quinta-feira, 21 de julho de 2011

A Megera Domada - Ato V (Último Ato)

ATO V
Cena I
(Pádua. Diante da casa de Lucêncio. Por um lado entram Biondello, Lucêncio e Bianca; Grêmio passeia
no outro lado.)
BIONDELLO - Com jeito e bem depressa, senhor, porque o padre já está à espera.
LUCÊNCIO - Eu vôo, Biondello; mas pode acontecer que eles precisem de ti em casa. Por isso,
deixa-nos.
BIONDELLO - Não, por minha fé; primeiro terei de ver a igreja por cima de vosso ombro; depois
voltarei para junto de meu amo, o mais depressa que puder.
(Saem Lucêncio, Bianca e Biondello.)
GRÊMIO - Admiro-me de Câmbio não ter ainda chegado.
(Entram Petrucchio, Catarina, Vicêncio e criados.) PETRUCCHIO - Esta é a porta; esta é a casa de
Lucêncio. A de meu pai é perto do mercado. Tenho de ir até lá; por isso, deixo-vos.
VICÊNCIO - Tereis primeiro de beber comigo; penso que nesta casa posso dar-vos bom agasalho; e,
pelo que parece, há festa aqui.
(Bate.)
GRÊMIO - Estão muito ocupados; será melhor baterdes com mais força.
(Aparece na janela o professor.)
PROFESSOR - Quem é que bate como se quisesse derrubar a porta?
VICÊNCIO - O signior Lucêncio está, meu senhor?
PROFESSOR - Está, sim senhor; mas não pode atender a ninguém.
VICÊNCIO - Como! E se alguém lhe trouxesse cem ou duzentas libras, para maior animação de seus
divertimentos?
PROFESSOR - Guardai para vós mesmos vossas duzentas libras; enquanto eu tiver vida ele não
precisará disso.
PETRUCCHIO - Não vos disse eu que vosso filho era muito estimado em Pádua9 Senhor, estais
ouvindo? Deixando de lado frívolos circunlóquios, peço-vos avisar ao signior Lucêncio que o pai dele
chegou de Pisa e que o espera aqui na porta para falar-lhe.
PROFESSOR - Estás mentindo; o pai dele já chegou de Pisa e vos contempla agora desta janela.
VICÊNCIO - Então o pai dele és tu?
PROFESSOR - Perfeitamente; pelo menos é o que assegura a mãe dele, se é que posso dar crédito ao que
ela diz.
PETRUCCHIO (a Vicêncio) - Que quer dizer isso, cavalheiro? É velhacaria muito grande usurpar
nome de outra pessoa.
PROFESSOR - Segurai bem esse biltre; estou certo de que ele pretende enganar alguém na cidade, sob a
capa de meu nome.
(Volta Biondello.)
BIONDELLO - Deixei-os juntos na igreja; o céu lhes dê bons ventos. Mas que vejo? Meu velho amo
Vicêncio! Estamos perdidos e reduzidos a zero.
VICÊNCIO (percebendo Biondello) - Vem aqui, corda de forca!
BIONDELLO - Penso que tenho liberdade de movimentos, meu caro senhor.
VICÊNCIO - Vinde cá, meu velhaco. Então, já vos esquecestes de quem eu sou? BIONDELLO - Se já
me esqueci de vós? Não, senhor; não poderia ter-me esquecido de vós, porque nunca vos vi em toda a
vida.
VICÊNCIO - Como, notório biltre! Nunca viste o pai de teu amo, nunca viste Vicêncio?
BIONDELLO - Quem? meu velho e venerando amo? Claro que já o vi; ali está ele, a contemplar-nos
daquela janela.
VICÊNCIO - Ah! é assim?
(Bate em Biondello.)
BIONDELLO - Socorro! socorro! Aqui está um louco que quer matar-me.
(Sai.)
PROFESSOR - Socorro, filho! Socorro, signior Batista!
(Retira-se da janela.)
PETRUCCHIO - Quetinha, vamos ficar de lado, para vermos o fim desta controvérsia.
(Entram o professor, Batista, Trânio e criados.)
TRÂNIO - Senhor, quem sois para bater em meu criado?
VICÊNCIO - Quem sou eu, senhor? Não; eu é quem pergunto: quem sois vós, senhor? Oh deuses
imortais! Oh velhaco aparamentado! De casaco de seda, calça de veludo, capa escarlate e chapéu de
ponta! Estou arruinado! estou arruinado! Enquanto em casa eu faço o papel de marido econômico, meu
filho e meu criado esbanjam tudo na universidade.
TRÂNIO - E essa! Que foi que houve?
BATISTA - Será que é louco?
TRÂNIO - Senhor, pelos trajes dais-me a impressão de um cavalheiro idoso e de respeito; mas vossa
linguagem é de louco. Ora, senhor, em que vos importa a vós se eu uso ou deixo de usar pérolas e ouro?
Agradeço isso ao meu bom pai, que me faculta os meios para sustentar-me.
VICÊNCIO - Teu pai? Oh celerado! ele não passava de um fabricante de velas de navio, de Bérgamo.
BATISTA - Estais enganado, senhor; estais enganado, senhor. Por obséquio, como julgais que ele se
chama?
VICÊNCIO - Como se chama? Como se eu não soubesse o nome dele! Criei-o desde a idade de três
anos. Chama-se Trânio.
PROFESSOR - Fora! fora, asno furioso! O nome dele é Lucêncio; é o meu único filho e herdeiro de tudo
o que possuo, eu signior Vicêncio.
VICÊNCIO - Lucêncio! Oh! ele assassinou o amo! Prendei-o! Em nome do doge, intimo-vos a
prendê-lo! Oh meu filho, meu filho! Celerado, revela-me onde está meu filho Lucêncio.
TRÂNIO - Chamai um oficial de justiça.
(Sai um dos criados e volta com um oficial de justiça.)
Levai este louco para a prisão. Pai Batista, ficais incumbido de apresentá-lo às autoridades.
VICÊNCIO - Vão levar-me para a prisão!
GRÊMIO - Esperai um pouco, oficial; ele não irá preso.
BATISTA - Nada de conversas, Signior Grêmio; digo-vos que irá para a prisão.
GRÊMIO - Acautelai-vos, Signior Batista, para não serdes ludibriado neste negócio. Atrevo-me a jurar
que este é o verdadeiro Vicêncio.
PROFESSOR - Jura-o, se fores capaz.
GRÊMIO - Não, não me atrevo a fazê-lo.
TRÂNIO - Farias melhor dizendo que eu não sou Lucêncio.
GRÊMIO - Sim, conheço-te como signior Lucêncio
. BATISTA - Levai esse velho tonto! À prisão com ele! VICÊNCIO - É assim que se maltrata um
estrangeiro. Oh facínora monstruoso!
(Volta Biondello com Lucêncio e Bianca.)
BIONDELLO - Estamos desgraçados. Ali está ele, renegai-o; jurai que não o conheceis, se não
estaremos perdidos.
LUCÊNCIO (ajoelhando-se) - Pai, perdoa-me.
VICÊNCIO - Vives, caro filho?
(Biondello, Trânio e o professor saem correndo.)
BIANCA (ajoelhando-se) - Perdoai-me, pai querido.
BATISTA - Que fizeste? Onde ficou Lucêncio?
LUCÊNCIO - Aqui está ele, o verdadeiro filho do Vicêncio verdadeiro, que pelo casamento fez dele a
tua filha, enquanto os olhos uns mistificadores te enganavam.
GRÊMIO - Houve malícia refinada para nos enganar a todos.
VICÊNCIO - E onde se acha esse patife, Trânio, que a ousadia teve de resistir-me e de insultar-me?
BATISTA - Dizei-me agora: este não é meu Câmbio?
BIANCA - Câmbio, mas em Lucêncio transformado.
LUCÊNCIO - É milagre do amor. O amor de Bianca me fez tomar a posição de Trânioenquanto meu
papel ele assumia no meio de vós outros. Finalmente consegui alcançar com alegria o porto ambicionado
da ventura. Tudo o que Trânio fez foi por minha ordem. Perdoai-lhe, caro pai, a meu pedido.
VICÊNCIO - Hei de cortar o nariz daquele velhaco, que quis mandar-me para a prisão.
BATISTA (a Lucêncio) - Mas dizei-me uma coisa, senhor: desposastes minha filha sem pedir o meu
consentimento?
VICÊNCIO - Tranqüilizai-vos, Batista, que nós vos deixaremos satisfeito; mas vou já para dentro, tomar
vingança desta picardia.
(Sai.)
BATISTA - Eu também, para sondar esta velhacaria.
(Sai.)
LUCÊNCIO - Não te amofines, Bianca; ele concorda.
(Saem Lucêncio e Bianca.)
GRÊMIO - Malogrou-se meu plano; só me resta pegar o bocado nesta festa.
(Sai.)
(Petrucchio e Catarina vêm para a frente.)
CATARINA - Marido, vamos ver como tudo isto vai acabar.
PETRUCCHIO - Vamos, Quetinha; mas primeiro dá-me um beijo.
CATARINA - Como! No meio da rua?
PETRUCCHIO - Como! Estás com vergonha de mim?
CATARINA - De ti por Deus que não, mas de beijar-te.
PETRUCCHIO - Então voltamos já. Rapaz, vira o cavalo.
CATARINA - Não; dou-te um beijo; dou. Fiquemos; Já não falo.
PETRUCCHIO - Não está bem assim? Para se entrar na linha nunca é tarde demais, ensina-me Quetinha.
(Saem.)

Cena II
(Um quarto em casa de Lacêncio. Está preparado um banquete. Entram Batista, Vicêncio, Grêmio, o
professor, Lucêncio, Bianca, Petrucchio, Catarina, Hortênsio e a viúva. Trânio, Biondello, Grúmio e
outros criados servem).
LUCÊNCIO - Até que enfim as notas dissonantes acordes se tornaram. Foi-se a guerra selvagem, foi-se
enfim; chegou a hora de rir do grande medo, dos perigos por que todos passamos. Minha bela Bíanca,
meu pai saúda gentilmente que com o teu vou fazer a mesma coisa. Irmão Petrucchio, mana Catarina, e
tu, Hortênsio, com tua amável viúva, daí lugar à alegria; sois bem-vindos a minha casa. Serve este
banquete para remate do festim de há pouco. Sentai-vos, por obséquio, para à larga falarmos e
comermos.
PETRUCCHIO - Sempre a mesma coisa: sentai-vos e comei! Sentai-vos e comei!
BATISTA - São doçuras cá de Pádua, filho Petrucchio.
HORTÊNSIO - Em Pádua tudo é doce.
PETRUCCHIO - Acho agradável o que é doce em Pádua.
HORTÊNSIO - Desejo, para nosso bem, que seja verdade o que dizeis.
PETRUCCHIO - Por minha vida, Hortênsio está com medo da viúva.
VIÚVA - Não tenho medo de ninguém, afirmo-o.
PETRUCCHIO - Sois muito espirituosa; no entretanto não apanhastes o sentido. Disse, tão-somente, que
Hortênsio vos temia.
VIÚVA - Quem tem vertigens diz que o mundo roda.
PETRUCCHIO - Resposta bem redonda.
CATARINA - Que sentido, senhora, emprestais a isso?
VIÚVA - Que eu concebo graças a ele.
PETRUCCHIO - Como assim! Concebe graças a mim? Que diz Hortênsio disso?
HORTÊNSIO - Minha viúva disse apenas que ela concebe a explicação.
PETRUCCHIO - Bem consertado. Bondosa viúva, ele merece um beijo.
CATARINA - "Quem tem vertigens diz que o mundo roda." Explicai-me, vos peço, essa sentença.
VIÚVA - Que tendo vosso esposo uma megera, julga a mulher do próximo uma fera. Agora conheceis o
meu sentido.
CATARINA - Sentido baixo.
VIÚVA - Para vós foi feito.
CATARINA - Sim, para vos ouvir tornei-me baixa.
PETRUCCHIO - Pega, Quetinha!
HORTÊNSIO - Pega, viúva!
PETRUCCHIO - Quetinha vai ficar por cima; jogo cem marcos.
HORTÊNSIO - Não; essa função é minha.
PETRUCCHIO - Falou o funcionário. Aqui! Saúde! (Bebe à saúde de Hortênsio.)
BATISTA - Que pensa Grêmio desta gente alegre?
GRÊMIO - Dão marradas valentes, podeis crer-me.
BIANCA - Cabeças e marradas! Poderia replicar-vos alguém de fino espírito que essa vossa cabeça
precisara, para tanto, de chifres.
VICÊNCIO - Despertou-vos, senhora noiva, a frase?
BIANCA -Sim, sem medo, porém, causar-me. Vou dormir de novo
PETRUCCHIO - Isso é impossível; tendo começado, tereis de suportar algumas farpas.
BIANCA - Serei pássaro, então? Vou para o bosque; armai vosso arco para perseguir-me. Sois todos mui
bem-vindos.
(Saem Bianca, Catarina e a viúva.)
PETRUCCHIO - Antecipou-me; signior Trânio, o pássaro que quisestes pegar saiu voando. Bebo à saúde
dos que erram o alvo.
TRÂNIO - Ó meu Senhor! Lucêncio fez comigo como o galgo que corre atrás da caça, mas só a apanha
para o dono dele.
PETRUCCHIO - Boa imagem, porém canina em parte.
TRÂNIO - Foi bom, senhor, terdes saído à caça sem companheiro; porém dizem todos que em grande
aperto a corça vos traz sempre.
BATISTA - Oh, oh, Petrucchio! Trânio tem mão certa.
LUCÊNCIO - Agradeço a paulada, meu bom Trânio.
HORTÊNSIO - Confessai! confessai! Fostes tocado?
PETRUCCHIO - Sim, confesso arranhou-me. Mas havendo passado de raspão por mim o dardo, aposto
dez contra um em como fostes atingido de cheio.
BATISTA - Mas falando, filho Petrucchio, seriamente: penso que te coube a megera mais rilhenta.
PETRUCCHIO - Bem; não direi que não. Mas como prova cada um de nós mande chamar a esposa. A
que se revelar mais obediente, solícita acorrendo ao seu chamado, o prêmio ganhará que instituirmos.
HORTÊNSIO - Muito bem. E o valor?
LUCÊNCIO - Vinte coroas.
PETRUCCHIO,- Vinte coroas? Isso arriscaria no meu falcão ou no meu cão de caça. Mas vinte vezes
mais, em minha esposa.
LUCÊNCIO - Então, cem.
HORTÊNSIO - Muito bem.
PETRUCCHIO - Está fechado.
HORTÊNSIO - Quem começa?
LUCÊNCIO - Eu, decerto. Vai, Biondello; dize a tua ama que eu a estou chamando.
BIONDELLO - Perfeitamente.
(Sai.)
BATISTA - Filho, fico sendo teu parceiro na aposta. meio a meio, em como Bianca vem.
LUCÊNCIO - Não quero sócio; quero ganhar tudo o que é meu, sozinho.
(Volta Biondello.)
Então, que novidades?
BIONDELLO - A patroa, senhor, mandou dizer que está ocupada e que não pode vir.
PETRUCCHIO - Como! Ocupada? Não pode vir? Então isso é resposta?
GRÊMIO - E bem gentil. Pedi a Deus, senhor, que muito pior a vossa não vos mande.
PETRUCCHI0 - Espero uma melhor.
HORTÊNSIO - Corre, maroto, e à minha esposa roga que me venha ver neste instante.
(Sai Biondello.)
PETRUCCHIO - Oh, oh! rogar à esposa! Assim é que ela não vem mesmo.
HORTÊNSIO - Temo, caro senhor, que a vossa não se deixe dobrar a vossos rogos.
(Volta Biondello.)
Que disse ela, Biondello? Minha esposa, onde se encontra?
BIONDELLO - Disse que certamente estais brincando. Não quer vir; se quiserdes, ide vê-la.
PETRUCCHIO - De mal para pior. Oh! não quer vir! Oh! que vergonha! Absurdo! intolerável! Grúmio,
ide procurar vossa patroa e ordenai-lhe que venha aqui falar-me.
(Sai Grúmio.)
HORTÊNSIO - Já sei sua resposta.
PETRUCCHIO - Qual?
HORTÊNSIO - Não vem.
PETRUCCHIO - Tanto pior a minha sorte; e basta.
(Volta Catarina.)
BATISTA - Ah! por Nossa Senhora! Eis Catarina.
CATARINA - Senhor, qual é vossa vontade, para mandardes me chamar?
PETRUCCHIO - Onde se encontram vossa irmã e a senhora aqui de Hortênsio?
CATARINA - Estão tagarelando ao pé do fogo.
PETRUCCHIO - Vai buscá-las; no caso de renuírem, à força as traze para seus maridos. Vai logo, digo, e
traze-as sem demora.
(Sai Catarina.)
LUCÊNCIO - Se falais em milagres, eis um deles.
HORTÊNSIO - É certo; só não sei o que anuncia.
PETRUCCHIO - Ora essa! Paz, amor, vida tranqüila, máxima respeitada e uma legítima supremacia. Em
suma: tudo quanto torna doce e feliz nossa existência.
BATISTA - Sejas muito feliz, caro Petrucchio. Ganhaste a aposta; acrescentar resolvo sobre teu lucro
vinte mil coroas, um novo dote de uma nova filha. Tão mudada ela está, que parece outra.
PETRUCCHIO - Quero ganhar ainda melhor a aposta: ela irá dar mais provas de obediência, da recente
virtude e deferência. Ela aí vem vindo e traz vossas esposas renitentes, vencidas pela sua persuasão
feminina.
(Entra Catarina com Bianca e a viúva)
Catarina não te assenta essa touca; joga-a fora; calca aos pés semelhante bugiaria!
(Catarina arranca a touca e joga-a longe.)
VIÚVA - Oh Deus! não quero ter motivo, nunca, de lamentar-me, enquanto rebaixada não me vir a tão
néscia dependência.
BIANCA - Fora! fora! Que estúpida obediência!
LUCÊNCIO - Antes fosse também assim estúpida vossa obediência, que a sabedoria da vossa, bela
Bianca, desde a ceia me custou tão-somente cem coroas.
BIANCA - Supinamente tolo vos mostrastes, apostando sobre ela.
PETRUCCHIO - Catarina, dou-te a incumbência de mostrar a essas esposas cabeçudas que deveres as
prende aos seus senhores e maridos.
VIÚVA - Ora! Ora! é brincadeira; não queremos ouvir sermões.
PETRUCCHIO - Estou mandando; vamos! Principia por ela.
VIÚVA - Não, não quero; não fará tal.
PETRUCCHIO - Fará, que estou mandando, e a começar por ela.
CATARINA - Ora, que absurdo! Desenruga essa fronte carrancuda e deixa de lançar esses olhares
desdenhosos que vão bater em cheio em teu senhor, teu rei, teu soberano. Isso te mancha a formosura
como no prado faz a geada, teu bom nome deixa abatido como a tempestade sacode os mais mimosos
botôezinhos, sem nunca ser gracioso ou conveniente. A mulher irritada é como fonte remexida: limbosa,
repulsiva, privada da beleza; e assim mantendo-se, não há ninguém, por mais que tenha sede, que se
atreva a encostar os lábios nela, a sorver uma gota. Teu marido é teu senhor, teu guardião, tua vida, teu
chefe e soberano. É ele que cuida de ti; para manter-te, arrisca a vida, com trabalho penoso em mar e em
terra; nas noites borrascosas, acordado; de dia, suportando o frio, enquanto dormes em casa no teu leito
quente, tranqüila e bem segura. Não te pede outro tributo além de teu afeto, mui sincera obediência e
rosto alegre, paga mesquinha de tão grande dívida. A submissão que o servo deve ao príncipe é a que a
mulher ao seu marido deve. E se ela se mostrar teimosa, indócil, intratável, azeda, rebelada contra as suas
razoáveis exigências, que mais será senão por isso abjeta traidora, sim, traidora do seu próprio devotado
senhor? Tenho vergonha de ver que são tão simples as mulheres, para fazerem guerra onde deveram de
joelhos pedir paz ou pretenderem dominar, dirigir, mandar em tudo quando servir lhes cumpre
tão-somente, obedecer e amar? Por que motivo temos o corpo delicado e fraco, pouco afeito aos
trabalhos e experiências do mundo, se não for apenas para que nossas qualidades delicadas e nossos
corações de acordo fiquem como nosso hábito externo? Deixai disso, vermezinhos teimosos e
impotentes! O caráter já tive assim tão duro, o coração tão grande quanto o vosso, e mais razões, talvez,
para palavra revidar com palavra, picardia com picardia. Mas agora vejo que nossas lanças são de palha,
apenas. Nossa força é fraqueza; somos criança que muito ambicionando logo cansa. Abatendo o furor
nos exaltamos. Ponde a mão sob os pés de vossos amos. Caso o meu queira, a minha já está pronta; para
mim não consiste nisso afronta.
PETRUCCHIO - Ó Quetinha gentil! vem dar-me um beijo.
LUCÊNCIO - Vai saindo, taful! Ganhaste o queijo.
VICÊNCIO - Como é agradável uma criança dócil!
LUCÊNCIO - Como é terrível a mulher indócil!
PETRUCCHIO - Vamos dormir, Quetinha; três casados vejo aqui, porém dois bem amarrados. A vós,
boa noite; o vencedor fui eu, (a Lucêncio.) Muito embora ganhásseis o himeneu.
(Saem Petrucchio e Catarina.)
HORTÊNSIO - Vai saindo; domaste uma megera.
LUCÊNCIO - É de admirar, pois furiosa ela era.
(Saem.)

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