terça-feira, 31 de maio de 2011

A Tempestade - Ato V - Último Ato

ATO V
Cena I
(Diante da cela de Próspero).
Entram Próspero, com suas vestes mágicas, e Ariel)
PRÓSPERO - Concretizam-se, enfim, meus planos todos; meus feitiços não falham; meus espíritos me
obedecem e o tempo segue em linha reta com sua carga. Que horas são?
ARIEL - Seis horas, meu senhor; precisamente a hora em que me dissestes deveriam cessar nossos
trabalhos.
PRÓSPERO - Sim, disse isso, quando fiz levantar a tempestade. Mas agora me informa, meu espírito,
como está o rei e a sua comitiva.
ARIEL - Fechados todos eles, tal qual como tínheis determinado; justamente como os deixastes,
prisioneiros todos no bosque de limeiras que protege, senhor, vossa caverna. Nenhum deles se livrará
sem vosso assentimento. O rei, o mano dele e o vosso se acham completamente fora do juízo; os demais
os lastimam, transpassados de dor e desespero, salientando-se aquele que chamastes de "O bom velho
senhor Gonzalo". As lágrimas lhe correm pelos fios da barba como gotas do inverno nos caniços. De tal
modo vossos encantamentos os trabalham, que, se os vísseis agora, era certeza ficardes comovido.
PRÓSPERO - É assim que pensas, espírito?
ARIEL - Eu, senhor, se fosse humano, decerto ficaria.
PRÓSPERO - Pois o mesmo comigo vai se dar. Sendo ar, apenas, como és, revelas tanto sentimento por
suas aflições; e eu, que me incluo entre os de sua espécie, e as dores sinto, como os prazeres, tão
profundamente tal como qualquer deles, não podia mostrar-me agora menos abalado. Multo embora seus
crimes me tivessem tocado tão de perto, em meu auxílio chamo a nobre razão, para sofrearmos de todo
minha cólera. E mais nobre o perdão que a vingança. Estando todos arrependidos, não se estende o
impulso do meu intento nem sequer a um simples franzir do sobrecenho. Vai, liberta-os, meu Ariel. Vou
romper o encantamento, a razão restituir-lhes e fazê-los voltar a ser o que eram.
ARIEL - Vou buscá-los.
(Sai.)
PRÓSPERO - Vós, elfos das colinas e dos córregos, das lagoas tranqüilas e dos bosques; e vós que rasto
não deixais na areia, quando caçais Netuno nas vazantes, ou dele vos furtais, quando retorna; vós,
anõezinhos brincalhões, que círculos, à luz do luar, traçais de ervas amargas, que as ovelhas recusam; e
vós outros que criais por brinquedo os cogumelos noturnos e vos alegrais com o toque solene da manhã;
com cujo auxílio - muito embora sejais mestres fraquinhos - fiz apagar-se o sol ao meio-dia, chamei os
ventos revoltados, guerra suscitei atroadora entre o mar verde e a abóboda azulada, o ribombante trovão
provi de fogo, o tronco altivo do carvalho de Jove abri ao meio, de seu próprio corisco me valendo;
abalado deixei os promontórios de fortes alicerces, os pinheiros e cedros arranquei pelas raízes... Ao meu
comando, os túmulos faziam despertar os que neles repousavam, e, abrindo-se, deixavam-nos sair, tão
forte era minha arte. Mas abjuro, neste momento, da magia negra; uma vez conjurado mais um pouco de
música celeste - o que ora faço - para que nos sentidos lhes atue - tal é o poder do encantamento aéreo -
quebrarei a varinha; a muitas braças do solo a enterrarei, e em lugar fundo, jamais tocado por nenhuma
sonda, afogarei meu livro.
(Música solene. Volta Ariel; Alonso o segue com ademanes frenéticos, acompanhado por Gonzalo;
Sebastião e Antônio, no mesmo estado, acompanhado por Adriano e Francisco. Todos entram no círculo
feito por Próspero e aí se conservam sob a ação do encantamento Próspero os contempla e fala.)
Que uma canção solene, o mais possante consolador das mentes perturbadas, o cérebro te cure, que no
crânio te ferve, agora, inútil. Pára aí mesmo, porque imobilizado ora te encontras por meus
encantamentos. Impecável Gonzalo, homem honrado: meus olhos, compassivos com a atitude dos teus
deixam cair gotas amigas. O encantamento se desfaz aos poucos. Assim como a manhã, roubando a
noite, dilui a escuridão, do mesmo modo a despertar começam-lhe os sentidos e a expulsar os vaportes
ignorantes que a nitente razão lhes revestia. Meu salvador sincero, bom Gonzalo, servidor dedicado de
teu amo, hei de pagar-te em casa os benefícios com palavras e obras. Por maneira crudelíssima, Alonso,
procedeste comigo e minha filha. Foste nisso levado por teu mano. Esse o motivo, Sebastião, de sofreres
tantas dores, e vós aí, meu sangue e minha carne, meu irmão, que à ambição deste acolhida, expulsando o
remorso e a natureza - razão de serem muito mais intensas as compunções internas - planejastes
assassinar aqui vosso monarca. Embora sejas um desnaturado, recebe o meu perdão. - O entendimento já
começa a crescer e a maré próxima dentro de pouco cobrirá a praia da razão, que ainda está cheia de
lama. Nenhum deles me vê nem reconhece. Ariel, vai até à cela e de lá traze minha espada e o chapéu.
(Sai Ariel.)
Troco esta roupa e vou ficar como em Milão eu era. Espírito, depressa! Falta pouco para ficares livre.
(Volta Ariel cantando, e ajuda Próspero a vestir-se.)
ARIEL - Como as abelhas volito em busca do mel bendito. Numa corola dormito, quando o bufo solta o
grito. Meu cavalinho bonito - um morcego - sempre incito a ter o verão bem fito. Vou viver, vou viver
alegremente sob os ramos da selva florescente.
PRÓSPERO - Oh, reconheço o meu gentil Ariel. Vou sentir tua falta... Pouco importa. Ficarás livre.
Assim... Assim... Assim... Como és, sem seres visto, vai ao barco do rei, onde acharás os marinheiros a
dormir na escotilha. Despertados o comandante e o contramestre, obriga-os a vir para este ponto. Isso,
depressa.
ARIEL - Engulo o ar no caminho e aqui retorno antes de o pulso vos bater duas vezes.
(Sai.)
GONZALO - Todas as dores, confusões, espantos, todos os desesperos aqui moram. Algum poder celeste
nos retire deste país terrível.
PRÓSPERO - Aqui vedes Próspero, senhor rei, o antigo Duque de Milão. Como prova de que um
príncipe vivo contigo fala neste instante, abraço-te e te dou as mais sinceras boas-vindas e a todos de teu
séqüito.
ALONSO - Se és ele mesmo ou não, ou qualquer mágico fantasma, como os outros que até há pouco de
mim zombaram, como decidir-me? Como de carne e sangue tens o pulso, e desde que te vi sinto
acalmar-se-me a inquietação da mente, que a loucura, multo o receio, em mim nascer fizera. Tudo isso -
se isso tudo for verdade - tem uma história por demais estranha. Resigno o teu ducado e te conjuro a me
perdoar as faltas. Porém como pode estar vivo Próspero e nesta ilha?
PRÓSPERO - Primeiramente, nobre amigo, deixa que te abrace a velhice, pois tua honra não conhece
medida nem limites.
GONZALO - Se isto tudo é real ou imaginário, não poderei jurá-lo.
PRÓSPERO - Em vós atuam ainda algumas sutilezas da ilha, que não vos deixam crer na realidade.
Bem-vindos sois, amigos.
(A parte, a Sebastião e Antônio.)
Se o quisesse, meu par de nobres, eu pudera agora fazer que contra vós se condensasse a cólera do rei,
desmascarando-vos como dois vis traidores. Mas não quero neste instante contar coisa nenhuma.
SEBASTIÃO (à parte) - O diabo fala pela tua boca.
PRÓSPERO - Não; a vós senhor perverso, a que não posso dar o nome de irmão sem que me suje, a falta
mais hedionda vos perdôo... Perdôo todas, mas neste momento reclamo o meu ducado que, por força,
tereis de me entregar.
ALONSO - Se fores Próspero, realmente, então revela-nos algumas particularidades sobre o modo como,
enfim, te salvaste; dize como nos encontraste aqui, nós que há três horas, apenas, naufragamos nesta
praia, onde perdi - como é pungente o acúleo da lembrança! - meu caro Ferdinando.
PRÓSPERO - Sinto multo, senhor.
ALONSO - É irreparável a perda, e diz-me a paciência que ela própria nada consegue neste caso.
PRÓSPERO - Penso, ao contrário, que não procurastes seu auxílio eficiente. Em perda idêntica, por sua
doce graça, contemplado me vi com sua ajuda soberana, ficando satisfeito.
ALONSO - Perda idêntica?
PRÓSPERO - Tão grande como a vossa, e tão recente. E para suportá-la não dispunha dos meios de
consolo que vos restam, pois perdi minha filha.
ALONSO - Filha? O Céus! Se em Nápoles os dois ora estivessem, como rei e rainha! Para tanto, desejara
enterrado ora encontrar-me no leito cenagoso em que meu filho repousa neste instante. Há quanto tempo
sofrestes essa perda irreparável?
PRÓSPERO - Na última tempestade. Mas percebo que estes senhores por tal modo se acham
estupefactos ante o nosso encontro, que a razão perdem, não acreditando que os olhos usam no seu
próprio ofício e que sua faia é natural anélito. Porém, por mais que todos deslocados houvésseis sido dos
sentidos, crede como certo que eu sou, de fato, Próspero que de Milão, há tempo, fui expulso e que
desembarquei por modo estranho na mesma praia em que ora naufragastes, para ser dono dela. Mas sobre
isso, por ora, é quanto basta; é larga história, para contada ser dia por dia, não relação para fazer-se à
mesa e muito menos ao primeiro encontro. Sois bem-vindo, senhor. E nesta ceia que tenho minha corte;
nela poucas pessoas me acompanham, sem que súdito nenhum tenha aqui fora. Examinai-a, por
obséquio. Uma vez que o meu ducado me restituístes, vou recompensar-vos com um presente precioso.
Pelo menos vou fazer um milagre que vos há de tão contente deixar como exultante fiquei com meu
ducado.
(Abre-se a porta da cela, deixando ver Ferdinando e Miranda, que jogam xadrez.)
MIRANDA - Estais usando de esperteza, príncipe.
FERDINANDO - Não, querida; por nada neste mundo poderia fazê-lo.
MIRANDA - Sim, por um par de reinos poderíeis altercar, e eu vos juro que chamara a isso jogo correto.
ALONSO - Se tudo isto for outra vez uma ilusão desta ilha, duas vezes perdi meu caro filho.
SEBASTIÃO - Oh Milagre estupendo!
FERDINANDO - Muito embora ameacem sempre, os mares são piedosos. Amaldiçoei-os sem razão para
isso.
(Ajoelha-se em frente de Alonso.)
ALONSO - Que te envolvam as bênçãos incontáveis de um venturoso pai. Alça-te e dize como aqul
vieste ter.
MIRANDA - Oh! Que milagre! Que soberbas criaturas aqui vieram! Como os homens são belos!
Admirável mundo novo que tem tais habitantes!
PRÓSPERO - Para ti isso é novo.
ALONSO - Quem é a jovem com quem jogavas? Vossas mais antigas relações não terão mais de três
horas. A deusa que nos separou, por que ora de novo nos reunira?
FERDINANDO - É criatura mortal, senhor; mas pela Providência imortal me foi dada. Fiz a escolha,
quando o consentimento não podia pedir do meu bom pai, estando certo de que pai já não tinha. Ela é a
filha do mui famoso Duque de Milão, de que tanto já ouvira, mas que nunca chegara a contemplar.
Recebi dele uma segunda vida, e ora um segundo pai me fez dele esta gentil menina.
ALONSO - Sou todo dela. Mas como me é estranho ter de pedir perdão ao próprio filho!
PRÓSPERO - Parai aí, senhor; não nos dobremos sob o peso do fardo das lembranças do que já se
passou.
GONZALO - Derramei lágrimas interiores; se não já me teria manifestado. Ó deuses! Inclinai-vos por
uns momentos, e sobre estes jovens fazei descer uma coroa benta, pois fostes vós que a estrada nos
traçastes para aqui nos reunirmos neste instante.
ALONSO - Digo amém, bom Gonzalo.
GONZALO - Assim, Milão foi de Milão expulso, porque viessem seus descendentes a ser reis de
Nápoles? Oh! Alegrai-vos sobremodo e o fato gravai a ouro em perduráveis lápides. Foi achar Claribel,
numa viagem a Túnis, o marido; Ferdinando, seu irmão, uma esposa, onde ele próprio se dava por
perdido; o Duque Próspero, o ducado numa ilha tão modesta; e todos nós nos encontramos, quando já
não éramos donos de nós mesmos.
ALONSO (a Ferdinando e Miranda) - Dai-me as mãos. Que a tristeza e os pesadumes o coração apertem
de quem votos não fizer de alegria.
GONZALO - Seja. Amém.
(Volta Ariel com o Comandante e o Contramestre que o seguem com sinais de estupefação.)
Olhai, senhor! Olhai! Mais gente nossa. Deu certo a minha profecia: caso forcas houvesse em terra, este
sujeito não morreria na água. E ora, blasfemo, que ao mar jogavas a divina Graça, aqui em terra
esgotaram-se-te as pragas? Que novidades há?
CONTRAMESTRE - A melhor delas é termos encontrado sãos e salvos o rei e os de seu séqüito. A
segunda é que nosso navio, que há três horas, somente, acreditávamos perdido, está firme e arvorado,
como quando iniciamos a viagem.
ARIEL (à parte, a Próspero) - Fiz tudo isso, mestre, neste intervalo.
PRÓSPERO (à parte, a Ariel) -
Ó meu espírito habilidoso! ALONSO - Naturais eventos não pode ser tudo isso. A um fato estranho,
segue outro ainda maior. Dizei-nos como chegaste até aqui.
CONTRAMESTRE - Caso eu tivesse certeza plena de que estou desperto, tentaria fazer cabal relato.
Mortos de sono estávamos, embaixo das escotilhas todos - não sabemos como isso aconteceu - quando,
de súbito, desencontrada confusão se eleva de rugidos atroantes e de guinchos, barulho de cadeias
arrastadas e outras espécies várias de ruídos, todos horríveis, que nos despertaram. No mesmo instante
livres nos achamos e em toda galhardia percebemos nosso real, galante e bravo barco e nosso
comandante, embasbacado, que pulava de alegre. De repente - com vossa permissão - como num sonho
nos separamos e trazidos fomos para aqui, atordoados.
ARIEL (à parte, a Próspero) - Foi bem feito?
99 PRÓSPERO (à parte, a Ariel) - Otimamente, meu zeloso espírito; em breve serás livre.
ALONSO - É o mais estranho labirinto que os homens já pisaram ultrapassa tudo isso a natureza no seu
curso normal. Será preciso buscar a explicação nalgum oráculo.
PRÓSPERO - Não aflijais, meu soberano o espírito, procurando explicar com tanto empenho a
estranheza do caso. Mais de espaço - o que vai ser em breve - hei de contar-vos com particularidades que
vos hão de parecer aceitáveis, tudo quanto se passou por aqui. Nesse entrementes, ficai alegre e pensai
bem de tudo.
(À parte, a Ariel.)
Aproxima-te, espírito; liberta Calibã e os demais; desfaze o encanto.
(Sai Ariel.)
Meu gracioso senhor como se sente? ainda estão faltando alguns sujeitos esquisitos de vossa companhia,
de que não vos lembrais.
(Volta Ariel empurrando Calibã, Estéfano e Trínculo, com as roupas roubadas.)
ESTÉFANO - Cada um cuide só dos outros, sem se importar consigo mesmo, porque tudo só depende da
sorte. Coragem, monstro-raio! Coragem!
TRÍNCULO - Se o que eu trago na cabeça forem espiões de verdade, temos aqui uma aparição
admirável.
CALIBÃ - Oh Setebos! Que espíritos notáveis, em verdade! Quão belo está meu amo! Temo que me
castigue. SEBASTIÃO - Ah! Ah! Que coisas ora nos surgem, meu senhor Antônio? Poderemos
comprá-las com dinheiro?
ANTÔNIO - Decerto poderemos; uma delas é puro peixe e, sem nenhuma dúvida, vendável no mercado.
PRÓSPERO - Vede apenas, senhores, as roupagens destes homens. Dizei-me agora se eles são honestos.
Esse tipo disforme que ali vedes, teve por mãe uma terrível bruxa, e de poder tão grande que até mesmo
na lua tinha influência, e provocava marés e baixa-marés, realizando da lua o ofício, sem o poder dela.
Esses três indivíduos me roubaram; e aquele meio-diabo - pois é filho bastardo, já se vê - tramou com
eles assassinar-me. Dois desses marotos são vossos conhecidos; este bloco de escuridão é minha
propriedade.
CALIBÃ - Beliscado serei de ficar morto.
ALONSO - Aquele ali não é acaso, Estéfano, meu despenseiro bêbado?
SEBASTIÃO - Está bêbado; mas como arranjou vinho?
ALONSO - Cambaleante de bêbado está Trfnculo. Mas como terão eles achado esse admirável elixir que
os deixou tão remoçados? Como vieste a cair nesta salmoura?
TRÍNCULO - De tal maneira eu me meti na salmoura desde a última vez que vos vi, que tenho receio de
que nunca mais me saia dos ossos. Agora posso desafiar as picadas dos mosquitos.
SEBASTIÃO - E tu aí, Estéfano! Como vais passando?
ESTÉFANO - Oh! Não me toqueis! Não sou Estéfano, mas pura cãibra.
PRÓSPERO - Querias ser rei da ilha, não, maroto?
ESTÉFANO - Daria um rei bem doentio.
ALONSO (apontando para Calibã) - É a coisa mais estranha que eu já vi.
PRÓSPERO - E tão disforme nos costumes como no feitio exterior. Ide, maroto, já para minha cela,
acompanhado de vossos dois amigos. Se quiserdes ser perdoado, arrumai-a com bem zelo.
CALIBÃ - É o que farei; e de ora avante quero mostrar-me mais razoável e obter graça. Mas que asno
reforçado eu fui, tomando por um deus este bêbado e inclinando-me diante deste imbecil!
PRÓSPERO - Vai logo. Fora! Ide repor essas quinquilharias no lugar onde estavam. SEBASTIÃO - De
onde foram roubadas, é o mais certo.
(Saem Calibã, Estéfano e Trínculo.)
PRÓSPERO - Senhor, convido Vossa Alteza e os vossos a entrar em minha pobre cela, para descansar
esta noite, pretendendo parte dela empregar com narrativas de tão grande atração que - não o duvido -
depressa passará: a história toda de minha vida e, assim, os acidentes por que passei até chegar a esta
ilha. Logo pela manhã hei de levar-vos ao vosso barco e, logo após, a Nápoles, onde espero assistir ao
matrimônio destes dois entes que nos são tão caros. Daí me acolherei ao meu Milão, onde cada terceiro
pensamento será dicado à minha sepultura.
ALONSO - Estou ansioso por ouvir a história de vossa vida, que há de estranhamente prender-nos a
atenção.
PRÓSPERO - Contarei tudo, prometendo-vos mares calmos, auras auspiciosas e velas tão velozes que
alcançareis, dentro de pouco tempo, vossa real esquadra. (À parte, a Ariel.) Meu Ariel, deixo isso a teu
cuidado, e, após, sê livre nos elementos. Passa bem, querido. - Por obséquio, senhores, entrai logo.
(Saem.)

Epílogo
(Dito por Próspero.)
Meu encanto terminado, reduzi-me ao próprio estado, que é bem precário, em verdade. Agora, vossa
vontade aqui poderá deixar-me ou a Nápoles enviar-me. Mas é certo que alcancei meu ducado, e já
perdoei quem mo roubara. Por isso, não queira vosso feitiço que eu nesta ilha permaneça tão estéril e
revessa, mas dos encantos malsãos livrai-me com vossas mãos. Vosso hálito deve inflar minhas veias
pelo mar; caso contrário, meu plano de agradar será vesano, pois de todo ora careço da arte negra de alto
preço, que os espfritos fazia surgir de noite ou de dia. Restou-me o temor escuro; por isso, o auxílio
procuro de vossa prece que assalta até mesmo a Graça mais alta, apagando facilmente as faltas de toda
gente. Como quereis ser perdoados de todos vossos pecados, permiti que sem violência me solte vossa
indulgência.

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