domingo, 31 de julho de 2011

Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, Capítulos 21 e 22 (Últimos Capítulos)

CAPÍTULO VINTE E UM
O Segredo de Hermione

— Uma história chocante... Chocante... Milagre que ninguém tenha morrido... Nunca ouvi nada igual... Pelo trovão, foi uma sorte você estar lá, Snape...
— Muito obrigado, ministro.
— Ordem de Merlim, Segunda Classe, eu diria. Primeira Classe, se eu puder convencê-los.
— Muito obrigado mesmo, ministro.
— Que corte feio você tem aí... Obra do Black, suponho?
— Na realidade, foram Potter, Weasley e Granger, ministro... Black havia enfeitiçado os garotos, vi imediatamente. Um feitiço Confundus, a julgar pelo comportamento deles. Pareciam acreditar que havia possibilidade de o homem ser inocente. Não foram responsáveis por seus atos. Por outro lado, a interferência deles talvez tivesse permitido a Black fugir... Os garotos obviamente pensaram que iam capturá-lo sozinhos. Têm-se livrado de muitas situações de perigo até agora... Receio que isso os tenha feito se acharem superiores... E, naturalmente, Potter sempre recebeu uma extraordinária indulgência do diretor..
— Ah, bom, Snape... Harry Potter, sabe... Todos somos um pouco cegos quando se trata dele.
— Contudo... Será que é bom para ele receber tanto tratamento especial? Por mim, procuro tratá-lo como qualquer outro aluno. E qualquer outro aluno seria suspenso, no mínimo, por colocar seus amigos em situação tão perigosa. Considere, ministro: contrariando todas as regras da escola... Depois de todas as precauções que tomamos para sua proteção... Fora dos limites da escola, à noite, em companhia de um Lobisomem e de um assassino... E tenho razões para acreditar que ele andou visitando Hogsmeade ilegalmente, também...
— Bem, bem... Veremos, Snape, veremos... O garoto sem dúvida foi tolo...
Harry estava deitado com os olhos bem fechados. Sentia-se muito tonto. As palavras que ouvia pareciam viajar muito lentamente dos ouvidos para o cérebro, por isso estava difícil compreender. Suas pernas e braços pareciam feitos de chumbo; as pálpebras demasiado pesadas para abri-las... Ele queria ficar deitado ali, naquela cama confortável, para sempre...
— O que mais me surpreende é o comportamento dos dementadores... Você realmente não tem idéia do que os fez se retirar, Snape?
— Não, ministro... Quando recuperei os sentidos eles estavam voltando aos seus postos na entrada...
— Extraordinário. E, no entanto, Black, Harry e a garota...
— Todos inconscientes quando cheguei. Amarrei e amordacei Black, naturalmente, conjurei macas e os trouxe diretamente para o castelo.
Houve uma pausa. O cérebro de Harry parecia estar trabalhando um pouco mais rápido e, quando isso aconteceu, surgiu uma sensação desagradável na boca do seu estômago...
O garoto abriu os olhos.
Tudo estava levemente embaçado. Alguém tirara seus óculos. Ele estava deitado na escura ala hospitalar. Em um extremo da enfermaria, avistou Madame Pomfrey de costas para ele, curvada sobre um leito. Harry apertou os olhos. Os cabelos ruivos de Rony estavam visíveis por baixo do braço de Madame Pomfrey.
Harry virou a cabeça no travesseiro. Na cama à sua direita estava Hermione. O luar banhava a cama. Os olhos dela também estavam abertos.
Parecia petrificada e, quando viu que Harry estava acordado, levou o dedo aos lábios e apontou para a porta da enfermaria. Estava entreaberta, e entravam por ela as vozes de Cornélio Fudge e Snape, vindas do corredor.
Madame Pomfrey agora vinha andando com passos enérgicos pela enfermaria escura até a cama de Harry. O garoto se virou para olhá-la. A enfermeira trazia a maior barra de chocolate que ele já vira na vida. Parecia um pedregulho.
— Ah, você acordou! — disse ela com animação. Pousou o chocolate na mesa-de-cabeceira de Harry e começou a parti-lo em pedaços com um martelinho.
— Como está o Rony? — perguntaram Harry e Hermione, juntos.
— Vai sobreviver — respondeu Madame Pomfrey de cara feia. — Quanto a vocês dois... Vão continuar aqui até eu me convencer que... Potter o que é que você acha que está fazendo?
O garoto estava se sentando, colocando os óculos e apanhando a varinha.
— Preciso ver o diretor — disse.
— Potter — disse Madame Pomfrey, acalmando-o —, está tudo bem. Apanharam Black. Ele está trancado lá em cima. Os dementadores vão-lhe dar o beijo a qualquer momento...
-O QUE?
Harry saltou da cama; Hermione fizera o mesmo. Mas o seu grito fora ouvido no corredor lá fora; no segundo seguinte, Cornélio Fudge e Snape entraram na enfermaria.
— Harry, Harry que foi que houve? — perguntou Fudge, parecendo agitado. — Você devia estar na cama, ele já comeu o chocolate? — perguntou, ansioso, o ministro a Madame Pomfrey.
— Ministro ouça! — pediu Harry. — Sirius Black é inocente! Pedro Pettigrew fingiu a própria morte! Nós o vimos hoje à noite. O senhor não pode deixar os dementadores fazerem aquilo com Sirius, ele...
Mas Fudge estava sacudindo a cabeça com um sorrizinho no rosto.
— Harry, Harry você está muito confuso, passou por uma provação terrível, deite-se, agora, temos tudo sob controle...
— O SENHOR NÃO TEM, NÃO! — berrou Harry. — O SENHOR PEGOU O HOMEM ERRADO!
— Ministro, por favor, ouça — disse Hermione; ela correra para o lado de Harry e olhava, suplicante, o rosto de Fudge. — Eu também o vi. Era o rato de Rony, ele é um Animago.  O Pettigrew, quero dizer e...
— O senhor está vendo, ministro — disse Snape. — Confusos, os dois... Black fez um bom serviço...
— NÃO ESTAMOS CONFUSOS! — berrou Harry.
— Ministro! Professor! — disse Madame Pomfrey aborrecida. — Devo insistir que os senhores saiam.  Potter é meu paciente e não deve ser angustiado!
— Não estou angustiado, estou tentando contar o que aconteceu! — disse Harry furioso. — Se eles ao menos me escutassem...
Mas Madame Pomfrey, de repente, meteu um pedaço de chocolate na boca de Harry; ele se engasgou, e a enfermeira aproveitou a oportunidade para forçá-lo a voltar para a cama.
— Agora, por favor, ministro, essas crianças precisam de cuidados médicos. Por favor, saiam...
A porta tornou a se abrir. Era Dumbledore. Harry engoliu o bocado de chocolate com grande dificuldade e se levantou outra vez.
— Profº. Dumbledore, Sirius Black...
— Pelo amor de Deus! — exclamou Madame Pomfrey, histérica.   Isto é ou não é uma ala hospitalar? Diretor, eu devo insistir...
— Eu peço desculpas, Papoula, mas preciso dar uma palavra com o Sr. Potter e a Srta. Granger — disse Dumbledore calmamente. — Acabei de falar com Sirius Black...
— Suponho que ele tenha lhe narrado o mesmo conto de fadas que implantou na mente de Potter? — bufou Snape. — A história de um rato e de Pettigrew ter sobrevivido...
— Esta, de fato, é a história de Black — disse Dumbledore, examinando Snape atentamente através dos seus óculos de meia-lua.
— E o meu testemunho não vale nada? — rosnou Snape. — Pedro Pettigrew não estava na Casa dos Gritos, nem vi qualquer sinal dele nos terrenos da escola.
— Isto foi porque o senhor foi nocauteado, professor! — disse Hermione com convicção. — O senhor não chegou em tempo de ouvir...
— Srta. Granger, CALE A BOCA!
— Ora, Snape — disse Fudge, espantado —, a mocinha está perturbada, precisamos dar o devido desconto...
— Eu gostaria de falar com Harry e Hermione a sós — disse Dumbledore bruscamente. — Cornélio, Severo, Papoula — por favor, nos deixem.
— Diretor! — repetiu Madame Pomfrey com veemência. — Eles precisam de tratamento, eles precisam de descanso...
— Isto não pode esperar — disse Dumbledore. — Devo insistir.
Madame Pomfrey mordeu os lábios e saiu em direção à sua sala, na extremidade da enfermaria, batendo a porta ao passar. Fudge consultou o grande relógio de ouro que trazia pendurado no colete.
— A esta hora os dementadores já devem ter chegado — disse. — Vou ao encontro deles. Dumbledore, vejo você lá em cima.
O ministro se dirigiu à porta e a segurou aberta para Snape passar, mas o professor não se mexeu.
— O senhor certamente não acredita em uma palavra da história de Black? — sussurrou Snape, os olhos fixos no rosto de Dumbledore.
— Eu gostaria de falar com Harry e Hermione a sós — repetiu Dumbledore.
Snape deu um passo em direção ao diretor.
— Sirius Black demonstrou que era capaz de matar com a idade de dezesseis anos. O senhor se esqueceu disto, diretor? O senhor se esqueceu que no passado ele tentou me matar?
— Minha memória continua boa como sempre, Severo — disse Dumbledore, em voz baixa.
Snape girou nos calcanhares e saiu decidido pela porta que Fudge ainda segurava aberta. A porta se fechou à passagem dos dois e o diretor se virou para Harry e Hermione. Os dois desataram a falar ao mesmo tempo.
— Professor, Black está dizendo a verdade, nós vimos Pettigrew...
— Ele fugiu quando o Profº. Lupin virou Lobisomen...
— Ele é um rato...
— A pata dianteira de Pettigrew, quero dizer, o dedo, ele cortou fora...
— Pettigrew atacou Rony, não foi Sirius...
Mas Dumbledore ergueu a mão para interromper o dilúvio de explicações.
— É a vez de vocês ouvirem, e peço que não me interrompam, porque o tempo é muito curto — disse Dumbledore em voz baixa.
— Não existe a mínima evidência para sustentar a história de Black, exceto a palavra de vocês... E a palavra de dois bruxos de treze anos não irá convencer ninguém. Uma rua cheia de testemunhas jurou que viu Sirius matar Pettigrew. Eu mesmo prestei depoimento ao ministério que Sirius era o fiel do segredo dos Potter.
— O Profº. Lupin pode lhe contar... — falou Harry, incapaz de se refrear.
— O Profº. Lupin no momento está embrenhado na floresta, incapaz de contar o que quer que seja a alguém. Quando voltar à forma humana, será tarde demais, Sirius estará mais do que morto. E eu poderia acrescentar que a maioria do nosso povo desconfia tanto de Lobisomens que o apoio dele contará muito pouco... E o fato de que ele e Sirius são velhos amigos...
— Mas...
— Ouça, Harry. É tarde demais, você entende? Você precisa admitir que a versão do Profº. Snape sobre os acontecimentos é muito mais convincente do que a sua.
— Ele odeia Sirius — disse Hermione, desesperada. — Tudo por causa de uma peça idiota que Sirius pregou nele...
— Sirius não agiu como um homem inocente. O ataque à Mulher Gorda... A entrada na Torre da Grifinória com uma faca... Sem Pettigrew, vivo ou morto, não temos chance de derrubar a sentença de Sirius.
— Mas o senhor acredita em nós.
— Acredito — respondeu Dumbledore em voz baixa. — Mas não tenho o poder de fazer os outros verem a verdade, nem de passar por cima do Ministro da Magia...
Harry encarou seu rosto sério e sentiu como se o chão estivesse se abrindo debaixo dos seus pés. Acostumara-se à idéia de que Dumbledore podia resolver qualquer coisa. Esperara que o diretor tirasse alguma solução surpreendente do nada. Mas não... A última esperança dos garotos desaparecera.
— Precisamos — disse Dumbledore lentamente, e seus claros olhos azuis correram de Harry para Hermione — é de mais tempo.
— Mas... — começou Hermione. Então seus olhos se arregalaram. — AH!
— Agora, prestem atenção — continuou o diretor, falando muito baixo e muito claramente. — Sirius está preso na sala do Profº. Flitwick no sétimo andar. A décima terceira janela a contar da direita da Torre Oeste. Se tudo der certo, vocês poderão salvar mais de uma vida inocente hoje à noite. Mas lembrem-se de uma coisa, os dois: vocês não podem ser vistos. Srta. Granger, a senhorita conhece as leis, sabe o que está em jogo... Vocês... Não... Podem... Ser... Vistos.
Harry não tinha a menor idéia do que estava acontecendo.
Dumbledore deu as costas aos garotos e virou-se para olhá-los ao chegar à porta.
— Vou trancá-los. Faltam... — ele consultou o relógio — cinco minutos para a meia-noite. Srta. Granger, três voltas devem bastar. Boa sorte.
— Boa sorte? — repetiu Harry quando a porta se fechou atrás de Dumbledore. — Três voltas? Do que é que ele está falando? Que é que ele espera que a gente faça?
Mas Hermione estava mexendo no decote das vestes, puxando de dentro dele uma corrente de ouro muito longa e fina.
— Harry, vem aqui — disse ela com urgência. — Depressa!
Harry foi até a garota, completamente confuso. Ela estendia a corrente. E o garoto viu que havia pendurada nela uma minúscula ampulheta.
— Tome... — Hermione atirara a corrente em torno do pescoço dele também. — Pronto? — disse Hermione ofegante.
— Que é que estamos fazendo? — perguntou Harry completamente perdido.
Hermione girou a ampulheta três vezes.
A enfermaria escura desapareceu. Harry teve a sensação de que estava voando muito rápido, para trás. Um borrão de cores e formas passou veloz por ele, seus ouvidos latejaram, ele tentou gritar, mas não conseguiu ouvir a própria voz...
E então sentiu que havia um chão firme sob seus pés, e todas as coisas tornaram a entrar em foco...
Ele se achava parado ao lado de Hermione no saguão deserto do castelo e um feixe de raios dourados de sol que entrava pelas portas de carvalho abertas incidia sobre o piso de pedra. Harry olhou agitado para os lados à procura de Hermione, a corrente da ampulheta machucando seu pescoço.
— Hermione, que...?
— Aqui! — a garota agarrou o braço de Harry e arrastou-o pelo saguão até a porta do armário de vassouras; abriu o armário, empurrou o garoto para o meio dos baldes e esfregões, e fechou a porta depois de entrar.
— Quê... Como... Hermione, que foi que aconteceu?
— Voltamos no tempo — sussurrou ela, tirando a corrente do pescoço de Harry no escuro. — Três horas...
Harry procurou a própria perna e se deu um beliscão com muita força. Doeu para valer, o que pelo visto eliminava a possibilidade de estar tendo um sonho muito esquisito.
— Mas...
— Psiu! Ouça! Tem alguém vindo! Acho... Acho que deve ser a gente!
Hermione tinha o ouvido encostado na porta do armário.
— Passos pelo saguão... É, acho que somos nós indo para a casa de Hagrid!
— Você está me dizendo — cochichou Harry — que estamos aqui dentro do armário e estamos lá fora também?
— É — confirmou Hermione, o ouvido ainda colado à porta. — Tenho certeza de que somos nós. Pelo eco não devem ser mais de três pessoas... E estamos andando devagar por causa da Capa da Invisibilidade...
Ela parou de falar, mas continuou a prestar atenção.
— Descemos os degraus da entrada...
Hermione se sentou em um balde virado de boca para baixo, parecendo aflitíssima, mas Harry queria respostas para algumas perguntas.
— Onde foi que você arranjou essa coisa feito uma ampulheta?
— Chama-se Vira-Tempo — sussurrou Hermione —, ganhei da Profª. McConagall no primeiro dia depois das férias. Estou usando desde o início do ano para assistir a todas as minhas aulas. A professora me fez jurar que não contaria a ninguém. Ela teve que escrever um monte de cartas ao Ministério da Magia para eu poder usar isso. Teve que dizer que eu era uma aluna modelo, e que nunca, nunca mesmo usaria o Vira-Tempo para nada a não ser para estudar... Eu o tenho usado para voltar no tempo e poder reviver as horas e é assim que assisto a mais de uma aula ao mesmo tempo, entende? Mas... Harry eu não estou entendendo o que é que Dumbledore quer que a gente faça. Por que ele mandou a gente voltar três horas no tempo? Como é que isso vai ajudar o Sirius?
Harry encarou de frente o rosto escuro da garota.
— Deve ter alguma coisa que aconteceu por volta de agora que ele quer que a gente mude — disse Harry lentamente. — Que foi que aconteceu? Estávamos indo à casa de Hagrid três horas atrás...
— Agora estamos atrasados três horas e estamos indo à casa de Hagrid — disse Hermione. — Acabamos de ouvir a gente sair...
Harry franziu a testa; tinha a sensação de que estava franzindo o cérebro todo para se concentrar.
— Dumbledore acabou de dizer.. Acabou de dizer que a gente poderia salvar mais de uma vida inocente... — Então fez-se a luz no cérebro de Harry. — Hermione, nós vamos salvar Bicuço!
— Mas... Como é que isso vai ajudar Sirius?
— Dumbledore disse... Acabou de nos dizer onde fica a janela... A janela da sala de Flitwick! Onde prenderam Sirius! Temos que voar no Bicuço até a janela e salvar Sirius! Ele pode fugir no hipogrifo... Eles podem fugir juntos!
Pelo que Harry pôde enxergar no rosto de Hermione, ela estava aterrorizada.
— Se conseguirmos fazer isso sem ninguém nos ver, vai ser um milagre!
— Bom, vamos ter que tentar, não é? — disse Harry. Ele se levantou e encostou o ouvido à porta.
— Parece que não tem ninguém aí fora... Vamos, anda...
Harry abriu a porta do armário. O saguão estava deserto. O mais silenciosa e rapidamente possível eles saíram correndo do armário e desceram os degraus de pedra. As sombras já estavam se alongando, os topos das árvores na Floresta Proibida mais uma vez iam se tingindo de ouro.
— Se alguém estiver olhando pela janela... — falou Hermione com a voz esganiçada, virando-se para espiar o castelo.
— Vamos correr o mais depressa possível — disse Harry decidido. — Direto para a floresta, está bem? Teremos que nos esconder atrás de uma árvore ou de outra coisa para poder vigiar...
— Está bem, mas vamos dar a volta pelas estufas! — sugeriu Hermione sem fôlego. — Temos que evitar que nos vejam da porta de entrada de Hagrid! Já devemos estar quase na casa dele agora!
Ainda tentando entender o que a amiga queria dizer, Harry saiu disparado com Hermione logo atrás. Os dois transpuseram as hortas em direção às estufas, pararam por um instante ocultos por elas, depois recomeçaram a correr, a toda velocidade, contornando o Salgueiro Lutador, e, ainda desabalados, em direção à floresta para se esconderem.
Seguro sob a sombra das árvores, Harry se virou; segundos depois, Hermione, o alcançou, ofegante.
— Certo — disse ela sem ar. — Precisamos chegar sem ser vistos à casa de Hagrid. Procure ficar escondido, Harry...
Os dois caminharam em silêncio entre as árvores, acompanhando a orla da floresta. Então, quando avistaram a frente da cabana, ouviram uma batida na porta.
Eles se ocultaram depressa atrás de um grosso carvalho e espiaram pelos lados. Hagrid, trêmulo e pálido, aparecera à porta procurando ver quem batera. E Harry ouviu a própria voz.
Somos nós. Estamos usando a Capa da Invisibilidade. Deixe a gente entrar para poder tirar a capa.
— Vocês não deviam ter vindo! — sussurrou Hagrid, mas se afastou para os garotos poderem entrar.
— Esta foi à coisa mais estranha que já fizemos — disse Harry com veemência.
— Vamos continuar — cochichou Hermione. — Precisamos chegar mais perto de Bicuço!
Eles avançaram cautelosamente entre as árvores até verem o hipogrifo nervoso, amarrado à cerca em volta do canteiro de abóboras de Hagrid.
— Agora? — sussurrou Harry.
— Não! — exclamou Hermione. — Se o roubarmos agora, o pessoal da Comissão vai pensar que Hagrid soltou o bicho! Temos que esperar até verem que Bicuço está amarrado do lado de fora!
— Isso vai nos dar uns sessenta segundos — disse Harry. A coisa estava começando a parecer impossível.
Naquele instante, os garotos ouviram louça se partindo na cabana de Hagrid.
— É o Hagrid quebrando a leiteira — cochichou a garota. — Vou encontrar Perebas agora mesmo...
Não deu outra, alguns minutos depois, eles ouviram Hermione dar um grito agudo de surpresa.
— Mione — disse Harry de repente —, e se nós... Nós entrarmos lá e agarrarmos Pettigrew...
— Não! — exclamou Hermione num sussurro aterrorizado. — Você não compreende? Estamos violando uma das leis mais importantes da magia! Ninguém pode mudar o tempo! Você ouviu o que Dumbledore falou, se formos vistos...
— Mas só seríamos vistos por nós mesmos e por Hagrid!
— Harry, que é que você faria se visse você mesmo entrando pela casa de Hagrid? — perguntou Hermione.
— Eu acharia... Acharia que tinha ficado maluco — respondeu Harry — ou acharia que estava usando magia negra...
— Exatamente! Você não entenderia, você poderia até se atacar! Você não entende? A Profª. McGonagall me contou as coisas horríveis que aconteceram quando bruxos mexeram com o tempo...
Montes deles acabaram matando os “eus” passados ou futuros por engano!
— Ok! — concordou Harry. — Foi só uma idéia. Pensei...
Mas Hermione cutucou-o e apontou para o castelo. Harry espiou pelo lado para ter uma visão mais clara das portas de entrada.
Dumbledore, Fudge, o velhote da Comissão e Macnair, o carrasco, vinham descendo os degraus.
— Já estamos de saída! — sussurrou Hermione. E assim foi, momentos depois a porta dos fundos da cabana se abriu e Harry viu a si mesmo, Rony e Hermione saírem com Hagrid. Foi, sem dúvida, a sensação mais esquisita de sua vida, parado ali atrás da árvore, observando a si mesmo no canteiro de abóboras.
Tudo bem, Bicucinho, tudo bem... — disse Hagrid ao bicho. Então se virou para os três garotos. — Vão. Andem logo.
— Hagrid, não podemos...
— Vamos contar a eles o que realmente aconteceu...
— Não podem matar Bicuço...
— Vão! Já está bastante ruim sem vocês se meterem em confusão!
Harry observou Hermione jogar a Capa da Invisibilidade sobre ele e Rony no canteiro de abóboras.
Vão depressa. Não fiquem ouvindo...
Ouviu-se uma batida na porta de entrada da cabana. A comissão de execução chegara. Hagrid se virou para entrar em casa, deixando a porta dos fundos entreaberta. Harry observou a grama se achatar em certos pontos a toda volta da cabana de Hagrid e ouviu três pares de pés recuarem.
Ele, Rony e Hermione tinham ido embora... Mas o Harry e a Hermione escondidos no meio das árvores escutavam, pela porta dos fundos, o que estava acontecendo no interior da cabana.
Onde está o animal? — disse a voz fria de Macnair.
Lá... Lá fora — respondeu Hagrid, rouco.
Harry escondeu a cabeça quando o rosto de Macnair apareceu à janela da cabana, para espiar Bicuço. Então os garotos ouviram a voz de Fudge.
Nós... Hum... Temos que ler para você a notificação oficial da execução, Hagrid. Vou ser rápido. Depois, você e Macnair precisão assiná-la. Macnair, você precisa escutar também, é a praxe...
O rosto do carrasco desapareceu da janela. Era agora ou nunca.
— Espera aqui — cochichou Harry para Hermione. — Eu faço.
Quando a voz de Fudge recomeçou, Harry saiu correndo do seu esconderijo atrás da árvore, saltou a cerca para o canteiro de abóboras e se aproximou de Bicuço.
Por decisão da Comissão para Eliminação de Criaturas Perigosas o hipogrifo Bicuço, doravante chamado condenado, será executado no dia seis de junho ao pôr-do-sol...
Com cuidado para não piscar, Harry encarou os ferozes olhos cor de laranja de Bicuço mais uma vez e fez uma reverência, O hipogrifo dobrou os joelhos escamosos e em seguida tornou a se levantar. Harry começou a desamarrar a corda que prendia o hipogrifo à cerca.
— ... Por decapitação, a ser executada pelo carrasco nomeado pela Comissão, Walden Macnair...
— Vamos Bicuço — murmurou Harry —, vamos, nós vamos te ajudar. Quietinho... Quietinho...
— ... Conforme testemunham abaixo. Hagrid, você assina aqui...
Harry jogou todo o seu peso contra a corda, mas Bicuço cravara as patas dianteiras na terra.
Bem, vamos acabar com isso — disse a voz aguda do velhote da Comissão dentro da cabana. — Hagrid, talvez seja melhor você ficar aqui dentro...
Não, eu... Eu quero ficar com ele... Não quero que ele fique sozinho...
Soaram passos dentro da cabana.
— Bicuço, anda!— sibilou Harry.
Harry puxou com mais força a corda presa ao pescoço dele. O hipogrifo começou a andar, farfalhando as asas com irritação. Ele e Harry ainda estavam a três metros da floresta, bem à vista da porta dos fundos da cabana.
Um momento, por favor, Macnair — ouviram a voz de Dumbledore. — Você precisa assinar também. — Os passos pararam. Harry puxou a corda com força.
Bicuço deu um estalo com o bico e andou um pouco mais rápido.
O rosto pálido de Hermione aparecia pelo lado do tronco da árvore.
— Harry, depressa! — murmurou ela.
O garoto ainda ouvia a voz de Dumbledore dentro da cabana. Deu outro puxão na corda. Bicuço começou a trotar de má vontade. Alcançaram as árvores...
— Depressa! Depressa! — gemia Hermione, que saiu de trás da arvore, agarrou também a corda e acrescentou seu peso para fazer Bicuço andar mais depressa. Harry espiou por cima do ombro; agora tinham desaparecido de vista; mas também não podiam ver a horta de Hagrid.
— Pare! — disse ele a Hermione. — Poderiam nos ouvir..
A porta dos fundos da cabana se abriu com violência. Harry, Hermione e Bicuço ficaram muito quietos; até o hipogrifo parecia estar prestando atenção.
— Silêncio... então...
Onde está ele? — perguntou a voz fraquinha do velhote da Comissão. — Onde está o bicho?
Estava amarrado aqui! — disse o carrasco, furioso. — Eu o vi! Bem aqui!
Que extraordinário! — exclamou Alvo Dumbledore. Havia um tom de riso em sua voz.
Bicuço! — exclamou Hagrid, rouco.
Ouviu-se o ruído de uma lâmina cortando o ar e a pancada de um machado. O carrasco, enraivecido, aparentemente brandira o machado contra a cerca. Então, ouviu-se um berreiro e desta vez eles distinguiram as palavras de Hagrid entre os soluços.
Foi-se! Foi-se! Abençoado seja ele, foi embora! Deve ter se soltado! Bicucinho, que garoto inteligente!
Bicuço começou a puxar a corda com força, tentando voltar para Hagrid. Harry e Hermione seguraram a corda com firmeza e enterraram os saltos no chão da floresta para reter o bicho.
Alguém o desamarrou! — rosnou o carrasco. — Devíamos revistar a propriedade, a floresta...
Macnair, se Bicuço foi realmente roubado, você acha que o ladrão o levou a pé? — perguntou Dumbledore, ainda em tom divertido. — Procurem nos céus, se quiserem... Hagrid, uma xícara de chá me cairia bem. Ou um bom cálice de conhaque.
— C... Claro, professor — disse Hagrid, que parecia fraco de tanta felicidade. — Entre, entre...
Harry e Hermione apuraram os ouvidos. Ouviram passos, o carrasco xingando baixinho, o clique da porta e, então, mais uma vez o silêncio.
— E agora? — sussurrou Harry, olhando para os lados.
— Vamos ter que nos esconder aqui — disse Hermione, que parecia muito abalada. — Precisamos esperar até eles voltarem para o castelo. Depois esperamos até poder voar com Bicuço em segurança até a janela de Sirius. Ele vai demorar lá mais duas horas... Ah, isso vai ser difícil..
A garota espiou, nervosa, por cima do ombro as profundezas da floresta. O sol ia se pondo.
— Vamos ter que mudar de lugar — disse Harry se concentrando. — Temos que poder ver o Salgueiro Lutador ou não vamos saber o que está acontecendo.
— Ok — concordou Hermione, segurando a corda de Bicuço com mais firmeza. — Mas temos que ficar onde ninguém possa nos ver Harry, lembre-se...
Os dois saíram pela orla da floresta, à noite escurecendo tudo à volta, até poderem se esconder atrás de um grupo de árvores, entre as quais eles podiam avistar o salgueiro.
— Olha lá o Rony! — exclamou Harry de repente.
Um vulto escuro ia correndo pelos jardins e seu grito ecoava pelo ar parado da noite.
— Fique longe dele... Fique longe... Perebas, volta aqui...
Então os garotos viram mais dois vultos se materializarem do nada. Harry observou ele próprio e Hermione correrem atrás de Rony. Depois viram Rony mergulhar.
Te peguei! Dá o fora, seu gato fedorento...
— Olha lá o Sirius! — exclamou Harry. A forma enorme de um cão saltou das raízes do salgueiro. Eles o viram derrubar Harry, depois agarrar Rony... — Parece ainda pior visto daqui, não é? — comentou Harry, observando o cão puxar Rony para baixo das raízes. — Ai... Olha, acabei de levar uma baita lambada da árvore...
E você também... Que coisa esquisita...
O Salgueiro Lutador rangia e dava golpes com os ramos mais baixos; os garotos se viam correndo para cá e para lá, tentando chegar até o tronco. E então a árvore se imobilizou.
— Isso foi o Bichento apertando o nó — disse Hermione.
— E lá vamos nós... — murmurou Harry — Entramos.
No momento em que eles desapareceram, a árvore recomeçou a se agitar. Segundos depois, os garotos ouviram passos muito  próximos. Dumbledore, Macnair, Fudge e o velhote da Comissão estavam regressando ao castelo.
— Logo depois de termos descido pela passagem! — exclamou Hermione. — Se ao menos Dumbledore tivesse ido conosco...
— Macnair e Fudge teriam ido também — disse Harry amargurado. — Aposto o que você quiser como Fudge teria mandado Macnair matar Sirius na hora...
Os garotos observaram os quatro homens subirem os degraus do castelo e desaparecer de vista. Durante alguns minutos os jardins ficaram desertos. Então...
— Aí vem Lupin! — disse Harry ao ver outro vulto descer correndo os degraus de pedra e se dirigir ao salgueiro. Harry olhou para o céu. As nuvens estavam obscurecendo completamente a luz.
Os dois acompanharam Lupin apanhar um galho seco do chão e empurrar com ele o nó do tronco. A árvore parou de lutar, e o professor, também, desapareceu no buraco entre as raízes.
— Se ao menos ele tivesse apanhado a capa — lamentou Harry.
— Está caída bem ali...
E, virando-se para Hermione.
— Se eu desse uma corrida agora e apanhasse a capa, Snape nunca poderia se apoderar dela e...
— Harry não podemos ser vistos!
— Como é que você agüenta isso? — perguntou ele a Hermione impetuosamente. — Ficar parada aqui olhando a coisa acontecer? — Ele hesitou. — Vou apanhar a capa!
— Harry não!
Hermione agarrou Harry pelas costas das vestes bem na hora.
Naquele instante, ouviu-se uma cantoria. Era Hagrid, ligeiramente trôpego, a caminho do castelo, cantando a plenos pulmões. Um garrafão balançava em suas mãos.
— Viu? — sussurrou Hermione. — Viu o que teria acontecido? Temos que ficar escondidos! Não, Bicuço!
O hipogrifo fazia tentativas frenéticas para chegar até Hagrid;
Harry agarrou a corda também, fazendo força para manter o animal parado.
Os garotos observaram Hagrid caminhar, bêbado, até o castelo. Bicuço parou de brigar para ir embora. Deixou a cabeça pender tristemente.
Não havia se passado nem dois minutos e as portas do castelo tornaram a se escancarar, era Snape que saía decidido, e rumava para o salgueiro.
Os punhos de Harry se fecharam quando eles viram Snape parar derrapando próximo à árvore, olhando para os lados. Depois, apanhou a capa e levantou-a.
— Tira suas mãos imundas daí — rosnou Harry para si mesmo.
— Psiu!
Snape apanhou o galho seco que Lupin usara para imobilizar a árvore, cutucou o nó e desapareceu de vista ao se cobrir com a capa.
— Então é isso — disse Hermione baixinho. — Estamos todos lá embaixo... E agora temos que esperar até voltarmos da passagem...
A garota pegou a ponta da corda de Bicuço e amarrou-a bem segura na árvore mais próxima, então, sentou-se no chão seco, os braços em torno dos joelhos.
— Harry, tem uma coisa que eu não entendo... Por que os dementadores não pegaram Sirius? Eu me lembro deles chegando, aí acho que desmaiei... Havia tantos...
Harry se sentou também. E explicou o que vira; que na hora em que o dementador mais próximo chegou a boca junto à de Harry, uma coisa grande e prateada viera galopando do lago e forçara os dementadores a se retirarem.
A boca de Hermione estava ligeiramente aberta quando Harry terminou.
— Mas o que era a coisa?
— Só tem uma coisa que podia ter sido, para fazer os dementadores irem embora — disse Harry. — Um Patrono de verdade. Bem poderoso.
— Mas quem o conjurou?
Harry não respondeu nada. Estava relembrando a pessoa que vira na outra margem do lago. Sabia quem ele pensara que era... Mas como seria possível?
— Você não viu com quem se parecia? — perguntou Hermione ansiosa. — Foi um dos professores?
— Não — disse Harry. — Não era um professor.
— Mas deve ter sido um bruxo realmente poderoso, para fazer todos aqueles dementadores irem embora... Se o Patrono era tão brilhante, a luz não iluminava ele? Você não pôde ver...?
— Claro que vi — disse Harry lentamente. — Mas talvez... Eu tenha imaginado que vi... Eu não estava pensando direito... Desmaiei logo em seguida...
— Quem foi que você pensou que viu?
— Acho... — Harry engoliu em seco, sabendo como era estranho o que ia dizer. — Acho que foi o meu pai.
Harry olhou para Hermione e viu que a boca da menina se abrira de vez. Ela o olhava com uma mistura de susto e piedade.
— Harry, seu pai está... Bem... Morto — disse ela baixinho.
— Eu sei — respondeu Harry depressa.
— Você acha que viu o fantasma dele?
— Não sei... Não... Parecia sólido...
— Mas então...
— Vai ver eu andei vendo coisas — disse Harry. — Mas... Pelo que pude ver... Parecia ele... Tenho fotos dele...
Hermione continuava a mirá-lo como se estivesse preocupada com a sanidade do amigo.
— Sei que parece doideira — falou Harry, sem animação. E se virou para olhar Bicuço, que enterrava o bico no chão, aparentemente à procura de vermes.
Mas na realidade o garoto não estava olhando para Bicuço.
Estava pensando no pai e nos três amigos mais antigos do pai... Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas... Será que os quatro tinham estado em Hogwarts esta noite? Rabicho reaparecera quando todos pensavam que estivesse morto...
Seria tão impossível que o mesmo acontecesse com o seu pai? Será que andara vendo coisas no lago? O vulto estava demasiado longe para vê-lo com clareza... Contudo, Harry tivera uma certeza momentânea antes de perder a consciência...
A folhagem no alto rumorejava baixinho à brisa. A lua aparecia e desaparecia por trás das nuvens que deslizavam pelo céu. Hermione, sentada com o rosto virado para o salgueiro, aguardava.
Então, finalmente, passada uma hora...
— Aí vêm eles! — sussurrou Hermione.
Ela e Harry se levantaram. Bicuço ergueu a cabeça. Então os garotos viram Lupin, Rony e Pettigrew saindo desajeitados do buraco nas raízes. Depois veio Hermione... O inconsciente Snape, flutuando estranhamente. Em seguida subiram Harry e Black.
Todos saíram caminhando em direção ao castelo.
O coração de Harry começou a bater muito depressa. Ele olhou para o céu. A qualquer momento agora, aquela nuvem ia se afastar e mostrar a lua...
— Harry — murmurou Hermione como se soubesse exatamente o que ele estava pensando —, temos que ficar parados. Não podemos ser vistos. Não tem nada que a gente possa fazer...
— Então vamos deixar Pettigrew escapar outra vez... — protestou Harry baixinho.
— Como é que você espera encontrar um rato no escuro? — retrucou Hermione irritada. — Não tem nada que a gente possa fazer! Voltamos para ajudar Sirius; não é para fazer mais nada!
— Está bem!
A lua deslizou para fora da cobertura de nuvens. Os dois viram os pequenos vultos que atravessavam os jardins pararem. Então perceberam um movimento...
— Lá vai Lupin — cochichou Hermione. — Ele está se transformando...
— Hermione! — disse Harry de repente. — Temos que mudar de lugar!
— Já disse que não podemos...
— Não podemos interferir! Mas Lupin vai correr para dentro da floresta, bem por onde estamos!
Hermione prendeu a respiração.
— Depressa! — gemeu ela, correndo para soltar Bicuço. — Depressa! Aonde é que nós vamos? Onde é que vamos nos esconder? Os dementadores vão chegar a qualquer momento...
— Vamos voltar para a cabana de Hagrid! — disse Harry. — Está vazia agora... Vamos!
Os garotos correram a toda velocidade, Bicuço atrás deles.
Ouviam o Lobisomen uivando em sua cola...
Avistaram a cabana; Harry derrapou diante da porta, escancarou-a, e Hermione e Bicuço passaram como relâmpagos por ele; o garoto se atirou para dentro e trancou a porta. Canino, o cão de casar javalis, latiu com força.
— Psiu, Canino, somos nós! — disse Hermione, correndo a coçar atrás das orelhas do cão para sossegá-lo. — Essa foi por pouco! — disse ela a Harry.
— Acho melhor sair, sabe — disse Harry lentamente. — Não consigo ver o que está acontecendo... Não vamos saber quando for a hora...
Hermione ergueu a cabeça. Tinha uma expressão desconfiada.
— Não vou tentar interferir — disse Harry depressa. — Mas se não virmos o que está acontecendo, como é que vamos saber quando temos que salvar Sirius?
— Bem... Ok, então... Fico esperando aqui com o Bicuço... Mas Harry, tenha cuidado, tem um Lobisomen solto lá fora... E os dementadores...
Harry saiu e contornou a cabana. Ouvia latidos ao longe. Isto significava que os dementadores estavam fechando o cerco sobre Sirius...
Ele e Hermione iriam correr para Sirius a qualquer instante...
Harry espiou para as bandas do lago, seu coração produzindo uma espécie de batuque no seu peito... Quem quer que tivesse mandado o Patrono iria aparecer a qualquer momento...
Por uma fração de segundo ele parou, indeciso, diante da porta da cabana. “Você não pode ser visto”. Mas ele não queria ser visto.
Queria ver... Tinha que saber...
E lá estavam os dementadores. Emergiam da noite, vindos de todas as direções, deslizando pela orla do lago... Estavam se distanciando do ponto em que Harry se encontrava, em direção à margem oposta... Ele não teria que se aproximar deles...
Harry começou a correr. Não tinha outro pensamento na cabeça senão o pai... Se fosse ele... Se fosse realmente ele... Harry precisava saber, precisava descobrir...
O lago estava cada vez mais próximo, mas não havia sinal de ninguém. Na margem oposta, Harry vislumbrou minúsculos pontos prateados, suas próprias tentativas de produzir um Patrono...
Havia uma moita bem na beirinha da água. Harry se atirou atrás dela, e espiou desesperado entre as folhas. Na margem oposta, os reflexos prateados de repente se extinguiram. Uma mescla de terror e excitação percorreu seu corpo, a qualquer momento agora...
— Vamos! — murmurou, olhando com atenção para os lados. — Onde é que você está! Papai, anda...
Mas não veio ninguém. Harry ergueu a cabeça para olhar o círculo de dementadores do outro lado do lago. Um deles estava despindo o capuz. Estava na hora do salvador aparecer, mas ninguém ia aparecer para ajudar desta vez...
E então a explicação lhe ocorreu, ele compreendeu. Não vira o pai vira a si mesmo...
Harry se precipitou para fora da moita e puxou a varinha.
EXPECTO PATRONUM! — berrou.
E da ponta de sua varinha irrompeu, não uma nuvem disforme, mas um animal prateado, deslumbrante, ofuscante. Ele apertou os olhos tentando ver o que era.
Parecia um cavalo. Galopava silenciosamente se afastando dele, atravessando a superfície escura do lago. Ele viu o animal abaixar a cabeça e investir contra o enxame de dementadores... Agora, a galope, ele cercava os vultos escuros no chão, e os dementadores recuavam, se dispersavam, batiam em retirada na noite... Desapareciam.
O Patrono deu meia-volta. Veio em direção a Harry atravessando a superfície parada das águas. Não era um cavalo. Não era um unicórnio, tampouco. Era um cervo. Reluzia intensamente ao luar... Estava retornando a ele...
Parou na margem. Seus cascos não deixaram pegadas no chão macio quando ele encarou Harry com os grandes olhos prateados.
Lentamente, ele curvou a cabeça cheia de galhos. E Harry percebeu...
— Pontas — sussurrou.
Mas quando os dedos trêmulos de Harry se estenderam para o bicho, ele desapareceu.
Harry continuou parado ali, a mão estendida. Então com um grande salto no coração, ele ouviu o ruído de cascos às suas costas — virou-se e viu Hermione correndo para ele, arrastando Bicuço.
— Que foi que você fez? — perguntou ela com raiva. — Você disse que ia ficar vigiando!
— Acabei de salvar as nossas vidas... — disse Harry. — Vem aqui para trás, atrás dessa moita, eu explico.
Hermione ouviu o relato do que acabava de acontecer, outra vez boquiaberta.
— Alguém viu você?
— Está vendo, você não ouviu nada! Eu me vi e achei que era o meu pai! Tudo bem!
— Harry, nem posso acreditar... Você conjurou um Patrono que espantou todos aqueles dementadores! Isto é magia muito adiantada, mas muito mesmo...
— Eu sabia que podia fazer isso desta vez — disse Harry —, porque já tinha feito antes... Faz sentido?
— Não sei... Harry, olha o Snape!
Juntos eles olharam para a outra margem. Snape recuperara os sentidos. Estava conjurando macas e erguendo as formas inertes de Harry, Hermione e Black para cima delas. Uma quarta maca, sem dúvida carregando Rony, já estava flutuando ao seu lado. Então, com a varinha segura à frente, ele os transportou para o castelo.
— Certo, está quase na hora — disse Hermione olhando, tensa, para o relógio. — Temos uns quarenta e cinco minutos até Dumbledore fechar a porta da ala hospitalar. Temos que salvar Sirius e voltar à enfermaria antes que alguém perceba que estamos ausentes...
Os dois esperaram, observando o reflexo das nuvens que se moviam sobre o lago, enquanto a moita ao lado sussurrava à brisa. Bicuço, entediado, estava novamente bicando a terra à procura de vermes.
— Você acha que ele já está lá em cima? — perguntou Harry, consultando o relógio. Em seguida olhou para o castelo e começou a contar as janelas à direita da Torre Oeste.
— Olha! — sussurrou Hermione. — Quem é aquele? Alguém está saindo do castelo!
Harry olhou para o escuro. O homem estava correndo pelos jardins, em direção a uma das entradas. Uma coisa reluzente faiscava em seu cinto.
— Macnair! — exclamou Harry. — O carrasco! Ele foi chamar os dementadores! É agora, Mione...
Hermione pôs as mãos nas costas de Bicuço e Harry a ajudou a montar. Então ele apoiou o pé em um dos galhos mais baixos da moita e montou à frente da garota.
Depois puxou a corda de Bicuço por cima do pescoço e amarrou-a como se fossem rédeas.
— Pronta? — cochichou para Hermione. — É melhor você se segurar em mim...
E bateu os calcanhares nos lados de Bicuço.
O bicho saiu voando pela noite. Harry comprimiu os flancos de Bicuço com os joelhos, sentindo as grandes asas erguerem-se com força por baixo deles. Hermione segurava Harry muito apertado, pela cintura; ele a ouvia reclamar baixinho.
— Ah, não... Não estou gostando disso... Ah, não estou gostando nem um pouco disso...
Harry incitou Bicuço para fazê-lo avançar. Eles começaram a voar silenciosamente em direção aos andares superiores do castelo. Harry puxou com força o lado esquerdo da corda e Bicuço virou para aquele lado. O garoto tentava contar as janelas que passavam velozes...
— Ôôo! — comandou puxando a corda para si com toda a força que pôde.
O hipogrifo reduziu a velocidade e eles pararam, salvo se considerarmos o fato de que continuavam a subir e descer quase um metro de cada vez, quando o bicho batia as asas para se manter no ar.
— Ele está ali! — disse Harry apontando para Sirius quando emparelharam com uma janela. O garoto estendeu a mão e, quando as asas de Bicuço baixaram, conseguiu dar umas pancadinhas na vidraça.
Black olhou. Harry viu o queixo dele cair de espanto. O homem saltou da cadeira, correu à janela e tentou abri-la, mas estava trancada.
— Se afaste! — pediu Hermione tirando a varinha, ainda agarrando as vestes de Harry com a mão esquerda.
Alorromora!
A janela se escancarou.
— Como... Como...? — exclamou Black com a voz fraca, olhando para o hipogrifo.
— Sobe, não temos muito tempo — disse Harry, segurando Bicuço com firmeza pelos lados do pescoço escorregadio para mantê-lo parado. — Você tem que sair daqui, os dementadores estão chegando, Macnair foi buscar eles.
Black colocou as mãos dos lados da janela e ergueu a cabeça e os ombros para fora. Foi uma sorte estar tão magro. Em segundos, ele conseguiu passar uma perna por cima do lombo de Bicuço e montar o bicho atrás de Hermione.
— Ok, Bicuço, para cima! — disse Harry sacudindo a corda.
— Para a torre, anda!
O hipogrifo bateu uma vez as asas possantes e eles recomeçarão a voar para o alto, até o topo da Torre Oeste. Bicuço pousou com um ruído de cascos nas ameias do castelo e os garotos escorregaram para o chão.
— Sirius, é melhor você ir depressa — ofegou Harry. — Eles vão chegar na sala de Flitwick a qualquer momento, e vão descobrir que você fugiu.
Bicuço pateou o chão, sacudindo a cabeça pontuda.
— Que aconteceu com o outro garoto? Rony! — perguntou Sirius rouco.
— Ele vai ficar bom. Ainda está desacordado, mas Madame Pomfrey diz que vai dar um jeito nele. Depressa, vai...
Mas Black continuava a olhar para Harry.
— Como é que vou poder lhe agradecer...
— VAI! — gritaram ao mesmo tempo Harry e Hermione.
Black fez Bicuço virar para o céu aberto.
— Nós vamos nos ver outra vez — disse ele. — Você é bem filho do seu pai, Harry...
E, então, apertou os flancos de Bicuço com os calcanhares. Harry e Hermione deram um salto para trás quando as enormes asas se ergueram mais uma vez... O hipogrifo saiu voando pelos ares... Ele e seu cavaleiro foram ficando cada vez menores enquanto Harry os observava... Então uma nuvem encobriu a lua... E eles desapareceram.















CAPÍTULO VINTE E DOIS
Novo Correio-Coruja

— Harry! — Hermione estava puxando a manga do garoto, com os olhos no seu próprio relógio. — Temos exatamente dez minutos para voltar à ala hospitalar sem que ninguém nos veja, antes que Dumbledore tranque a porta...
— Ok — disse Harry, parando de contemplar o céu —, vamos... — Os dois saíram pela porta às costas deles e desceram uma escada de pedra circular muito estreita. Quando chegaram embaixo ouviram vozes. Colaram o corpo contra a parede e escutaram. Pareciam as vozes de Fudge e Snape. Os dois caminhavam depressa pelo corredor no qual terminava a escada.
— ... Só espero que Dumbledore não crie dificuldades — dizia Snape. — O beijo será executado imediatamente?
— Assim que Macnair voltar com os dementadores. Todo esse caso Black tem sido muitíssimo constrangedor. Nem posso lhe dizer como estou ansioso para informar ao Profeta Diário que finalmente o capturamos... Acho provável que queiram entrevistá-lo, Snape... E quando Harry tiver voltado ao normal, espero que se disponha a contar ao Profeta exatamente como foi que você o salvou...
Harry cerrou os dentes. Viu de relance o sorriso presunçoso de Snape, quando o professor e Fudge passaram pelo lugar em que ele e Hermione estavam escondidos. O eco dos passos dos homens foi se distanciando. Os dois garotos esperaram alguns minutos para ter certeza de que tinham realmente ido embora, então começaram a correr na direção oposta. Desceram uma escada, depois outra, correram por um corredor, então ouviram uma risada escandalosa à frente.
— Pirraça! — murmurou Harry, agarrando o pulso de Hermione. — Aqui!
Eles se precipitaram para dentro de uma sala de aula à esquerda, na hora “H”. Ao que parecia, Pirraça vinha saltitando pelo corredor apregoando bom humor, rindo de se acabar.
— Ah, ele é horrível! — sussurrou Hermione, o ouvido encostado à porta. — Aposto como está nessa excitação toda porque os dementadores vão liquidar Sirius... — Ela tornou a consultar o relógio. — Três minutos, Harry!
Os garotos aguardaram a voz satisfeita de Pirraça sumir ao longe, então abandonaram a sala e desataram a correr.
— Hermione, que é que vai acontecer, se não conseguirmos voltar antes de Dumbledore trancar a porta? — ofegou Harry.
— Nem quero pensar! — gemeu Hermione, verificando novamente o relógio. — Um minuto!
Os dois tinham chegado ao fim do corredor em que ficava a entrada para a ala hospitalar.
— Ok... Estou ouvindo Dumbledore — disse Hermione tensa. — Vamos Harry!
Saíram sorrateiramente pelo corredor A porta da enfermaria se abriu. Apareceram as costas de Dumbledore.
— Vou trancá-los — os garotos o ouviram dizer. — Faltam cinco minutos para a meia-noite. Srta. Granger, três voltas devem bastar. Boa sorte.
Dumbledore recuou para fora da enfermaria, fechou a porta e puxou a varinha para trancá-la magicamente. Em pânico, Harry e Hermione correram ao seu encontro.
Dumbledore ergueu os olhos e apareceu um largo sorriso sob seus compridos bigodes prateados.
— Então? — perguntou ele baixinho.
— Conseguimos! — disse Harry ofegante. — Sirius já foi, montado em Bicuço...
Dumbledore sorriu radiante para os garotos.
— Muito bem! Acho que... — Ele escutou atentamente para verificar se havia algum ruído no interior da ala hospitalar. — É, acho que vocês também já foram: entrem, vou trancá-los...
Harry e Hermione entraram na enfermaria. Estava vazia exceto por Rony, que continuava deitado imóvel na cama ao fundo. Ao ouvirem o clique da fechadura, Harry e Hermione voltaram às suas camas, e a garota guardou o Vira-Tempo, dentro das vestes. Um instante depois, Madame Pomfrey saiu de sua sala.
— Foi o diretor que eu ouvi saindo? Será que já posso cuidar dos meus pacientes?
A enfermeira estava muito mal-humorada. Harry e Hermione acharam melhor aceitar o chocolate que ela trazia sem resistência.
Madame Pomfrey ficou vigiando para ter certeza de que eles o comessem. Mas Harry mal conseguia engolir. Ele e Hermione estavam esperando, escutavam, os nervos vibrando desafinados...
Então, quando aceitaram o quarto pedaço de chocolate de Madame Pomfrey, eles ouviram ao longe o ronco de fúria que ecoava em algum ponto do andar acima...
— Que foi isso? — perguntou Madame Pomfrey assustada.
Agora ouviam vozes raivosas, que iam se avolumando sem parar. A enfermeira tinha os olhos na porta.
— Francamente, vão acordar todo mundo! Que é que eles acham que estão fazendo?
Harry tentava ouvir o que as vozes diziam. Elas foram se aproximando...
— Ele deve ter desaparatado, Severo. Devíamos ter deixado alguém na sala vigiando. Quando isto vazar...
— ELE NÃO DESAPARATOU! — vociferou Snape, agora muito próximo. — NÃO SE PODE APARATAR NEM DESAPARATAR DENTRO DESTE CASTELO! ISTO... TEM... DEDO... DO... POTTER!
— Severo... Seja razoável... Harry está trancado...
PAM.
A porta da ala hospitalar se escancarou.
Fudge, Snape e Dumbledore entraram na enfermaria. Somente o diretor parecia calmo. De fato, parecia que estava se divertindo. Fudge tinha uma expressão zangada. Mas Snape estava fora de si.
— DESEMBUCHE, POTTER! — berrou ele. — QUE FOI QUE VOCÊ FEZ?
— Professor Snape! — protestou esganiçada Madame Pomfrey. — Controle-se!
— Olhe aqui, Snape, seja razoável — ponderou Fudge. — A porta esteve trancada, acabamos de constatar..
— ELES AJUDARAM BLACK A ESCAPAR EU SEI! — berrou Snape, apontando para Harry e Hermione. Seu rosto estava contorcido; voava cuspe de sua boca.
— Acalme-se, homem! — ordenou Fudge. — Você está falando disparates!
— O SENHOR NÃO CONHECE POTTER! — berrou Snape em falsete. — FOI ELE, EU SEI QUE FOI ELE QUE FEZ ISSO...
— Chega, Severo — disse Dumbledore em voz baixa. — Pense no que está dizendo. A porta esteve trancada desde que deixei a enfermaria dez minutos atrás.  Madame Pomfrey, esses garotos saíram da cama?
— Claro que não! — respondeu Madame Pomfrey com eficiência. — Eu os teria ouvido!
— Aí está, Severo — disse Dumbledore calmamente. — A não ser que você esteja sugerindo que Harry e Hermione sejam capazes de estar em dois lugares ao mesmo tempo, receio que não haja sentido em continuar a perturbá-los.
Snape ficou parado ali, procurando, olhando de Fudge, que parecia extremamente chocado com o procedimento do professor, para Dumbledore cujos olhos cintilavam por trás dos óculos. Snape deu meia-volta, as vestes rodopiando para trás, e saiu enfurecido da enfermaria.
— O homem parece que é bem desequilibrado — disse Fudge, acompanhando-o com o olhar. — Eu me precaveria se fosse você, Dumbledore.
— Ah, ele não é desequilibrado — disse Dumbledore em voz baixa. — Apenas sofreu um grave desapontamento.
— Ele não é o único! — bufou Fudge. — O Profeta Diário vai ter um grande dia! Tivemos Black encurralado e ele nos escapa entre os dedos outra vez! Só falta agora a história da fuga do hipogrifo vazar, para eu virar motivo de pilhérias! Bom... É melhor eu ir notificar o Ministério...
— E os dementadores? — disse Dumbledore. — Serão retirados da escola, eu espero.
— Ah, claro, eles terão que se retirar — disse Fudge, passando os dedos, distraidamente, pelos cabelos. — Nunca sonhei que tentariam executar o beijo em um garoto inocente... Completamente descontrolado... Não, mandarei despachá-los de volta a Azkaban ainda hoje à noite... Talvez devêssemos estudar a colocação de dragões à entrada da escola...
— Hagrid iria gostar — disse Dumbledore, sorrindo para Harry e Hermione.
 Quando o diretor e Fudge iam saindo do quarto, Madame Pomfrey correu até a porta e tornou a trancá-la. E resmungando, aborrecida, voltou à sua salinha.
Ouviu-se um gemido baixo na outra ponta da enfermaria. Rony acordara. Eles o viram sentar-se, esfregar a cabeça e olhar para todos os lados.
— Que... Que aconteceu? — gemeu ele. — Harry? Por que estamos aqui? Onde é que foi o Sirius? Onde é que foi o Lupin? Que está acontecendo?
Harry e Hermione se entreolharam.
— Você explica — pediu Harry, servindo-se de mais um pedaço de chocolate.
Quando Harry, Rony e Hermione deixaram a ala hospitalar ao meio-dia do dia seguinte, foi para encontrar um castelo quase deserto. O calor sufocante e o fim dos exames sinalizavam que todos estavam aproveitando ao máximo mais uma visita a Hogsmeade. Nem Rony nem Hermione, porém, tiveram vontade de ir, assim, os dois e Harry perambularam pelos jardins, ainda discutindo os acontecimentos extraordinários da noite anterior e se perguntando onde estariam Sirius e Bicuço naquela hora. Sentados perto do lago, observando a lula gigante agitar preguiçosamente seus tentáculos à superfície das águas, Harry perdeu o fio da conversa contemplando a margem oposta do lago. O cervo galopara em sua direção ali, ainda na noite anterior...
Uma sombra caiu sobre eles e, ao olharem, depararam com um Hagrid de olhos muito vermelhos, enxugando o rosto úmido de suor com um lenço do tamanho de uma toalha de mesa, e sorrindo para os três.
— Sei que não devia me sentir feliz depois do que aconteceu ontem à noite — disse ele. — Quero dizer, a nova fuga de Black e tudo o mais, mas sabem de uma coisa?
— O quê? — perguntaram os garotos em coro, fingindo curiosidade.
— Bicuço! Ele fugiu! Está livre! Passei a noite toda festejando!
— Que fantástico! — exclamou Hermione lançando a Rony um olhar de censura porque ele parecia prestes a cair na risada.
— É... Não devo ter amarrado ele direito — concluiu Hagrid, apreciando os jardins. — Estive preocupado hoje de manhã, vejam bem... Achei que ele podia ter topado com o Profº. Lupin por aí, mas o professor disse que não comeu nada ontem à noite...
— Quê? — perguntou Harry depressa.
— Caramba, vocês não souberam? — disse Hagrid, o sorriso se desfazendo. Em seguida, baixou a voz, ainda que não houvesse ninguém à vista. — Hum... Snape anunciou para os alunos da Sonserina hoje de manhã... Achei que, a essa altura, todo mundo já soubesse... O Profº. Lupin é Lobisomen, entendem. E esteve solto na propriedade ontem à noite. Ele está fazendo as malas agora, é claro.
— Ele está fazendo as malas? — repetiu Harry alarmado. — Por quê?
— Vai embora, não é? — disse Hagrid, parecendo surpreso que Harry tivesse feito uma pergunta daquela. — Pediu demissão logo de manhã. Diz que não pode arriscar que isto aconteça de novo.
Harry levantou-se depressa.
— Vou ver o professor — avisou a Rony e Hermione.
— Mas se ele se demitiu...
— ... Parece que não há nada que a gente possa fazer...
— Não faz diferença. Continuo querendo ver o professor. Encontro vocês aqui depois.
A porta da sala de Lupin estava aberta. O professor já guardara a maior parte dos seus pertences. O tanque vazio do grindylow estava ao lado de sua mala surrada, aberta e quase cheia. Lupin curvava-se sobre alguma coisa em sua escrivaninha e ergueu a cabeça quando Harry bateu na porta.
— Vi-o chegando — disse Lupin com um sorriso. E apontou para o pergaminho que estivera examinando. Era o Mapa do Maroto.
— Acabei de encontrar Hagrid — disse Harry. — E soube dele que o senhor pediu demissão. Não é verdade, é?
— Receio que seja. — Lupin começou a abrir as gavetas da escrivaninha e a esvaziá-las.
— Por quê? — perguntou Harry. — O Ministério da Magia não está achando que o senhor ajudou Sirius, está?
Lupin foi até a porta e fechou-a.
— Não. O Profº. Dumbledore conseguiu convencer Fudge que eu estava tentando salvar as vidas de vocês. — Ele suspirou. — Isso foi a gota d"água para Severo. Acho que a perda da Ordem de Merlim o deixou muito abalado. Então ele... Hum... Acidentalmente deixou escapar hoje, no café da manhã, que eu era Lobisomen.
— O senhor não está indo embora só por causa disso! — espantou-se Harry.
Lupin sorriu enviesado.
— Amanhã a essa hora, vão começar a chegar as corujas dos pais... Eles não vão querer um Lobisomen ensinando a seus filhos, Harry. E depois de ontem à noite, eu entendo. Eu poderia ter mordido um de vocês... Isto não pode voltar a acontecer nunca mais.
— O senhor é o melhor professor de Defesa contra as Artes das Trevas que já tivemos! — disse Harry. — Não vá embora!
Lupin sacudiu a cabeça e ficou calado. Continuou a esvaziar as gavetas. Então, enquanto Harry tentava pensar em um bom argumento para convencê-lo a ficar, Lupin falou:
— Pelo que o diretor me contou hoje de manhã, vocês salvaram muitas vidas ontem à noite, Harry. Se eu tenho orgulho de alguma coisa que fiz este ano, foi o muito que você aprendeu comigo... Me conte sobre o seu Patrono.
— Como é que o senhor soube? — perguntou Harry espantado.
— Que mais poderia ter afugentado os dementadores?
Harry contou a Lupin o que acontecera. Quando terminou, o professor voltara a sorrir.
— É, seu pai se transformava sempre em cervo. Você acertou... É por isso que o chamávamos de Pontas.
Lupin jogou seus últimos livros em uma caixa, fechou as gavetas da escrivaninha e virou-se para fitar Harry.
— Tome, trouxe isto da Casa dos Gritos ontem à noite — disse, devolvendo a Harry a Capa da Invisibilidade. — E... — ele hesitou e em seguida devolveu o Mapa do Maroto também. — Não sou mais seu professor, por isso não me sinto culpado por lhe devolver isso também. Não serve para mim, e me arrisco a dizer que você, Rony e Hermione vão encontrar utilidade para o mapa.
Harry recebeu o mapa e sorriu.
— O senhor me disse que Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas tinham querido me atrair para fora da escola... O senhor disse que eles teriam achado graça.
— E teríamos — respondeu Lupin, abaixando-se para fechar a mala. — Não tenho dúvida em afirmar que Tiago teria ficado muitíssimo desapontado se o filho dele jamais descobrisse as passagens secretas para fora do castelo.
Ouviu-se uma batida na porta. Harry guardou apressadamente o Mapa do Maroto e a Capa da Invisibilidade no bolso.
Era o Profº. Dumbledore. Ele não pareceu surpreso de encontrar Harry ali.
— O seu coche já está no portão, Remo — anunciou ele.
— Obrigado, diretor.
Lupin apanhou sua velha mala e o tanque vazio do grindylow.
— Bom... Adeus, Harry — disse sorrindo. — Foi realmente um prazer ser seu professor. Tenho certeza de que voltaremos a nos encontrar. Diretor, não precisa me acompanhar até o portão, posso me arranjar...
Harry teve a impressão de que Lupin queria sair o mais rápido possível.
— Adeus, então, Remo — disse Dumbledore sério. Lupin empurrou ligeiramente o tanque do grindylow para poder apertar a mão de Dumbledore. Então, com um último aceno para Harry e um breve sorriso, Lupin saiu da sala.
Harry se sentou na cadeira desocupada, olhando tristemente para o chão. Ouviu a porta se fechar e ergueu a cabeça. Dumbledore continuava na sala.
— Por que tão infeliz, Harry? — perguntou em voz baixa. — Você deveria estar se sentindo muito orgulhoso depois do que fez à noite passada.
— Não fez nenhuma diferença — disse Harry com amargura. — Pettigrew conseguiu fugir.
— Não fez nenhuma diferença? — repetiu Dumbledore baixinho. — Fez toda a diferença do mundo, Harry você ajudou a desvendar a verdade. Salvou um homem inocente de um destino terrível.
Terrível. A palavra despertou uma lembrança na cabeça de Harry. Maior e mais terrível que nunca... A predição da Profª. Trelawney!
— Profº. Dumbledore, ontem, quando eu estava fazendo o exame de Adivinhação, a Profª. Trelawney ficou muito... Muito estranha.
— Verdade? — disse o diretor. — Hum... Mais estranha do que de costume, você quer dizer?
— É... A voz dela engrossou e os olhos giraram e ela falou... que o servo de Voldemort ia se juntar a ele antes da meia-noite... Disse que o servo ia ajudá-lo a voltar ao poder. — Harry ergueu os olhos para Dumbledore. — E então ela meio que voltou ao normal, mas não conseguiu se lembrar de nada que tinha falado. Era... Ela estava fazendo uma predição de verdade?
Dumbledore pareceu levemente impressionado.
— Sabe, Harry, acho que talvez estivesse — disse pensativo. — Quem teria imaginado? Isso eleva para duas o total de predições verdadeiras que ela já fez. Eu devia dar à professora um aumento de salário...
— Mas... — Harry olhou, perplexo, para o diretor. Como é que Dumbledore podia ouvir uma notícia dessas com tanta calma? — Mas... Eu impedi Sirius e o Profº. Lupin de matarem Pettigrew! Assim vai ser minha culpa se Voldemort voltar!
— Não vai, não — disse Dumbledore em voz baixa. — A sua experiência com o Vira-Tempo não lhe ensinou nada, Harry? As conseqüências de nossos atos são sempre tão complexas, tão diversas, que predizer o futuro é uma tarefa realmente difícil... A Profª. Trelawney, abençoada seja, é a prova viva disso... Você teve um gesto muito nobre salvando a vida de Pettigrew...
— Mas se ele ajudar Voldemort a voltar ao poder...
— Pettigrew lhe deve a vida. Você mandou a Voldemort um emissário que está em dívida com você... Quando um bruxo salva a vida de outro, forma-se um certo vínculo entre os dois... E estarei muito enganado se Voldemort aceitar um servo em dívida com Harry Potter.
— Eu não quero ter nenhum vínculo com Pettigrew! — exclamou Harry. — Ele traiu os meus pais!
— Assim é a magia no que ela tem de mais profundo e impenetrável, Harry. Mas confie em mim... Quem sabe um dia você se alegrará por ter salvado a vida de Pettigrew.
Harry não conseguiu imaginar quando seria isso. Dumbledore parecia ter adivinhado o que o garoto estava pensando.
— Conheci seu pai muito bem, tanto em Hogwarts quanto depois, Harry — disse o diretor com carinho. — Tiago teria salvado Pettigrew também, tenho certeza.
Harry olhou para o diretor. Dumbledore não riria, podia lhe contar...
— Ontem à noite, eu pensei que tinha sido o meu pai que tinha conjurado o meu Patrono. Quero dizer, pensei que estava vendo ele quando me vi atravessando o lago...
— Um engano normal — disse Dumbledore gentilmente. — Imagino que já esteja cansado de ouvir dizer, mas você é extraordinariamente parecido com Tiago. Exceto nos olhos... Você tem os olhos de sua mãe.
Harry sacudiu a cabeça.
— Foi burrice minha pensar que era ele — murmurou o garoto. — Quero dizer, eu sei que ele está morto.
— Você acha que os mortos que amamos realmente nos deixam? Você acha que não nos lembramos deles ainda mais claramente em momentos de grandes dificuldades? O seu pai vive em você, Harry, e se revela mais claramente quando você precisa dele. De que outra forma você poderia produzir aquele Patrono? Pontas reapareceu ontem à noite.
Levou um momento para Harry compreender o que Dumbledore acabara de dizer.
— Ontem à noite Sirius me contou como eles se tornaram Animagos — disse o diretor sorrindo. — Uma realização fantástica, e não é menos fantástico que tenham ocultado isso de mim. Então me lembrei da forma muito incomum que o seu Patrono assumiu, quando investiu contra o Sr. Malfoy na partida de Quadribol contra Corvinal.  Sabe, Harry, de certa forma você realmente viu o seu pai ontem à noite... Você o encontrou dentro de si mesmo.
E Dumbledore saiu da sala deixando Harry com seus pensamentos muito confusos.
Ninguém em Hogwarts sabia a verdade do que acontecera na noite em que Sirius, Bicuço e Pettigrew desapareceram, exceto Harry, Rony, Hermione e o Profº. Dumbledore.
À medida que o trimestre foi chegando ao fim, Harry ouviu muitas teorias diferentes sobre o que realmente acontecera, mas nenhuma delas sequer se aproximava da verdadeira.
Malfoy estava enfurecido com a fuga de Bicuço. Acreditava que Hagrid encontrara um jeito de contrabandear o hipogrifo para um lugar seguro, e parecia indignado que ele e o pai tivessem sido enganados por um guarda-caça. Entrementes, Percy Weasley tinha muito a dizer sobre a fuga de Sirius.
— Se eu conseguir entrar para o ministério, apresentarei várias propostas sobre a execução das leis da magia! — disse ele à única pessoa que queria escutá-lo, sua namoradinha Penelope.
Embora o tempo estivesse perfeito, embora a atmosfera estivesse tão animada, embora ele soubesse que tinham realizado quase o impossível ao ajudar Sirius a continuar livre, Harry jamais chegara tão desanimado a um final de ano letivo.
Com certeza não era o único aluno que lamentava a partida do Profº. Lupin. A turma inteira de Defesa contra as Artes das Trevas amargara a demissão do professor.
— Quem será que vão nos dar o ano que vem? — perguntou Simas Finnigan deprimido.
— Quem sabe um vampiro — sugeriu Dino Thomas esperançoso.
Não era apenas a partida do Profº. Lupin que estava pesando na cabeça de Harry. Ele não podia deixar de pensar, e muito, na predição da Profª. Sibila Trelawney.
Ficava imaginando onde estaria Pettigrew, se já teria procurado guarida com Voldemort. Mas o que mais deprimia o ânimo de Harry era a perspectiva de regressar à casa dos Dursley. Durante talvez meia hora, uma gloriosa meia hora, acreditara que iria passar a morar com Sirius... O melhor amigo dos seus pais... Seria a segunda melhor coisa do mundo depois de ter o seu pai de volta. E ainda que não ter notícias de Sirius Black fosse decididamente uma boa notícia, pois significava que ele conseguira se esconder com sucesso, Harry não podia deixar de se entristecer quando pensava no lar que poderia ter tido e na circunstância de isso ter se tornado impossível.
Os resultados dos exames foram divulgados no último dia do ano letivo. Harry, Rony e Hermione tinham passado em todas as matérias. Harry se admirou de ter se dado bem em Poções. Suspeitava, muito perspicazmente, que Dumbledore talvez tivesse interferido para impedir Snape de reprová-lo de propósito.
O comportamento de Snape com relação a Harry na última semana tinha sido alarmante. O garoto não teria achado possível que a aversão do professor por ele pudesse aumentar, mas sem dúvida isto acontecera. Um músculo tremia incomodamente no canto da boca fina de Snape toda vez que ele olhava para Harry, e o bruxo flexionava os dedos todo o tempo, como se eles comichassem para apertar o pescoço de Harry.
Percy conseguira excelentes notas nos exames de N.I.E.M.’s (níveis incrivelmente exaustivos em magia); Fred e Jorge passaram raspando nos exames para obter seus N.O.M.s (níveis ordinários em magia). Entrementes, a casa de Grifinória, em grande parte graças ao seu espetacular desempenho na conquista da Taça de Quadribol, ganhara o Campeonato das Casas, pelo terceiro ano consecutivo.
Isto significou que a festa de encerramento do ano letivo se realizou em meio a decorações vermelhas e douradas, e que, na comemoração geral, a mesa da Grifinória foi a mais barulhenta do Salão. Até Harry enquanto comia, bebia, conversava e ria com todos, conseguira esquecer a viagem de regresso à casa dos Dursley no dia seguinte.
Quando o Expresso de Hogwarts deixou a estação na manhã seguinte, Hermione comunicou a Harry e a Rony uma notícia surpreendente.
— Fui ver a Profª. McGonagall hoje de manhã, pouco antes do café. Resolvi abandonar Estudos dos Trouxas.
— Mas você passou na prova com trezentos e vinte por cento! — exclamou Rony.
— Eu sei — suspirou Hermione —, mas não vou poder viver outro ano igual a este. Aquele Vira-Tempo estava me levando à loucura. Eu o devolvi. Sem Estudos dos Trouxas e Adivinhação, vou poder ter um horário normal outra vez.
— Ainda não consigo acreditar que você não tenha nos contado. Pensávamos que éramos seus amigos.
— Prometi que não contaria a ninguém — disse Hermione com severidade.
Ela se virou para olhar para Harry, que observava Hogwarts desaparecer de vista por trás de um morro. Dois meses inteiros até poder revê-la...
— Ah, se anima, Harry! — disse Hermione triste.
— Eu estou bem — se apressou o garoto a dizer. — Estou só pensando nas férias.
— É, eu também tenho pensado nelas — disse Rony. — Harry você tem que vir ficar conosco. Vou combinar com mamãe e papai, depois te ligo. Agora já sei usar um feletone...
— Um telefone, Rony — corrigiu-o Hermione. — Sinceramente, você é quem devia fazer Estudos dos Trouxas no ano que vem...
Rony fingiu que não tinha ouvido o comentário.
— Vai haver a Copa Mundial de Quadribol agora no verão! Que é que você acha, Harry? Vem ficar com a gente e aí podemos assistir aos jogos! Papai geralmente arranja entradas no ministério.
Esta proposta teve o efeito de animar Harry bastante.
— É.. Aposto que os Dursley iriam gostar que eu fosse, principalmente depois do que fiz com a tia Guida...
Sentindo-se bem mais alegre, Harry jogou várias partidas de Snap Explosivo com Rony e Hermione e, quando a bruxa com a carrocinha de lanches chegou, ele comprou uma enorme refeição, mas nada que tivesse chocolate.
Mas a tarde já ia avançada quando aconteceu a coisa que o deixou realmente feliz...
— Harry — chamou-o Hermione de repente, espiando por cima do seu ombro. — Que é essa coisa do lado de fora da sua janela?
Harry se virou para olhar. Havia uma coisa muito pequena e cinzenta que aparecia e desaparecia de vista do lado de fora da janela.
Ele se levantou para ver melhor e concluiu que era uma coruja minúscula, carregando uma carta demasiado grande para o seu tamanho. A coruja era tão pequena, na realidade, que não parava de dar cambalhotas no ar, impelida para cá e para lá pelo deslocamento de ar do trem. Harry baixou depressa a janela, esticou o braço e recolheu-a.
Ao tato, ela lembrava um pomo de ouro muito fofo. O garoto recolheu a coruja cuidadosamente pra dentro. A ave deixou cair a carta no banco e começou a voar pela cabine dos garotos, aparentemente muito satisfeita consigo mesma por ter se desincumbido de sua tarefa. Edwiges deu um estalo com o bico numa espécie de digna censura. Bichento se aprumou no assento, acompanhando a coruja com os seus enormes olhos amarelos.
Rony, reparando nisso, segurou a coruja para protegê-la do perigo iminente.
Harry apanhou a carta. Vinha endereçada a ele. O garoto abriu a carta e gritou:
— É do Sirius!
— Quê? — exclamaram Rony e Hermione excitados. — Leia em voz alta!

Caro Harry,
Espero que esta o encontre antes de você chegar à casa dos seus tios. Não sei se eles estão acostumados com correios-coruja.
Bicuço e eu estamos escondidos. Não vou lhe dizer onde, caso esta coruja caia em mãos indesejáveis. Tenho minhas dúvidas se ela é confiável, mas foi a melhor que consegui encontrar e me pareceu ansiosa para se encarregar da entrega.
Acredito que os dementadores ainda estejam me procurando, mas eles não têm a menor esperança de me encontrar aqui. Estou planejando deixar os trouxas me verem em breve, muito longe de Hogwarts, de modo que a segurança sobre o castelo seja relaxada.
Há uma coisa que não cheguei a lhe dizer durante o nosso breve encontro. Fui eu que lhe mandei a Firebolt...

— Ah! — exclamou Hermione triunfante. — Estão vendo! Eu disse a vocês que tinha sido ele!

É, mas ele não tinha enfeitiçado a vassoura, tinha? — retrucou Rony. — Ai! — A corujinha, agora piando feliz em sua mão, bicava-lhe um dedo, no que parecia ser uma demonstração de carinho.

...Bichento levou a ordem de compra à Agência-Coruja para mim.
Usei o seu nome, mas mandei sacarem o ouro do meu cofre em Gringotes. Por favor, considere a vassoura o equivalente a treze anos de presentes do seu padrinho.
Gostaria também de me desculpar pelo susto que lhe dei àquela noite, no ano passado, quando você abandonou a casa do seu tio. Minha esperança era apenas dar uma olhada em você antes de iniciar viagem para o norte, mas acho que a minha aparição o assustou.
Estou anexando outro presente para você, e acho que ele tornará o seu próximo ano em Hogwarts mais prazeroso.
Se algum dia precisar de mim, mande me dizer. Sua coruja me encontrará.
Escreverei novamente em breve.
Sirius.

Harry espiou ansioso dentro do envelope. Havia outro pedaço de pergaminho. Examinou-o depressa e se sentiu inesperadamente aquecido e satisfeito como se tivesse bebido uma garrafa de cerveja amanteigada quente, de um gole só.

“Pela presente, eu, Sirius Black, padrinho de Harry Potter, dou-lhe permissão para visitar Hogsmeade nos fins de semana”.

— Dumbledore vai aceitar esta autorização! — exclamou Harry alegremente. O garoto tornou a olhar para a carta de Sirius.
Espera aí, tem um P.S.

“Achei que o seu amigo Rony talvez quisesse ficar com a coruja, pois é minha culpa que ele não tenha mais um rato”.

Os olhos de Rony se arregalaram. A corujinha continuava a piar agitada.
— Ficar com a coruja? — perguntou o garoto hesitante. Ele mirou a ave um momento; depois, para grande surpresa de Harry e Hermione, ofereceu-a para Bichento cheirar.
— Qual é a sua avaliação? — perguntou Rony ao gato. — Isto é decididamente uma coruja?
Bichento ronronou.
— Para mim é o suficiente — disse Rony feliz. — É minha.
Harry leu e releu a carta de Sirius até a estação de King's Cross. E continuava a apertá-la na mão quando ele, Rony e Hermione passaram a barreira da plataforma 9 e ½. Harry localizou o tio Válter imediatamente. Estava parado a uma boa distância do Sr. e da Sra. Weasley, espiando-os desconfiado, e, quando a Sra. Weasley abraçou Harry, as piores suspeitas do tio a respeito do casal pareceram se confirmar.
— Eu ligo para falar da Copa Mundial! — gritou Rony para Harry quando o amigo acenou um adeus para ele e Hermione, e saiu empurrando o carrinho com sua mala e a gaiola de Edwiges em direção ao tio, que o cumprimentou da maneira habitual.
— Que é isso? — rosnou, olhando para o envelope que Harry ainda segurava na mão. — Se é outro formulário para eu assinar, pode tirar o cavalinho...
— Não é, não — respondeu Harry alegremente. — É uma carta do meu padrinho.
— Padrinho? — engasgou o tio Válter. — Você não tem padrinho!
— Tenho, sim — respondeu Harry animado. — Era o melhor amigo da minha mãe e do meu pai. E é um assassino condenado, mas fugiu da prisão dos bruxos e está foragido. Mas ele gosta de manter contato comigo... Saber das minhas notícias... Verificar se estou feliz...
E, abrindo um largo sorriso ao ver a cara de horror do tio Válter, Harry rumou para a saída da estação, Edwiges chocalhando à frente, para o que prometia ser um verão muito melhor do que o anterior.