segunda-feira, 18 de abril de 2011

A Odisseia - Parte III - Capítulos 22 ao 24 (Últimos Capítulos)

22
Ulisses, rei de Ítaca, despiu-se dos molambos que o cobriam e
subiu sobre a alta soleira da porta, segurando o arco. Tirou as setas da
aljava, colocou-as a seus pés e disse bem alto aos presentes:
— Acabou-se a competição! Agora, se Hélio me ajudar, vou
atingir outros alvos.
O aspecto de Ulisses era terrível! Na verdade, ele ia enfrentar
mais de cem homens!
Assim falando, desferiu uma seta, que atingiu a garganta de
Antínoo. O rapaz caiu, levando com ele a mesa; as comidas e bebidas
espalharam-se no chão.
Ergueu-se um tumulto. Os pretendentes ainda não tinham
compreendido o que se passava e começaram a insultar Ulisses,
ameaçando matá-lo.
Mas Ulisses replicou:
— Cães! Pensaram que eu não voltaria nunca! Enquanto eu
estava fora desrespeitaram minha casa, minha mulher e meu filho, sem
temer os deuses e sem imaginar que a vingança chegaria! Agora, estão
todos atados aos laços da morte!
Um pálido terror apossou-se de todos.
Eurímaco ainda tentou dizer a Ulisses que o único culpado por
tudo tinha sido Antínoo, mas Ulisses não se deixou convencer. Então
Eurímaco tentou comandar uma reação. Mas as setas certeiras de
Ulisses e a espada de Telêmaco atingiram a todos que tentaram atacálos.
Telêmaco foi então buscar armas, escudos e capacetes. Tanto
Ulisses e Telêmaco como Eumeu e Filécio envergaram as armaduras,
cobriram a cabeça com os elmos e empunharam os escudos.
Ulisses continuou a desferir suas flechas sobre os aqueus, que
foram caindo, um a um, sobre o solo.
Quando as setas finalmente acabaram, nosso herói apoiou o
arco no umbral da porta e apanhou as lanças de bronze.
Agelau ainda quis que alguém saísse por uma porta mais alta
que dava para um estreito beco, para buscar ajuda.
Mas Melântio, o cabreiro, recomendou a todos que tivessem
calma, pois ele iria buscar armas no depósito de Ulisses.
Quando Ulisses viu seus inimigos armados, sentiu os joelhos
enfraquecidos e disse a Telêmaco que achava que uma das mulheres,
ou mesmo Melântio, estava contra ele.
Então Ulisses viu que Melântio estava se retirando e mandou
Eumeu e Filécio atrás dele, para impedir que trouxesse mais armas.
De fato, os dois servos fiéis aprisionaram o traidor e o
amarraram numa alta viga do teto, voltando imediatamente para ajudar
seu amo.
Atena nesse momento apresentou-se sob forma de Mentor.
Ulisses pediu ao amigo que o ajudasse, na verdade desconfiado
de que ali estava Atena.
Agelau ameaçou Mentor, dizendo-lhe que, caso ajudasse Ulisses,
depois de terminada a batalha ele seria castigado também.
Atena se enfureceu com as ameaças e incentivou Ulisses para
que continuasse lutando cada vez com mais furor, já que ele estava
agora defendendo o que era dele. E então transformou-se numa
andorinha e voou para o alto, pousando numa viga do telhado.
A luta continuou, mas, embora os pretendentes atirassem suas
lanças com boa pontaria, Atena as desviava, enquanto as lanças de
Ulisses encontravam sempre o alvo.
Então, do alto do teto, Atena desdobrou por fim sua égide, ruína
dos mortais, e o espírito dos pretendentes encheu-se de pavor.
Como abutres que se abatem sobre as aves e as destroem, assim
Ulisses e os companheiros lançaram-se sobre os inimigos restantes.
Alguns deles pediram misericórdia, mas Ulisses atendeu apenas a
Líodes, o aedo, e a Medonte, o arauto, a pedido de Telêmaco, e mandou
que se abrigassem junto ao altar de Zeus.
Quando Ulisses convenceu-se de que estavam todos mortos,
mandou chamar Euricléia.
Ulisses parecia um leão que tivesse acabado de matar um boi no
campo, todo borrifado de sangue, da cabeça aos pés.
A velha começou a dar grandes demonstrações de alegria por ver
mortos os inimigos do seu amo.
Mas Ulisses pediu-lhe que se calasse, pois — disse ele — não era
correto festejar a morte de pessoas. E pediu-lhe também que indicasse
quais as escravas que haviam desrespeitado sua casa e sua esposa.
Mandou chamar essas escravas e deu instruções a Telêmaco
para que, ajudado por Eumeu e Filécio e ainda pelas mulheres,
tirassem os cadáveres da sala e limpassem tudo.
Ordenou que depois as mulheres fossem levadas para fora e
mortas, juntamente com Melântio.
Então defumou o grande salão com enxofre e mandou chamar
Penélope e as criadas fiéis.
Euricléia trouxe-lhe um manto, para que não aparecesse com
aqueles andrajos ensangüentados.
As mulheres vieram e reconheceram o patrão, abraçaram e
beijaram Ulisses, que, apenas neste momento, teve vontade de chorar e
gemer, pois reconheceu cada uma delas.

23
Euricléia foi buscar Penélope, que estava ainda dormindo no seu
quarto.
No começo, ela nem queria acreditar no que a velha escrava lhe
contava.
Mas desceu ao salão e sentou-se em frente a Ulisses, ainda em
dúvida, sem saber se aquele homem era realmente seu marido.
Telêmaco espantou-se diante da dúvida de Penélope. E Ulisses
lhe disse que havia muitas coisas que só os dois sabiam e que Penélope
saberia inventar uma prova, para ter certeza de quem ele era.
Então Ulisses ordenou que simulassem uma festa dentro de
casa, para retardar o momento em que toda a cidade iria descobrir a
matança.
De fato, todos se arrumaram com as melhores roupas e
simularam uma festa.
Quem passava do lado de fora pensava que a rainha tinha
escolhido um marido e que aquela era a festa de casamento.
Ulisses também se banhou e vestiu uma bela túnica e um
manto.
Atena fez que ele parecesse muito belo e ele foi de novo sentar-se
em frente à esposa.
Penélope resolveu fazer um teste e mandou que Euricléia tirasse
do seu quarto a cama do casal e a arrumasse, para que Ulisses pudesse
dormir.
Ulisses ficou espantado, pois não compreendia que alguém
pudesse tirar o leito do lugar, pois ele mesmo construíra sua cama
sobre o tronco de uma oliveira, com as raízes muito bem plantadas na
terra.
Por essas palavras, Penélope soube com certeza que aquele era
Ulisses.
Correu para ele, abraçou-o e pediu que a perdoasse por não
reconhecê-lo imediatamente.
Enquanto isso? Atena retardou a chegada da Aurora, de trono
de ouro, para que os esposos pudessem conversar bastante e depois,
quando a cama estivesse preparada, pudessem se recolher e retomar,
contentes,os hábitos do antigo leito.
Ulisses e Penélope
Quando Atena permitiu que a Aurora surgisse, Ulisses, que já
havia descansado bastante, dirigiu-se à casa de seu pai, que certamente
já tinha sofrido muito com a ausência do filho.

24
Hermes levou as almas dos pretendentes mortos para o Hades.
Lá, encontraram-se todos com Aquiles, o grande guerreiro, e
Agamenon, o comandante das forças gregas na guerra.
Agamenon espantou-se por ver tantos rapazes da mesma idade
chegando de uma só vez ao inferno.
Então Anfimedonte, um dos mortos, contou como tudo tinha se
passado.
Contou de que maneira os pretendentes tinham invadido a
mansão de Ulisses, a insistência em obrigarem Penélope a escolher um
deles, o artifício encontrado por Penélope para adiar sua decisão, já que
ela esperava ainda pelo marido. Contou das festas e das tropelias que
os pretendentes tinham feito durante anos, dizimando os rebanhos,
bebendo do melhor vinho e arruinando a herança de Telêmaco. Contou
então da vingança implacável de Ulisses e da morte de todos aqueles
rapazes, a quem Ulisses não perdoou.
Quando a narrativa acabou, Aquiles elogiou muito a fidelidade
de Penélope e a resistência daquela mulher admirável, dizendo que
jamais se extinguirá a fama de suas virtudes.
Enquanto isso, Ulisses chegava à fazenda de Laertes. Quando o
velho reconheceu o filho, seus joelhos afrouxaram-se de emoção. Os
dois se abraçaram emocionados.
Mas Laertes, depois de saber de tudo o que se passara, mostrou
temor pela vingança que os parentes dos mortos certamente tentariam.
Na cidade, o mensageiro Boato espalhou por toda parte notícias
sobre o que tinha se passado na mansão de Ulisses.
Os parentes dos mortos juntaram-se em frente à mansão,
chorando e gemendo. Retiraram os corpos para enterrá-los e enviaram
por barco, para suas famílias, os que moravam longe.
Mas logo começaram a comentar o sucedido e revoltaram-se
contra Ulisses. Medonte, o arauto, e Líodes, o aedo, ainda tentaram
acalmar os ânimos, lembrando o desrespeito dos pretendentes contra
Ulisses e testemunhando que havia um deus ao lado do herói, enquanto
ele levava a cabo sua vingança. Mas os parentes dos mortos estavam
enfurecidos. Armaram-se e dirigiram-se à fazenda onde Ulisses se
encontrava na companhia do pai e dos seus servos.
Quando lá chegaram, iniciou-se uma luta, mas Atena interveio e
ordenou que parassem com a disputa. Um pálido terror se apoderou
dos agressores ao ouvirem a voz da deusa. Largaram as armas e
recuaram.
Ulisses, entretanto, soltou um tremendo brado e quis avançar
contra os agressores, que agora fugiam.
Mas o filho de Cronos lançou do Olimpo um raio fumacento que
caiu diante da deusa de olhos glaucos.
Ela então disse a Ulisses:
— Filho de Laertes, descendente de Zeus, inteligente Ulisses,
cessa de vez este combate, para que Zeus, meu pai, não se zangue
contigo.
Assim falou Atena.
Ulisses obedeceu, feliz, no fundo, por se ver livre de tantos
problemas.
E Palas Atena, filha de Zeus, senhor da Égide, fez que todos
jurassem que, para o futuro, viveriam em paz.

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