletim chegou, Geninho! – gritou ele às minhas costas. – Eu não ficaria tão
metido!
Bati a porta do meu quarto, que na verdade não era meu. Durante os meses de aulas era
a “sala de estudos” de Gabe. Ele não “estudava” coisa nenhuma lá, exceto revistas de
automóveis, mas adorava socar as minhas coisas no armário, largar as botas enlameadas
no peitoril da janela e fazer o possível para deixar o lugar com cheiro de sua colônia
detestável, charutos e cerveja choca.
Larguei a mala em cima da cama. Lar doce lar.
O cheiro de Gabe era quase pior que os pesadelos com a sra. Dodds ou o som da tesoura
daquela velha enrugada cortando o fio de lã.
Mas assim que pensei naquilo, minhas pernas bambearam. Lembrei-me da expressão de
pânico de Grover – como ele me fez prometer que não iria para casa sem ele. Um
calafrio repentino me percorreu. Era como se alguém – alguma coisa – estivesse
procurando por mim naquele momento, talvez subindo pesadamente a escada, com
garras compridas e horrendas crescendo.
Então ouvi a voz da minha mãe.
- Percy?
Ela abriu a porta do quarto e meus medos se foram.
A simples entrada de minha mãe no quarto já consegue me fazer sentir bem. Seus olhos
brilham e mudam de cor com luz. O sorriso é quente como uma manta. Ela tem alguns
poucos fios grisalhos misturados com os longos cabelos castanhos, mas nunca penso
nela como uma pessoa velha. Quando me olha, é como se estivesse vendo todas as
coisas boas em mim, nenhuma das ruins. Nunca a ouvi levantar a voz ou dizer uma
palavra indelicada para ninguém, nem mesmo para mim ou Gabe.
- Ah, Percy. – Ela me abraçou apertado. – Eu não acredito. Você cresceu desde o Natal!
O uniforme vermelho, branco e azul, da Doce América, tinha cheiro das melhores
coisas do mundo: chocolate, alcaçuz e tudo o mais que ela vendia na doceria da Grande
Estação Central. Tinha levado para mim um belo saco de “amostras grátis”, como
sempre fazia quando eu ia para casa.
Sentamos juntos na beirada da cama. Enquanto eu atacava os doces de mirtilo, ela
passava a mão no meu cabelo e queria saber tudo o que eu não havia escrito nas cartas.
Nada mencionou sobre o fato de eu ter sido expulso. Não parecia se importar com isso.
Mas eu estava ok? Seu menininho estava bem?
Eu disse a ela que estava me sufocando, pedi que desse um tempo e tal, mas,
secretamente, estava feliz demais em vê-la.
Do outro cômodo, Gabe berrou:
- Ei, Sally! Que tal um pouco de pasta de feijão, hein?
Eu rangi os dentes.
Minha mãe é a mulher mais gentil do mundo. Deveria ter se casado com um milionário,
não com um imbecil como Gabe.
Por ela, tentei parecer otimista em relação aos meus últimos dias na Academia Yancy.
Disse-lhe que não estava muito chateado com a expulsão. Dessa vez, conseguira durar
quase o ano inteiro.
Eu havia feito novos amigos. Tinha me saído muito bem em latim. E, honestamente, as
brigas não tinham sido tão ruins com disera o diretor. Eu tinha gostado da Academia
Yancy. De verdade. Enfeitei tanto os acontecimentos do ano que quase convenci a mim
mesmo. Comecei a ficar com a voz embargada só de pensar em Grover e no sr. Brunner.
Até Nancy Bobofit de repente não pareceu assim tão má.
Até aquela excursão ao museu...
- O quê? - perguntou minha mãe. Seus olhos puxaram pela minha consciência, tentando
arrancar os segredos. - Alguma coisa assustou você?
- Não, mamãe.
Eu me senti mal por mentir, queria contar a ela sobre a sra. Dodds e as três velhas com o
fio de lã, mas achei que aqui ia parecer bobagem.
Ela apertou os lábios. Sabia que eu estava escondendo alguma coisa, mas não quis me
pressionar.
- Tenho uma surpresa para você - disse ela. - Nós vamos à praia.
Meus olhos se arregalaram.
- Montauk?
- Três noites... no mesmo chalé.
- Quando? Ela sorriu.
- Assim que eu me trocar.
Mal pude acreditar. Minha mãe e eu não tínhamos ido a Montauk nos últimos dois
verões porque Gabe dissera que não havia dinheiro suficiente.
Gabe apareceu no vão da porta e rosnou.
- Pasta de feijão, Sally. Você não ouviu?
Tive vontade de dar-lhe um soco, mas meus olhos encontraram os de minha mãe e
entendi que ela estava me oferecendo um acordo: ser gentil com Gabe só um
pouquinho. Só até ela estar pronta para ir para Montauk. Então sairíamos dali.
- Eu já estava a caminho, meu bem – disse ela a Gabe. – Estávamos só conversando
sobre a viagem.
Os olhos de Gabe se apertaram.
- A viagem? Você quer dizer que estava falando disso a sério?
- Eu sabia – murmurei. – Ele não vai nos deixar ir.
- É claro que vai – disse minha mãe calmamente. – Seu padrasto só está preocupado
com o dinheiro. É tudo. Além disso – acrescentou -, Gabriel não terá de se contentar
com pasta de feijão. Vou fazer para ele uma pasta de sete camadas suficiente para todo
o fim de semana. Guacamole. Creme azedo. Serviço completo.
Gabe amanciou um pouco.
- Então esse dinheiro para viagem... vai sair do seu orçamento para roupas, certo?
- Sim, meu bem – disse minha mão.
- E você não vai com meu carro para nenhum lugar, só vai usar na ida e na volta.
- Seremos muito cuidadosos.
Gabe coçou seu queixo duplo.
- Talvez se você andar logo com essa pasta de sete camadas... E talvez se o garoto pedir
desculpas por interromper meu jogo de pôquer...
Talvez se eu chutar você no seu ponto sensível, pensei. E fizer você cantar com voz de
soprano por uma semana.
Mas os olhos da minha mãe me advertiram para não deixá-lo zangado.
Por que ela aturava aquele cara? Eu quis gritar. Por que ela se importava com o que ele
pensava?
- Desculpe – murmurei. – Sinto muito ter interrompido seu importantíssimo jogo de
pôquer. Por favor, volte a ele agora mesmo.
Os olhos de Gabe se estreitaram. O cérebro minúsculo provavelmente estava tentando
detectar o sarcasmo na minha frase.
- Está bem, seja lá o que for – convenceu-se.
E voltou para o jogo.
- Obrigada, Percy – disse minha mãe. – Depois que chegarmos a Montauk, vamos
conversar sobre.. o que quer que você tenha se esquecido de me contar, certo?
Por um momento, pensei ter visto ansiedade nos olhos dela – o mesmo medo que vira
em Grover na viagem de ônibus -, como se minha mãe também tivesse sentindo um
estranho calafrio no ar.
Mas então o sorriso dela voltou e concluí que devia estar enganado. Ela despenteou meu
cabelo e foi fazer a pasta de sete camadas para Gabe.

*****

Uma hora depois estávamos prontos para partir.
Gabe interrompeu o jogo de pôquer por tempo suficiente para me observar arrastando as
malas da minha mãe para o carro. Ficou se queixando e se lamentando por ficar sem a
comida dela – e mais importante, sem seu Camaro 78 – durante todo o fim de semana.
- Nem um arranhão nesse carro, Geninho – advertiu-me quando eu estava carregando a
última mala. – nem um arranhãozinho.
Como se eu fosse dirigir aos doze anos. Mas isso não importa para Gabe. Se alguma
gaivota fizesse cocô ma pintura, ele arranjaria um jeito de me culpar.
Observando-o voltar em seu passo desajeitado para o prédio, fiquei tão zangado que fiz
uma coisa que não consigo explicar. Quando Gabe chegou à porta de entrada, fiz um
gesto com a mão que tinha visto Grover fazer no ônibus, uma espécie de gesto para
afastar o mal, a mão em garra sobre o coração e depois um movimento de empurrar na
direção de Gabe. A porta de tela bateu tão forte que o acertou no traseiro e o mandou
voando até a escada, como se tivesse sido disparado por um canhão. Talvez tenha sido
apenas o vento, ou algum acidente maluco com as dobradiças, mas não fiquei lá tempo
suficiente para descobrir.
Entrei no Camaro e disse para minha mãe pisar fundo.

*****

Nosso chalé alugado ficava na margem sul, lá na ponta de Long Island. Era uma
pequena cabana de cor clara com cortinas desbotadas, quase enterrada nas dunas. Havia
sempre areia nos lençóis e aranhas nos armários, e na maior parte do tempo o mar
estava gelado demais para nadar.
Eu adorava o lugar.
Íamos lá desde que eu era bebê. Minha mãe ia ainda havia mais tempo. Ela nunca disse
exatamente, mas eu sabia por que a praia era especial. Era o lugar onde conhecera meu
pai.
À medida que nos aproximávamos de Montauk, ela parecia ir ficando mais jovem, os
anos de preocupação e trabalho desaparecendo do rosto. Os olhos ficavam da cor do
mar.
Chegamos lá ao pôr-do-sol, abrimos todas as janelas do chalé e passamos por nossa
rotina de limpeza. Caminhamos pela praia, demos salgadinhos de milho às gaivotas e
mascamos jujubas azuis, caramelos azuis e todas as outras amostras grátis que minha
mãe levara do trabalho.
Acho que eu deveria explicar a comida azul.
Veja bem, Gabe uma vez disse à minha mãe que isso não existia. Eles tiveram uma
discussão, que pareceu uma coisinha de nada na época. Mas, desde então, minha mãe
fez tudo o que era possível comer em azul. Ela assava bolos de aniversários azuis. Batia
vitaminas com mirtilos azuis. Comprava tortilhas de milho azul e levava para casa balas
azuis da loja. Isso – junto com o fato de conservar o nome de solteira, Jackson, em vez
de se chamar sra. Ugliano – era prova de que ela não tinha sido totalmente domada por
Gabe. Tinha uma inclinação para rebeldia, como eu.
Quando escureceu, acendemos uma fogueira. Assamos o cachorro-quente e
marshmallows. Minha mãe contou histórias sobre quando ela era criança, antes de os
pais morrerem no acidente de avião. Contou-me sobre os livros que queria escrever um
dia, quando tivesse dinheiro suficiente para largar a doceria.
Finalmente, reuni coragem para perguntar sobre o que sempre me vinha à cabeça
quando íamos a Montauk – meu pai. Os olhos dela ficaram cheios d’água. Imaginei que
iria me contar as mesmas coisas de sempre, mas nunca me cansava de ouvi-las.
- Ele era gentil, Percy – disse ela. – Alto, bonito e forte. Mas gentil também. Você tem o
cabelo dele, você sabe, e os olhos verdes.
Mamãe pegou uma jujuba azul do saco de doces.
- Gostaria que ele pudesse vê-lo, Percy. Ficaria muito orgulhoso.
Eu me perguntei como ela podia dizer aquilo. O que havia de tão bom a meu respeito?
Um menino disléxico, hiperativo, com um boletim D+, expulso da escola pela sexta vez
em seis anos.
- Que idade eu tinha? – perguntei. – Quer dizer... quando ele se foi?
Ela olhou para as chamas.
- Ele só ficou comigo por um verão, Percy. Bem aqui nesta praia. Neste chalé.
- Mas... ele me conheceu quando eu era bebê.
- Não, meu bem. Ele sabia que eu estava esperando um bebê, mas nunca o viu. Teve de
partir antes de você nascer.
Tentei conciliar o fato de que eu parecia me lembrar de... alguma coisa sobre meu pai.
Uma sensação calorosa. Um sorriso.
Sempre presumira que ele havia me visto quando bebê. Minha mãe nunca dissera
exatamente isso, mas ainda assim eu achava que tinha acontecido. Saber agora que ele
nunca me viu...
Fiquei com raiva do meu pai. Talvez fosse uma bobagem, mas eu me ressenti por ele ter
partido naquela viagem oceânica, por não ter tido coragem para se casar com minha
mãe. Ela nos deixara e agora estávamos presos ao gabe Cheiroso.
- Você vai me mandar embora de novo? – perguntei a ela. – para outro internato?
Ela puxou um marshmallow do fogo.
- Eu não sei, meu bem. – Sua voz soou muito séria. – Acho... acho que teremos de fazer
alguma coisa.
- Por quê você não me quer me ver por perto? – Eu me arrependi das palavras assim que
elas saíram.
Os olhos de minha mãe ficaram marejados. Ela pegou minha mão e apertou com força.
- Ah, Percy, não. Eu... eu preciso, meu bem. Para seu próprio bem. Eu tenho de mandar
você para longe.
Suas palavras me lembraram o que o sr. Brunner tinha dito – que era melhor para mim
deixar Yancy.
- Porque eu não sou normal? – disse eu.
- Você diz isso como se fosse uma coisa ruim, Percy. Mas não se dá conta do quanto
você é importante. Pensei que Yancy seria bastante longe. Pensei que você finalmente
estaria em segurança.
- Em segurança por quê?
Os olhos dela encontraram os meus, e me veio uma enxurrada de lembranças – todas
esquisitas, assustadoras que sempre aconteciam, algumas que eu tentara esquecer.
Na terceira série, um homem de capa de chuva preta me seguiu no recreio. Quando os
professores ameaçaram chamar a polícia, ele foi embora resmungando, mas ninguém
acreditou em mim quando contei que, embaixo do chapéu de aba larga, o homem tinha
um olho só, bem no meio da testa.
Antes disso – uma lembrança realmente antiga. Eu estava na pré-escola, e uma
professora acidentalmente me pôs para dormir em um berço para dentro do qual uma
cobra se arrastara. Minha mãe gritou quando foi me buscar e me encontrou brincando
com uma cobra flácida cheia de escamas, que eu de algum modo conseguira estrangular
até a morte com as minhas mãos gordinhas de bebê.
Em cada uma das escolas, algo de horripilante acontecera, algo perigoso, e fui forçado a
sair. Eu sabia que devia contar à minha mãe sobre as velhas na banca de frutas e a sra.
Dodds no museu de arte, sobre a estranha alucinação em que eu havia transformado a
professora de matemática em pó com uma espada. Mas não consegui me forçar a contar.
Tinha a sensação esquisita de que a noticia iria acabar com nossa viagem a Montauk, e
isso eu não queria.
- Tentei manter você tão perto de mim quanto pude – falou minha mãe. –Eles me
disseram que isso era um erro. Mas só havia uma outra opção, Percy... o lugar para onde
seu pai queria mandá-lo. E eu simplesmente... simplesmente não poderia agüentar ter de
fazer isso.
- Meu pai queria que eu fosse para uma escola especial?
- Não uma escola – disse ela suavemente. – Um acampamento de verão.
Minha cabeça estava girando. Por que meu pai – que nem sequer ficara por perto tempo
suficiente para me ver nascer – teria falado com minha mãe sobre um acampamento de
verão? E, se isso era tão importante, por que ela nunca mencionara antes?
- Desculpe, Percy – continuou ela ao ver a expressão em meus olhos. – mas não posso
falar sobre isso. Eu... eu não podia mandar você para aquele lugar. Significaria dizer
adeus a você para sempre.
- Para sempre? Mas se é apenas um acampamento de verão...
Ela se voltou para o fogo, e eu percebi pela sua expressão que, se fizesse mais
perguntas, ela começaria a chorar.

*****

Naquela noite eu tive um sonho muito real.
Havia uma tempestade na praia, e dois belos animais, um cavalo branco e uma águia
dourada, estavam tentando matar uma ao outro à beira-mar. A águia mergulhou e fez
um talho no focinho do cavalo com suas garras enormes. O cavalo empinou e escoiceou
as asas da águia. Enquanto eles lutavam, o chão retumbou e uma voz monstruosa riu em
algum lugar embaixo da terra, incitando os animais a lutarem arduamente.
Corri até eles, sabendo que tinha de impedir que se matassem, mas eu corria em câmera
lenta. Sabia que iria chegar tarde demais. Vi a águia mergular, o bico apontado para os
grandes olhos do cavalo, e gritei: Não!
Acordei assustado.
Do lado de fora, havia realmente uma tempestade, o tipo de tempestade que racha
árvores e derruba casas. Não havia nenhum cavalo nem águia na praia, somente
relâmpagos que criavam uma falsa luz do dia e ondas de seis metros golpeando as dunas
como artilharia.
Com o trovão seguinte, minha mãe acordou. Ela sentou na cama, os olhos arregalados, e
disse:
- Furacão.
Eu sabia que aquilo era loucura. Nunca houve furacões em Long Island tão cedo no
verão. Mas o oceano parecia ter esquecido isso. Por cima dos rugidos do vento, ouvi um
bramido distante, um som furioso, torturado, que fez meus cabelos se arrepiarem.
Depois um ruído muito mais próximo, como de malhos na areia. Uma voz desesperada
– alguém gritando, esmurrando a porta do nosso chalé.
Minha mãe pulou da cama de camisola e abriu a porta de um safanão.
Grover estava lá, emoldurado no vão da porta contra um fundo de chuva torrencial. Mas
ele não era... ele não era exatamente o Grover.
- Procurei a noite toda – arquejou ele. – O que você estava pensando?
Minha mãe olhou para mim aterrorizada – não com medo de Grover, mas da razão de
sua chegada.
- Percy – disse ela, gritando para se fazer ouvir mais alto que a chuva. – O que
aconteceu na escola? O que você não me contou?
Fiquei paralisado olhando para Grover. Não conseguia entender o que estava vendo.
- O Zeu kai alloi theoi! – gritou ele. – Está bem atrás de mim! Você não contou a ela?
Eu estava chocado demais para registrar que ele acabara de praguejar em grego antigo, e
eu tinha entendido perfeitamente. Estava chocado demais para me perguntar como
Grover chegara ali sozinho no meio da noite. Porque Grover não estava usando calças –
e onde deveriam estar as pernas dele... Onde deveriam estar as pernas dele...
Minha mãe olhou para mim com expressão severa e falou em um tom que jamais usara
antes:
- Percy. Conte-me agora!
Eu gaguejei algo sobre velhas senhoras na banca de frutas e a sra. Dodds, e minha mãe
ficou olhando para mim, o rosto mortalmente pálido aos clarões dos relâmpagos.
- Vão para o carro. Vocês dois. Vão!
Grover correu para o Camaro – mas ele não estava exatamente correndo. Estava
trotando, sacudindo seu traseiro peludo, e de repente sua história sobre um distúrbio
muscular nas pernas fez sentido para mim. Entendi como ele podia correr tão depressa e
ainda assim mancar quando andava.
Porque onde deveriam estar seus pés não havia pés. Havia cascos fendidos.

QUATRO
Minha mãe me ensina a tourear

Arrancamos noite adentro por estradas rurais escuras. O vento golpeava o Camaro. A
chuva açoitava o pêra-brisa. Eu não sabia como minha mãe conseguia ver alguma coisa,
mas ela mantinha o pé no acelerador.
Toda vez que um relâmpago produzia um clarão, eu olhava para Grover sentado ao meu
lado no banco de trás e me perguntava se tinha ficado louco ou se ele estava usando
algum tipo de calça felpuda. Mas não, o cheiro era o mesmo que eu lembrava das
excursões do jardim-de-infância para o zoológico infantil – lanolina, como o de lã. O
cheiro de um animal molhado de estábulo.
Tudo o que pude dizer foi:
- Então, você e minha mãe... se conhecem?
Os olhos de Grover moveram-se rapidamente para o espelho retrovisor, embora não
houvesse carro nenhum atrás de nós.
- Não exatamente – disse El. – Quer dizer, nunca nos encontramos pessoalmente. Mas
ela sabia que eu estava observando você.
- Observando, a mim?
- Estava de olho em você. Cuidando que estivesse bem. Mas eu não estava fingindo ser
seu amigo – acrescentou apressadamente. – Eu sou seu amigo.
- Ahn... o que é você, exatamente?
- Isso não importa neste momento.
- Não importa? Da cintura para baixo, o meu melhor amigo é um burro...
Grover soltou um agudo e gutural:
- Bééééé!
Eu já o tinha ouvido fazer aquele som antes, mas sempre achei que era um riso nervoso.
Agora me dava conta de que era mais um berro irritado.
- Bode! – exclamou.
- O quê?
- Eu sou um bode da cintura para baixo.
- Você acaba de dizer que isso não importa.
- Béééé! Alguns sátiros poderiam pisoteá-lo por causa de tamanho insulto!
- Opa. Espere. Sátiros. Você quer dizer como... os mitos do sr. Brunner?
- Aquelas velhas na banca de frutas eram um mito, Percy? A sra. Dodds era um mito?
- Então você admite que havia uma sra. Dodds!
- É claro.
- Então por que...
- Quanto menos você soubesse, menos monstros atrairia – disse Grover, como se aquilo
fosse perfeitamente óbvio. – Nós pusemos a Névoa diante dos olhos humanos.
Tínhamos esperanças de que você achasse que a Benevolente era uma alucinação. Mas
não adiantou. Você começou a perceber quem você é.
- Quem eu... espere um minuto, o que você quer dizer?
O estranho rugido ergueu-se novamente em algum lugar atrás de nós, mais perto do que
antes. O que quer que estivesse nos perseguindo ainda estava na nossa cola.
- Percy – disse minha mãe -, há muito a explicar e não temos tempo suficiente.
Precisamos pôr você em segurança.
- Em segurança como? Quem está atrás de mim?
- Ah, nada demais – disse Grover, obviamente ainda ofendido com o comentário sobre o
burro. – Apenas o Senhor dos Mortos e alguns dos seus asseclas mais sedentos de
sangue.
- Grover!
- Desculpe sra. Jackson. Poderia dirigir mais depressa, por favor?
Tentei envolver minha mente no que estava acontecendo, mas não consegui. Sabia que
aquilo não era um sonho. Eu não tinha imaginação. Jamais poderia sonhar algo tão
estranho.
Minha mãe fez uma curva fechada para a esquerda. Desviamos para uma estrada mais
estreita, passando com velocidade por casas de fazendas às escuras, colinas cobertas de
árvores e placas que diziam “COLHA SEUS PRÓPRIOS MORANGOS” sobre cercas
brancas.
- Aonde estamos indo? – perguntei.
- Para o acampamento de verão de que falei. – A voz de minha mãe estava tensa; por
mim, ela estava tentando não parecer assustada. – O lugar para onde seu pai queria
mandá-lo.
- O lugar para onde você não queria que eu fosse.
- Por favor, querido – implorou ela. – Isso já é bem difícil. Tente entender. Você está
em perigo.
- Porque umas velhas senhoras cortaram um fio de lã.
- Aquilo não eram velhas senhoras – disse Grover. – Eram as Parcas. Você sabe o que
significa... o fato de elas aparecerem na sua frente? Elas só fazem isso quando você está
prestes a... quando alguém está prestes a morrer.
- Epa! Você disse “você”.
- Não, eu não disse. Eu disse, “alguém”.
- Você quis dizer “você”. Ou seja, eu.
- Eu quis dizer você como quem diz “alguém”. Não você, Percy, mas você, qualquer
um.
- Meninos! – disse minha mãe.
Ela puxou o volante com força para a direita e eu tive um vislumbre de um vulto do
qual ela se desviara – uma forma escura e ondulada, agora perdida na tempestade atrás
de nós.
- O que foi aquilo? – perguntei.
- Estamos quase lá – disse minha mãe ignorando a pergunta. – Mais um quilômetro e
meio. Por favor. Por favor. Por favor.
Eu não sabia onde era lá, porém me vi inclinando-me para a frente na expectativa,
querendo que chegássemos logo.
Do lado de fora, nada além de chuva e escuridão – o tipo de campos vazios que a gente
vê quando vai para o extremo de Long Island. Pensei na sra. Dodds e no momento em
que ela se transformou naquela coisa com dentes pontiagudos e asas de couro. Meus
membros ficaram amortecidos de choque retardado. Ela realmente não era humana. E
pretendia me matar.
Então pensei no sr. Brunner... e na espada que ele jogara para mim. Antes que eu
pudesse perguntar a Grover sobre aquilo, os cabelos de minha nunca se arrepiaram.
Houve um clarão ofuscante, um Bum! De fazer bater o queixo, e o carro explodiu.
Lembro-me de ter me sentido sem peso, como se estivesse sendo esmagado, frito e
lavado com uma mangueira, tudo ao mesmo tempo.
Descolei minha testa do encosto do assento do motorista e disse:
- Ai.
- Percy! – gritou minha mãe.
- Estou bem...
Tentei sair do estupor. Eu não estava morto,o carro não explodira de verdade. Tínhamos
caído em uma vala. As portas do lado do motorista estavam enfiadas na lama. O teto se
abrira como uma casca de ovo e a chuva se derramava para dentro.
Relâmpago. Era a única explicação. Tínhamos voado pelos ares, para fora da estrada.
Ao meu lado no assento traseiro havia uma grande massa informe e imóvel.
- Grover!
Ele estava caído de lado, com sangue escorrendo do canto da boca. Sacudi seu quadril
peludo, pensando: Não! Mesmo que você seja metade animal de quintal, ainda é meu
melhor amigo, e não quero que morra!
Então ele gemeu:
- Comida – e eu soube que havia esperança.
- Percy – disse minha mãe -, temos de... – Ela titubeou.
Olhei para trás. Num clarão de relâmpago, através do pára-brisa traseiro salpicado de
lama, vi um vulto andando pesadamente na nossa direção no acostamento da estrada.
Aquela visão fez minha pele formigar. Era a silhueta de um sujeito enorme, como um
jogador de futebol americano. Parecia estar segurando uma manta por cima da cabeça.
A metade superior dele era volumosa e indistinta. As mãos erguidas davam a impressão
de que ele tinha chifres.
Engoli em seco.
- Quem é...
- Percy – disse minha mãe, extremamente séria. – saia do carro.
Ela se jogou contra a porta do lado do motorista. Estava emperrada na lama. Tentei a
minha. Emperrada também. Desesperadamente, ergui os olhos para o buraco no teto.
Poderia ser um saída, mas as bordas estavam chiando e fumegando.
- Saia pelo lado do passageiro! – disse minha mãe. – Percy, você tem de correr. Está
vendo aquela árvore grande?
- O quê?
Outro clarão de relâmpago e pelo buraco fumegante no teto eu vi a arvore a que ela se
referia: um enorme pinheiro, do tamanho de uma arvore de Natal da Casa Branca, no
topo da colina mais próxima.
- Aquele é o limite da propriedade – disse minha mãe. – Passe daquela colina verá uma
grande casa de fazenda no fundo do vale. Corra e não olhe para trás. Grite por ajuda.
Não pare enquanto não chegar à porta.
- Mamãe, você também vem.
O rosto dela estava pálido, os olhos tristes como quando ela olhava para o oceano.
- Não! – gritei. – Você vem comigo. Ajude-me a carregar o Grover.
- Comida! – gemeu Grover, um pouco mais alto.
O homem com a manta na cabeça continuou indo em nossa direção, grunhindo e
bufando. Quando ele chegou mais perto, percebi que não podia estar segurando uma
manta acima da cabeça porque as mãos – enormes e carnudas – balançavam ao seu lado.
Não havia manta nenhuma. O que queria dizer que a massa volumosa e indistinta que
era grande demais para ser sua cabeça... era a sua cabeça. E as pontas que pareciam
chifres...
- Ele não nos quer – disse minha mãe. – Ele quer você. Além disso, não posso
ultrapassar o limite da propriedade.
- Mas...
- Não temos tempo, Percy. Vá. Por favor.
Então fiquei zangado – zangado com a minha mãe, com Grover, o bode, com a coisa
chifruda que se movia pesadamente em nossa direção, de modo lento e calculado
como... como um touro.
Passei por cima de Grover e empurrei a porta, que se abriu para chuva.
- Nós vamos juntos. Venha, mãe.
- Eu já disse que...
- Mamãe! Eu não vou abandonar você. Ajuda aqui com Grover.
Não esperei pela resposta dela. Eu me arrastei para fora do carro, puxando Grover
comigo. Ele era surpreendentemente leve, mas eu não poderia tê-lo carregado para
muito longe se minha mãe não tivesse ido me ajudar.
Juntos, pusemos os braços de Grover em nossos ombros e começamos a subir a colina
aos tropeções, com o capim molhado na altura de cintura.
Ao olhar relance para trás, tive minha primeira visão clara do monstro. Tinha, fácil,
mais de dois metros, e os braços e pernas pareciam algo saído da capa da revista
Músculos – bíceps e tríceps saltados e mais um monte de outros ceps, todos estufados
como bolas de beisebol embaixo de uma pele cheia de veias. Ele usava roupas, a não ser
cuecas – branquíssimas, da marca Fruit of the Loom -, o que teria sido engraçado não
fosse o fato de a parte superior de seu corpo ser tão assustadora. Pêlos marrons e
grossos começaram na altura do umbigo e iam ficando mais espessos à medida que
chegavam aos ombros.
Seu pescoço era uma massa de músculos e pêlos que levavam à enorme cabeça, que
tinha um focinho tão comprido quanto meu braço, narinas ranhentas com um reluzente
anel de bronze, olhos pretos cruéis e chifres – enormes chifres preto-e-branco com
pontas que você não conseguiria fazer nem num apontador elétrico.
Reconheci o monstro muito bem. Tinha sido uma das primeiras historias que o sr.
Brunner nos contara. Mas ele não podia ser real.
Pisquei os olhos para desviar a chuva.
- Aquele é...
- O filho de Pasífae – disse minha mãe. – Gostaria de ter sabido antes o quanto
desejaram matar você.
- Mas ele é o Mino...
- Não pronuncie o nome – advertiu ela. – Os nomes têm poder.
O pinheiro ainda estava longe demais – pelo menos cem metros colina acima.
Dei outra olhada para trás.
O homem-touro se curvou por cima de nosso carro, olhando pelas janelas – ou não
exatamente olhando. Era mais como farejar, fuçar. Eu não sabia muito bem por que ele
se dava a esse trabalho, já que estávamos a apenas quinze metros de distancia.
- Comida? – gemeu Grover.
- Shhh – fiz eu. – Mamãe, o que ele está fazendo? Não está nos vendo?
- Sua visão e sua audição são péssimas – disse ela. – Ele se orienta pelo cheiro. Mas vai
perceber onde estamos logo, logo.
Como que na deixa, o homem-touro bramiu de raiva. Ele agarrou o Camaro de Gabe
pela capota rasgada, o chassis rangia e gemia. Ergueu o carro acima da cabeça e atirou-o
na estrada. Aquilo se chocou contra o asfalto molhado e deslizou em meio a um
chuveiro de fagulhas por cerca de quinhentos metros antes de parar. O tanque de
gasolina explodiu.
Nem um arranhão, lembrei-me de Gabe dizendo.
Oops.
- Percy – disse minha mãe. – Quando ele nos vir, vai atacar. Espere até o ultimo
segundo, depois saia do caminho. Ele não consegue mudar de direção muito bem
quando já está atacando. Você entendeu?
- Como você sabe tudo isso?
- Estou preocupada com um ataque há muito tempo. Devia ter esperado por isso. Fui
egoísta, mantendo você perto de mim.
- Mantendo-me perto de você? Mas...
Outro bramido de raiva e o homem-touro começou a subir pesadamente a colina.
Tinha nos farejado.
O pinheiro estava a apenas mais alguns metros, mas a colina era cada vez mais íngreme
e escorregadia, e Grover ficava mais pesado.
O homem-touro se aproximava. Mas alguns segundos e estaria em cima de nós.
Minha mãe devia estar exausta, mas carregou Grover.
- Vá, Percy! Vá sozinho! Lembre-se do que eu disse.
Eu não queria me separar, mas tive a sensação de que ela estava certa – era nossa única
chance. Pulei para esquerda, virei-me e vi a criatura avançando em minha direção. Os
olhos pretos brilhavam de ódio. Fedia a carne podre.
Ele inclinou a cabeça e atacou, aqueles chifres afiados como navalhas apontados
diretamente para o meu peito.
O medo no meu estômago me deu vontade de disparar, mas isso não daria certo. Eu
jamais poderia correr mais que aquela coisa. Então fiquei parado e, no último momento,
saltei para o lado.
O homem-touro passou por mim a toda como um trem de carga, depois bramiu de
frustração e se virou, mas dessa vez não contra mim, mas contra minha mãe, que estava
acomodando Grover sobre a grama.
Tínhamos chegado ao topo da colina. Embaixo, do outro lado, pude ver um vale, bem
como minha mãe dissera, e as luzes de uma casa de fazenda tremeluzindo amarelas
através da chuva. Mas estava a oitocentos metros de distancia. Nunca conseguiríamos
chegar lá.
O homem-touro roncou, escarvando o chão. Ficou olhando para minha mãe, que
recuava lentamente colina abaixo, de volta para estrada, tentando afastar o monstro de
Grover.
- Corra, Percy! – disse ela. – Não posso passar daqui. Corra!
Mas fiquei lá parado, paralisado de medo, enquanto o monstro a atacava. Ela tentou sair
de lado, como me dissera para fazer, mas o monstro tinha aprendido a lição. Jogou a
mão para frente e agarrou-lhe o pescoço quanto ela tentou escapar. Ele a ergueu
enquanto ela lutava, chutando e dando murros no ar.
- Mamãe!
Então, com um rugido furioso, o monstro fechou os punhos em volta do pescoço da
minha mãe e ela se dissolveu diante dos meus olhos, fundindo-se em luz, uma forma
dourada tremeluzente, como uma projeção holográfica. Um clarão ofuscante, e ela
simplesmente... se foi.
- Não!
A raiva substituiu o medo. Uma nova força ardeu em meus membros – a mesma onda
de energia que me veio quando a sra. Dodds mostrou as garras.
O homem-touro foi na direção de Grover, que estava deitado na grama, indefeso. O
monstro se curvou, fungando meu melhor amigo como se estivesse prestes a erguê-lo
dali e fazê-lo se dissolver também.
Eu não podia permitir aquilo.
Tirei minha capa de chuva vermelha.
- Ei! – gritei, agitando a capa e correndo para um lado do monstro. – Ei, estúpido!
Monte de carne moída!
- Raaaarrrrr ! – O monstro virou-se para mim sacudindo seus punhos carnudos.
Eu tive uma idéia – uma idéia boba, porém melhor do que não pensar em nada. Encostei
as costas no grande pinheiro e agitei a capa vermelha na frente do homem-touro,
pensando em pular fora do caminho no ultimo momento.
Mas não foi assim que aconteceu.
O homem-touro atacou depressa demais, os braços estendidos para me agarrar qualquer
que fosse o lado para onde eu tentasse me esquivar.
O tempo começou a passar mais devagar.
Minhas pernas travaram. Eu não podia pular para o lado, assim saltei direto para cima,
usando a cabeça da criatura como trampolim, girei o corpo no ar e caí sobre seu
pescoço.
Como eu fiz aquilo? Não tive tempo para descobrir. Um milissegundo depois a cabeça
do monstro chocou-se contra a árvore e o impacto quase fez meus dentes saltarem da
boca.
O homem-touro cambaleou de um lado para outro tentando se livrar de mim. Segurei
com força em seus chifres para não ser arremessado. Os trovões e os relâmpagos
ficavam mais fortes. A chuva caia em meus olhos. O cheiro de carne podre queimava
minhas narinas.
O monstro se sacudia e corcoveava como um touro de rodeio. Poderia simplesmente ter
chegado para trás e me esmagado completamente na árvore, mas eu começava a
perceber que aquela coisa só tinha uma direção: para frente.
Enquanto isso, Grover começou a gemer na grama. Quis gritar para ele ficar calado,
mas do jeito que estava sendo jogado de um lado para o outro, se abrisse a boca
deceparia minha própria língua com uma mordida.
- Comida! – gemeu Grover.
O homem-touro virou-se para ele, escarvou o chão novamente e se preparou para atacar.
Pensei em como ele havia espremido a vida para fora de minha mãe, como a fizera
desaparecer num clarão de luz, e a raiva me abasteceu como um combustível de alta
potência. Agarrei um dos chifres com ambas as mãos e puxei para trás com toda a
minha força. O monstro se retesou, soltou um grunhido de surpresa, e então... pléc!
O homem-touro berrou e me atirou pelos ares. Aterrissei de costas na grama. Minha
cabeça bateu contra uma pedra. Quando me sentei, minha visão estava embaçada, mas
eu tinha um chifre nas mãos, um osso partido do tamanho de uma faca.
O monstro atacou.
Sem pensar, rolei para o lado e me levantei de joelhos. Quando ele passou a toda
velocidade, enterrei o chifre quebrado bem na lateral de seu corpo, logo abaixo da caixa
torácica peluda.
O homem-touro urrou em agonia. Debateu-se, rasgando o peito com suas garras, e
depois começou a se desintegrar – não como minha mãe, em um clarão dourado, mas
como areia se esfarelando, carregada pelo vento aos pedaços para longe, do mesmo
modo como a sra. Dodds se desintegrara.
O monstro se fora.
A chuva tinha parado. A tempestade ainda rugia, mas somente a distancia. Eu cheirava a
gado e meus joelhos tremiam. Minha cabeça parecia que ia se partir ao meio. Estava
fraco, assustado e tremia de tristeza. Acabara de ver minha mãe se desvanecer. Queria
me deitar e chorar, mas havia Grover, precisando de minha ajuda, portando consegui
erguê-lo e descer cambaleando para o vale em direção às luzes da casa. Eu estava
chorando, chamando minha mãe, mas me agarrei a Grover – eu não ia deixá-lo partir.
Minha última lembrança é ter desmaiado numa varanda de madeira, olhando para um
ventilador de teto que girava acima de mim, mariposas voando em volta de uma luz
amarela, e as expressões austeras e familiares de um homem barbudo e uma menina
bonita, com cabelos loiros encaracolados como os de uma princesa. Os dois olharam
para mim e a menina disse:
- É ele. Tem de ser.
- Silêncio, Annabeth – disse o homem. – Ele ainda está consciente. Traga-o para dentro.

CINCO
Eu jogo pinoche com um cavalo

Tive sonhos estranhos, cheios de animais de estábulos. A maioria queria me matar. O
restante queria comida.
Devo ter acordado várias vezes, mas o que ouvi e vi não fazia sentido, então adormecia
de novo. Lembro-me de estar deitado em uma cama macia, sendo alimentado com
colheradas de alguma coisa que tinha gosto de pipoca com manteiga, só que era pudim.
A menina com o cabelo loiro encaracolado pairava acima de mim com um sorriso
afetado enquanto limpava as gotas de meu queixo com a colher.
Quando ela viu meus olhos abertos, perguntou:
- O que vai acontecer no solstício de verão?
Eu consegui resmungar:
- O quê?
Ela olhou em volta, como se estivesse com medo de que alguém ouvisse.
- O que está acontecendo? O que foi roubado? Nós só temos algumas semanas!
- Desculpe – murmurei. – Eu não...
Alguém bateu à porta, e a menina rapidamente encheu minha boca de pudim.
Quando acordei novamente, a menina tinha ido embora.
Um sujeito loiro e forte, como um surfista, estava no canto do quarto me vigiando.
Tinha olhos azuis – pelo menos uma dúzia deles – nas bochechas, nas testas, nas costas
das mãos.

*****

Quando finalmente voltei a mim de vez, não havia nada de estranho com o lugar ao meu
redor, a não ser que era mais agradável do que eu estava acostumado. Estava sentado
numa espreguiçadeira em uma enorme varanda, olhando ao longo de uma campina para
colinas verdejantes à distância. A brisa tinha cheiro de morangos. Havia uma manta
sobre as minhas pernas, um travesseiro atrás do pescoço. Tudo isso era ótimo, mas
minha boca me dava a sensação de ter sido usada como ninho por um escorpião. A
língua estava seca e pegajosa, e todos os dentes doíam. Sobre a mesa ao lado havia
bebida num copo alto. Parecia suco de maçã gelado, com um canudinho verde e um
guarda-chuva de papel enfiado em uma cereja.
Minha mão estava tão fraca que quase derrubei o copo quando passei os dedos em volta
dele.
- Cuidado – disse uma voz familiar.
Grover estava apoiado no gradil da varanda, e parecia não dormir havia uma semana.
Embaixo de um braço, segurava uma caixa de sapatos. Estava usando jeans, tênis de
cano alto Converse e uma camiseta laranja-claro com os dizeres ACAMPAMENTO
MEIO-SANGUE. Apenas o velho Grover. Não menino-bode.
Quem sabe não tive um pesadelo? Talvez minha mãe estivesse bem. Ainda estávamos
de férias e tínhamos parado ali naquela grande casa por alguma razão. E...
- Você salvou minha vida – disse Grover. – Eu... bem, o mínimo que eu podia fazer...
voltei na colina. Achei que você poderia querer isso.
Reverentemente, ele colocou a caixa de sapatos em meu colo.
Dentro havia um chifre de touro branco-e-preto, a base irregular por ter sido quebrada, a
ponta salpicada de sangue seco. Não tinha sido um pesadelo.
- O Minotauro – disse eu.
- Ahn, Percy, não é uma boa idéia...
- É assim que o chamam nos mitos gregos, não é? – perguntei. – O Minotauro. Meio
homem, meio touro.
Grover mudou de posição, pouco à vontade.
- Você ficou desacordado por dois dias. Do que se lembra?
- Minha mãe. Ela está mesmo...
Ele abaixou os olhos.
Olhei ao longo da campina. Havia pequenos bosques, um riacho sinuoso, campos de
morangos espalhados embaixo do céu azul. O vale era cercado por colinas ondulantes, e
a mais alta, bem na nossa frente, era a que tinha o grande pinheiro no topo. Mesmo isso
parecia bonito à luz do sol.
Minha mãe se fora. O mundo inteiro deveria estar escuro e frio. Nada devia parecer
bonito.
- Desculpe – fungou Grover. – Eu sou um fracasso. Eu... sou o pior sátiro do mundo.
Ele gemeu, batendo o pé com tanta força que ele saiu, quer dizer, o tênis Converse saiu.
Dentro, estava recheado de isopor, a não ser por um buraco em forma de casco.
- Oh, Styx! – murmurou ele.
Um trovão ecoou no céu claro.
Enquanto ele lutava para pôr o casco de volta no falso pé, pensei: Bem, isso resolve as
coisas.
Grover era um sátiro. Podia apostar que, s raspasse o cabelo castanho cacheado,
encontraria pequenos chifres em sua cabeça.
Mas eu me sentia infeliz demais para me importar com a existência de sátiros ou mesmo
minotauros. O importante era que minha mãe realmente tinha sido espremida para o
nada, dissolvida em luz amarela.
Eu estava sozinho. Um órfão. E teria de viver com... Gabe Cheiroso? Não. Isso jamais
iria acontecer. Preferia viver nas ruas. Fingiria ter dezessete anos e me alistaria no
exercito. Faria alguma coisa.
Grover ainda estava fungando. O pobre garoto – pobre bode, ou sátiro, ou o que for –
parecia estar esperando levar um murro.
- Não foi sua culpa – disse eu.
- Foi, sim. Eu devia protegê-lo.
- Minha mãe pediu para você me proteger?
- Não. Mas é isso que faço. Sou um guardião. Pelo menos... eu era.
- Mas por que...
De repente senti uma vertigem, minha visão rodando.
- Não se esforce demais – disse Gover. – Aqui.
Ele me ajudou a segurar o copo e eu levei o canudinho aos lábios.
Recuei com o gosto, porque estava esperando suco de maçã. Não tinha nada a ver com
isso. Era gosto de biscoito com pedacinhos de chocolate. Biscoito líquido. E não
qualquer biscoito – os biscoitos azuis da minha mãe com pedacinhos de chocolate,
amanteigados e quentes, o chocolate ainda derretendo. Ao beber aquilo, meu corpo
inteiro se sentiu bem, aquecido e cheio de energia. Minha tristeza não foi embora, mas
era como se minha mãe tivesse acabado de acariciar minha bochecha e me dar um
biscoito, como costumava fazer quando eu era pequeno, e tivesse dito que tudo ia ficar
bem.
Antes de me dar conta, já tinha esvaziado o copo inteiro. Olhei para dentro dele e, com
certeza, não era uma bebida quente, pois os cubos de gelo não tinham nem derretido.
- Estava bom? – perguntou Grover.
Fiz que sim com a cabeça.
- Que gosto tinha?
Ele pareceu tão suplicante que me senti culpado.
- Desculpe. Devia ter deixado você provar.
Os olhos deles se arregalaram.
- Não! Não foi isso que eu quis dizer. Eu só... fiquei curioso.
- Biscoitos com pedacinhos de chocolate – disse eu. – Os da minha mãe. Feitos em casa.
Ele suspirou.
- E como se sente?
- Como se fosse capaz de jogar Nancy Bobofit a cem metros de distancia.
- Isso é bom – disse ele. – Isso é bom. Não acho que você deva se arriscar a tomar mais
disso aí.
- O que quer dizer?
Ele pegou meu copo com cautela, como se fosse dinamite, e o colocou de volta na mesa.
- Vamos. Quíron e o sr. D estão esperando.

*****

A varanda circundava toda a casa da fazenda.
Senti as pernas tremulas tentando andar toda aquela distancia. Grover se ofereceu para
carregar o chifre do Minotauro, mas eu me agarrei a ele. Tinha pago um preço alto por
aquele suvenir. Não iria largá-lo.
Quando demos a volta até o lado oposto da casa, parei para recuperar o fôlego.
Devíamos estar na costa norte de Long Island, porque daquele lado da casa o vale
seguia até a água, que cintilava a cerca de um quilômetro de distancia. Entre a casa e lá,
eu simplesmente não consegui processar tudo o que estava vendo. A paisagem era
pontilhada de construções que lembravam a arquitetura grega antiga – um pavilhão a
céu aberto, um anfiteatro, uma arena circular – só que pareciam novos em folha, as
colunas de mármore branco reluzindo ao sol. Em uma quadra de areia próxima, uma
dúzia de crianças e sátiros jogavam voleibol. Canoas deslizavam por um pequeno lago.
Crianças de camiseta laranja-clara como a de Grover acorriam umas atrás das outras em
volta de um grupamento de chalés no meio do bosque. Algumas praticavam arco-eflecha
em alvos. Outras montavam cavalos em uma trilha arborizada e, a não ser que eu
estivesse tendo alucinações, alguns cavalos tinham asas.
Na extremidade da varanda, dois homens estavam sentados frente a frente em uma mesa
de carteado. A menina de cabelos loiros que me alimentara com colheradas de pudim
com sabor de pipoca estava apoiada no gradil da varanda, ao lado deles.
O homem de frente para mim era pequeno, mas gorducho. Tinha nariz vermelho,
grandes olhos chorosos e cabelo cacheado tão preto que era quase roxo. Parecia uma
daquelas pinturas de anjos-bebês, como se chamam mesmo... surubins? Não, querubins.
É isso. Ele parecia um querubim que chegou a meia idade em um acampamento de
trailers. Usava uma camisa havaiana com estampa de tigres e teria se encaixado
perfeitamente em uma das rodas de pôquer de Gabe, só que eu tive a sensação de que
esse cara poderia ter ganhado até do meu padrasto.
Aquele é o sr. D – murmurou Grover para mim. – Ele é o diretor do acampamento. Seja
educado. A menina é Annabeth Chase. Ela é só uma campista, mas está aqui há mais
tempo que quase todo mundo. E você já conhece Quíron...
Ele apontou para o cara que estava de costas para mim.
Primeiro, percebi que ele estava sentado em uma cadeira de rodas. Depois reconheci o
casaco de tweed, o cabelo castanho ralo, a barba desalinhada.
- Sr. Brunner! – exclamei.
O professor de latim voltou-se e sorriu para mim. Os olhos estavam com aquele brilho
travesso de quando ele fazia uma prova-surpresa e todas as respostas da múltipla
escolha eram B.
- Ah, bom, Percy – disse ele. – Agora já temos quatro para o pinoche.
Ele me ofereceu uma cadeira à direita do sr. D, que olhou para mim com olhos injetados
e soltou um grande suspiro.
- Ah, suponho que devo dizer isto. Bem-vindo ao Acampamento Meio-Sangue. Pronto.
Agora, não espere que eu esteja contente em vê-lo.
- Ahn, obrigado. – Logo me afastei um pouco dele, porque, se havia uma coisa que eu
tinha aprendido com Gabe era reconhecer quando um adulto andou tomando umas e
outras. Se o sr. D era abstêmio, eu era um sátiro.
- Annabeth? – o sr. Brunner chamou a menina loira.
Ela avançou e o sr. Brunner nos apresentou.
- Esta mocinha cuidou de você até que ficasse bom, Percy. Annabeth, minha querida,
por que não vai verificar o beliche de Percy? Vamos instalá-lo no chalé 11 por
enquanto.
Annabeth disse:
- Claro, Quíron.
Ela provavelmente tinha a minha idade, talvez fosse uns cinco centímetros mais alta, e
tinha a aparência muitíssimo mais atlética.
Com seu bronzeado intenso e o cabelo loiro cacheado, era quase exatamente como eu
imaginava uma típica menina da Califórnia, a não ser pelos olhos, que arruinavam essa
imagem. Era surpreendentemente cinzentos, como nuvens de tempestade; bonito, mas
também intimidadores, como se ela estivesse analisando o melhor modo de me derrubar
em uma luta.
Ela deu uma olhada no chifre de minotauro em minhas mãos, então de novo para mim.
Imaginei que fosse dizer: Você matou um minotauro! Ou Uau, você é tão assustador!
Ou algo do tipo. Em vez disso, ela disse:
- Você baba quando está dormindo!
Depois saiu correndo pelo gramado, os cabelos loiros esvoaçando atrás dela.
- Então – disse, ansioso por mudar de assunto -, o senhor, ahn, trabalha aqui, sr.
Brunner?
- Sr. Brunner não – disse o ex-sr. Brunner. – Lamento, era pseudônimo. Você pode me
chamar de Quíron.
- Combinado. – Totalmente confuso, olhei para o diretor. – E sr. D... significa alguma
coisa?
O sr. D parou de embaralhar as cartas. Olhou para mim como se eu tivesse acabado de
arrotar alto.
- Rapazinho os nomes são coisas poderosas. Você simplesmente não sai por aí os
usando sem motivo.
- Ah. Certo. Desculpe.
- Devo dizer, Percy – interrompeu o Quíron-Brunner -, que estou contente em vê-lo com
vida. Já faz um bom tempo desde que fiz um atendimento domiciliar a um campista em
potencial. Detestaria pensar que tinha perdido meu tempo.
- Atendimento domiciliar?
- O ano que passei na Academia Yancy para instruí-lo. Temos sátiros de prontidão na
maioria das escolas, é claro. Mas Grover me alertou assim que o conheceu. Ele sentiu
que você era especial, então decidi ir lá. Convenci o outro professor de latim a... ah,
tirar uma licença.
Tentei me lembrar do começo do ano escolar. Parecia tanto tempo atrás, mas eu tinha
uma vaga lembrança de outro professor de latim na minha primeira semana em Yancy.
Então, sem explicação, ele desapareceu e o sr. Brunner assumiu a turma.
- Você foi a Yancy só para me ensinar? – perguntei.
Quíron assentiu.
- Honestamente, de inicio eu não tinha muita certeza a seu respeito. Contatamos a sua
mãe, informamos que estávamos de olho em você, para o caso de estar pronto para o
Acampamento Meio-Sangue. Mas você ainda tinha muito a aprender. Não obstante,
chegou aqui vivo, e esse é sempre o primeiro teste.
- Grover – disse o sr. D com impaciência -, vai jogar ou não?
- Sim, senhor! – Grover tremeu quando se sentou na quarta cadeira, embora eu não
soubesse por que ele deveria ter tanto medo de um homenzinho gorducho de camisa
havaiana com estampa de tigre.
- Você sabe jogar pinoche? – indagou o sr. D olhando para mim com desconfiança.
- Infelizmente não – disse eu.
- Infelizmente não, senhor – disse ele.
- Senhor – repeti. Estava gostando cada vez menos do diretor do acampamento.
- Bem – ele me disse -, este é, juntamente com as lutas de gladiadores e o Pac-Man, um
dos melhores jogos já inventados pelos seres humanos. Imaginava que todos os jovens
civilizados conhecessem as regras.
- Estou certo de que o menino pode aprender – disse Quíron.
- Por favor – disse eu. -, o que é este lugar? O que estou fazendo aqui? Sr. Brun...
Quíron, por que iria à Academia Yancy só para me ensinar?
O sr. D bufou.
- Fiz a mesma pergunta.
O diretor do acampamento deu as cartas. Grover se encolhia a cada vez que uma caía na
sua pilha.
Quíron sorriu para mim de um modo compreensivo, como costumava fazer na aula de
latim, como para me dizer que qualquer que fosse minha nota, eu era seu aluno mais
importante. Ele esperava que eu tivesse a resposta certa.
- Percy – disse ele -, sua mãe não lhe contou nada?
- Ela disse... – Lembrei-me dos seus olhos tristes, olhando para o mar. – Ela me contou
que tinha medo de me mandar para cá, embora meu pai quisesse que ela fizesse isso.
Disse que, uma vez aqui, provavelmente não poderia sair. Queria me manter perto dela.
- Típico – disse o sr. D – É assim que eles normalmente são mortos. Rapazinho, você
vai fazer um lance ou não vai?
- O quê? – perguntei.
Ele explicou, impacientemente, como se faz um lance em pinoche, e eu fiz.
- Lamento, mas há coisas demais a contar – disse Quíron. – Receio que nosso filme de
orientação não seja suficiente.
- Filme de orientação? – perguntei.
- Não – concluiu Quíron. – Bem, Percy. Você sabe que seu amigo Grover é um sátiro.
Você sabe – ele apontou para o chifre na caixa de sapatos – que você matou o
Minotauro. E não é um pequeno feito, rapaz. O que você pode não saber é que grandes
forças estão em ação na sua vida. Os deuses – as forças que você chama de deuses
gregos – estão muito vivos.
Olhei para os outros em volta da mesa.
Aguardei que alguém gritasse, Não! Mas tudo o que ouvi foi o sr. D gritando:
- Oh, um casamento real. Truco! Truco! – Ele gargalhou enquanto contava os pontos.
- Sr. D – perguntou Grover timidamente -, se não for comê-la, posso ficar com sua lata
de Diet Coke?
- Hein? Ah, está bem.
Grover mordeu um grande pedaço da lata de alumínio vazia e mastigou tristemente.
- Espere – eu disse a Quíron -, está me dizendo que existe algo como Deus.
- Bem, vamos lá – disse Quíron. – Deus – com D maiúsculo, Deus. Isso é outro assunto.
Não vamos lidar com o metafísico.
- Metafísico? Mas você estava falando sobre...
- Ah, deuses, no plural, grandes seres que controlam as forças da natureza e os
empreendimentos humanos; os deuses imortais do Olimpo. Essa é uma questão menor.
- Menor?
- Sim, muito. Os deuses que discutimos na aula de latim.
- Zeus – disse eu. – Hera. Apolo. Você quer dizer , esses. E, de novo, uma trovoada
distante em um dia sem nuvens.
- Rapazinho – disse o sr. D -, se eu fosse você, seria menos negligente quanto a ficar
soltando esses nomes por aí.
- Mas são historias – disse eu. – São... mitos, para explicar os relâmpagos, as estações e
tudo mais. Era nisso que as pessoas acreditavam antes de surgir a ciência.
- Ciência! – zombou o sr. D. – E diga-me, Perseu Jackson – eu me encolhi quando ele
disse meu nome verdadeiro, que nunca contara a ninguém -, o que as pessoas pensarão
da sua “ciência” daqui a milhares de anos? Humm? Irão chamá-la de baboseiras
primitivas. É isso o que irão pensar. Ah, eu adoro os mortais... ele não têm a menor
noção de perspectiva. Acham que já chegaram tãããão longe. E chegaram, Quíron? Olhe
para esse menino e diga-me.
- Percy – disse Quíron -, você pode escolher entre acreditar ou não, mas o fato é que
imortal significa imortal. Pode imaginar isso por um momento, não morrer nunca?
Existir, assim como você é, para toda a eternidade?
Eu estava prestes a responder, assim sem pensar, que parecia um negocio muito bom,
mas o tom de voz de Quíron me fez hesitar.
- Você quer dizer, quer as pessoas acreditem em você ou não – disse eu.
- Exatamente – concordou Quíron. – Se você fosse um deus, gostaria de ser chamado de
mito, de uma velha historia para explicar os relâmpagos? E se eu contasse a você,
Perseu Jackson que um dia as pessoas vão chamar você de mito, criado apenas para
explicar como menininhos podem sobreviver à perda de suas mães?
Meu coração disparou. Ele estava tentando me deixar zangado por alguma razão, mas
eu não ia permitir que o fizesse. Eu disse:
- Eu não gostaria disso. Mas não acredito em deuses.
- Oh, é melhor mesmo – murmurou o sr. D. – Antes que um deles o incinere.
Grover disse:
- P-por favor, senhor. Ele acaba de perder a mãe. Está em estado de choque.
- Uma sorte, também – resmungou o sr. D, jogando uma carta. – Ruim mesmo é estar
confinado a esse trabalho deprimente, com meninos que nem mesmo têm fé!
Ele acenou e uma taça apareceu sobre a mesa, como se a luz do sol tivesse
momentaneamente se encurvado e transformado o ar em vidro. A taça se encheu de
vinho tinto.
Meu queixo caiu, mas Quíron mal ergueu os olhos.
- Senhor D – advertiu -, as suas restrições.
O sr. D olhou para o vinho e fingiu surpresa.
- Ora vejam. – Ele olhou para o céu e gritou: - Velhos hábitos! Desculpe!
Mais trovoes.
O sr. D acenou outra vez e a taça de vinho se transformou em uma nova lata de Diet
Coke. Ele suspirou, infeliz, abriu a lata e voltou ao seu jogo de cartas.
Quíron piscou para mim.
- O sr. D irritou o pai dele tempos atrás, sentiu-se atraído por uma ninfa dos bosques que
tinha sido declarada inacessível.
- Uma ninfa dos bosques – repeti, ainda olhando para a Diet Coke como se tivesse vindo
do cosmos.
- Sim – confessou o sr. D. – O pai adora me castigar. Na primeira vez, Proibição.
Horrível! Dez anos abasolutamente terríveis! Na segunda vez... bem, ela era mesmo
linda, não consegui ficar longe... na segunda vez, ele me mandou para cá. Colina Meio-
Sangue. Acampamento de verão para moleques como você. “Seja uma influencia
melhor”, ele me disse. “Trabalhe com os jovens em vez de arrasar com eles.” Ah! Que
injustiça.
O sr. D parecia ter seis anos de idade, como uma criancinha fazendo pirraça.
- E... – gaguejei – o seu pai é...
- Di immotales, Quíron – disse o sr. D. – Pensei que você tinha ensinado o básico a este
menino. Meu pai é Zeus, é claro.
Repassei os nomes começados em D da mitologia grega. Vinho. A pele de um tigre. Os
sátiros que pareciam estar todos trabalhando aqui. O modo como Grover se encolhia de
medo, como se o sr. D fosse seu senhor.
- Você é Dionisio –disse eu. – O deus do vinho.
O sr. D revirou os olhos.
- Como eles dizem hoje em dia, Grover? As crianças dizem, “fala sério”?
- S-sim, sr. D.
- Então, fala sério, Percy Jackson. Achou o quê; que eu fosse Afrodite?
- Você é um deus.
- Sim, criança.
- Um deus. Você.
Ele se virou para olhar diretamente para mim, e vi uma espécie de fogo arroxeado nos
seus olhos, um indício de que aquele homenzinho reclamão e gorducho só estava me
mostrando uma minúscula parte de sua verdadeira natureza. Tive visões de vinhas
estrangulando descrentes até a morte, guerreiros bêbados insanos com o entusiasmo da
batalha, marinheiros gritando enquanto suas mãos se transformavam em nadadeiras, os
rostos se alongando em focinhos de golfinho. Eu sabia que, se o pressionasse, o sr. D
iria me mostrar coisas piores. Iria plantar uma doença no meu cérebro que me levaria a
usar camisa-de-força pelo resto da vida.
- Gostaria de me testar, criança? – disse em voz baixa.
- Não. Não, senhor.
O fogo diminuiu um pouco. Ele voltou ao jogo de cartas.
- Acho que ganhei.
- Não exatamente sr. D – disse Quíron. Ele baixou uma seqüência, contou os pontos e
disse: - O jogo é meu.
Achei que o sr. D fosse transformar Quíron em pó em sua cadeira de rodas, mas ele
apenas suspirou pelo nariz, como se estivesse acostumado a ser batido pelo professor de
latim. Pôs-se de pé, e Grover levantou-se também.
- Estou cansado – disse o sr. D. – Acho que vou tirar uma soneca antes da cantoria desta
noite. Mas primeiro, Grover, precisamos conversar de novo sobre seu desempenho para
lá de imperfeito nessa missão.
O rosto de Grover cobriu-se de gotículas de suor.
- S-sim, senhor.
O sr. D voltou-se para mim.
- Chalé 11, Percy Jackson. E cuidado com seus modos.
Ele se afastou para dentro da casa, com Grover o seguindo arrasado.
- Grover vai ficar bem? – perguntei a Quíron.
Quíron assentiu, embora parecesse um pouco perturbado.
- O velho Dionisio não está realmente zangado. Ele apenas detesta seu trabalho. Ele
foi... ahn, confinado à Terra, pode-se dizer, e não pode agüentar ter de esperar mais um
século antes de ser autorizado a voltar ao Olimpo.
- O Monte Olimpo – disse eu. – Você está me dizendo que realmente existe um palácio
ali?
- Bem, agora há o Monte Olimpo na Grécia. E há o lar dos deuses, o ponto de
convergência dos seus poderes, que de fato costumava ser no Monte Olimpo. Ainda é
chamado de Monte Olimpo, por respeito às tradições, mas o palácio muda de lugar,
Percy, assim como os deuses.
- Você quer dizer que os deuses gregos estão aqui? Tipo... nos Estados Unidos?
- Bem, certamente. Os deuses mudam com o coração do Ocidente.
- O quê?
- Vamos, Percy. O que vocês chamam de “civilização ocidental”. Você acha que é
apenas um conceito abstrato? Não, é uma força viva. Uma consciência coletiva que
ardeu brilhantemente por milhares de anos. Os deuses são parte dela. Você pode até
dizer que eles são sua fonte ou, pelo menos, que estão ligados tão intimamente a ela que
possivelmente não vão deixar de existir, a não ser que toda a civilização ocidental seja
destruída. A chama começou na Grécia. Então, como você bem sabe... ou espero que
saiba, já que foi aprovado no meu curso... o coração da chama se mudou para Roma, e
assim fizeram os deuses. Ah, com nomes diferentes, talvez: Júpiter em vez de Zeus,
Vênus em vez de Afrodite, e assim por diante; mas as mesmas forças, os mesmos
deuses.
- E então eles morreram.
- Morreram? Não. O Ocidente morreu? Os deuses simplesmente se mudaram, para a
Alemanha, para a França, para a Espanha, por algum tempo. Aonde quer que a chama
brilhasse mais, lá estavam os deuses. Eles passaram vários séculos na Inglaterra. Tudo o
que você precisa é olhar para a arquitetura. As pessoas não esquecem os deuses. Em
todos os lugares onde reinaram, nos últimos três mil anos, você pode vê-los em pinturas,
em estátuas, nos prédios mais importantes. E sim, Percy, é claro que agora eles estão
nos Estados Unidos. Olhe para o símbolo do país, a águia de Zeus. Olhe para a estátua
de Prometeu no Rockfeller Center, para as fachadas dos edifícios governamentais em
Washington. Eu o desafio a encontrar qualquer cidade americana onde os olimpianos
não estejam proeminentes expostos em vários locais. Goste ou não – e acredite, uma
porção de gente não gostava muito de Roma também -, os Estados Unidos são agora o
coração da chama. São a grande potencia do Ocidente. E, portanto, o Olimpo é aqui. E
nós estamos aqui.
Aquilo tudo foi demais para mim, especialmente o fato de que eu parecia estar incluído
no nós de Quíron, como se fizesse parte do mesmo clube.
- Quem é você, Quíron? Quem... quem eu sou?
Quíron sorriu. Ele mudou de posição, como se fosse levantar da cadeira de rodas, mas
eu sabia que era impossível. Era paralítico da cintura para baixo.
- Quem é você? – ele ficou pensativo. – Bem, essa é a pergunte que todos queremos ver
respondida, não é? Mas, por enquanto, temos de lhe arranjar um beliche no chalé 11. Ali
haverá novos amigos para conhecer. E tempo à vontade para as aulas amanhã. Alem
disso, haverá guloseimas em volta da fogueira esta noite, e eu simplesmente adoro
chocolate.
E então ele se levantou da cadeira de rodas. Mas havia algo de estranho no modo como
ele fez isso. A manta caiu de cima das pernas, mas elas não se moveram. A cintura foi
ficando mais longa, erguendo-se acima do cinto. De início, pensei que estivesse usando
roupas de baixo muito compridas de veludo branco, mas à medida que ele foi ser
erguendo da cadeira, mais alto que qualquer homem, percebi que a roupa de baixo de
veludo não era roupa de baixo; era a parte da frente de um animal, músculos e tendões
sob um pêlo branco e áspero. E a cadeira de rodas não era uma cadeira. Era algum tipo
de recipiente, uma enorme caixa sobre rodas, e devia ser mágica, porque não havia
como ela contê-lo inteiro. Uma perna saiu, comprida e com joelho saliente, com um
grande casco polido. Depois outra perna dianteira, depois a parte traseira, e depois a
caixa ficou vazia, nada além de uma casca de metal com um par de pernas humanas
acoplado.
Olhei para o cavalo que acabara de pular da cadeira de rodas: um enorme corcel branco.
Mas, onde devia estar o seu pescoço, estava a parte de cima do corpo do meu professor
de latim, suavemente enxertada no tronco do cavalo.
- Que alívio – disse o centauro. – Fiquei tanto tempo confinado lá dentro que minhas
juntas adormeceram. Agora venha, Percy Jackson. Vamos conhecer os outros campistas.

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