quinta-feira, 14 de abril de 2011

A Odisseia - Parte I - Capítulos 5 ao 8

5
Novamente a Aurora surgia no horizonte e novamente os deuses
estavam reunidos.
Atena lembrava a Zeus, seu pai, como Ulisses tinha sido um
bom rei para todos de Ítaca. E no entanto, como recompensa, estava
sendo vítima de tantos problemas que não conseguia voltar para casa.
Além disso — contava ela — seu filho Telêmaco, que tinha ido buscar
notícias do pai em Pilo e na Lacedemônia, era esperado pelos
pretendentes de Penélope com uma cilada.
Zeus então respondeu:
— Minha filha, por que dizes estas palavras? Não foste tu que
imaginaste um plano para que Ulisses se vingasse dos seus inimigos?
E chamou na mesma hora por Hermes, para que ele levasse um
recado dele a Calipso, a ninfa de belas trancas. O recado de Zeus era
que Ulisses deveria ser libertado e partir sozinho, numa jangada, para a
terra dos feácios.
Hermes imediatamente calçou suas sandálias, que o levaram por
sobre o mar e por sobre a terra tão depressa como o hálito do vento.
Pegou seu bastão, que tinha o poder de adormecer os homens, e voou
por sobre o monte Olimpo até atingir o mar.
Então, como uma gaivota que procura pelo peixe para se
alimentar, Hermes planou sobre a superfície do mar até chegar à ilha de
Calipso. A ninfa recebeu-o muito bem, pois logo o reconheceu. E quis
saber o que ele vinha fazer em sua ilha.
Hermes apressou-se em dar a Calipso o recado de Zeus, o que
deixou a ninfa bastante aborrecida, pois ela estava apaixonada por
Ulisses. Mas Calipso não teve remédio: prometeu que ajudaria Ulisses a
construir uma jangada para ir embora.
Logo que Hermes partiu, Calipso foi encontrar Ulisses, que,
como todos os dias, estava na praia, sentado nos rochedos, chorando
sua amarga sorte e sua saudade de Ítaca, da mulher e do filho.
Calipso comunicou-lhe que estava disposta a deixá-lo partir, que
ele devia construir uma jangada muito bem-feita e com ela atravessar o
mar. No início Ulisses ficou desconfiado, ele que já tinha passado
por tantos problemas e por tantos perigos!
Não estaria Calipso armando para ele mais uma cilada?
Mas depois animou-se e, no dia seguinte, guiado pela ninfa,
dirigiu-se a um bosque onde havia grande quantidade de árvores
antigas, de madeira forte, amieiros, alamos e abetos em condições de
serem utilizados para a construção de uma embarcação. Com o
machado de bronze e a enxó que a ninfa tinha dado a ele, Ulisses em
pouco tempo construiu uma sólida jangada.
Calipso ainda lhe deu o linho para confeccionar a vela, e,
quando a jangada ficou pronta, colocou nela vinho e alimentos.
Então, fez que soprasse um vento suave.
Ulisses levantou a vela, que logo se enfunou, e, com os olhos nas
estrelas que o guiariam, partiu.
Dezessete dias Ulisses navegou. No décimo oitavo dia, divisou os
montes da costa da terra dos feácios.
Mas Poseidon, neste momento, vinha voltando da África, onde
tinha ido receber um sacrifício. De longe, conseguiu enxergar a jangada
de Ulisses.
Já sabemos que Poseidon tinha horror a Ulisses. Chamou então
as nuvens e os ventos e, com o tridente, agitou o mar. Em poucos
minutos fez cair uma tempestade terrível.
Ulisses foi jogado de um lado para outro, a jangada começou a
se despedaçar.
Do fundo do mar, entretanto, uma deusa chamada Leocótea viu
o que estava acontecendo e teve pena do nosso herói. Tomou a forma de
uma gaivota, decerto para não ser vista por Poseidon, e pousou numa
trave da jangada. Disse então a Ulisses que despisse a roupa que ele
vestia, pois estava muito molhada e pesada, e pusesse no peito um
manto que ela lhe emprestou. Então se atirasse à água e nadasse até a
terra.
Assim fez Ulisses; Poseidon bem que viu nosso herói nadando,
mas resolveu, por essa vez, deixá-lo em paz.
Depois de muito esforço, Ulisses acabou localizando a foz de um
rio, por onde conseguiu penetrar e alcançar a terra.
Encontrou um lugar protegido entre as raízes de uma árvore,
cobriu-se de folhas e, finalmente, adormeceu e descansou de tamanho
sacrifício.

6
Ulisses tinha chegado à terra dos feácios, cujo rei era Alcino. A
filha do rei era Nausícaa, uma linda jovem.
Palas Atena, que continuava tomando conta de Ulisses, dirigiuse
ao palácio, entrou no quarto de Nausícaa, que estava dormindo, e a
fez sonhar com uma amiga que lhe dizia que ela devia lavar suas
roupas, que estavam jogadas, em desordem.
Na verdade, o que Palas Atena queria era que a moça fosse para
o local onde as pessoas costumavam lavar roupas, para descobrir
Ulisses e trazê-lo para o palácio. Realmente, Nausícaa acordou e
resolveu cuidar de suas roupas e das roupas de outras pessoas do
palácio.
Arranjou um carro de altas rodas, reuniu algumas escravas,
abasteceu o carro com comidas e bebidas e partiu para a beira do rio
perto do qual Ulisses estava descansando.
Chegando lá, Nausícaa e suas companheiras lavaram toda a
roupa com cuidado e a estenderam para secar.
Então, todas as moças se banharam, depois comeram e beberam
e finalmente resolveram jogar bola.
Jogaram bastante, até que uma bola foi cair no rio e as moças
começaram a gritar, com medo de perdê-la.
Ulisses, com a gritaria, acordou e ficou assustado:
— Onde será que eu vim cair? Mas ele logo distinguiu vozes de
moças. Então, saiu de onde estava escondido e foi ver de quem eram as
vozes.
Ulisses estava maltratado por suas aventuras no mar, estava
mesmo de meter medo. Ao vê-lo, as moças saíram todas correndo.
Mas Nausícaa, inspirada por Palas Atena, permaneceu e não
teve medo de Ulisses, que logo começou a se explicar, a elogiar a beleza
da moça e a contar sua desgraça, os vinte dias que tinha passado no
mar e pediu a ela que lhe arranjasse alguma roupa, já que estava nu,
coberto apenas por um galho cheio de folhas.
Nausícaa chamou as escravas, mandou que dessem óleo para
que ele se banhasse e roupas, para que se vestisse.
A filha de Zeus fez que ele parecesse muito bonito, forte e
imponente e Nausícaa ficou encantada com ele. Mandou que lhe
dessem de comer e de beber.
Disse-lhe que estava na Esquéria, a pátria dos feácios, onde
seus pais eram os reis.
Resolveu levar Ulisses para o palácio de seu pai. Mas Nausícaa
temia que pensassem mal dela, por estar em companhia daquele
homem desconhecido.
Então, levou-o primeiro a um pequeno bosque perto da cidade e
deu-lhe instruções para ir para o palácio depois dela.
Novamente Ulisses se encontrou sozinho, entre desconhecidos,
temendo pelo que podia lhe acontecer.
Novamente dirigiu-se aos poderosos deuses, pedindo-lhes
proteção, enquanto esperava que se passasse algum tempo até que
pudesse entrar na cidade e dirigir-se ao palácio real. Chamou por Palas
Atena, que o ouviu mas não lhe apareceu, por medo de Poseidon, seu
tio, que continuava com raiva de Ulisses e assim continuaria até que
nosso herói chegasse à sua terra natal.

7
Depois de algum tempo, quando calculou que Nausícaa já teria
chegado ao palácio, Ulisses resolveu dirigir-se à cidade.
Sua protetora, Atena, cercou-o com uma nuvem, a fim de que
ninguém o visse, e ainda apareceu sob a forma de uma jovem que se
ofereceu para guiá-lo até o palácio.
Recomendou-lhe que não falasse com ninguém, pois as pessoas
daquela ilha não suportavam estrangeiros.
Ulisses foi caminhando atrás da deusa. Viu toda a cidade, viu o
porto com seus navios, viu as ágoras onde as pessoas se reuniam e viu
muita gente. Mas não foi visto por ninguém, pois Atena não consentiu.
Então, na porta do palácio, a deusa disse a Ulisses que entrasse
sem medo e se dirigisse à rainha Arete. Disse também que, se ela o
acolhesse, tudo estaria bem e ele poderia voltar à sua pátria.
O palácio era muito lindo e cercado por belos pomares.
No corredor da entrada estavam sentados os chefes feácios,
comendo e bebendo. Ulisses contemplou a mansão por algum tempo.
Depois, decidido, entrou. Passou pelos chefes, invisível graças à espessa
nuvem em que estava envolto, até que chegou à presença do rei Alcino e
da rainha Arete.
Ulisses adiantou-se e abraçou os joelhos da rainha, pois esse era
um costume grego: quando alguém queria pedir ou suplicar alguma
coisa a uma pessoa, abraçava-se aos joelhos dela.
Nesse instante, dissipou-se a nuvem que o protegia.
Todos se espantaram quando viram Ulisses na sala. Mas logo ele
começou a falar com a rainha como os gregos costumavam fazer,
dirigindo grandes elogios a ela e à sua família, e, ao mesmo tempo,
falando de seus infortúnios e de seu desejo de chegar à própria casa.
Sentou-se então sobre as cinzas, perto do fogo.
O rei Alcino tomou o hóspede pela mão e fez que ele se sentasse
numa das poltronas, o que era um gesto de muita consideração.
As escravas lavaram suas mãos e lhe ofereceram bebidas e
comidas.
Serviram vinho aos presentes e então Alcino pediu que fossem
todos dormir em suas casas, pois prepararia para o dia seguinte uma
grande festa para honrar seu hóspede. Alcino, como todos os gregos
naquela época, sempre que via um estrangeiro ficava imaginando se ele
não seria um dos deuses, e por isso o tratava muito bem.
Mas Ulisses lhe disse que não passava de um simples mortal e
que seu único desejo era voltar para casa. Contou-lhe os últimos
acontecimentos de sua viagem, sem no entanto dizer quem era.
Alcino prometeu que o mandaria para casa num navio com
ótimos remadores.
Então, prepararam um leito para Ulisses e foram todos dormir.

8
Logo que a Aurora surgiu no horizonte Alcino, rei dos feácios, e
Ulisses, saqueador de cidades, levantaram-se e dirigiram-se à agora,
que ficava perto do porto.
Palas Atena tomou a forma de um arauto e foi procurar os
chefes feácios, convidando-os a ir encontrar o rei e aquele estrangeiro
que — ela dizia — até parecia um deus.
Logo a praça ficou cheia de gente.
Então Alcino tomou a palavra e disse a todos que ali estava um
estrangeiro que ele nem conhecia e que queria retornar à sua pátria.
— Vamos armar um navio, escolher cinqüenta e dois jovens para
compor a tripulação e levar nosso hóspede para casa. Depois vamos
preparar uma grande festa com muita comida para todos.
Enquanto os jovens preparavam o navio, Alcino convidou os reis
presentes a irem ao seu palácio e mandou ainda que o arauto fosse
buscar um aedo para distraí-los.
Depois do navio preparado, os jovens também se dirigiram ao
palácio, onde os preparativos para a festa estavam em andamento.
Logo chegou o arauto, que na verdade era Palas Atena
disfarçada, acompanhando o aedo Demódoco, que trazia consigo sua
lira.
Depois que todos comeram e beberam, o aedo começou a cantar.
E a canção que ele escolheu falava sobre a disputa entre Aquiles e
Ulisses, que tinha acontecido durante a guerra de Tróia.
Ulisses, comovido, começou a chorar e escondeu o rosto com seu
manto. A única pessoa que reparou nisso foi Alcino. Ele propôs então
que saíssem todos e fossem para a agora, onde teriam lugar os jogos.
Muitos jovens participaram das provas, que começaram pela
corrida. Depois houve uma luta e em seguida a prova dos saltos. Houve
ainda lançamento de disco e pugilato, que era uma espécie de luta de
boxe.
O filho de Alcino, Laodamante, convidou então Ulisses participar
dos jogos, mas Ulisses agradeceu e disse que estava muito preocupado
com a volta para casa e não queria tomar parte.
Um dos jovens, Euríalo, começou a caçoar de Ulisses, duvidando
de que ele tivesse conhecimento de esportes, insinuando que ele devia
ser um mero comerciante:
— Você não parece um atleta!
Ulisses se aborreceu muito com essas palavras.
Então, tomou nas mãos o maior de todos os discos, que eram
feitos de pedra, e o atirou muito além das marcas que os outros
jogadores tinham alcançado.
Depois, desafiou todos os jovens, menos Laodamante, filho de
Alcino, que o estava hospedando, para se medirem com ele em qualquer
dos esportes. E afirmou que ganharia de qualquer um.
Apenas na corrida ele não estava certo de vencer, pois tinha
passado por muitas provações a bordo de sua jangada.
Ficaram todos muito contrafeitos. Então Alcino levantou-se e
começou a falar, dizendo que ninguém devia se sentir ofendido com o
que Ulisses tinha dito e que os feácios, na verdade, eram ótimos nas
corridas e na navegação. E além disso, eram exímios cantores e
dançarinos. — Nós sempre gostamos das festas, da citara, da dança,
das roupas novas, de banhos quentes e do leito! Que comecem as
danças, para que nosso hóspede possa contar na sua terra como os
feácios são bons na corrida, na navegação, nas danças e no canto!
Tragam a lira de Demódoco, que ficou no palácio! O arauto trouxe a lira
e o aedo começou a cantar. Contou a história dos amores de Afrodite e
Ares, que agradou a todos.
Depois, Hélio e Laodamante dançaram e foram elogiados por
Ulisses.
Ulisses ganhou muitos presentes, e Euríalo, que o tinha
ofendido, não só lhe pediu desculpas como também lhe deu um lindo
presente.
Todos voltaram ao palácio e a festa prosseguiu. Demódoco
continuou a cantar, e então Ulisses lhe pediu que cantasse a história do
cavalo de madeira que Ulisses havia introduzido em Tróia, cheio de
guerreiros, que saquearam Ílion.
Demódoco começou a contar a história de como alguns gregos
incendiaram suas tendas para fingir que iam embora, embarcaram em
suas naus e se afastaram da praia, enquanto um grupo de soldados
estava escondido dentro de um enorme cavalo de madeira.
Contou como os troianos puseram o cavalo dentro das muralhas
e das discussões que travaram, porque uns queriam transpassar o
cavalo com suas espadas, outros queriam jogar o cavalo de um
precipício e outros ainda queriam aceitar o cavalo como uma oferenda
que agradaria aos deuses. Venceu essa opinião, e o cavalo levou aos
troianos destruição e morte.
E contou como Menelau e Ulisses travaram, dentro das
muralhas, um terrível combate do qual saíram vencedores.
À medida que o cantor ia cantando essa história, Ulisses ia
ficando cada vez mais emocionado. As lágrimas corriam por suas faces.
Mais uma vez Alcino percebeu seu pranto e mandou que o aedo se
calasse, pois seu hóspede estava sofrendo com a canção.
Perguntou então, diretamente a Ulisses, quem ele era, quem
eram seus pais e onde era sua pátria. E perguntou também por que ele
sofria tanto com as histórias sobre Tróia, se ele tinha perdido algum
parente ou algum amigo nas batalhas da guerra.

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