sexta-feira, 29 de julho de 2011

Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, Capítulos 11 ao 15

CAPÍTULO ONZE
A Firebolt

Harry não tinha uma idéia muito clara de como conseguira voltar ao porão da Dedosdemel, atravessar o túnel e sair mais uma vez no castelo. Só sabia que a viagem de volta parecia não ter demorado nada, e que ele mal se apercebera do que estava fazendo, porque sua cabeça continuava a latejar com a conversa que acabara de ouvir.
Por que ninguém lhe contara? Dumbledore, Hagrid, o Sr. Weasley, Cornélio Fudge... Por que ninguém jamais mencionara o fato de que seus pais tinham morrido porque o melhor amigo deles os traíra?
Rony e Hermione observavam Harry, muito nervosos, durante o jantar, sem sequer se atrever a conversar com ele sobre o que tinham ouvido, porque Percy estava sentado perto deles. Quando subiram para a concorrida sala comunal, foi para descobrir que Fred e Jorge tinham soltado meia dúzia de bombas de bosta num arroubo de animação de fim de trimestre. Harry, que não queria que os gêmeos lhe perguntassem se tinha chegado ou não a Hogsmeade, subiu sorrateira e silenciosamente para o dormitório vazio e foi direto ao seu armário de cabeceira. Empurrou os livros para um lado e não demorou nada a encontrar o que estava procurando — o álbum de fotografias encadernado em couro que Hagrid lhe dera havia dois anos, repleto de fotos mágicas de seus pais. O garoto se sentou na cama, fechou o cortinado e começou a virar as páginas, procurando, até que...
Parou numa foto do dia do casamento dos pais. Lá estava seu pai acenando para ele, sorridente, os rebeldes cabelos negros que Harry herdara apontando para todas as direções. Lá estava sua mãe, radiante de felicidade, de braço dado com o seu pai. E lá... Aquele devia ser ele. O padrinho... Harry jamais lhe dera atenção antes.
Se não tivesse sabido que era a mesma pessoa, jamais teria pensado que era Black naquela velha foto. Seu rosto não era encovado e macilento, mas bonito e risonho. Já estaria trabalhando para Voldemort quando a foto fora tirada?
Já estaria planejando as mortes das duas pessoas ao seu lado? Saberia que ia enfrentar doze anos em Azkaban, doze anos que o tornariam irreconhecível?
Mas os dementadores não o afetam, pensou Harry examinando atentamente aquele rosto bonito e risonho. Ele não tem que ouvir minha mãe gritando quando eles chegam muito perto...
Harry fechou com violência o álbum e, abaixando-se, guardou-o de novo no armário, tirou as vestes e os óculos e foi dormir, cuidando para que o cortinado o escondesse de todos.
A porta do dormitório se abriu.
— Harry? — chamou a voz de Rony, hesitante.
Mas Harry continuou quieto, fingindo que estava dormindo. Ouviu o amigo se retirar e virou de barriga para cima, os olhos muito abertos.
Um ódio que ele jamais conhecera começou a crescer dentro dele como veneno. Viu Black rindo-se dele no escuro, como se alguém tivesse colado a foto do álbum em seus olhos. Assistiu, como se estivesse vendo um filme, a Sirius Black explodir Pedro Pettigrew, (que lembrava Neville Longbottom), em mil pedaços. Ouviu (embora não tivesse a menor idéia do som que teria a voz de Black) um murmúrio baixo e excitado. "Aconteceu, meu Senhor... os Potter me escolheram para fiel do seu segredo”.  E então ouviu outra voz, rindo-se histericamente, a mesma risada que Harry ouvia mentalmente sempre que os dementadores se aproximavam...
— Harry, você... Você está com uma cara horrível.  O garoto só adormecera quando o dia ia raiando. Ao acordar, encontrou o dormitório vazio, deserto, se vestiu e desceu para a sala comunal, também vazia exceto pela presença de Rony, que comia sapos de creme de menta e massageava a barriga, e Hermione que espalhara os deveres de casa em cima de três mesas.
— Onde foi todo mundo? — perguntou Harry.
— Embora! Hoje é o primeiro dia das férias, está lembrado? — respondeu Rony, observando o amigo atentamente. — É quase hora do almoço; eu ia subir para acordá-lo daqui a pouquinho.
Harry afundou em uma poltrona junto à lareira. A neve continuava a cair lá fora. Bichento estava esparramado diante da lareira como um grande tapete amarelo-avermelhado.
— Realmente você não está com uma cara muito boa, sabe — disse Hermione, examinando ansiosa o rosto do garoto.
— Estou ótimo — retrucou ele.
— Harry, escuta aqui — disse Hermione trocando um olhar com Rony —, você deve estar realmente perturbado com o que ouviu ontem. Mas o importante é não fazer nenhuma bobagem.
— Como o quê?
— Como tentar ir atrás de Black — disse Rony depressa.
Harry percebeu que os dois tinham ensaiado aquela conversa enquanto ele estivera dormindo. Não respondeu nada.
— Você não vai, não é mesmo, Harry? — insistiu Hermione.
— Porque não vale a pena morrer por causa do Black — disse Rony.
Harry olhou para os amigos. Eles pareciam não ter entendido o problema.
— Vocês sabem o que eu vejo e ouço cada vez que um dementador se aproxima de mim? — Rony e Hermione sacudiram a cabeça, apreensivos. — Ouço minha mãe gritar e suplicar a Voldemort. E se alguém ouve a mãe gritar daquele jeito, pouco antes de morrer, não dá para esquecer depressa. E se descobre que alguém que ela acreditava ser amigo foi o traidor que pôs Voldemort na pista dela...
— Mas não tem nada que você possa fazer! — disse Hermione impressionada. — Os dementadores vão capturar Black e ele vai voltar a Azkaban e... E é muito bem feito para ele!
— Você ouviu o que Fudge disse. Black não é afetado por Azkaban como as pessoas normais. Não é um castigo para ele como é para os outros.
— Então o que é que você está dizendo? — perguntou Rony muito tenso. — Você quer... Matar Black ou coisa parecida?
— Não seja bobo — disse Hermione, cuja voz transparecia pânico. — Harry não quer matar ninguém, não é mesmo?
Mais uma vez Harry não respondeu. Ele não sabia o que queria fazer. Só sabia que a idéia de não fazer nada, enquanto Black continuava em liberdade, era quase insuportável.
— Malfoy sabe — disse ele de repente. — Vocês lembram do que ele me disse na aula de Poções? "Se fosse eu, ia atrás dele sozinho... Ia querer vingança.”
— Você vai seguir o conselho de Malfoy em vez do nosso? — perguntou Rony, enfurecido. — Escuta aqui... Você sabe o que a mãe do Pettigrew recebeu depois que Black acabou com o filho dela? Papai me contou... A Ordem de Merlim, Primeira Classe, e o dedo de Pettigrew em uma caixa. Foi o maior pedaço dele que conseguiram encontrar. Black é um louco, Harry, e é perigoso...
— O pai de Malfoy deve ter contado a ele — disse Harry, não dando atenção a Rony. — Fazia parte do círculo íntimo de Voldemort...
— Faz favor de dizer Você-Sabe-Quem? — exclamou Rony com raiva.
— ... Então obviamente, os Malfoy sabiam que Black estava trabalhando para Voldemort...
— ... e Malfoy adoraria ver você desintegrado em um milhão de pedaços, como Pettigrew! Caia na real, Harry. A esperança de Malfoy é que você seja morto antes de ele precisar jogar Quadribol contra você.
— Harry, por favor — pediu Hermione, os olhos agora brilhantes de lágrimas —, por favor, tenha juízo. Black fez uma coisa horrível demais, mas não corra riscos, é isso que Black quer... Ah, Harry, você vai fazer o jogo do Black se for atrás dele. Seus pais não iam querer que você se machucasse, iam? Jamais iam querer que você saísse procurando o Black!
— Eu nunca vou saber o que eles iam querer, porque, graças ao Black, nunca conversei com eles — disse Harry com rispidez.
Houve um silêncio em que Bichento se espreguiçou com desenvoltura, flexionando as garras. O bolso de Rony estremeceu.
— Escuta — disse o garoto, obviamente procurando mudar de assunto —, estamos de férias! Já é quase Natal! Vamos... Vamos descer para ver o Hagrid. Não o visitamos há uma eternidade!
— Não! — disse Hermione depressa. — Harry não pode sair do castelo, Rony...
— É, vamos — disse Harry se endireitando na poltrona —, assim posso perguntar a ele por que nunca mencionou o Black quando me contou a história dos meus pais!
Continuar a discussão sobre Sirius Black não era obviamente o que Rony tinha em mente.
— Ou poderíamos jogar uma partida de xadrez — disse ele depressa — ou de bexigas. Percy deixou um jogo...
— Não, vamos visitar Hagrid — disse Harry com firmeza.
Então os três apanharam as capas nos dormitórios e saíram pelo buraco do retrato (Levantem-se para lutar, seus vira-latas covardes!), desceram pelo castelo vazio e cruzaram as portas de carvalho.
Os garotos caminharam sem pressa pelos jardins, deixando uma vala rasa na neve faiscante e solta, as meias e as bainhas das capas foram se molhando e congelando.
A Floresta Proibida parecia que fora encantada, cada árvore se cobrira de salpicos prateados e a cabana de Hagrid lembrava um bolo com glacê.
Rony bateu, mas não teve resposta.
— Será que ele saiu? — perguntou Hermione, que tremia embaixo da capa.
Rony encostou o ouvido na porta.
— Tem um barulho esquisito — disse. — Escuta só, será o Canino?
Harry e Hermione encostaram os ouvidos na porta também. De dentro da cabana vinham uns gemidos baixos e soluçantes.
— Será que não é melhor a gente ir chamar alguém? — perguntou Rony, nervoso.
— Hagrid! — chamou Harry, dando socos na porta. — Hagrid, você está aí?
Ouviu-se um som de passos pesados, depois a porta se abriu com um rangido. Hagrid estava ali parado, com os olhos vermelhos e inchados, as lágrimas caindo pelo seu colete de couro.
— Vocês souberam? — berrou ele, e se atirou no pescoço de Harry.
Tendo Hagrid no mínimo duas vezes o tamanho de um homem normal, isso não foi brincadeira. O garoto, quase desabando sob o peso do gigante, foi salvo por Rony e Hermione, que seguraram um em cada braço de Hagrid, e o puxaram para dentro da cabana. O guarda-caça deixou-se conduzir até uma cadeira e se largou em cima da mesa, soluçando descontrolado, o rosto brilhante de lágrimas que escorriam por sua barba embaraçada.
— Hagrid, o que foi? — perguntou Hermione perplexa.
Harry reparou em uma carta de aparência oficial aberta em cima da mesa.
— Que é isso, Hagrid?
Os soluços de Hagrid redobraram, mas ele empurrou a carta para o garoto, que a apanhou e leu em voz alta:

Prezado Sr. Hagrid.
Dando prosseguimento ao nosso inquérito sobre o ataque do hipogrifo a um aluno seu, aceitamos as ponderações do Profº. Dumbledore de que o senhor não é responsável pelo lamentável incidente.

— Bem, então está tudo certo, Hagrid! — exclamou Rony, dando uma palmadinha no ombro do amigo.
Mas Hagrid continuou a soluçar, e fez sinal com uma de suas gigantescas mãos, convidando Harry a continuar a leitura da carta.

No entanto, devemos registrar a nossa preocupação quanto ao hipogrifo em pauta. Decidimos acolher a reclamação oficial do Sr. Lúcio Malfoy, e o caso será encaminhado à Comissão para Eliminação de Criaturas Perigosas. A audiência terá lugar em 20 de abril, e solicitamos que o senhor se apresente com o seu hipogrifo nos escritórios da Comissão, em Londres, nessa data.
Entrementes, o animal deverá ser mantido preso e isolado.
Atenciosamente...
                                                                                    
Seguia-se uma lista com os nomes dos conselheiros da escola.
— Ah! — exclamou Rony. — Mas você disse que o Bicuço não é um hipogrifo bravo, Hagrid.  Aposto como ele vai se safar...
— Você não conhece as gárgulas da Comissão para Eliminação de Criaturas Perigosas! — respondeu Hagrid com a voz engasgada, enxugando os olhos na manga. — Eles têm má vontade com as criaturas interessantes!
Um som repentino vindo de um canto da cabana fez Harry, Rony e Hermione se virarem depressa. Bicuço, o hipogrifo, estava deitado a um canto, mastigando alguma coisa que fazia escorrer sangue por todo o soalho.
— Eu não podia deixar ele amarrado lá fora na neve! — explicou Hagrid, sufocado. — Sozinho! No Natal.
Harry, Rony e Hermione se entreolharam. Nunca tinham concordado com Hagrid sobre o que o guarda-caça chamava de "criaturas interessantes” e outras pessoas chamavam de "monstros aterrorizantes". Por outro lado, não parecia haver nenhuma maldade especifica em Bicuço. De fato, pelos padrões normais de Hagrid, o bicho era sem dúvida engraçadinho.
— Você terá que preparar uma boa defesa, Hagrid — falou Hermione, sentando-se e pondo a mão no braço maciço do amigo. — Tenho certeza de que você pode provar que Bicuço é seguro.
— Não vai fazer nenhuma diferença! — soluçou Hagrid. — Aqueles demônios da Eliminação, eles são controlados por Lúcio Malfoy! Têm medo dele! E se eu perder o caso, Bicuço...
Hagrid passou o dedo rapidamente pela garganta, depois deixou escapar um lamento, e caiu para frente, deitando a cabeça nos braços.
— E Dumbledore, Hagrid? — perguntou Harry.
— Ele já fez mais do que o suficiente por mim — gemeu Hagrid. — Já tem muito com que se ocupar só para segurar os dementadores fora do castelo e o Sirius Black rondando...
Rony e Hermione olharam depressa para Harry como se esperassem que o garoto fosse começar a criticar Hagrid por não ter contado a verdade sobre Black. Mas Harry não teve coragem de perguntar nada, não naquele momento em que estava vendo o amigo tão infeliz e amedrontado.
— Escuta aqui, Hagrid — disse Harry —, você não pode desistir. Hermione tem razão, você só precisa é de uma boa defesa. Pode nos chamar como testemunhas...
— Tenho certeza de que já li um caso de alguém que provocou um hipogrifo — disse Hermione, pensativa — e o bicho foi inocentado. Vou procurar para você Hagrid, e verificar exatamente o que aconteceu.
Hagrid chorou ainda mais alto. Harry e Hermione olharam para Rony, pedindo ajuda.
— Hum... E se eu fizesse uma xícara de chá para nós? — ofereceu-se o garoto.
Harry olhou para ele, espantado.
— É o que a minha mãe faz sempre que alguém está chateado — murmurou Rony, encolhendo os ombros.
Finalmente, depois de muitas reafirmações de ajuda, e uma caneca de chá fumegante diante dele, Hagrid assoou o nariz com um lenço do tamanho de uma toalha de mesa e disse:
— Vocês têm razão. Não posso me entregar assim. Tenho que me controlar...
Canino, o cão de caçar javalis, saiu timidamente debaixo da mesa e descansou a cabeça no joelho do dono.
— Não tenho andado muito bem ultimamente — disse Hagrid, acariciando Canino com uma das mãos e enxugando o rosto com a outra. — Preocupado com o Bicuço e com a turma que não está gostando das minhas aulas...
— Nós gostamos! — mentiu Hermione na mesma hora.
— É, elas são ótimas! — acrescentou Rony, cruzando os dedos embaixo da mesa. — É... Como é que vão os vermes?
— Mortos — disse Hagrid sombriamente. — Alface demais.
— Ah, não! — exclamou Rony, com um trejeito de riso na boca.
— E esses dementadores fazendo eu me sentir péssimo e tudo o mais — disse Hagrid com um súbito estremecimento. — Tenho que passar por eles todas as vezes que quero beber alguma coisa no Três Vassouras. É como se eu estivesse de volta a Azkaban...
Ele se calou e tomou um pouco de chá. Harry, Rony e Hermione o observaram prendendo a respiração. Nunca tinham ouvido Hagrid falar de sua breve estada em Azkaban. Depois de uma pausa, Hermione perguntou timidamente:
— Lá é muito ruim, Hagrid?
— Vocês não fazem idéia — disse ele com a voz contida. — Nunca estive em nenhum lugar assim. Pensei que ia endoidar. Ficava lembrando de coisas horríveis... O dia em que fui expulso de Hogwarts... O dia em que meu pai morreu... O dia em que tive de mandar Norberto embora...
Seus olhos se encheram de lágrimas. Norberto era o bebê dragão que Hagrid ganhara certa vez em um jogo de cartas.
— A pessoa não consegue mais se lembrar de quem é depois de algum tempo. E começa a achar que não vale a pena viver. Eu tinha esperança de morrer durante o sono... Quando me soltaram, foi como se eu estivesse renascendo, tudo voltou como uma avalanche, foi a melhor sensação do mundo. E vejam bem, os dementadores não gostaram nada de me deixar sair.
— Mas você era inocente! — exclamou Hermione.
Hagrid riu pelo nariz.
— Você acha que eles se importam com isso? Que nada. Desde que tenham umas centenas de seres humanos trancafiados com eles, para poder sugar toda a felicidade deles, não estão nem aí se alguém é ou não é culpado.
Hagrid ficou calado por um instante, olhando para o chá.
Depois disse em voz baixa:
— Pensei em deixar Bicuço ir embora... Tentar fazê-lo fugir.. Mas como é que a gente explica para um hipogrifo que ele tem que se esconder? E... E tenho medo de desrespeitar a lei... — Ele ergueu os olhos para os garotos, as lágrimas outra vez escorrendo pelo rosto. — Não quero nunca mais na vida voltar para Azkaban.
A ida à cabana de Hagrid, embora não tivesse sido divertida, em todo o caso, produzira o efeito que Rony e Hermione esperavam. Ainda que Harry não tivesse de modo algum esquecido Black, não iria poder ficar pensando o tempo todo em vingança se quisesse ajudar Hagrid a vencer a causa contra a Comissão para Eliminação de Criaturas Perigosas. Ele, Rony e Hermione foram, no dia seguinte, à biblioteca, e voltaram ao vazio salão comunal, carregados de livros que poderiam ajudar a preparar a defesa para o Bicuço. Os três se sentaram diante do fogo forte que havia na lareira e folhearam lentamente as páginas de livros empoeirados sobre casos famosos de feras que saíram para roubar ou atacar gente, falando-se, ocasionalmente, quando deparavam com alguma coisa que servisse.
— Aqui tem uma coisa... Houve um caso em 1722... Mas o hipogrifo foi condenado, eca, olhem só o que fizeram com ele, que coisa horrível...
— Esse aqui pode ajudar, olhem... Um Manticora atacou alguém ferozmente em 1296, e deixaram o bicho livre... Ah... Não, foi só porque todos estavam com medo de se aproximar dele...
Nesse meio tempo, tinham sido armadas no resto do castelo as magníficas decorações de Natal, apesar de poucos alunos terem permanecido na escola para apreciá-las.
Grossas serpentinas de folhas e frutos de azevinho foram penduradas pelos corredores, luzes misteriosas brilhavam dentro de cada armadura, e o Salão Principal tinha as doze árvores de Natal de sempre, fulgurantes de estrelas douradas. Um cheiro forte e gostoso de comida invadia os corredores e, na altura da noite de Natal, estava tão forte que até Perebas, no bolso de Rony, botou o nariz de fora para cheirar, esperançoso, o ar.
Na manhã de Natal, Harry foi acordado com Rony atirando um travesseiro nele.
— Os Presentes!
Harry apanhou os óculos e colocou-os no rosto, tentando enxergar, na penumbra, os pés da cama, onde aparecera um montinho de pacotes. Rony já estava rasgando o papel que embrulhava os dele.
— Mais uma suéter de mamãe... Outra vez marrom-avermelhada... Veja se você também ganhou uma.
Harry ganhara. A Sra. Weasley lhe mandara uma suéter vermelha com o leão da Grifinória no peito, uma dúzia de tortas de frutas secas e nozes, um bolo de Natal e uma caixa com crocantes de nozes. Quando empurrou tudo isso para um lado, ele viu um pacote fino e longo por baixo.
— Que é isso? — perguntou Rony, espiando, enquanto segurava nas mãos um par de meias marrom-avermelhadas que acabara de abrir.
— Não sei...
Harry rasgou o pacote e prendeu a respiração ao ver a magnífica e reluzente vassoura que rolara sobre sua cama. Rony largou as meias e pulou da cama dele para olhar mais de perto.
— Eu não acredito — disse com a voz rouca.
Era uma Firebolt, idêntica à vassoura de sonho que Harry tinha ido ver todas as manhãs no Beco Diagonal. O cabo brilhou quando ele a ergueu. Sentiu a vassoura vibrar e a soltou; ela ficou flutuando no ar, sem apoio, na altura exata para ele montá-la.
Os olhos de Harry correram da placa de ouro com o número do registro para a superfície do cabo, dali para as lascas de bétula perfeitamente lisas e aerodinâmicas que formavam a cauda.
— Quem lhe mandou essa vassoura? — perguntou Rony em voz baixa.
— Procure aí o cartão — disse Harry.
Rony rasgou o resto do papel de embrulho da Firebolt.
— Nada! Caramba, quem gastaria tanto dinheiro com você?
— Bem — disse Harry atordoado —, aposto que não foram os Dursley.
— Aposto que foi Dumbledore — disse Rony, agora rodeando a Firebolt, apreciando cada centímetro de sua glória. — Ele lhe mandou a Capa da Invisibilidade anonimamente...
— Mas era do meu pai — respondeu Harry. — Dumbledore só estava passando a capa para mim. Ele não gastaria centenas de galeões comigo. Não pode sair dando coisas assim para alunos...
— Por isso mesmo é que não ia dizer que foi ele! — concluiu Rony. — Para um debilóide feito o Malfoy não dizer que é favoritismo. — Ei, Harry... — Rony deu uma grande gargalhada. — Malfoy! Espera até ele ver você montado nisso!  Vai ficar doente de inveja! É uma vassoura de padrão internacional, ah, isso é!
— Não consigo acreditar — murmurou Harry, alisando a Firebolt, enquanto Rony afundava na cama dele, rindo de se acabar só de pensar no Malfoy. — Quem...?
— Eu sei — disse Rony se controlando. — Eu sei quem poderia ter sido... O Lupin.
— Quê? — disse Harry, agora começando a rir também. — Lupin? Olha, se ele tivesse tanto ouro assim, poderia comprar umas vestes novas.
— É, mas ele gosta de você. E estava ausente quando a sua Nimbus se arrebentou, e talvez tenha ouvido falar do acidente e resolvido visitar o Beco Diagonal e comprar a vassoura para você...
— Que é que você quer dizer com estava ausente? — perguntou Harry. — Ele estava doente quando eu joguei aquela partida.
— Bem, ele não estava na ala hospitalar — disse Rony. — Eu estava lá limpando comadres, cumprindo aquela detenção que o Snape me deu, se lembra?
Harry franziu a testa para Rony.
— Não posso imaginar Lupin comprando um presente desses.
— Do que é que vocês estão rindo?
Hermione acabara de entrar, vestindo um robe e segurando Bichento, que estava com a cara de extremo mau humor e um fio de lantejoulas em volta do pescoço.
— Não entra aqui com ele! — disse Rony, apanhando Perebas depressa das profundezas de sua cama e guardando-o no bolso do pijama. Mas Hermione não ouviu. Largou Bichento na cama vazia de Símas e grudou os olhos, boquiaberta, na Firebolt.
— Ah, Harry! Quem lhe mandou isso?
— Não tenho a menor idéia. Não tinha cartão nem nada.
Para sua surpresa, Hermione não pareceu nem excitada nem intrigada com a informação. Pelo contrário, ficou desapontada e mordeu o lábio.
— Que é que você tem? — perguntou Rony.
— Não sei — respondeu Hermione lentamente —, mas é meio esquisito, não é? Quero dizer, essa é uma vassoura muito boa, não é?
Rony suspirou, exasperado.
— É a melhor vassoura que existe no mundo, Hermione.
— Então deve ter sido realmente cara...
— Provavelmente custou mais do que todas as vassouras da Sonserina, juntas — disse Rony alegremente.
— Bem... Quem iria mandar a Harry uma coisa tão cara e nem ao menos dizer que mandou? — perguntou Hermione.
— Quem quer saber disso? — retrucou Rony, impaciente. — Escuta aqui, Harry, posso dar uma voltinha? Posso?
— Acho que ninguém devia montar essa vassoura por enquanto! — disse Hermione com a voz esganiçada.
Harry e Rony encararam a garota.
— Que é que você acha que Harry vai fazer com ela... Varrer o chão?
Mas antes que Hermione pudesse responder, Bichento saltou da cama de Simas direto para o peito de Rony.
— TIRE-O-DAQUI! — berrou Rony, ao mesmo tempo em que as garras de Bichento rasgaram seu pijama e Perebas tentou uma fuga desesperada por cima do seu ombro. Rony agarrou Perebas pelo rabo e mirou em Bichento um pontapé mal calculado que acabou acertando o malão aos pés da cama de Harry, derrubou-o, e fez Rony pular pelo quarto uivando de dor.
O pêlo de Bichento de repente ficou em pé. Um assobio alto e fino começou a invadir o quarto. O bisbilhoscópio de bolso saltara de dentro das meias velhas do tio Válter e saíra rodopiando e cintilando pelo chão.
— Eu tinha me esquecido dele! — exclamou Harry, que se abaixou e recolheu o bisbilhoscópio. — Nunca uso estas meias se posso evitar...
O pequeno pião girava e assobiava na palma da mão do garoto. Bichento sibilava e bufava para ele.
— É melhor você levar esse gato daqui, Hermione — disse Rony furioso, sentando-se na cama de Harry e massageando o dedão do pé. — Será que dá para você guardar essa coisa? — acrescentou ele para Harry quando Hermione ia se retirando do quarto. Os olhos amarelos de Bichento continuavam fixos nele, cheios de malícia.
Harry tornou a enfiar o bisbilhoscópio nas meias e atirou-o de volta ao malão. Tudo que se ouvia agora eram os gemidos de dor e raiva que Rony abafava. Perebas estava aninhado nas mãos do dono. Já fazia tempo que Harry o vira fora do bolso do amigo e teve a desagradável surpresa de observar que Perebas, antigamente tão gordo, estava agora magérrimo; e também tinha perdido pêlos em alguns pontos do corpo.
— Ele não está com uma aparência muito boa, não é? — comentou Harry.
— É estresse! — respondeu Rony. — Ele até estaria bem se aquela bola idiota de pêlos o deixasse em paz.
Mas Harry, se lembrando que a mulher na loja de Animais Mágicos dissera que os ratos só viviam três anos, não pôde deixar de sentir que, a não ser que Perebas tivesse poderes jamais revelados, ele estava chegando ao fim da vida. E, apesar das queixas freqüentes do amigo de que o rato estava chato e inútil, ele tinha certeza de que Rony ficaria muito infeliz se o bicho morresse.
O espírito de Natal estava decididamente em baixa no salão comunal da Grifinória àquela manhã. Hermione prendera Bichento no dormitório das meninas, mas estava furiosa com Rony por ter tentado chutá-lo; Rony continuava fumegando de raiva com a nova tentativa que o gato fizera de comer seu rato. Harry desistiu de tentar fazer os dois se falarem e se ocupou em examinar a Firebolt, que trouxera com ele para a sala. Por alguma razão isto pareceu aborrecer Hermione também;
Ela não fez comentário algum, mas não parava de lançar olhares carrancudos à vassoura, como se esta também tivesse criticado Bichento.
À hora do almoço eles desceram para o Salão Principal e descobriram que as mesas das casas tinham sido encostadas nas paredes outra vez e que uma única mesa fora posta para doze pessoas no meio do salão. Os professores Dumbledore, Minerva MeGonagall, Snape, Sprout e Flitwick estavam sentados à mesa, bem como Filch, o zelador, que tirara o avental marrom de uso diário e estava enfatiotado com uma casaca muito velha de aspecto mofado. Havia apenas mais três alunos, dois novatos extremamente nervosos e um garoto mal-humorado da Sonserina.
— Feliz Natal! — desejou Dumbledore quando Harry, Rony e Hermione se aproximaram da mesa. — Como éramos tão poucos, me pareceu uma tolice usar as mesas das casas... Sentem-se, sentem-se!
Harry, Rony e Hermione se sentaram lado a lado na ponta da mesa.
— Balas de estalo! — disse Dumbledore entusiasmado, oferecendo a ponta de um tubo prateado a Snape, que o pegou com relutância e puxou. Com um estampido, a bala se rompeu e surgiu um grande chapéu cônico de bruxo encimado por um urubu empalhado.
Harry, lembrando-se do bicho-papão, procurou os olhos de Rony e os dois sorriram; a boca de Snape se comprimiu e ele empurrou o chapéu para Dumbledore, que o trocou pelo próprio chapéu de bruxo na mesma hora.
— Podem avançar! — convidou ele aos presentes, sorrindo para todos.
Quando Harry estava se servindo de batatas assadas, as portas do salão se abriram. Era a Profª. Sibila Trelawney, deslizando em direção à mesa como se andasse sobre rodas. Tinha posto um vestido verde de paetês em homenagem à ocasião, o que a fazia parecer mais que nunca uma libélula enorme e cintilante.
— Sibila, mas que surpresa agradável! — saudou-a Dumbledore, levantando-se.
— Estive consultando a minha bola de cristal, diretor — disse a professora com a voz mais etérea e distante do mundo —, e para meu espanto, me vi abandonando o meu almoço solitário para vir me reunir a vocês. Quem sou eu para recusar uma inspiração do destino? Na mesma hora me apressei a deixar minha torre e peço que me perdoem o atraso...
— É claro — disse Dumbledore com os olhos cintilantes. Deixe-me apanhar uma cadeira para você...
E, dizendo isso, usou a varinha para trazer, pelo ar, uma cadeira que girou alguns segundos e pousou com um baque entre os professores Snape e Minerva.
A Profª. Sibila, porém, não se sentou; seus enormes olhos começaram a passear pela mesa e ela subitamente deixou escapar um gritinho.
— Não me atrevo, diretor! Se eu me sentar, seremos treze!  Nada poderia ser mais azarado! Não vamos esquecer que quando treze comem juntos, o primeiro a se levantar será o primeiro a morrer!
— Vamos correr o risco, Sibila — disse a Profª. Minerva, impaciente. — Por favor, sente, o peru está esfriando.
Sibila hesitou, depois se acomodou na cadeira vazia, os olhos fechados e a boca contraída, como se estivesse à espera de um raio atingir a mesa. Minerva enfiou uma grande colher na terrina mais próxima.
— Tripas, Sibila?
A professora fingiu não ouvir. Reabriu os olhos, correu-os ao redor da mesa, mais uma vez, e perguntou:
— Mas onde está o nosso caro Profº. Lupin?
— Receio que o coitado esteja doente outra vez — disse Dumbledore, fazendo um gesto para que todos começassem a se servir. — Pouca sorte que isso fosse acontecer no dia de Natal.
— Mas com certeza você já sabia disso, não, Sibila? — disse a Profª. Minerva com as sobrancelhas erguidas.
Sibila lançou a Minerva um olhar gelado.
— Claro que sabia, Minerva — disse com a voz controlada. — Mas a pessoa não deve fazer alarde de tudo que sabe. Muitas vezes finjo que não possuo Visão Interior para não deixar os outros nervosos.
— Isto explica muita coisa — disse a outra com azedume.
A voz da Profª. Sibila subitamente se tornou bem menos etérea.
— Se você quer saber, Minerva, vi que o coitado do Profº. Lupin não vai estar conosco por muito tempo. E ele próprio parece saber que seu tempo é curto.  Decididamente fugiu quando eu me ofereci para consultar a bola de cristal para ele...
— Imagine só — comentou Minerva secamente.
— Tenho minhas dúvidas — disse Dumbledore, com a voz alegre, mas ligeiramente mais alta, o que pôs um ponto final na conversa das duas — de que o Profº. Lupin corra algum perigo iminente. Severo, você preparou a poção para ele outra vez?
— Preparei, diretor — respondeu Snape.
— Ótimo. Então logo ele deverá estar de pé... Derek, você já se serviu dessas salsichas apimentadas? Estão excelentes.
O garoto do primeiro ano ficou vermelhíssimo quando Dumbledore se dirigiu a ele, e apanhou a travessa de salsichas com as mãos trêmulas.
A Profª. Sibila se comportou quase normalmente até o finzinho do almoço de Natal, duas horas depois. Empapuçados com a comida e ainda usando os chapéus da festa, Harry e Rony se levantaram primeiro da mesa e ela deu um grito agudo.
— Meus queridos! Qual dos dois se levantou da cadeira primeiro? Qual?
— Não sei — respondeu Rony olhando preocupado para Harry.
— Duvido que vá fazer muita diferença — disse a Profª. Minerva com frieza —, a não ser que o tarado da machadinha esteja esperando aí fora para matar o primeiro que sair para o saguão.
Até Rony riu. Sibila pareceu muitíssimo ofendida.
— Vem com a gente? — perguntou Harry a Hermione.
— Não — respondeu a garota. — Quero falar uma coisa com a Profª. McGonagall.
— Provavelmente vai tentar ver se pode assistir a mais aulas — bocejou Rony quando se encaminhavam para o saguão de entrada, onde não encontraram nenhum louco da machadinha.
Quando chegaram ao buraco do retrato, encontraram Sir Cadogan desfrutando um almoço de Natal com dois frades, vários ex-diretores de Hogwarts e seu gordo pônei. O cavaleiro levantou a viseira e brindou aos dois garotos com uma jarra de quentão.
— Feliz... Hic... Natal! Senha!
Cão desprezível — disse Rony.
— E o mesmo para o senhor, meu senhor! — berrou Sir Cadogan quando o quadro se afastou para admitir os garotos.
Harry foi diretamente ao dormitório, apanhou a Firebolt e o Estojo para Manutenção de Vassouras que Hermione lhe dera de presente de aniversário, levou-os para baixo e tentou encontrar o que fazer com a vassoura; mas não havia lascas levantadas para aparar e o cabo ainda estava tão reluzente que não tinha sentido lhe dar polimento. Ele e Rony ficaram ali admirando a vassoura de todos os ângulos até que o buraco do retrato se abriu e Hermione entrou, acompanhada da Profª. Minerva.
Embora Minerva McGonagall fosse diretora da Grifinória, Harry só a vira antes na sala comunal uma vez, e para dar um aviso muito sério.
Ele e Rony a olharam, os dois segurando a Firebolt. Hermione contornou o lugar em que eles estavam, se sentou, apanhou o livro mais próximo e escondeu o rosto nele.
— Então é isso? — perguntou a professora com o seu olhar penetrante, aproximando-se da lareira para examinar a Firebolt. — A Srta. Granger acabou de me informar que alguém lhe mandou uma vassoura, Potter.
Harry e Rony se viraram para olhar Hermione. Surpreenderam sua testa corando por cima do livro, que ela segurava de cabeça para baixo.
— Posso? — perguntou McGonagall, mas não esperou resposta para tirar a vassoura das mãos dos garotos. Examinou-a atentamente, do cabo às lascas. — Hum. E não havia nenhum bilhete, nenhum cartão, Potter? Nenhuma mensagem de nenhum tipo?
— Não — disse Harry sem compreender.
— Entendo... Bem, receio que tenha de levar a vassoura, Potter.
— Q... Quê? — exclamou Harry, ficando em pé. — Por quê?
— Teremos que verificar se não está enfeitiçada.  Naturalmente eu não sou especialista nesse assunto, mas imagino que Madame Hooch e o Profº. Flitwick possam desmontá-la...
— Desmontá-la? — repetiu Rony, como se a professora fosse maluca.
— Não deve levar mais do que umas semanas. Você a receberá de volta se tivermos certeza de que está limpa.
— A vassoura não tem nada errado! — exclamou Harry, a voz ligeiramente trêmula. — Francamente, professora..
— Você não pode saber, Potter — disse a professora com bondade —, pelo menos até ter voado nela, e receio que isto esteja fora de questão até nos certificarmos de que ninguém a alterou. Eu o manterei informado.
A Profª. McGonagall deu meia-volta levando a Firebolt, e atravessou o buraco do retrato, que se fechou em seguida. Harry ficou observando a professora partir, a latinha de cera de polimento ainda na mão. Rony, porém, se voltou contra Hermione.
— Para que você foi correndo contar à Profª. Minerva?
Hermione largou o livro de lado. Seu rosto continuava vermelho, mas ela se levantou e enfrentou Rony, desafiando-o.
— Porque achei, e a Profª. McGonagall concorda comigo, que provavelmente a vassoura foi mandada a Harry por Sirius Black!







CAPÍTULO DOZE
O Patrono

Harry sabia que Hermione tivera boa intenção, mas isso não o impedia de estar aborrecido com a amiga. Ele fora dono da melhor vassoura do mundo por breves horas e agora, por interferência dela, não sabia se iria rever a vassoura.
Harry tinha certeza de que, no momento, não havia problema algum com a Firebolt, mas em que estado ela ficaria depois de ser submetida a todo tipo de teste antifeitiço?
Rony também estava furioso com Hermione. Na sua opinião, desmontar uma Firebolt nova em folha era nada menos que um ato criminoso.
Hermione, que continuava convicta de que agira visando o bem do amigo, começou a evitar a sala comunal. Os dois garotos supunham que ela se refugiara na biblioteca e não tentaram persuadi-la a voltar. Em tudo por tudo, eles ficaram felizes quando o restante da escola voltou, pouco depois do Ano-Novo, e a Torre da Grifinória novamente se encheu de gente e ruídos.
Olívio procurou Harry na véspera do novo trimestre começar.
— Teve um bom Natal? — perguntou ele e, em seguida, sem esperar resposta, se sentou, baixou a voz e disse: — Andei pensando durante o Natal, Harry.  Depois da última partida, entende. Se os dementadores forem ao próximo... Quero dizer... Não podemos nos dar ao luxo de você... Bem...
Olívio parou, parecendo constrangido.
— Já estou cuidando disso — falou Harry depressa. — O Profº. Lupin prometeu que me ensinaria a afastar os dementadores. Devemos começar esta semana. Ele falou que teria tempo depois do Natal.
— Ah — respondeu Olívio, o rosto se desanuviando. — Bem, nesse caso... Eu não queria realmente perder você como apanhador, Harry já encomendou uma vassoura nova?
— Não.
— Quê! É melhor você se mexer, sabe, não vai poder montar aquela Shooting Star contra o time da Corvinal!
— Ele ganhou uma Firebolt de Natal — disse Rony.
— Uma Firebolt? Não! Sério? Uma Firebolt de verdade?
— Não precisa se excitar, Olívio — disse Harry deprimido.
— Não está mais comigo. Foi confiscada. — E explicou tudo sobre a Firebolt e como estava sendo verificada para saber se fora enfeitiçada.
— Enfeitiçada? Como poderia ter sido enfeitiçada?
— Sirius Black — disse Harry, cansado. — Dizem que ele está querendo me pegar. Então McGonagall calculou que poderia ter me mandado a vassoura.
Descartando a informação de que um assassino famoso estava atrás do seu apanhador, Olívio disse:
— Mas Black não poderia ter comprado uma Firebolt! Ele está fugindo! O país inteiro está à procura dele! Como é que iria simplesmente entrar na Artigos de Qualidade para Quadribol e comprar uma vassoura?
— Eu sei, mas ainda assim McGonagall quer desmontá-la...
Olívio empalideceu.
— Vou falar com ela, Harry — prometeu. — Vou chamá-la à razão... Uma Firebolt... Uma autêntica Firebolt, no nosso time... Ela quer que Grifinória ganhe tanto quanto nós... Vou fazê-la ver o absurdo. Uma Firebolt...
As aulas recomeçaram no dia seguinte. A última coisa que alguém ia querer fazer era passar duas horas lá fora em uma fria manhã de janeiro, mas Hagrid providenciara uma fogueira cheia de salamandras para alegria dos alunos, que passaram uma aula incomumente boa juntando madeira e folhas secas para manter o fogo alto enquanto os bichinhos, que adoram chamas, subiam e desciam pelas toras embranquecidas de calor. A primeira aula de Adivinhação do novo trimestre foi bem menos divertida; a Profª. Sibila estava agora começando a ensinar quiromancia à turma e não perdeu tempo para informar Harry de que ele possuía a menor linha da vida que ela já vira.
Mas era à aula de Defesa contra as Artes das Trevas que ele estava ansioso para chegar; depois da conversa com Olívio, queria começar as aulas antidementadores o mais cedo possível.
— Ah, é verdade — disse Lupin quando Harry o lembrou da promessa no final da aula. — Vejamos... Que tal às oito horas da noite na quinta? A sala de aula de História da Magia deve ser suficientemente grande... Tenho que pensar muito como vamos fazer.  Não podemos trazer um dementador real ao castelo para praticar...
— Ele continua com cara de doente, não acha? — perguntou Rony quando caminhavam pelo corredor para ir jantar. — Que é que você acha que ele tem?
Ouviram um alto muxoxo de impaciência atrás deles. Era Hermione que estivera sentada ao pé de uma armadura, rearrumando a mochila, tão cheia de livros que não fechava.
— E por que é que você esta fazendo muxoxo para a gente? — perguntou Rony, irritado.
— Por nada — respondeu Hermione em tom de superioridade, passando a mochila pelo ombro.
— Nada, não — disse Rony. — Eu estava imaginando qual seria o problema de Lupin, e você...
— Bem, será que não está óbvio? — disse a garota com um olhar de superioridade de dar nos nervos.
— Se você não quer dizer, não diga — retrucou Rony com rispidez.
— Ótimo — disse Hermione, arrogante, e foi-se embora.
— Ela não sabe — disse Rony, olhando, rancoroso, para a garota que se afastava. — Só está tentando fazer a gente voltar a falar com ela.
Oito horas da noite de quinta-feira, Harry saiu da Torre da Grifinória para a sala de História da Magia. Quando chegou, a sala estava escura e vazia, mas ele acendeu as luzes com a varinha e já estava esperando havia uns cinco minutos quando o Profº. Lupin apareceu, trazendo uma grande caixa, que depositou em cima da escrivaninha do Profº. Binns.
— Que é isso? — perguntou Harry.
— Outro bicho-papão — respondeu Lupin tirando a capa. — andei passando um pente fino no castelo desde terça-feira e por sorte encontrei este aqui escondido no arquivo do Sr. Filch. É o mais próximo que chegaremos de um dementador de verdade, O bicho-papão se transformará em um dementador quando o vir, então poderemos praticar. Posso guardá-lo na minha sala quando não estiver em uso; tem um armário embaixo da minha escrivaninha de que ele vai gostar.
— Tudo bem — disse Harry procurando falar como se não estivesse nada apreensivo, mas apenas feliz por Lupin ter encontrado um substituto tão bom para um dementador real.
— Então... — O Profº. Lupin apanhou a varinha e fez sinal para Harry imitá-lo. — O feitiço que vou tentar lhe ensinar faz parte da magia muito avançada, Harry, muito acima do Nível Normal de Bruxaria. É chamado o Feitiço do Patrono.
— O que é que ele faz? — perguntou Harry nervoso.
— Bem, quando funciona corretamente, ele conjura um Patrono, que é uma espécie de antidementador, um guardião que age como um escudo entre você e o dementador.
Harry teve uma súbita visão de si mesmo agachado atrás de um vulto do tamanho de Hagrid segurando um enorme bastão. O Profº. Lupin continuou:
— O Patrono é um tipo de energia positiva, uma projeção da própria coisa de que o dementador se alimenta: esperança, felicidade, desejo de sobrevivência, mas ele não consegue sentir desesperança, como um ser humano real, por isso o dementador não pode afetá-lo. Mas preciso preveni-lo, Harry, de que o feitiço talvez seja demasiado avançado para você. Muitos bruxos habilitados têm dificuldade de executá-lo.
— Que aspecto tem um Patrono? — perguntou Harry, curioso.
— Cada um é único para o bruxo que o conjura.
— E como se conjura?
— Com uma fórmula mágica, que só fará efeito se você estiver concentrado, com todas as suas forças, em uma única lembrança muito feliz.
Harry procurou em sua mente uma lembrança feliz. Com certeza, nada que tivesse lhe acontecido na casa dos Dursley iria servir. Por fim, decidiu-se pelo momento em que voou numa vassoura pela primeira vez.
— Certo — disse, procurando lembrar o mais exatamente possível da maravilhosa sensação de voar.
— A fórmula é a seguinte — Lupin pigarreou para limpar a garganta. — Expecto Patronum!
Expecto Patronum! — repetiu Harry em voz baixa —, Expecto...
— Está se concentrando com todas as forças em sua lembrança feliz?
— Ah... Estou — respondeu Harry, forçando depressa seu pensamento a retornar àquele primeiro vôo de vassoura. — Expecto patrono.   Não, patronum... Desculpe... Expecto Patronum!  Expecto Patronum!... — Alguma coisa se projetou subitamente da ponta de sua varinha; parecia um fiapo de gás prateado.
— O senhor viu isso? — perguntou Harry, excitado. — Aconteceu uma coisa!
— Muito bem — aprovou Lupin sorrindo. — Certo, então, está pronto para experimentar com um dementador?
— Estou — disse o garoto, segurando sua varinha com firmeza e indo para o meio da sala de aula deserta. Tentou manter o pensamento no vôo, mas alguma coisa não parava de interferir... A qualquer segundo agora, poderia tornar a ouvir sua mãe... Mas ele não devia pensar nisso ou tornaria a ouvi-la, e ele não queria... Ou será que queria?
Lupin segurou a tampa da caixa e levantou-a.
Um dementador se ergueu lentamente da caixa, o rosto encapuzado virado para Harry, uma mão luzidia, coberta de cascas de feridas, segurando a capa.
As luzes em volta da sala de aula piscaram e se apagaram. O dementador saiu da caixa e começou a se deslocar silenciosamente em direção a Harry, respirando profundamente, uma respiração vibrante. Uma onda de frio intensa o engolfou...
Expecto patronum! — berrou Harry. — Expecto Patronum!
Mas a sala e o dementador foram se dissolvendo... Harry se viu caindo outra vez por um denso nevoeiro branco, e a voz de sua mãe mais alta que nunca, ecoava em sua cabeça... “Harry não! Harry não! Por favor... farei qualquer coisa...”
"Afaste-se. Afaste-se, menina...”
— Harry!
Harry de repente recuperou os sentidos. Estava deitado de costas no chão. As luzes da sala tinham reacendido. Ele não precisou perguntar o que acontecera.
— Desculpe — murmurou, se sentando e sentindo o suor frio escorrer por dentro dos óculos.
— Você está bem? — perguntou Lupin.
— Estou... — Harry usou uma carteira para se levantar, apoiando-se nela.
— Tome aqui — Lupin lhe deu um sapo de chocolate. — Coma isso antes de tentarmos outra vez. Eu não esperava que você conseguisse da primeira vez; de fato, ficaria assombrado se tivesse conseguido.
— Está piorando — murmurou Harry, mordendo a cabeça do sapo. — Eu a ouvi mais alto dessa vez... E ele... Voldemort.
Lupin parecia mais pálido do que de costume.
— Harry, se você não quiser continuar, vou compreender muito bem...
— Eu quero! — exclamou Harry com vigor, enfiando o resto do sapo de chocolate na boca. — Tenho que continuar! O que vai acontecer se os dementadores aparecerem na partida contra Corvinal? Não posso me dar ao luxo de cair outra vez. Se perdermos a partida, perderemos a Taça de Quadribol!
— Muito bem, então... — disse Lupin. — Talvez queira escolher outra lembrança, uma lembrança feliz, quero dizer, para se concentrar... Essa primeira parece que não foi bastante forte...
Harry fez um esforço mental e concluiu que sua emoção quando Grifinória ganhara o Campeonato das Casas, no ano anterior, fora decididamente uma lembrança muito feliz. Segurou a varinha com força, outra vez, e tomou posição no meio da sala.
— Pronto? — perguntou Lupin segurando a tampa da caixa.
— Pronto — disse Harry, tentando por tudo encher a cabeça de pensamentos felizes sobre a vitória de Grifinória, em lugar dos pensamentos sombrios sobre o que ia acontecer quando a caixa se abrisse.
— Já! — disse Lupin destampando a caixa. A sala ficou gelada e escura mais uma vez. O dementador avançou deslizando, inspirando com força; a mão podre estendida para Harry...
Expecto Patronum! — berrou Harry. – Expecto Patronum!  Expecto Pat...
Um nevoeiro branco obscureceu seus sentidos... Vultos grandes e difusos moveram-se à sua volta... Então ele ouviu uma nova voz, uma voz de homem, gritando em pânico... "Lílian, leve Harry e vá! É ele! Vá! Corra! Eu o atraso...”
Os ruídos de alguém saindo aos tropeços de uma sala... Uma porta se escancarando... Uma gargalhada aguda...
— Harry! Harry. Acorde...
Lupin dava tapinhas em seu rosto. Desta vez levou um minuto até Harry entender por que estava deitado no chão empoeirado de uma sala de aula.
— Ouvi meu pai — murmurou Harry — É a primeira vez que o ouço, ele tentou enfrentar Voldemort sozinho, para dar à minha mãe tempo de fugir...
O garoto de repente percebeu que havia em seu rosto lágrimas misturadas ao suor. Abaixou a cabeça o mais que pôde e enxugou as lágrimas nas vestes, fingindo estar amarrando um sapato, para Lupin não ver.
— Você ouviu Tiago? — disse Lupin numa voz estranha.
— Ouvi... — O rosto seco, Harry ergueu a cabeça. — Por quê... O senhor conheceu meu pai?
— Eu... Para falar a verdade, conheci. Fomos amigos em Hogwarts. Escute, Harry... Talvez devêssemos parar por hoje. Este feitiço é absurdamente avançado... Eu não devia ter sugerido que você se submetesse a essa...
— Não! — disse Harry e tornou a se levantar. — Vou tentar mais uma vez! Não estou pensando em lembranças muito felizes, é só isso... Espere aí...
O garoto puxou pela memória. Uma lembrança realmente, mas realmente feliz... Uma que ele pudesse transformar em um Patrono válido e forte...
O momento em que ele descobrira que era bruxo e ia deixar a casa dos Dursley para freqüentar Hogwarts! Se isso não fosse uma lembrança feliz, ele não sabia qual seria... Concentrando-se com todas as forças no que sentira quando compreendeu que ia deixar a Rua dos Alfeneiros, Harry se levantou e ficou de frente para a caixa mais uma vez.
— Pronto? — perguntou Lupin, que parecia fazer isso contrariando o seu bom senso. — Concentrou-se com firmeza? Muito bem... Já!
Ele tirou a tampa da caixa pela terceira vez, e o dementador se levantou; a sala esfriou e escureceu.
EXPECTO PATRONUM! — berrou Harry. — EXPECTO PATRONUM! EXPECTO PATRONUM!
A gritaria dentro da cabeça de Harry recomeçara — exceto que desta vez, parecia vir de um rádio mal sintonizado — fraca e forte e fraca outra vez... ele continuava a ver o dementador — que parara — então, um enorme vulto prateado irrompeu da ponta de sua varinha e ficou pairando entre ele e o dementador, e, embora suas pernas tivessem perdido as forças, Harry continuava de pé, por quanto tempo ele não tinha muita certeza...
Riddikulus. — bradou Lupin saltando à frente.
Ouviu-se um estalo muito alto e o diáfano Patrono desapareceu juntamente com o dementador; o garoto afundou em uma cadeira, sentindo a exaustão de quem correra mais de um quilômetro, e as pernas trêmulas. Pelo canto do olho, viu o Profº. Lupin enfiar, à força, o bicho-papão na caixa, com a varinha; ele se transformou mais uma vez em uma bola prateada.
— Excelente! — exclamou Lupin, aproximando-se do garoto. — Excelente Harry! Decididamente foi um começo!
— Podemos tentar mais uma vez? Só mais umazinha?
— Agora, não — disse Lupin com firmeza. — Você já fez o bastante por uma noite. Tome...
E deu a Harry uma enorme barra do melhor chocolate da Dedosdemel.
— Coma bastante ou Madame Pomfrey vai querer me matar. À mesma hora na semana que vem?
— Ok — concordou Harry. Ele deu uma dentada no chocolate enquanto observava Lupin apagar as luzes que tinham reacendido com o desaparecimento do dementador.
Acabava de lhe ocorrer um pensamento.
— Profº. Lupin, se o senhor conheceu meu pai, então deve ter conhecido Sirius Black, também.
Lupin se virou na mesma hora.
— Que foi que lhe deu essa idéia? — perguntou ele com rispidez.
— Nada... Quero dizer, eu soube que eles também eram amigos em Hogwarts...
O rosto de Lupin se descontraiu.
— É, eu o conheci — disse brevemente. — Ou pensei que o conhecia. É melhor você ir andando, Harry, está ficando tarde.
O garoto saiu da sala, andou um pouco pelo corredor, dobrou um canto, depois se desviou para trás de uma armadura e se sentou em sua base para terminar o chocolate, desejando que não tivesse mencionado Black, pois Lupin obviamente não gostava de tocar nesse assunto. Então os pensamentos de Harry foram vagando aos poucos para sua mãe e seu pai.
Ele se sentiu esgotado e estranhamente vazio, ainda que estivesse empanturrado de chocolate. Por mais horrível que fosse ouvir os últimos momentos de seus pais repassarem por sua cabeça, eles tinham sido os únicos em que Harry ouvira as vozes dos dois desde que era pequeno. Mas ele não seria capaz de produzir um Patrono adequado se ficasse desejando ouvir os pais novamente...
— Eles estão mortos — disse a si mesmo com severidade. — Estão mortos e ficar ouvindo seus ecos não vai trazê-los de volta. É melhor você se controlar se quiser aquela Taça de Quadribol.
Ele se levantou, atochou o último pedaço de chocolate na boca e rumou para a Torre da Grifinória.
Corvinal jogou contra Sonserina uma semana depois do inicio do semestre. Sonserina ganhou, mas foi uma vitória apertada.
Segundo Olívio, isto era uma boa notícia para Grifinória, que tiraria o segundo lugar se também batesse Corvinal. Portanto, o capitão aumentou o número de treinos para cinco por semana. Isto significou que com as aulas antidementadores de Lupin, que em si eram mais exaustivas que os treinos de Quadribol, só sobrara a Harry uma noite por semana para fazer todos os deveres de casa. Ainda assim, ele não estava aparentando tanto desgaste quanto Hermione, cuja imensa carga de trabalho parecia estar finalmente cansando-a. Todas as noites, sem falta, Hermione era vista a um canto da sala comunal, várias mesas cheias de livros, tabelas de Aritmancia, dicionários de runas, diagramas de trouxas levantando grandes objetos e ainda fichários e mais fichários de extensas anotações; ela pouco falava com os colegas e respondia mal quando era interrompida.
— Como é que ela está fazendo isso? — murmurou Rony para Harry certa noite, quando este se sentara para preparar uma redação difícil sobre venenos indetectáveis pedida por Snape. Harry ergueu a cabeça. Mal conseguiu divisar Hermione por trás da pilha instável de livros.
— Isso o quê?
— Assistindo a todas as aulas! — disse Rony. — Ouvi Mione conversando com a Profª. Vector, aquela bruxa da Aritmancia, hoje de manhã. Estavam discutindo a aula de ontem, mas Mione não podia ter estado lá, porque estava conosco na de Trato das Criaturas Mágicas! E Ernesto McMillan me disse que ela nunca faltou a nenhuma aula de Estudos dos Trouxas, mas metade das aulas são no mesmo horário de Adivinhação, e ela também nunca faltou a nenhuma lá!
Harry não tinha tempo, naquele momento, para desvendar o mistério dos horários impossíveis de Hermione; ele realmente precisava terminar o trabalho para Snape. Dois segundos depois, no entanto, foi novamente interrompido, desta vez por Olívio.
— Más notícias Harry. Acabei de ir falar com a Profª. McGonagall sobre a Firebolt.  Ela... Hum... Foi um pouco grossa comigo. Me disse que as minhas prioridades estavam trocadas. Parece que entendeu que eu estava mais preocupado em ganhar a Taça do que com as suas chances de sobrevivência. Só porque eu disse que não me importava se a vassoura o derrubasse, desde que você apanhasse o pomo primeiro. — Olívio sacudiu a cabeça, incrédulo. — Francamente, o jeito como ela gritou comigo dava até para pensar que eu tinha dito alguma coisa horrível.. Então perguntei quanto tempo mais ela ia ficar com a vassoura... — Olívio amarrou a cara e imitou a voz severa da professora: “O tempo que for preciso, Wood"... Acho que está na hora de você encomendar uma vassoura nova, Harry. Tem um formulário de pedido no final do Qual... Vassoura... você podia comprar uma Nimbus 2001, como a do Malfoy.
— Não vou comprar nada que Malfoy ache bom — disse Harry em tom definitivo.
Janeiro transitou para fevereiro imperceptivelmente, sem alteração no frio extremo que fazia. A partida contra Corvínal estava cada dia mais próxima, mas Harry ainda não encomendara a vassoura nova. Ele agora pedia à Profª. McGonagall notícias da Firebolt depois da aula de Transformação. Rony parava, cheio de esperança, ao lado dele, Hermione passava depressa com o rosto virado.
— Não, Potter, ainda não posso devolvê-la — disse a professora na décima segunda vez que isto aconteceu, antes mesmo que ele abrisse a boca para perguntar. — Já a verificamos com relação à maioria dos feitiços comuns, mas o Profº. Flitwíck acredita que a vassoura possa estar carregando um Feitiço de Velocidade. Eu o informarei quando tivermos terminado a verificação. Agora, por favor, pare de me pressionar.
Para piorar as coisas, as aulas antidementadores não estavam correndo tão bem quanto Harry esperara. Em várias sessões ele fora capaz de produzir um vulto indistinto e prateado, todas as vezes que o dementador se aproximara dele, mas era um Patrono demasiado fraco para afugentar o dementador. A única coisa que fazia era pairar no ar, como uma nuvem semitransparente, e esgotar a energia de Harry enquanto o garoto lutava para mantê-lo presente. Harry sentiu raiva de si mesmo, e culpa pelo desejo secreto de ouvir mais uma vez as vozes dos pais.
— Você está esperando demais de si mesmo — disse o Profº. Lupin com severidade, na quarta semana de treino. — Para um bruxo de treze anos, até mesmo um Patrono pouco nítido é um grande feito. Você não está desmaiando mais, não é?
— Eu pensei que um Patrono... Transformasse os dementadores em alguma coisa — disse Harry desanimado. — Fizesse-os desaparecer...
— O verdadeiro Patrono de fato faz isso. Mas você já conseguiu muito em pouquíssimo tempo. Se os dementadores aparecerem na sua próxima partida de Quadribol, você poderá mantê-los à distância em tempo suficiente para voltar ao chão.
— O senhor disse que é mais difícil quando há um monte deles.
— Tenho total confiança em você — respondeu Lupin sorrindo. — Tome... Você mereceu uma bebida, uma coisa do Três Vassouras. Você não deve ter provado antes...
O professor tirou duas garrafinhas da maleta.
— Cerveja amanteigada! — exclamou Harry sem pensar. — Ah, eu gosto disso!
Lupin ergueu uma sobrancelha.
— Ah... Rony e Hermione trouxeram para mim de Hogsmeade — mentiu Harry depressa.
— Entendo — disse Lupin, embora continuasse a parecer ligeiramente desconfiado. — Bem... Vamos brindar à vitória de Grifinória sobre Corvinal! Não que, como professor, eu deva tomar partido... — acrescentou ele depressa.
Os dois beberam a cerveja amanteigada em silêncio, até que Harry disse uma coisa que o estava deixando intrigado havia algum tempo.
— Que é que tem por baixo do capuz do dementador?
O professor baixou a garrafinha pensativo.
— Hummm... Bem, as únicas pessoas que realmente sabem não estão em condições de nos responder. Veja, o dementador tira o capuz somente para usar sua última arma, a pior.
— Que é qual?
O Beijo do Dementador — disse Lupin com um sorriso enviesado. — É o que dão naqueles que eles querem destruir completamente. Suponho que devam ter algum tipo de boca sob o capuz, porque ferram as mandíbulas na boca da vítima... E sugam sua alma.
Harry, sem querer, cuspiu um pouco de cerveja amanteigada.
— Quê... Eles matam...?
— Ah, não — disse Lupin. — Fazem muito pior. A pessoa pode viver sem alma, sabe, desde que o cérebro e o coração continuem trabalhando. Mas perde a consciência do eu, a memória... Tudo. Não tem chance alguma de se recuperar. Apenas... Existe. Como uma concha vazia. E a alma fica para sempre... Perdida.
Lupin bebeu mais um pouco da cerveja, depois continuou:
— É o destino que espera Sirius Black. Li no Profeta Diário hoje de manhã, o ministro deu aos dementadores permissão para fazerem isso se o encontrarem.
Harry ficou confuso por um instante com a idéia de alguém ter a alma sugada pela boca. Mas depois pensou em Black.
— Ele merece — disse de repente.
— Você acha? — perguntou Lupin sem pensar muito. — Você acha mesmo que alguém merece isso?
— Acho — disse Harry resistindo. — Por... Causa de umas coisas...
Ele gostaria de ter contado a Lupin a conversa que ouvira no Três Vassouras a respeito de Black ter traído seus pais, mas isto teria implicado em revelar que fora a Hogsmeade sem autorização, e ele sabia que o professor não ia gostar nem um pouco disso. Então, terminou a cerveja amanteigada, agradeceu a Lupin e deixou a sala de História da Magia.
Harry gostaria de não ter perguntado o que havia por baixo do capuz de um dementador, a resposta fora horrível, e ele ficou tão perdido em considerações sobre o que seria ter a alma sugada que deu um encontrão na Profª. Minerva no meio da escada.
— Preste atenção por onde anda, Potter!
— Desculpe, professora...
— Estive agorinha mesmo procurando você na sala comunal da Grifinória. Bem, tome aqui, fizemos tudo que pudemos imaginar, e parece que não há nada errado com a vassoura. Você tem um ótimo amigo em algum lugar, Potter...
O queixo de Harry caiu. A professora estava lhe devolvendo a Firebolt, cujo aspecto continuava magnífico como sempre fora.
— Posso ficar com ela? — perguntou Harry com a voz fraca. — Sério?
— Sério — disse a professora sorrindo. — Acho que você vai precisar pegar o jeito dela antes da partida de sábado, não? E Potter... Faça força para ganhar, sim? Ou vamos ficar fora do campeonato pelo oitavo ano seguido, como o Profº. Snape teve a bondade de me lembrar ainda ontem à noite...
Sem fala, Harry carregou a Firebolt escada acima para a Torre da Grifinória. Quando dobrou um canto, viu Rony, que corria ao seu encontro, rindo de orelha a orelha.
— Ela devolveu? Que maravilha! Escuta, posso dar aquela voltinha? Amanhã?
— Claro... Qualquer coisa... — disse Harry seu coração mais leve do que estivera naquele último mês. — Quer saber de uma coisa... Devíamos fazer as pazes com a Mione... Ela só estava querendo ajudar...
— Tudo bem — concordou Rony. — Ela está na sala comunal agora, estudando, para variar...
Quando entraram no corredor para a Torre da Grifinória, viram Neville Longbottom insistindo com Sir Cadogan, que aparentemente se recusava a deixá-lo entrar.
— Eu anotei! — dizia Neville com voz de choro. — Mas devo ter deixado cair em algum lugar!
— Vou mesmo acreditar! — bradou Sir Cadogan. Depois, avistando Harry e Rony. — Boa noite, meus valentes soldados! Venham meter este louco a ferros.  Ele está tentando entrar à força nas câmaras interiores!
— Ah, cala a boca — exclamou Rony quando ele e Harry emparelharam com Neville.
— Perdi a senha! — contou o garoto, infeliz. — Fiz Sir Cadogan me dizer quais eram as senhas que ia usar esta semana, porque ele não pára de mudar e agora não sei o que fiz com elas!
Odsbôdiquins — disse Harry a Sir Cadogan, que ficou desapontadíssimo e, com relutância, girou o quadro para a frente para deixá-los entrar na sala comunal. Houve um súbito murmúrio de excitação em que todas as cabeças se viraram e, no momento seguinte Harry foi cercado pelos colegas que exclamavam, assombrados com a Firebolt.
— Onde foi que você arranjou essa vassoura, Harry?
— Deixa eu dar uma voltinha?
— Você já andou nela, Harry?
— Corvinal não vai ter a menor chance, o pessoal lá usa Cleansweep Sevens!
— Me deixa só segurá-la um pouquinho, Harry?
Passados uns dez minutos mais ou menos, durante os quais a Firebolt passou de mão em mão, e foi admirada de todos os ângulos, a garotada se dispersou e Harry e Rony puderam ver Hermione direito, a única pessoa que não tinha corrido ao encontro dos garotos, curvada sobre seu trabalho, evitando encontrar o olhar deles.
Harry e Rony se aproximaram da mesa e finalmente Hermione ergueu a cabeça.
— Me devolveram a vassoura — disse Harry, sorrindo para a amiga e erguendo a Firebolt no ar.
— Está vendo, Mione? Não havia nada errado com ela — disse Rony.
— Bem... Mas podia ter havido! Quero dizer, pelo menos agora você sabe que ela é segura!
— É, suponho que sim — disse Harry. — É melhor eu ir guardá-la lá em cima...
— Eu levo! — disse Rony ansioso. — Tenho que dar o tônico a Perebas.
Rony apanhou a vassoura e, segurando-a como se fosse de vidro, levou-a escada acima para o dormitório dos meninos.
— Posso me sentar, então? — perguntou Harry a Hermione.
— Suponho que sim — disse a garota, tirando uma grande pilha de pergaminhos de uma cadeira.
Harry deu uma olhada na mesa atravancada, no longo trabalho de Aritmancia em que a tinta ainda estava molhada, no trabalho ainda mais longo de Estudos dos Trouxas ("Explique por que os trouxas precisam de eletricidade") e na tradução de runas em que Hermione trabalhava agora.
— Como é que você está conseguindo dar conta de tudo isso? — perguntou o garoto.
— Ah, bem... Você sabe, trabalhando à beça. — De perto, Harry viu que ela parecia quase tão cansada quanto Lupin.
— Por que você não tranca algumas matérias? — perguntou o garoto, observando-a erguer os livros para procurar o dicionário de runas.
— Eu não poderia fazer isso! — respondeu Hermione, escandalizada.
— Aritmancia parece horrível — comentou Harry, apanhando uma complicada tabela numérica.
— Ah, não, é maravilhosa! — respondeu Hermione séria. — É a minha matéria favorita! É...
Mas exatamente o que era maravilhoso na Aritmancia, Harry jamais chegou a saber. Naquele exato momento, um grito estrangulado ecoou pela escada do dormitório dos meninos. Todos na sala se calaram e olharam petrificados para a subida. Então ouviram os passos apressados de Rony, cada vez mais fortes... E em seguida ele apareceu, arrastando um lençol.
— OLHA! — berrou ele, se dirigindo à mesa de Hermione. — OLHA! — berrou de novo, sacudindo o lençol na cara da garota.
— Rony, que...?
— PEREBAS! OLHE! PEREBAS!
Hermione procurava afastar o corpo, com uma expressão de total perplexidade. Harry olhou para o lençol que Rony segurava. Havia alguma coisa vermelha nele.
Alguma coisa que se parecia horrivelmente com...
— SANGUE! — bradou Rony no silêncio de atordoamento que invadiu a sala. — ELE DESAPARECEU! E SABE O QUE TINHA NO CHÃO?
— N... Não — respondeu Hermione com a voz trêmula.
Rony atirou uma coisa em cima da tradução de runas de Hermione. Ela e Harry se curvaram para ver.
Em cima das estranhas formas pontiagudas havia vários pêlos de felino, compridos e amarelo-avermelhados.





CAPÍTULO TREZE
Grifinória versus Corvinal

Parecia o fim da amizade entre Rony e Hermione. Estavam tão zangados um com o outro que Harry não conseguia ver como poderiam, um dia, fazer as pazes.
Rony estava enfurecido porque Hermione nunca levara a sério as tentativas de Bichento para devorar Perebas, não se dera o trabalho de vigiá-lo de perto e continuava fingindo que o gato era inocente, sugerindo que Rony procurasse Perebas embaixo das camas dos garotos. Por sua vez, Hermione insistia ferozmente que Rony não tinha provas de que Bichento devorara Perebas, que os pêlos talvez estivessem no dormitório desde o Natal, e que o garoto alimentara preconceitos contra o gato desde que Bichento aterrissara na cabeça dele na Animais Mágicos.
Pessoalmente, Harry tinha certeza de que Bichento comera Perebas, e quando tentou mostrar a Hermione que todas as evidências apontavam nessa direção, a garota zangara-se com ele também.
— Tudo bem, fique do lado do Rony, eu sabia que você ia fazer isso! — disse ela com voz aguda. — Primeiro a Firebolt, agora Perebas, tudo é minha culpa, não é? Então me deixe em paz, Harry tenho muito trabalho a fazer.
Rony estava realmente sofrendo muito com a perda do rato.
— Vamos, Rony, você vivia dizendo que Perebas era chato — disse Fred para consolá-lo. — E seu rato estava doente havia séculos, estava definhando.  Provavelmente foi melhor para ele morrer depressa, de uma engolida, provavelmente nem sofreu.
— Fred! — exclamou Gina, indignada.
— Ele só fazia comer e dormir, Rony, você mesmo dizia — argumentou Jorge.
— Ele mordeu Goyle para nos defender uma vez! — disse Rony, infeliz. — Lembra, Harry?
— É, é verdade — confirmou o amigo.
— Foi o ponto alto da vida dele — disse Fred, incapaz de manter a cara séria. — Que a cicatriz no dedo de Goyle seja uma homenagem eterna a memória de Perebas. Ah, sai dessa, Rony, vai até Hogsmeade e compra um rato novo. Que adianta ficar se lamentando?
Numa última tentativa de animar Rony, Harry o convenceu a ir ao último treino do time da Grifinória, antes da partida com Corvinal, para poder dar uma volta na Firebolt quando terminassem. Isto pareceu, por um momento, desviar os pensamentos de Rony em Perebas ("Grande! Posso tentar fazer uns gols montado na vassoura?"), e os dois saíram para o campo de Quadribol juntos.
Madame Hooch, que continuava a supervisionar os treinos da Grifinória para vigiar Harry, ficou tão impressionada com a Firebolt quanto todo mundo que a vira.
A professora pegou a vassoura antes da decolagem e expôs aos jogadores sua opinião profissional.
— Olhem só o equilíbrio deste modelo! Se a série Nimbus tem algum defeito, é uma ligeira queda para a cauda, observa-se que depois de alguns anos isto se transforma num arrasto. Atualizaram o cabo também, mais fino do que as Cleansweeps, lembra as antigas Silver Arrows, uma pena que tenham parado de fabricá-las. Foi nelas que aprendi a voar, e também eram excelentes vassouras...
E a professora continuou nessa disposição por algum tempo até que Olívio a interrompeu:
— Hum... Madame Hooch? Será que a senhora podia devolver a vassoura a Harry? Temos que treinar...
— Ah, certo... Tome aqui, Potter — disse ela. — Vou me sentar ali adiante com Weasley...
Ela e Rony deixaram o campo e foram se sentar na arquibancada, e o time da Grifinória se agrupou em torno de Olívio para ouvir as últimas instruções para o jogo do dia seguinte.
— Harry, acabei de descobrir quem vai jogar como apanhador na Corvinal. É a Cho Chang: uma garota do quarto ano e muito boa... Para ser sincero eu tinha esperanças de que ela não tivesse voltado à forma, ela teve alguns problemas com contusões... — Olívio fez cara feia para assinalar seu desagrado pela plena recuperação de Cho Chang, depois continuou: — Por outro lado ela monta uma Comet 260, que vai parecer uma piada ao lado da Firebolt. — Olívio lançou um olhar de fervorosa admiração à vassoura de Harry, depois disse: — Muito bem, pessoal, vamos...
Então, finalmente, Harry montou na Firebolt, e deu impulso para levantar vôo.
Foi melhor do que ele jamais sonhara. A Firebolt virava ao menor toque; parecia obedecer a seus pensamentos em vez de suas mãos; ela atravessou o campo a tal velocidade que o estádio se transformou em um borrão verde e cinza;
Harry mudou de direção tão instantaneamente que Alicia Spinnet soltou um grito, e no instante seguinte ele entrou em um mergulho absolutamente controlado, raspando o gramado com as pontas dos pés antes de tornar a subir nove, doze, quinze metros no ar.
— Harry, vou soltar o pomo! — gritou Olívio.
O garoto virou a vassoura e apostou corrida com um balaço em direção às balizas; venceu-o com facilidade, viu o pomo disparar das costas de Olívio e em dez segundos já o tinha seguro na mão.
O time aplaudiu enlouquecido. Harry tornou a soltar o pomo, deu-lhe um minuto de dianteira e disparou atrás dele, desviando-se dos outros jogadores; depois, localizou-o próximo ao joelho de Katie Beli, fez uma volta em torno da garota e apanhou o pomo mais uma vez.
Foi o melhor treino que ele já fizera; os jogadores, inspirados pela presença da Firebolt na equipe, realizavam movimentos impecáveis, e, no momento em que voltaram ao chão, Olívio não teve uma única crítica a fazer, o que, como Jorge Weasley enfatizou, era a primeiríssima vez que acontecia.
— Não vejo o que é que vai nos deter amanhã! — disse Olívio. — A não ser que... Harry, você resolveu o seu problema com o dementador, não resolveu?
— Resolvi — disse Harry pensando no seu débil Patrono e desejando que ele fosse mais forte.
— Os dementadores não vão aparecer outra vez, Olívio. Dumbledore explodiria — disse Fred, confiante.
— Bem, esperemos que não — disse Olívio. — Em todo o caso... Bom trabalho, pessoal. Vamos voltar para a Torre... Dormir cedo...
— Eu vou ficar mais um pouco; Rony quer dar uma volta na Firebolt — avisou Harry a Olívio, e, enquanto os outros jogadores se dirigiam aos vestiários, Harry foi ao encontro de Rony, que saltou a barreira que separava o campo das arquibancadas com o mesmo fim. Madame Hooch adormecera onde estava.
— Manda ver — disse Harry, entregando ao amigo a Firebolt.
Rony, uma expressão de êxtase no rosto, montou na vassoura e disparou pela crescente escuridão, enquanto Harry andava em volta do campo, observando-o. Já anoitecera quando Madame Hooch acordou assustada, ralhou com os garotos por não a terem acordado e insistiu que voltassem ao castelo.
Harry pôs a Firebolt no ombro, e ele e Rony saíram do estádio sombrio, discutindo o desempenho suavíssimo da vassoura, sua fenomenal aceleração e suas curvas precisas. Estavam na metade do trajeto para o castelo quando Harry, olhando para a esquerda, viu uma coisa que fez seu coração dar uma cambalhota no peito — um par de olhos que luziam na escuridão.
Harry paralisou, o coração martelando as costelas.
— Que foi? — perguntou Rony.
Harry apontou. Rony puxou a varinha e murmurou:
Lumus!
Um raio de luz se projetou pelo gramado, bateu no pé de uma árvore e iluminou seus ramos; lá, agachado entre as folhas que brotavam, estava Bichento.
— Dá o fora daqui! — bradou Rony curvando-se para apanhar uma pedra caída no chão, mas antes que pudesse fazer mais alguma coisa, Bichento havia desaparecido com um único movimento do longo rabo amarelo-avermelhado.
— Está vendo? — exclamou Rony, furioso, largando a pedra no chão. — Ela continua deixando o gato andar por onde quer, provavelmente comendo uns dois passarinhos como guarnição para acompanhar o Perebas...
Harry não comentou nada. Inspirou profundamente sentindo o alívio invadi-lo; por um momento tivera certeza de que aqueles olhos pertenciam ao Sinistro. Os dois garotos retomaram, mais uma vez, a caminhada para o castelo. Um pouco envergonhado pelo momento de pânico, Harry não comentou nada com Rony, nem olhou mais para a esquerda nem para a direita até chegarem ao bem iluminado saguão de entrada.
Harry desceu para tomar café na manhã seguinte com os outros garotos do dormitório, todos os quais pareciam achar que a Firebolt merecia uma espécie de guarda de honra. Quando Harry entrou no Salão Principal, as cabeças se voltaram para a vassoura, e houve muitos comentários excitados. Harry viu, com enorme satisfação, que todo o time da Sonserina fazia cara de assombro.
— Você viu a cara dele? — perguntou Rony com vontade de rir, virando-se para olhar Malfoy. — Ele nem consegue acreditar! Genial!
Olívio, também, usufruía da glória que a Firebolt refletia.
— Ponha ela aqui, Harry — sugeriu o capitão, ajeitando a vassoura no meio da mesa e girando-a cuidadosamente de modo a deixar a marca visível. Os alunos das mesas da Corvinal e da Lufa-Lufa não demoraram a ir olhá-la de perto. Cedrico Diggory se aproximou para cumprimentar Harry por ter adquirido uma substituta tão esplêndida para sua Nimbus e a namorada de Percy, Penelope Clearwater, da Corvinal, chegou a perguntar se podia segurar a Firebolt.
— Ora, ora, Penelope, nada de sabotagem! — disse Percy cordialmente, enquanto ela mirava a Firebolt.
— Penelope e eu fizemos uma aposta — contou ele ao time. — Dez galeões no vencedor da partida!
A garota tornou a pousar a vassoura, agradeceu a Harry e voltou à sua mesa.
— Harry, não deixe de ganhar — recomendou Percy num sussurro urgente. — Eu não tenho dez galeões. Estou indo, Penny! — E correu para comer uma torrada com a garota.
— Tem certeza que você sabe montar nessa vassoura, Potter? — disse uma voz arrastada e fria.
Draco Malfoy chegara para dar uma espiada, seguido de perto por Crabbe e Goyle.
— Acho que sim — disse Harry, descontraído.
— Tem muitas características especiais, não é? — disse Malfoy, os olhos brilhando de malícia. — Pena que não venha com um pára-quedas, para o caso de você chegar muito perto de um dementador.
Crabbe e Goyle deram risadinhas.
— Pena que você não possa acrescentar braços na sua, Draco — retrucou Harry. — Assim ela poderia apanhar o pomo para você.
Os jogadores da Grifínória deram grandes gargalhadas. Os olhos claros de Draco se estreitaram e ele se afastou. Os dois garotos observaram Draco se reunir aos demais jogadores da Sonserina, que juntaram as cabeças, sem dúvida para perguntar a ele se a vassoura de Harry era realmente uma Firebolt.
As quinze para as onze, o time da Grifinória saiu em direção ao vestiário. O tempo não poderia estar mais diferente do que o do dia da partida com Lufa-Lufa.
Fazia um dia claro e frio com uma levíssima brisa; desta vez não haveria problemas de visibilidade e Harry, embora nervoso, estava começando a sentir a excitação que somente uma partida de Quadribol era capaz de produzir. Eles ouviram o resto da escola entrando, mais além, no estádio. Harry despiu as vestes negras da escola, tirou a varinha do bolso e enfiou-a na camiseta que ia usar por baixo do uniforme de Quadribol. Só esperava que não fosse preciso usá-la. De repente lhe ocorreu uma dúvida:  Se o Profº. Lupin estaria no meio da multidão, assistindo à partida.
— Vocês sabem o que temos de fazer — disse Olívio quando o time se preparava para deixar o vestiário. — Se perdermos esta partida, estaremos fora do campeonato. Vocês só têm que voar como fizeram no treino de ontem, e vamos nos dar bem!
Os jogadores saíram do vestiário para o campo debaixo de tumultuosos aplausos. O time da Corvinal, vestido de azul, já estava parado no meio do campo. A apanhadora, Cho Chang, era a única menina da equipe. Era mais baixa do que Harry quase uma cabeça, e, por mais nervoso que estivesse, ele não pôde deixar de reparar que era uma garota muito bonita. Cho sorriu para ele quando os times ficaram frente a frente, atrás dos capitães, e o garoto sentiu uma ligeira pulsação na região do baixo ventre que ele achou que não tinha relação alguma com o seu nervosismo.
— Wood, Davies, apertem-se as mãos — disse Madame Hooch, eficiente, e Olívio apertou a mão do capitão de Corvinal. — Montem nas vassouras... Quando eu apitar... Três, dois, um...
Harry deu o impulso para subir, e a Firebolt voou mais alto e mais veloz do que qualquer outra vassoura; ele sobrevoou o estádio e começou a espiar para todos os lados à procura do pomo, prestando atenção aos comentários que estavam sendo irradiados pelo amigo dos gêmeos Weasley, Lino Jordan.
Foi dado início à partida, e a grande novidade é a Firebolt que Harry Potter está montando pelo time da Grifinória. Segundo a Qual Vassoura, a Firebolt será a montaria escolhida pelos times nacionais para o Campeonato Mundial deste ano...
— Jordan, você se importa de nos dizer o que está acontecendo no campo? — interrompeu-o a voz da Profª. McGonagall.
— Certo, professora, eu só estava situando os ouvintes... A Firebolt, aliás, tem um freio automático e...
— Jordan!
— Ok, Ok, Grifinória tem a posse da goles, Katie Bell da Grifinória está voando em direção à baliza...
Harry passou veloz por Katie, à procura de um reflexo dourado, e reparou que Cho Chang o seguia muito de perto. Não havia dúvida de que a garota era um excelente piloto — não parava de cortar sua frente, forçando-o a mudar de direção.
— Mostre a ela sua aceleração, Harry! — berrou Fred ao passar disparado em perseguição de um balaço que seguia na direção de Alicia.
Harry impulsionou a Firebolt quando contornaram as balizas da Corvinal, e Cho ficou para trás. No momento exato em que Katie conseguia marcar o primeiro gol da partida e o lado do campo da Grifinória enlouquecia de entusiasmo, Harry viu... O pomo estava perto do chão, esvoaçando próximo à barreira.
Harry mergulhou; Cho percebeu o seu movimento e disparou atrás dele. O garoto foi aumentando a velocidade, tomado de excitação; os mergulhos eram sua especialidade, estava a três metros...
Então um balaço, arremessado por um dos batedores de Corvinal, saiu a roda, Harry nem viu de onde; ele mudou de rumo, evitando o petardo por um dedo, e, naqueles segundos cruciais, o pomo sumiu.
Houve um grande "ooooooh" de desapontamento da torcida de Grifinória, mas muitos aplausos de Corvinal para o seu batedor. Jorge Weasley deu vazão ao que sentia lançando um segundo balaço diretamente contra o autor do arremesso, que, por sua vez, foi forçado a dar uma cambalhota em pleno ar para evitar a colisão.
Grifinória lidera por oitenta pontos a zero, e olhe só o desempenho daquela Firebolt! Potter agora está realmente mostrando o que ela é capaz de fazer, vejam como muda de direção — a Comet de Chang simplesmente não é páreo para ela, o balanceamento preciso da Firebolt é visível nesses longos...
— JORDAN! VOCÊ ESTÁ GANHANDO PARA ANUNCIAR A FIREBOLT? VOLTE A IRRADIAR O JOGO!
Corvinal começou a jogar na retranca; já tinha marcado três gols, o que deixava Grifinória apenas cinqüenta pontos à frente e se Cho apanhasse o pomo antes deles, Corvinal ganharia a partida.
Harry reduziu a altitude, evitando por um triz um artilheiro de Corvinal, e esquadrinhou nervosamente o campo, um lampejo de ouro, um adejar de asinhas, o pomo estava circulando a baliza de Grifinória...
Harry acelerou, os olhos fixos no pontinho dourado à frente, mas nesse instante, Cho apareceu de repente, bloqueando sua visão...
— HARRY, ISSO NÃO É HORA PARA CAVALHEIRISMOS! — berrou Olívio quando o garoto deu uma guinada para evitar a colisão. — SE FOR PRECISO, DERRUBE-A DA VASSOURA!
Harry se virou e avistou Cho; a garota estava sorrindo.
O pomo sumira outra vez. Ele apontou a vassoura para o alto e logo chegou a sessenta metros sobre o campo. Pelo canto do olho, ele viu Cho seguindo-o... Ela resolvera marcá-lo em vez de procurar o pomo sozinha. Muito bem, então... Se queria segui-lo, teria que arcar com as conseqüências...
Harry mergulhou outra vez, e Cho, pensando que ele avistara o pomo, tentou acompanhá-lo; ele desfez o mergulho abruptamente; Cho continuou a descida veloz; ele subiu mais uma vez, como uma bala, e então viu-o, pela terceira vez, o pomo cintilava muito acima do campo, do lado da Corvinal.
Harry acelerou; a muitos metros abaixo Cho fez o mesmo.
Ele foi reduzindo a distância, se aproximando mais do pomo a cada segundo... Então...
— Oh! — gritou Cho, apontando.
Distraído, Harry olhou para baixo.
Três dementadores, três dementadores altos, negros, lá embaixo, olhavam para ele.
Harry nem parou para pensar. Enfiou a mão pelo decote de suas vestes, sacou a varinha e berrou:
Expecto patronum!
Uma coisa branco-prateada, uma coisa enorme, irrompeu de sua varinha. Ele percebeu que apontara diretamente para os dementadores, mas não parou para ver o efeito; sua mente continuava milagrosamente clara, ele olhou para a frente estava quase lá.
Estendeu a mão que ainda segurava a varinha e conseguiu fechar os dedos sobre o pequeno pomo que se debatia.
Soou o apito de Madame Hooch. Harry se virou no ar e viu  seis borrões vermelhos voando em sua direção; no momento seguinte, o time o abraçava com tanta força que ele quase foi arrancado da vassoura. Ouvia-se lá embaixo os brados da torcida da Grifinória em meio aos espectadores.
— Aí, garoto! — Olívio não parava de berrar. Alicia, Angelina e Katie, todas, tinham beijado Harry; Fred o abraçara com tanta força que ele achou que sua cabeça ia saltar do corpo. Em completa desordem, o time conseguiu voltar ao campo. Harry desmontou a vassoura, levantou a cabeça e viu um bando de torcedores da Grifinória saltar para dentro do campo, Rony à frente. Antes que desse por si, fora engolfado pela turma que gritava aplaudindo-o.
— Sim! — gritava Rony, puxando com força o braço de Harry e erguendo-o no ar. — Sim! Sim!
— Grande partida, Harry! — disse Percy, feliz. — Dez galeões para mim! Preciso procurar Penelope, com licença...
— Parabéns, Harry! — bradou Simas Finnigan.
— Brilhante! — berrou Hagrid por cima das cabeças dos alunos da Grifinória que acorriam.
— Foi um Patrono impressionante — disse uma voz no ouvido de Harry.
Harry se virou e viu o Profº. Lupin, que parecia ao mesmo tempo abalado e satisfeito.
— Os dementadores não me afetaram nada! — exclamou Harry excitado, — Eu não senti nada!
— Foi porque eles... Hum... Não eram dementadores — explicou o professor. — Venha ver...
Ele desvencilhou Harry da aglomeração até poderem ver a lateral do campo.
— Você deu um grande susto no Sr. Malfoy — disse Lupin.
Harry arregalou os olhos. Amontoados no chão estavam Malfoy, Crabbe, Goyle e Marcos Flint, o capitão do time da Sonserína, lutando para se despir das vestes negras e longas com capuzes. Pelo jeito Malfoy estivera em pé nos ombros de Goyle. Parada ao lado deles, com uma expressão de fúria no rosto, estava a Profª. Minerva.
— Um truque indigno! — bradava ela. — Uma tentativa baixa e covarde de sabotar o apanhador de Grifinória! Detenção para todos e menos cinqüenta pontos para Sonserina! Vou falar com o Profº. Dumbledore, não se iludam! Ah, aí vem ele agora!
Se alguma coisa podia selar a vitória de Grifinória, era isso.
Ron, que pelejara para chegar até Harry, se dobrava de tanto rir, ao contemplar Malfoy tentando sair da veste, a cabeça de Goyle ainda presa lá dentro.
— Vamos, Harry! Disse Jorge procurando se aproximar. — Festa! Sala Comunal da Grifinória, agora!
— Certo — respondeu Harry, sentindo-se mais feliz do que se lembrava de ter se sentido havia muito tempo. Ele e o restante do time abriram caminho, ainda de vestes vermelhas, para fora do estádio e de volta ao castelo.
A sensação era de que já tinham ganhado a Taça de Quadribol; a festa durou o dia inteiro e se prolongou até tarde da noite. Fred e Jorge Weasley desapareceram algumas horas e voltaram com braçadas de garrafinhas de cerveja amanteigada, abóbora espumante e vários sacos de doces da Dedosdemel.
— Como foi que você fez isso?! — gritou Angelina Johnson quando Jorge começou a atirar sapos de menta nos colegas.
— Com uma ajudinha de Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas — murmurou Fred ao ouvido de Harry.  Somente uma pessoa não participava da comemoração. Hermione, por incrível que pareça, estava sentada a um canto, tentando ler um enorme livro intitulado Vida Doméstica e Hábitos Sociais dos Trouxas Britânicos. Harry se afastou da mesa em que Fred e Jorge começavam a fazer malabarismos com as garrafinhas de cerveja amanteigada e foi até a amiga.
— Você ao menos foi ao jogo? — perguntou ele.
— Claro que fui — respondeu Hermione numa voz estranhamente aguda, sem levantar a cabeça. — E estou muito contente que a gente tenha ganhado, e acho que você jogou realmente bem, mas tenho que ler isso aqui até segunda-feira.
— Vamos, Mione, venha comer alguma coisa — convidou Harry, enquanto olhava para Rony e se perguntava se ele teria suficiente bom humor para guardar a machadinha de guerra.
— Não posso, Harry. Ainda tenho quatrocentas e vinte e duas páginas para ler — respondeu a garota, agora num tom ligeiramente histórico. — De qualquer modo... — a garota olhou para Rony, também —, ele não quer a minha companhia.
Quanto a isso, não havia o que discutir, porque Rony escolheu aquele momento para dizer em voz alta:
— Se Perebas não tivesse sido devorado, ele poderia ter comido uma mosca de chocolate. Ele gostava tanto...
Hermione caiu no choro. Antes que Harry pudesse dizer alguma coisa, ela meteu o enorme livro embaixo do braço e, ainda soluçando, correu para a escada do dormitório das meninas e desapareceu de vista.
— Será que você não podia dar a ela um tempo? — perguntou Harry a Rony em voz baixa.
— Não — respondeu o garoto com firmeza. — Se ela ao menos mostrasse que lamenta, mas jamais vai admitir que errou, a Hermione. Continua a agir como se Perebas tivesse tirado férias ou qualquer coisa do gênero.
A festa da Grifinória só terminou quando a Profª. Minerva apareceu vestida com o seu robe de tecido escocês e os cabelos presos numa rede, à uma hora da manhã, para insistir que todos fossem se deitar. Harry e Rony subiram as escadas para o dormitório, ainda discutindo a partida. Por fim, exausto, Harry se enfiou na cama, ajeitou o cortinado de sua cama para esconder um raio de luar, se deitou de costas e sentiu que adormecia quase instantaneamente...
Teve um sonho muito estranho. Estava andando por uma floresta, a Firebolt ao ombro, seguindo uma coisa branco-prateada. Ela avançava entre as árvores e Harry só conseguia avistá-la entre a folhagem. Ansioso para alcançá-la, apressou o passo, mas ao fazer isso, a coisa que ele perseguia acelerou também.
Harry começou a correr e, à frente dele, ouviu cascos que ganhavam velocidade. Agora ele estava correndo desabalado e, à frente, ouvia a coisa galopar. Então ele fez uma curva para dentro de uma clareira e...
AAAAAAAAAAAIIIIIIIIIII! NAAAAAAAAÃO!
Harry acordou subitamente como se alguém o tivesse esbofeteado.
Desorientado na escuridão total agarrou as cortinas ouvia movimentos a sua volta e a voz de Simas Finnigan do outro lado do quarto:
— Que é que está acontecendo?
Harry achou ter ouvido a porta do dormitório bater.  Finalmente,
encontrando a abertura das cortinas, puxou-as para um lado com  violência e, na mesma hora, Dino Thomas acendeu o abajur.  Rony estava sentado na cama, as cortinas rasgadas dos dois lados, uma expressão de absoluto terror no rosto.
— Black! Sirius Black! Com uma faca!
— Que!
— Aqui! Agorinha mesmo! Cortou as cortinas! Me acordou!
— Você tem certeza de que não sonhou, Rony? — perguntou Dino.
— Olha só as cortinas! Estou dizendo, ele esteve aqui!
Todos os garotos saltaram das camas; Harry alcançou a porta do dormitório primeiro que os outros e desceu correndo as escadas.
Portas se abriram às suas costas e vozes cheias de sono chamaram.
— Quem gritou?
— Que é que vocês estão fazendo?
A sala comunal estava iluminada com o brilho das chamas que se extinguiam na lareira, ainda atulhada com os restos da festa. Estava deserta.
— Você tem certeza de que não estava dormindo, Rony?
— Estou dizendo que vi Black!
— Que barulheira é essa?
— A Profª. McGonagall nos mandou para a cama! Algumas garotas tinham descido, vestindo os robes e bocejando. Os garotos também foram reaparecendo.
— Que ótimo, vamos continuar? — perguntou Fred Weasley animado.
— Todos de volta para cima! — falou Percy, que entrou correndo na sala comunal prendendo o distintivo de monitor-chefe no pijama enquanto falava.
— Percy... Sirius Black! — disse Rony com a voz fraca. — No nosso dormitório! Com uma faca! Me acordou!
A sala comunal mergulhou em silêncio.
— Que bobagem! — exclamou Percy parecendo espantado. — Você comeu demais, Rony... Teve um pesadelo...
— Estou lhe dizendo...
— Agora, francamente, já é demais!
A Profª. Minerva estava de volta. Ela bateu o retrato ao entrar na sala comunal e olhou furiosa para todos.
— Estou encantada que Grifinória tenha ganho a partida, mas isto está ficando ridículo! Percy, eu esperava mais de você!
— Com certeza eu não autorizei isso, professora! — defendeu-se Percy, se empertigando, indignado. — Estava justamente dizendo a todos para voltarem para a cama! Meu irmão Rony teve um pesadelo...
— NÃO FOI UM PESADELO! — berrou Rony. — PROFESSORA, EU ACORDEI E SIRIUS BLACK ESTAVA PARADO AO MEU LADO SEGURANDO UMA FACA!
A professora encarou-o.
— Não seja ridículo, Weasley, como seria possível ele passar pelo buraco do retrato?
— Pergunte a ele! — respondeu Rony apontando um dedo trêmulo para o avesso do retrato de Sir Cadogan. — Pergunte se ele viu...
Com um olhar penetrante e desconfiado para Rony, a professora empurrou o retrato e saiu. Todos na sala procuraram escutar prendendo a respiração.
— Sir Cadogan, o senhor acabou de deixar um homem entrar na Torre da Grifinória?
— Certamente, minha boa senhora! — exclamou o cavaleiro.
Fez-se um silêncio de espanto, tanto dentro quanto fora da sala comunal.
— O senhor... O senhor deixou? Mas... E a senha?
— Ele sabia! — respondeu Sir Cadogan com orgulho. — Tinha as senhas da semana inteira, minha senhora! Leu-as em um pedacinho de papel!
A professora tornou a passar pelo buraco do retrato e encarou os alunos atordoados. Estava branca como giz.
— Quem foi — perguntou ela com a voz trêmula —, quem foi a criatura abissalmente tola que anotou as senhas desta semana e as largou por aí?
Fez-se um silêncio absoluto, quebrado por gritinhos quase inaudíveis de terror. Neville Longbottom, tremendo da cabeça às pontas dos chinelos fofos, ergueu a mão no ar.











CAPÍTULO CATORZE
O ressentimento de Snape

Ninguém na Torre da Grifinória dormiu àquela noite. Todos sabiam que o castelo estava sendo revistado novamente e os alunos da casa permaneceram acordados na sala comunal, esperando para saber se Black fora apanhado. A Profª. Minerva voltou ao amanhecer para informar que, mais uma vez, ele escapara.
Durante todo o dia, onde quer que fossem, os garotos percebiam sinais de uma segurança mais rigorosa; o Profº. Flitwick podia ser visto, às portas de entrada do castelo, ensinando-os a reconhecer uma grande foto de Sirius Black;
Filch, de repente, andava para cima e para baixo nos corredores, pregando tábuas em tudo, desde minúsculas fendas nas paredes até tocas de camundongos. Sir Cadogan fora demitido. Repuseram seu retrato no solitário patamar do sétimo andar e a Mulher Gorda voltou ao seu lugar. Fora competentemente restaurada, mas continuava nervosíssima e só concordara em voltar ao trabalho com a condição de receber mais proteção.
Um bando de trasgos carrancudos tinha sido contratado para guardá-la.
Eles percorriam o corredor em um grupo ameaçador, falando em rosnados e comparando o tamanho dos seus bastões.
Harry não pôde deixar de reparar que a estátua da bruxa de um olho só, no terceiro andar, continuava sem guarda nem bloqueio. Parecia que Fred e Jorge tinham razão em pensar que eles e agora Harry Potter, Rony e Hermione eram os únicos que conheciam a passagem secreta a que a bruxa dava acesso.
— Você acha que devemos contar a alguém? — perguntou Harry a Rony.
— A gente sabe que Black não está entrando pela Dedosdemel — disse Rony descartando a idéia. — Saberíamos se a loja tivesse sido arrombada.
Harry ficou contente que Rony pensasse como ele. Se a bruxa de um olho só também fosse fechada com tábuas, ele não poderia voltar a Hogsmeade.
Rony se transformara numa celebridade instantânea. Pela primeira vez na vida, as pessoas prestavam mais atenção a ele do que a Harry e era evidente que ele estava gostando bastante da experiência. Embora ainda estivesse muito abalado com os acontecimentos da noite anterior, ficava feliz de contar a quantos perguntassem o que acontecera, com riqueza de detalhes.
— ... Eu estava dormindo e ouvi barulho de pano cortado e achei que estava sonhando, sabe? Mas aí senti uma correnteza de ar... Acordei e vi que o cortinado de um lado da minha cama tinha sido arrancado... Me virei... E vi Black parado ali... Como um esqueleto, os cabelos imundos... Segurando um facão comprido, devia ter uns trinta centímetros... E ele olhou para mim e eu olhei para ele, então eu soltei um berro e ele se mandou.
— Mas por quê? — Rony acrescentou para Harry quando o grupo de garotas do segundo ano, que estivera escutando sua história enregelante, se afastou. — Por que foi que ele correu?
Harry andara se perguntando a mesma coisa. Por que Black, ao verificar que escolhera a cama errada, não silenciara Rony e procurara Harry? Ele já provara doze anos antes que não se importava de matar gente inocente, e desta vez só precisava enfrentar cinco garotos desarmados, quatro dos quais adormecidos.
— Ele devia saber que ia ter problemas para sair do castelo depois que você gritasse e acordasse todo mundo — disse Harry, pensativo. — Teria que matar a casa toda para passar pelo buraco do retrato... E teria dado de cara com os professores...
Neville caiu em total desgraça. A Profª. à McGonagall estava tão furiosa com ele que o banira de todas as futuras visitas a Hogsmeade, lhe dera uma detenção e proibira todos de lhe informarem a senha para a torre. O coitado era obrigado a esperar do lado de fora da sala comunal, todas as noites, até alguém deixá-lo entrar, enquanto os trasgos da segurança caçoavam dele. Nenhum desses castigos, porém, chegou nem próximo do que sua avó lhe reservara. Dois dias depois da invasão de Black, ela mandou a Neville a pior coisa que um aluno de Hogwarts podia receber na hora do café da manhã um berrador.
As corujas da escola entraram voando pelo Salão Principal trazendo o correio, como de costume, e Neville se engasgou quando a  enorme coruja pousou diante dele com um envelope vermelho preso no bico.
Harry e Rony, que estavam sentados em frente, reconheceram imediatamente que a carta era um berrador. Rony recebera um da Sra. Weasley no ano anterior.
— Apanha ela logo, Neville — aconselhou Rony.
Neville não precisou que lhe dissessem duas vezes. Agarrou o envelope e, segurando-o à frente como se fosse uma bomba, saiu correndo do Salão em meio às explosões de riso da mesa da Sonserina. Todos ouviram o berrador disparar no saguão de entrada. A voz da avó de Neville, com o volume normal magicamente ampliado cem vezes, bradava que ele envergonhara a família inteira.
Harry estava tão ocupado sentindo pena de Neville que nem reparou imediatamente que havia uma carta para ele também.
Edwiges atraiu sua atenção beliscando-o com força no pulso.
— Ai! Ah... Obrigado, Edwiges.
Harry rasgou o envelope enquanto a coruja se servia dos flocos de milho de Neville. O bilhete dentro do envelope dizia o seguinte:

Caros Harry e Rony
Querem vir tomar chá comigo hoje à tarde por volta das seis?
Irei buscar vocês no castelo.
ESPEREM POR MIM NO SAGUÃO DE ENTRADA; VOCÊS NÃO PODEM SAIR SOZINHOS.
 Abraços, Hagrid.

— Ele provavelmente quer saber as novidades sobre Black — disse Rony.
Assim, às seis horas daquela tarde, Harry e Rony saíram da Torre da Grifinória, passaram pelos trasgos de segurança e rumaram para o saguão de entrada.
Hagrid já estava à espera.
— Está bem, Hagrid! — exclamou Rony. — Imagino que você queira saber o que aconteceu no sábado à noite, é isso?
— Já soube de tudo — disse Hagrid, abrindo a porta de entrada e levando-os para fora.
— Ah — exclamou Rony, parecendo ligeiramente desconcertado.
A primeira coisa que viram ao entrar na cabana de Hagrid foi Bicuço estirado em cima da colcha de retalhos de Hagrid, as enormes asas fechadas junto ao corpo, apreciando um pratão de doninhas mortas. Ao desviar o olhar dessa visão repugnante, Harry viu um gigantesco traje peludo e uma medonha gravata amarela e laranja pendurados no alto da porta do armário.
— Para que é isso, Hagrid? — perguntou Harry.
— O caso de Bicuço contra a Comissão para Eliminação de Criaturas Perigosas. Nesta sexta-feira. Ele e eu vamos a Londres juntos. Reservei duas camas no Nôitibus...
Harry sentiu uma pontada incômoda de remorso. Esquecera-se completamente que o julgamento de Bicuço estava tão próximo e, a julgar pela expressão constrangida no rosto de Rony, ele também. Os dois tinham se esquecido igualmente da promessa de ajudar Hagrid a preparar a defesa de Bicuço; a chegada da Firebolt tinha varrido a promessa do pensamento dos garotos.
Hagrid serviu chá e ofereceu um prato de pãezinhos aos garotos, que tiveram o bom senso de não aceitar; tinham muita experiência com a culinária do guarda-caça.
— Tenho uma coisa para conversar com vocês dois — disse Hagrid sentando-se entre os garotos, com o ar anormalmente sério.
— O quê? -perguntou Harry.
— Mione — respondeu Hagrid.
— Que é que tem a Mione? — perguntou Rony.
— Ela está num estado de cortar o coração, é isso que tem.  Veio me visitar muitas vezes desde o Natal. Se sente solitária. Primeiro vocês não estavam falando com ela por causa da Firebolt, agora vocês não estão falando por causa do gato...
— ... Que comeu Perebas! — interpôs Rony, zangado.
— Porque o gato dela fez o que todos os gatos fazem — insistiu Hagrid. — Ela já chorou muito, sabem. Está passando por um mau momento. Abocanhou mais do que pode mastigar, se querem saber, todo o trabalho que está tentando fazer. E ainda arranjou tempo para me ajudar no caso do Bicuço, vejam bem... Encontrou um material realmente bom para mim... Acho que ele terá uma boa chance agora...
— Hagrid, nós devíamos ter ajudado também, desculpe... — começou Harry, sem jeito.
— Não estou cobrando nada — disse Hagrid, dispensando as desculpas. — Deus sabe que você teve muito com que se ocupar. Vi você praticando Quadribol todas as horas do dia e da noite, mas tenho que dizer uma coisa, pensei que vocês davam mais valor à amiga do que a vassouras e ratos. É só isso.
Harry e Rony trocaram olhares constrangidos.
— Bem nervosa ela ficou, quando Black quase esfaqueou você, Rony.  Ela tem o coração no lugar, a Mione, e vocês se recusando a falar com ela...
— Se ela ao menos se livrasse daquele gato, eu voltaria a falar com ela! — disse Rony, zangado. — Mas ela continua do lado do Bichento. É um maníaco e ela não quer ouvir nem uma palavra contra ele!
— Ah, bem, as pessoas podem ser obtusas quando se trata de bichos de estimação — disse Hagrid sabiamente.
Às costas dele, Bicuço cuspiu uns ossos de doninha em cima do travesseiro.
Os três passaram o resto da visita discutindo a nova chance de Grifinória concorrer à Taça de Quadribol. Às nove horas, Hagrid acompanhou-os de volta ao castelo.
Um grande grupo de alunos se achava aglomerado em torno do quadro de avisos quando eles chegaram à sala comunal.
— Hogsmeade no próximo fim de semana! — disse Rony, se esticando por cima da cabeça dos colegas para ler o aviso. — Que é que você acha? — acrescentou em voz baixa quando os dois foram se sentar.
— Bem, Filch não mexeu na passagem para a Dedosdemel... — ponderou Harry, ainda mais baixo.
— Harry! — disse alguém bem no seu ouvido direito. Harry se assustou e, ao se virar, viu Hermione, que estava sentada à mesa logo atrás deles e abrira uma brecha na parede de livros que a escondia.
— Harry se você for a Hogsmea outra vez... Vou contar à Profª. McGonagall sobre aquele mapa! — ameaçou ela.
— Você está ouvindo alguém falar, Harry? — rosnou Rony, sem olhar para Hermione.
— Rony, como é que pode deixar ele o acompanhar? Depois do que o Sirius Black fez a você, quero dizer, vou contar...
— Então agora você está tentando provocar a expulsão do Harry! — disse Rony, furioso. — Não acha suficiente o mal que você já fez este ano?
Hermione abriu a boca para responder, mas com um assobio suave, Bichento saltou para o seu colo. A garota lançou um olhar assustado à cara que Rony fazia, recolheu Bichento e saiu correndo para o dormitório das meninas.
— Então, e aí? — perguntou Rony a Harry como se não tivesse havido interrupção. — Vamos, da última vez que fomos você não viu nada. Você ainda nem entrou na Zonko’s!
Harry espiou para os lados para verificar se Hermione não estava por perto ouvindo.
— Tudo bem. Mas desta vez vou levar a minha Capa da Invisibilidade.
Na manhã de sábado, Harry guardou a Capa da Invisibilidade na mochila, meteu o Mapa do Maroto no bolso e foi tomar café com todo mundo. À mesa, Hermione não parava de lhe lançar olhares desconfiados, mas ele evitou encarar a amiga e teve o cuidado de deixar que ela o visse subindo a escadaria de mármore no saguão de entrada, quando os outros alunos se dirigiam às portas de entrada.
— Tchau! — gritou Harry para Rony. — A gente se vê quando você voltar.
Rony sorriu e piscou um olho.
Harry correu ao terceiro andar, tirando o Mapa do Maroto do bolso enquanto subia. Agachado atrás da bruxa de um olho só, ele o abriu. Um pontinho vinha se movendo em sua direção. Harry apertou os olhos para enxergar melhor. A pequena legenda ao lado informava que era Neville Longbottom.
Harry puxou depressa a varinha, murmurou “Dissemdum!” e enfiou a mochila na estátua, mas antes que pudesse entrar Neville apareceu no canto do corredor.
— Harry! Eu me esqueci que você também não ia a Hogsmeade!
— Oi, Neville — disse Harry, afastando-se rapidamente da estátua e empurrando o mapa para dentro do bolso. — Que é que você vai fazer?
— Nada — disse Neville encolhendo os ombros. — Que tal uma partida de Snap Explosivo?
— Hum... Agora não... Eu estava indo à biblioteca fazer aquela redação sobre os vampiros que Lupin pediu...
— Eu vou com você! — disse Neville, animado. — Eu também não fiz!
— Hum... Espera aí, ah, me esqueci, já terminei ontem à noite!
— Que ótimo, então você pode me ajudar! — disse Neville, o rosto redondo demonstrando ansiedade. — Não consigo entender aquela história do alho, eles têm que comer ou...
Com uma pequena exclamação, ele se calou, espiando por cima do ombro de Harry.
Era Snape. Neville deu um passo rápido para trás de Harry.
— E o que é que vocês estão fazendo aqui? — perguntou Snape. Que parou e olhou de um garoto para o outro. — Que lugar estranho para se encontrarem...
Para imensa inquietação de Harry, os olhos negros de Snape correram para as portas ao lado de cada um deles e em seguida para a bruxa de um olho só.
— Nós não... Marcamos encontro aqui. Só nos encontramos, por acaso.
— Verdade? Você tem o hábito de aparecer em lugares inesperados, Potter, e raramente sem uma boa razão... Sugiro que os dois voltem à Torre da Grifinória que é o seu lugar.
Harry e Neville saíram sem dizer mais nada. Quando viraram um canto, Harry olhou para trás. Snape estava passando a mão na bruxa de um olho só, examinando-a atentamente.
Harry conseguiu se livrar de Neville no retrato da Mulher Gorda, dizendo-lhe a senha, e, depois, fingindo que deixara a redação na biblioteca, deu meia-volta. Uma vez longe das vistas dos trasgos de segurança, ele tornou a tirar o mapa do bolso e segurá-lo bem junto ao nariz.
O corredor do terceiro andar parecia estar deserto.
Harry examinou o mapa cuidadosamente e viu, com uma sensação de alívio, que o pontinho Severo Snape voltara à sua sala.
Correu, então, até a bruxa de um olho só, abriu a corcunda, desceu o corpo por ela e se largou para ir ao encontro de sua mochila no fim do escorrega. Apagou, então, o Mapa do Maroto e saiu correndo.
Harry, inteiramente escondido sob a Capa da Invisibilidade, saiu a luz do sol à porta da Dedosdemel e cutucou Rony nas costas.
— Sou eu — murmurou.
— Que foi que o atrasou? — sibilou Rony.
— Snape estava rondando o corredor...
Os garotos saíram andando pela rua principal.
— Onde é que você está? — Rony perguntava toda hora pelo canto da boca. — Ainda está aí? Que coisa mais estranha...
Eles foram ao correio; Rony fingiu estar verificando o preço de uma coruja para Gui no Egito para que Harry pudesse dar uma boa olhada em tudo. As corujas estavam pousadas e piavam baixinho para ele, no mínimo umas trezentas; desde as cinzentas de grande porte até as muito pequenas ("Somente para entregas locais"), que eram tão mínimas que caberiam na palma da mão do garoto.
Depois, visitaram a Zonko's, que estava tão apinhada de estudantes que Harry precisou tomar um cuidado enorme para não pisar em ninguém e, com isso, desencadear o pânico. Havia logros e brincadeiras para satisfazer até os sonhos mais absurdos de Fred e Jorge; Harry cochichou ordens para Rony e lhe passou um pouco de ouro por baixo da capa. Os dois deixaram a Zonko's com as bolsas de dinheiro bastante mais leves do que quando entraram, mas os bolsos iam estufados de bombas de bosta, soluços doces, sabão de ovas de sapo e, para cada um, uma xícara que mordia o nariz.
Fazia um tempo firme, de brisa suave, e nenhum dos garotos tinha vontade de ficar dentro de casa, por isso eles passaram direto pelo Três Vassouras e subiram uma ladeira para visitar a Casa dos Gritos, o lugar mais mal-assombrado da Grã-Bretanha. Ficava um pouco mais alta do que o resto do povoado, e mesmo durante o dia provocava certos arrepios, com suas janelas fechadas com tábuas e um jardim úmido e malcuidado.
— Até os fantasmas de Hogwarts evitam a casa — disse Rony quando se debruçavam na cerca para apreciá-la. — Perguntei a Nick Quase sem Cabeça... Ele diz que soube que mora ai uma turma da pesada. Ninguém consegue entrar. Fred e Jorge tentaram, é claro, mas todas as entradas estão tampadas...
Harry, cheio de calor por causa da subida estava pensando em tirar a capa por uns minutinhos quando ouviu vozes que se aproximavam. Havia gente subindo em direção à casa pelo outro lado da elevação; momentos depois, Malfoy apareceu, seguido de perto por Crabbe e Goyle. Malfoy vinha falando.
— ... Devo receber uma coruja do meu pai a qualquer hora. Ele teve que ir à audiência para depor sobre o meu braço... Que ficou inutilizado durante três meses...
Crabbe e Goyle riram.
— Eu bem que gostaria de ouvir aquele paspalhão grisalho se defender... "Ele não tem uma natureza má”, honestamente aquele hipogrifo pode se considerar morto...
Malfoy de repente avistou Rony. Seu rosto pálido se abriu num sorriso maldoso.
— Que é que você anda fazendo, Weasley?
Malfoy ergueu os olhos para a casa em ruínas, às costas de Rony.
— Acho que você gostaria de morar aqui, não, Weasiey? Sonhando com um quarto só para você? Ouvi falar que a sua família toda dorme em um quarto só, é verdade?
Harry segurou as vestes de Rony pelas costas para impedi-lo de pular em cima de Malfoy.
— Deixe-o comigo — sibilou ao ouvido de Rony.
A oportunidade era perfeita demais para ser desperdiçada. Harry caminhou silenciosamente até as costas de Malfoy, Crabbe e Goyle, se abaixou e apanhou no caminho uma mão bem cheia de lama.
— Estávamos mesmo discutindo sobre seu amigo Hagrid — disse Malfoy a Rony. — Tentando imaginar o que ele está dizendo à Comissão para Eliminação de Criaturas Perigosas. Você acha que ele vai chorar quando cortarem...
SPLASH!
A cabeça de Malfoy foi empurrada para frente quando a lama o atingiu; e, de repente, de seus cabelos louro-prateados começaram a escorrer lama.
— Quem...?
Rony teve que se segurar na cerca para não cair de tanto rir.
Malfoy, Crabbe e Goyle se viraram no mesmo lugar, olhando para todos os lados, agitados, enquanto Malfoy tentava limpar os cabelos.
— Que foi isso? Quem fez isso?
— É muito mal-assombrado isso aqui, não é, não? — falou Rony, com ar de quem está comentando o tempo.
Crabbe e Goyle ficaram assustados. Seus músculos avantajados eram inúteis contra fantasmas. Malfoy examinava, furioso, a paisagem deserta.
Harry se esgueirou pelo caminho até uma poça particularmente cheia de lama esverdeada e malcheirosa.
SPLASH!
Desta vez os atingidos foram Crabbe e Goyle. Goyle deu pulos frenéticos, tentando tirar a lama dos olhos miúdos e inexpressivos.
— Veio dali! — disse Malfoy, limpando o rosto e detendo o olhar em um ponto a uns dois metros à esquerda de Harry.
Crabbe avançou inseguro, os braços compridos estendidos à frente, como um morto vivo.
Harry rodeou Crabbe, apanhou um pedaço de pau e arremessou-o contra as costas dele. E se dobrou com risadas silenciosas quando o garoto fez uma pirueta no ar, tentando ver quem o atacara. Como Rony foi a única pessoa que ele viu, foi para ele que Crabbe avançou, mas Harry esticou a perna. O garoto tropeçou e seu enorme pé chato se prendeu na barra da capa de Harry. Este sentiu um grande puxão e a capa escorregou do seu rosto.
Por uma fração de segundo, Malfoy arregalou os olhos e o fitou.
— HARRRRRY! — berrou ele, apontando para a cabeça de Harry.
Então, deu as costas e fugiu a toda, morro abaixo, com Crabbe e Goyle nos seus calcanhares.
Harry puxou a capa para cima, mas o estrago já estava feito.
— Harry! — chamou Rony, avançando aos tropeços até o ponto em que o amigo desaparecera. — É melhor você correr! Se Malfoy contar a alguém, é melhor você já ter voltado ao castelo, depressa...
— Vejo você mais tarde — disse Harry e, sem mais uma palavra, desceu correndo pelo caminho, em direção a Hogsmeade.
Será que Malfoy acreditaria no que vira? Será que alguém acreditaria em Malfoy? Ninguém sabia da existência da Capa da Invisibilidade, ninguém exceto Dumbledore.
O estômago de Harry deu cambalhotas, o diretor saberia exatamente o que acontecera, se Malfoy dissesse alguma coisa...
O garoto voltou à Dedosdemel, à escada que levava ao porão, atravessou a distância que o separava do alçapão e entrou, então tirou a capa, meteu-a debaixo do braço e correu, desabalado, pela passagem... Malfoy chegaria primeiro... Quanto tempo levaria para encontrar um professor? Ofegante, uma dor forte do lado, Harry não diminuiu a velocidade até alcançar o escorrega de pedra.
Teria que deixar a capa ali, seria muito bandeiroso se Malfoy tivesse avisado um professor.
Escondeu-a num canto escuro e começou a subir, o mais depressa que pôde, suas mãos suadas escorregando na borda do escorrega. Quando chegou à corcunda da bruxa tocou-lhe com a varinha, enfiou  a cabeça para fora e deu um impulso para sair. A corcunda se fechou e na hora que ele saltou de trás da estátua ouviu passos que se aproximavam apressados.
Era Snape. Rapidamente o professor alcançou Harry, as vestes pretas farfalhando, e parou diante dele.
— Então — falou.
O professor tinha uma expressão de triunfo reprimido no rosto. Harry tentou parecer inocente, embora muito consciente do seu rosto suado e das mãos enlameadas, que ele escondeu depressa nos bolsos.
— Venha comigo, Potter — disse Snape.
Harry o acompanhou até o andar de baixo, tentando limpar as mãos no avesso das vestes, sem que Snape notasse. Dali desceram masmorras e à sala de Snape.
O garoto só estivera ali antes uma vez e fora também por um problema muito sério. Desde então Snape adquirira mais umas coisas horríveis e viscosas conservadas em frascos, todos arrumados nas prateleiras atrás de sua escrivaninha, refletindo as chamas da lareira e contribuindo ainda mais para tornar a atmosfera ameaçadora.
— Sente-se — mandou Snape.
Harry se sentou. O professor, no entanto, continuou em pé.
— O Sr. Malfoy acabou de vir me contar uma história estranha, Potter.
Harry ficou calado.
— Ele me contou que estava na Casa dos Gritos quando deparou com Weasley, aparentemente sozinho.
Ainda assim, Harry não falou nada.
— O Sr. Malfoy diz que estava parado, falando com Weasley, quando um pelotaço de lama o atingiu na nuca. Como é que você acha que isso aconteceu?
Harry tentou parecer levemente surpreso.
— Não sei, professor.
Os olhos de Snape perfuravam os de Harry. Era exatamente a mesma sensação de tentar dominar um hipogrifo com o olhar. O garoto fez força para não piscar.
— O Sr. Malfoy então viu uma extraordinária aparição. Você pode imaginar o que teria sido, Potter?
— Não — respondeu Harry, agora tentando parecer inocentemente curioso.
— Foi a sua cabeça, Potter. Flutuando no ar.
Fez-se um longo silêncio.
— Talvez seja bom ele ir procurar Madame Pomfrey — sugeriu Harry. — Se anda vendo coisas como...
— Que é que a sua cabeça estaria fazendo em Hogsmeade, Potter? — perguntou Snape suavemente. — A sua cabeça não tem permissão de ir a Hogsmeade.  Nenhuma parte do seu corpo tem permissão de ir a Hogsmeade.
— Eu sei, professor — respondeu Harry, tentando manter o rosto despojado de culpa ou medo. — Parece que Malfoy está sofrendo alucina...
— Malfoy não está sofrendo alucinações — rosnou Snape, se curvando com as mãos apoiadas nos braços da cadeira de Harry, de modo que os rostos dos dois ficaram afastados apenas trinta centímetros. Se a sua cabeça estava em Hogsmeade, então o resto do seu corpo também estava.
— Estive na Torre da Grifinória. Como o senhor me mandou...
— Alguém pode confirmar isso?
Harry não respondeu. A boca de Snape se torceu num feio sorriso.
— Então — disse ele se endireitando. — Todo mundo, do Ministro da Magia para baixo, está tentando manter o famoso Harry Potter a salvo de Sirius Black.  Mas o famoso Harry Potter faz as suas próprias leis. Que as pessoas comuns se preocupem com a sua segurança! O famoso Harry Potter vai aonde quer, sem medir as conseqüências.
Harry ficou calado. Snape estava tentando provocá-lo a dizer a verdade. Pois ele não ia dizer. Snape não tinha provas, ainda.
— É extraordinário como você se parece com o seu pai, Potter — disse Snape de repente, os olhos brilhando. Ele também era muitíssimo arrogante. Um pequeno talento no campo de Quadribol o fazia pensar que estava acima dos demais. Exibia-se pela escola com seus amigos e admiradores... A semelhança entre vocês dois é fantástica.
— Meu pai não se exibia — disse Harry, antes que pudesse se refrear. — E eu também não.
— Seu pai também não ligava para as regras — continuou Snape, aproveitando a vantagem obtida, seu rosto magro cheio de malícia. — Regras foram feitas para meros mortais, não para vencedores da Taça de Quadribol. Era tão cheio de si...
— CALE A BOCA!
Harry, de repente, se levantou. Uma raiva como ele não sentia desde a última noite na Rua dos Alfeneiros atravessou seu corpo. Ele não se importou que o rosto de Snape tivesse enrijecido, que os olhos negros lampejassem perigosamente.
— Que foi que você disse a mim, Potter?
— Disse para parar de falar do meu pai! — berrou Harry. — Conheço a verdade, está bem? Ele salvou sua vida.  Dumbledore me contou! O senhor nem estaria aqui se não fosse o meu pai!
A pele macilenta de Snape ficou da cor de leite azedo.
— E o diretor lhe contou as circunstâncias em que seu pai salvou a minha vida? — sussurrou. — Ou será que considerou os detalhes demasiado indigestos para os ouvidos delicados do precioso Potter?
Harry mordeu o lábio. Não sabia o que acontecera e não queria admiti-lo, mas Snape parecia ter adivinhado a verdade.
— Eu detestaria que você saísse por aí com uma idéia falsa sobre seu pai, Potter — disse ele, com um sorriso horrível deformando-lhe o rosto. — Será que você andou imaginando um glorioso ato de heroísmo? Então me dê licença para corrigi-lo: o seu santo paizinho e seus amigos me pregaram uma peça muito divertida que teria provocado a minha morte se o seu pai não tivesse se acovardado no último instante. Não houve coragem alguma no que ele fez. Estava salvando a própria pele junto com a minha. Se a peça tivesse chegado ao fim, ele teria sido expulso de Hogwarts.
Os dentes irregulares e amarelados de Snape estavam arreganhados.
— Vire seus bolsos pelo avesso, Potter! — disse ele, de súbito, e com rispidez.
Harry não se mexeu. Sentia o sangue latejar nos ouvidos.
— Vire seus bolsos pelo avesso ou vamos ver o diretor agora! Pelo avesso, Potter!
Gelado de medo, Harry tirou do bolso a saca com artigos da Zonko's e o Mapa do Maroto.
Snape apanhou a saca da Zonko's.
— Foi Rony que me deu — informou Harry, rezando para ter uma chance de avisar Rony antes que Snape o visse. — Ele... Trouxe para mim de Hogsmeade da última vez...
— Verdade? E você anda carregando isso desde então? Que comovente... E o que é isto?
Snape apanhara o mapa. Harry tentou com todas as forças manter o rosto impassível.
— Um pedaço de pergaminho — disse, sacudindo os ombros.
Snape revirou-o, mantendo os olhos fixos em Harry.
— Com certeza você não precisa de um pedaço de pergaminho tão velho? — comentou. — Por que não... Jogá-lo fora?
Ele estendeu a mão para a lareira.
— Não! — exclamou Harry depressa.
— Então — disse Snape com as narinas trêmulas. — Será que é mais um precioso presente do Sr. Weasley? — Ou será que é outra coisa? Uma carta, talvez, escrita com tinta invisível? Ou instruções para ir a Hogsmeade sem passar pelos dementadores?
Harry piscou. Os olhos de Snape brilharam.
— Vejamos, vejamos... — murmurou ele, puxando a varinha e alisando o mapa em cima da escrivaninha. — Revele o seu segredo! — disse, tocando o pergaminho com a varinha.
Nada aconteceu. Harry fechou as mãos para impedi-las de tremer.
— Mostre-se! — disse Snape, dando uma batida forte no mapa.
O mapa continuou em branco. Harry inspirou profundamente para se acalmar.
— Severo Snape, professor desta escola, ordena que você revele a informação que está ocultando! — disse ele, batendo no mapa com a varinha.
Como se uma mão invisível estivesse escrevendo, começaram a surgir palavras na superfície lisa do mapa.

“O Sr. Aluado apresenta seus cumprimentos ao Profº. Snape e pede que ele não meta seu nariz anormalmente grande no que não é de sua conta”.

Snape congelou. Harry arregalou os olhos, para a mensagem, aparvalhado. Mas o mapa não parou aí. Outras frases apareceram embaixo da primeira.

“O Sr. Pontas concorda com o Sr. Aluado e gostaria de acrescentar que o Profº. Snape é um safado mal acabado”.

Teria sido muito engraçado se a situação não fosse tão grave. E havia mais...

“O Sr. Almofadinhas gostaria de deixar registrado o seu espanto de que um idiota desse calibre tenha chegado a professor”.

Harry fechou os olhos horrorizado. Quando os reabriu, o mapa tinha dito a última palavra.
“O Sr. Rabicho deseja ao Profº. Snape um bom dia e aconselha a esse seboso que lave os cabelos”.

Harry esperou a pancada atingi-lo.
— Então — disse Snape suavemente. — Veremos...
O professor foi até a lareira, agarrou um punhado de pó brilhante e atirou-o nas chamas.
— Lupin! — gritou Snape para o fogo. — Quero dar uma palavrinha com você!
Absolutamente perplexo, Harry olhou para o fogo. Surgiu uma sombra enorme que rodopiava muito depressa. Segundos depois, o Profº. Lupin saía da lareira, sacudindo as cinzas das roupas enxovalhadas.
— Você me chamou, Severo? — perguntou Lupin suavemente.
— Claro que chamei — retrucou Snape, o rosto contorcido de fúria ao voltar para sua escrivaninha. — Acabei de pedir a Potter para esvaziar os bolsos. Ele trazia isto com ele.
Snape apontou para o pergaminho, em que as palavras dos Srs. Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas ainda brilhavam. Uma expressão estranha e reservada apareceu no rosto de Lupin.
— E daí?
Lupin continuou a olhar fixamente para o mapa. Harry teve a impressão de que ele estava avaliando a situação muito rapidamente.
— E então? — insistiu Snape. — Este pergaminho obviamente está repleto de magia negra. Pelo visto isto é a sua especialidade, Lupin. Onde você acha que Potter arranjou uma coisa dessas?
Lupin ergueu a cabeça e, com um levíssimo relanceio na direção de Harry, alertou-o para não interrompê-lo.
— Repleto de magia negra? — repetiu ele. — É isso mesmo que você acha, Severo? A mim parece apenas um mero pedaço de pergaminho que insulta quem o lê. Infantil, mas com certeza nada perigoso. Imagino que Harry o tenha comprado numa loja de logros e brincadeiras...
— Verdade? — O queixo de Snape tinha endurecido de raiva.
— Você acha que uma loja de logros e brincadeiras podia ter vendido a ele uma coisa dessas? Você não acha que é mais provável que ele o tenha obtido diretamente dos fabricantes?
Harry não entendeu o que Snape dizia. E, aparentemente, Lupin também não.
— Você quer dizer, do Sr. Rabicho ou um dos outros? Harry, você conhece algum desses homens?
— Não — respondeu Harry depressa.
— Está vendo, Severo? — disse Lupin voltando-se para Snape. — A mim parece um produto da Zonko's...
Bem na hora, Rony irrompeu pela sala. Estava completamente sem fôlego e parou diante da escrivaninha de Snape, a mão apertando o peito, tentando falar.
— Eu... Dei... Isso... A... Harry — disse sufocado. — Comprei... Na Zonko's... Há... Séculos...
— Bem! — disse Lupin batendo palmas e olhando à sua volta animado. — Isso parece esclarecer tudo! Severo, vou devolver isto, posso?
— Ele dobrou o mapa e o guardou nas vestes. — Harry e Rony, venham comigo, preciso dar uma palavra sobre a redação dos vampiros, você nos dá licença, Severo...
Harry não se atreveu a olhar para Snape ao deixarem a sala do professor. Ele, Rony e Lupin voltaram ao saguão de entrada antes de se falarem. Então Harry se dirigiu a Lupin.
— Professor, eu...
— Não quero ouvir explicações — disse Lupin aborrecido.
Espiou o saguão vazio e baixou a voz.
— Por acaso eu sei que este mapa foi confiscado pelo Sr. Filch há muitos anos. É, eu sei que é um mapa — disse ele aos surpresos garotos. — Não quero saber como você o obteve. Estou abismado, no entanto, que não o tenha entregado a alguém responsável. Especialmente depois do que aconteceu na última vez em que um aluno deixou uma informação sobre o castelo largada por aí. E não posso deixar você ficar com o mapa, Harry.
O garoto esperara isso e estava demasiado ansioso por informações para protestar.
— Por que Snape achou que eu tinha obtido o mapa dos fabricantes?
— Por que... — Lupin hesitou —, porque a intenção desses fabricantes de mapas era atraí-lo para fora da escola. Teriam achado isso muitíssimo divertido.
— O senhor os conhece? — perguntou Harry impressionado.
— Já nos encontramos — disse o professor com rispidez.
Olhava para Harry mais sério do que jamais olhara.
— Não espere que lhe dê cobertura outra vez, Harry. Não posso fazer você levar Sirius Black a sério. Mas eu teria pensado que o que você ouve quando os dementadores se aproximam teria produzido algum efeito em você. Os seus pais deram a vida para mantê-lo vivo, Harry. É uma retribuição indigente, trocar o sacrifício deles por uma saca de truques mágicos.
O professor se afastou, deixando Harry se sentindo muito pior do que em qualquer momento que passara na sala de Snape. Lentamente, ele e Rony subiram a escadaria de mármore. Quando Harry passou pela bruxa de um olho só, lembrou-se da Capa da Invisibilidade que continuava lá embaixo, mas ele não se atreveu a ir buscá-la.
— A culpa é minha — disse Rony sem rodeios. — Eu o convenci a ir. Lupin tem razão, foi uma estupidez e não devíamos ter feito Isso...
Ele parou de falar; tinham chegado ao corredor onde os trasgos de segurança estavam patrulhando e Hermione vinha ao encontro dos dois. Uma olhada no rosto dela convenceu Harry de que ela ouvira falar do que acontecera. Sentiu um peso no coração.  Será que ela contara à Profª. McGonagall?
— Veio tripudiar? — perguntou Rony ferozmente quando a garota parou diante deles. — Ou acabou de nos denunciar?
— Não — respondeu Hermione. Ela segurava uma carta nas mãos e seus lábios tremiam. — Só achei que vocês deviam saber... Hagrid perdeu o caso. Bicuço vai ser executado.








CAPÍTULO QUINZE
A Final do Campeonato de Quadribol

— Ele... Ele me mandou isto — disse Hermione entregando a carta.
Harry apanhou-a. O pergaminho estava úmido, e enormes gotas de lágrimas tinham borrado tão completamente a tinta em alguns pontos que era difícil ler a carta.
Cara Mione,
Perdemos. Tive permissão de trazer Bicuço de volta a Hogwarts.
A data de execução vai ser marcada.
Bicucinho gostou de Londres.
Não vou esquecer toda a ajuda que você nos deu.
Hagrid.

— Eles não podem fazer isso — disse Harry. — Não podem.  Bicuço não é perigoso.
— O pai de Malfoy deve ter intimidado a Comissão, para ela fazer isso — disse Hermione, enxugando as lágrimas. — Vocês sabem como ele é. Os outros são um bando de velhos caducos e bobos e ficaram com medo. Mas vai haver recurso, sempre há. Só que não consigo ver nenhuma esperança... Nada vai mudar até lá.
— Vai, sim — disse Rony com ferocidade. — Você não vai ter que fazer o trabalho todo sozinha desta vez, Mione. Eu vou ajudar.
— Ah, Rony!
Hermione atirou os braços ao pescoço de Rony e desabou completamente. Rony, com cara de terror, acariciou muito sem jeito o topo da cabeça da garota. Finalmente, ela se afastou.
— Rony, eu realmente sinto muito, muito mesmo, pelo Perebas... — soluçou ela.
— Ah... Bem... Ele estava velho — disse Rony, parecendo muitíssimo aliviado por Hermione o ter soltado. — E estava ficando meio inútil. Nunca se sabe, talvez mamãe e papai me comprem uma coruja agora.
As medidas de segurança impostas aos alunos desde a segunda invasão de Black impediram que Harry, Rony e Hermione fossem visitar Hagrid à noite.
A única oportunidade que tinham de falar com ele era durante a aula de Trato das Criaturas Mágicas.
Ele parecia ter ficado aparvalhado com o veredicto da Comissão.
— É tudo minha culpa. Me atrapalhei para falar. Eles estavam sentados lá, vestidos de preto, e eu não parava de deixar cair as minhas anotações e esquecer as datas que você viu pára mim, Mione. Depois Lúcio Malfoy ficou em pé e falou, e a Comissão fez exatamente o que ele mandou...
— Ainda tem recurso! — disse Rony ferozmente. — Não desista ainda, estamos trabalhando nisso!
Os quatro regressavam ao castelo com o restante da classe. À frente, viam MaIfoy, que caminhava com Crabbe e Goyle e não parava de olhar para trás, rindo com ar de deboche.
— Não adianta, Rony — disse Hagrid, muito triste, quando chegavam à entrada do castelo. — Aquela comissão faz o que Lúcio Malfoy manda. Eu só vou tomar providências para que os últimos dias do Bicucinho sejam os mais felizes que teve na vida. Devo isso a ele...
Hagrid deu meia-volta e saiu correndo em direção à sua cabana, o rosto escondido no lenço.
— Olhem só ele chorando feito um bebezão!
Malfoy, Crabbe e Goyle tinham parado às portas do castelo, escutando.
— Vocês já viram uma coisa mais patética? — perguntou Malfoy.
— E dizem que ele é nosso professor!
Harry e Rony se voltaram com violência para Malfoy, mas Hermione chegou primeiro.
-PÁ!
Ela deu um tapa na cara de Malfoy com toda a força que conseguiu reunir. Malfoy cambaleou. Harry, Rony, Crabbe e Goyle ficaram parados, estupefatos, enquanto Hermione tornava a levantar a mão.
— Não se atreva a chamar Hagrid de patético, seu sujo... Seu perverso...
— Mione! — exclamou Rony com a voz fraca, e tentou segurar a mão da garota ao vê-la tomar novo impulso.
— Sai, Rony!
Hermione puxou a varinha. Malfoy recuou. Crabbe e Goyle olharam para ele pedindo instruções, inteiramente abobados.
— Vamos — murmurou Malfoy e, num instante, os três tinham desaparecido no corredor que levava às masmorras.
— Mione!— tornou a exclamar Rony, parecendo ao mesmo tempo espantado e impressionado.
— Harry, acho bom você dar uma surra nele na final de Quadribol! — disse a garota com a voz esganiçada. — Acho bom dar, porque não vou suportar ver Sonserina vencer!
— Está na hora da aula de Feitiços — disse Rony, ainda olhando para Hermione. — É melhor a gente ir andando.
E os três subiram correndo a escadaria de mármore para chegar à classe do Profº. Flitwick.
— Vocês estão atrasados, garotos! — disse o professor, em tom de censura, quando Harry abriu a porta da sala. — Vamos, depressa, tirem as varinhas, hoje estamos fazendo experiências com os feitiços para animar, já dividimos os pares...
Harry e Rony correram para as carteiras ao fundo e abriram as mochilas. Rony olhou para trás.
— Aonde é que foi a Mione?
Harry também a procurou. Hermione não entrara na sala, no entanto, Harry sabia que a garota estivera bem ao seu lado quando ele abrira a porta.
— Que coisa esquisita — comentou Harry, encarando Rony. — Vai ver... Vai ver ela foi ao banheiro ou outra coisa qualquer.
Mas a garota não apareceu durante toda a aula.
— Ela bem que precisava de um feitiço para animar, também — comentou Rony quando os alunos saíram para almoçar, todos muito sorridentes, os feitiços para animar tinham deixado em todos uma sensação de grande contentamento.
Hermione não apareceu no almoço tampouco. Na altura em que terminaram a torta de maçã, os efeitos dos feitiços estavam se dissipando, e Harry e Rony começaram a se preocupar um pouco.
— Você acha que Draco fez alguma coisa a ela? — perguntou Rony, ansioso, quando seguiam apressados para a Torre da Grifinória.
Passaram pelos trasgos de segurança, deram a senha à Mulher Gorda ("Flibbertigibbet") e treparam pelo buraco do retrato para chegar à sala comunal.
Hermione estava sentada à mesa, profundamente adormecida, a cabeça pousada sobre um livro aberto de Aritmancia. Os garotos se sentaram, um de cada lado.
Harry cutucou-a de leve para acordá-la.
— Ó!... Quê? — exclamou Hermione, acordando e olhando assustada para os lados. — Já está na hora de ir?
— Ó!... Qual é a aula que temos agora?
— Adivinhação, mas só daqui a vinte minutos — respondeu Harry — Mione, por que você não foi à aula de Feitiços?
— Quê? Ah não! — guinchou Hermione. — Me esqueci de ir à aula de Feitiços!
— Mas como é que você pôde esquecer? — perguntou Harry. — Você estava conosco até chegarmos à porta da sala de aula!
— Eu não acredito! — lamentou-se Hermione. — O Profº. Flitwick ficou aborrecido? Ah, foi o Malfoy, eu estava pensando nele e me atrapalhei!
— Sabe de uma coisa, Mione? — disse Rony, olhando para o livrão de Aritmancia que a garota estivera usando como travesseiro.
— Acho que você está sofrendo um colapso mental. Está tentando fazer coisas demais.
— Não estou, não! — retrucou ela, afastando os cabelos dos olhos e procurando a mochila, com um ar de desamparo. — Foi só um engano!  É melhor eu procurar o Profº. Flitwick e pedir desculpas... Vejo vocês na aula de Adivinhação!
Hermione se reuniu aos dois garotos ao pé da escada para a sala da Profª. Sibila, vinte minutos mais tarde, com um ar extremamente encabulado.
— Não posso acreditar que perdi os feitiços para animar! E aposto como vão cair nos exames; o Profº. Flitwick insinuou que poderiam cair!
Juntos, eles subiram a escada para a sala escura e abafada da torre. Brilhando em cada mesinha havia uma bola de cristal cheia de uma névoa branco-pérola.
Harry, Rony e Hermione se sentaram juntos à mesma mesa bamba.
— Pensei que não íamos começar bolas de cristal antes do próximo trimestre — resmungou Rony, lançando à sala um olhar preocupado, à procura da professora, caso ela estivesse espreitando por ali.
— Não reclame, isso significa que terminamos quiromancia — murmurou Harry em resposta. — Eu já estava ficando cheio de ver Trelawney fazer careta de aflição todas as vezes que examinava as minhas mãos.
— Bom dia para todos! — saudou a voz etérea e familiar, e a professora saiu das sombras em sua costumeira e dramática aparição. Parvati e LiIá estremeceram de excitação, os rostos iluminados pelo brilho leitoso das bolas de cristal.
— Resolvi começar a bola de cristal mais cedo do que tinha planejado — disse a professora, sentada de costas para a lareira, olhando para a turma. — As Parcas me informaram que o exame de vocês em junho tratará do orbe, e estou ansiosa para oferecer-lhes muita prática.
Hermione deu uma risadinha.
— Bem, francamente... "as Parcas a informaram"... Quem é que prepara o exame? Ela mesma! Que profecia assombrosa! — continuou a garota sem se preocupar em manter a voz baixa. Harry e Rony sufocaram risadinhas.
Era difícil dizer se a professora os ouvira, pois seu rosto estava oculto pelas sombras. Ela, no entanto, continuou como se não tivesse ouvido.
— A vidência com a bola de cristal é uma arte particularmente requintada disse em tom sonhador. — Por isso não espero que vocês vejam alguma coisa ao procurarem examinar pela primeira vez as profundezas infinitas do orbe. Vamos começar praticando o relaxamento da mente consciente e da visão exterior — Rony começou a soltar risadinhas irrefreáveis e precisou meter o punho na boca para abafar o som — para vocês poderem limpar a visão interior e a supraconsciência.  Talvez, se tivermos sorte, alguns de vocês consigam ver alguma coisa antes do fim da aula.
E então começaram a praticar. Harry, pelo menos, sentiu-se extremamente bobo de mirar a bola de cristal, tentando manter a mente vazia, enquanto pensamentos do tipo "que coisa mais idiota” não paravam de lhe ocorrer. Rony não ajudava nada com seus acessos de riso silencioso nem Hermione com seus muxoxos.
— Viram alguma coisa? — perguntou Harry aos dois, depois de manter os olhos fixos na bola uns quinze minutos.
— Já, tem uma queimadura no tampo dessa mesa — disse Rony apontando. — Alguém derrubou uma vela.
— Isto é uma baita perda de tempo — sibilou Hermione. — Eu podia estar praticando alguma coisa útil. Podia estar recuperando a matéria de feitiços para animar...
A Profª. Sibila passou farfalhando.
— Alguém gostaria que eu ajudasse a interpretar os portentos obscuros que aparecem em seu orbe? — murmurou sobrepondo a voz ao tilintar dos seus badulaques.
— Eu não preciso de ajuda — sussurrou Rony. — É óbvio o que isto significa. Vai haver um nevoeiro daqueles hoje à noite.
Harry e Hermione explodiram em risadas.
— Ora, francamente! — exclamou a Profª. Trelawney quando todas as cabeças dos alunos se viraram em sua direção.
Parvati e Lilá fizeram caras escandalizadas.
— Vocês estão perturbando as vibrações da vidente!
A professora se aproximou da mesa dos garotos e espiou as bolas de cristal dos três. Harry sentiu um grande desânimo. Tinha certeza de que sabia o que viria a seguir...
— Vejo algo aqui! — sussurrou a professora, aproximando o rosto da bola, de modo que esta se refletiu duas vezes em seus enormes óculos. — Alguma coisa que se move... Mas o que é isso?
Harry estava preparado para apostar tudo que tinha, inclusive a Firebolt, que, seja o que fosse, não seria uma boa notícia. E não deu outra...
— Meu querido... — sussurrou a professora, erguendo os olhos para ele. — Está aqui, mais claro que antes... Meu querido, aproximando-se de você, cada vez mais perto... O Sin...
— Ah, pelo amor de Deus — exclamou Hermione em voz alta. — Não é aquele ridículo Sinistro outra vez!
A Profª. Sibila ergueu os enormes olhos para a garota. Parvati cochichou alguma coisa com Lilá, e as duas olharam feio para Hermione também. A professora se ergueu, fitando Hermione com inconfundível raiva.
— Sinto dizer que do instante em que você entrou nesta sala, minha querida, ficou evidente que não tinha o talento que a nobre arte da Adivinhação exige. Na verdade, eu não me lembro de jamais ter encontrado uma aluna cuja mente fosse tão irreparavelmente terrena.
Seguiu-se um momento de silêncio. Então...
— Ótimo! — exclamou Hermione, de repente, levantando-se e enfiando o exemplar de Esclarecendo o Futuro na mochila. — Ótimo! — repetiu, atirando a mochila sobre o ombro e quase derrubando Rony da cadeira. — Eu desisto! Vou-me embora.
E para assombro da turma, Hermione se dirigiu ao alçapão, abriu-o com um pontapé e desceu a escada, desaparecendo de vista.
Levou alguns minutos para todos se aquietarem outra vez. A professora parecia ter se esquecido completamente do Sinistro.
Deu as costas, bruscamente, à mesa de Harry e Rony, respirando forte e ajeitando o diáfano xale mais perto do corpo.
— Oooooh! — exclamou Lilá de repente, assustando todo mundo. — Ooooooh, Profª. Sibila, acabei de me lembrar! A senhora viu a Hermione nos deixando, não foi? Não foi, professora? Na altura da Páscoa, alguém aqui vai deixar o nosso convívio para sempre! A senhora disse isso há um tempão, professora!
Sibila sorriu suavemente.
— É verdade, minha querida, eu sabia que a Srta. Granger iria nos deixar. Esperemos, no entanto, que tenhamos nos enganado com os sinais... A visão interior pode ser um fardo, sabem...
Lilá e Parvati pareceram profundamente interessadas e trocaram de lugar para que a professora pudesse parar à mesa delas.
— Um dia Hermione vai capotar, hein? — murmurou Rony para Harry, fazendo cara de espanto.
— É...
Harry examinou mais uma vez a bola de cristal, mas não viu nada além de uma névoa espiralada. Será que a professora vira, de fato, o Sinistro novamente?
Será que ele, Harry, veria? A última coisa de que precisava era outro acidente quase fatal, com a final de Quadribol cada dia mais próxima.
As férias da Páscoa não foram exatamente relaxantes. Os alunos do terceiro ano nunca tinham recebido tantos deveres para casa.
Neville Longbottom parecia às vésperas de um colapso nervoso, e não era o único.
— Chamam a isso de férias! — bradou Simas Finnigan certa tarde na sala comunal. — Ainda faltam séculos para os exames, qual é a deles!
Mas ninguém tinha tanto a fazer quanto Hermione. Mesmo sem Adivinhação, ela estava estudando mais matérias do que todos os outros.
Em geral era a última a deixar a sala comunal à noite, a primeira a chegar na biblioteca na manhã seguinte; tinha olheiras iguais as de Lupin e parecia estar constantemente prestes a cair no choro.
Rony assumira a responsabilidade pelo recurso de Bicuço. Quando não estava cuidando dos próprios deveres, estava examinando volumes grossíssimos com títulos do tipo O Manual da Psicologia do Hipogrifo e Ave ou Vilão? Um Estudo Sobre a Brutalidade do Hipogrifo. Ficou tão absorto que até se esqueceu de ser antipático com o Bichento.
Entrementes, Harry teve que encaixar os deveres entre os treinos diários de Quadribol, para não falar das intermináveis discussões de táticas com Olívio.
A partida Grifinória x Sonserina fora marcada para o primeiro sábado depois das férias da Páscoa. Sonserina liderava o campeonato por exatos duzentos pontos. Isto significava (conforme Olívio não parava de lembrar ao seu time) que eles precisavam vencer a partida por um número de pontos superior a duzentos para ganhar a Taça.
Significava, ainda, que a responsabilidade de vencer cabia em grande parte a Harry, porque capturar o pomo valia cento e cinqüenta pontos.
— Por isso você deve capturar o pomo somente quando obtivermos uma vantagem de mais de cinqüenta pontos — dizia Olívio a Harry constantemente. — Só se tivermos mais de cinqüenta pontos Harry, senão ganhamos a partida mas perdemos a taça. Você entendeu bem? Você só pode apanhar o pomo se tivermos...
— JÁ SEI, OLÍVIO! — berrou Harry.
Toda a Grifinória estava obcecada com a próxima partida. A casa não ganhava a Taça de Quadribol desde que o lendário Carlinhos Weasley (o segundo irmão mais velho de Rony) jogara como apanhador. Mas Harry duvidava se alguém no mundo, mesmo Olívio, queria essa vitória tanto quanto ele. A inimizade entre Harry e Malfoy atingira o auge. Malfoy ainda sofria com o incidente da pelota de lama em Hogsmeade e ficara ainda mais furioso que Harry tivesse conseguido escapar do castigo.
Harry, por sua vez, não se esquecia da tentativa de Malfoy de sabotá-lo durante o jogo contra Corvinal, mas foi o caso de Bicuço que o deixou ainda mais decidido a vencer Malfoy diante da escola inteira.
Nunca, na lembrança de ninguém, uma partida se aproximara com uma atmosfera tão carregada. Quando as férias terminaram, a tensão entre os dois times e suas casas estava a ponto de explodir. Pequenas brigas irrompiam nos corredores, que culminaram em um incidente perverso, no qual um quartanista da Grifinória e um sextanista da Sonserina acabaram na ala hospitalar, com alhos porós brotando dos ouvidos.
Harry, pessoalmente, estava passando um mau pedaço. Não podia ir e vir sem que os alunos da Sonserina esticassem as pernas tentando fazê-lo tropeçar; Crabbe e Goyle não paravam de aparecer onde quer que ele estivesse e se afastar desapontados quando o viam cercado de colegas. Olívio dera instruções para que Harry estivesse sempre acompanhado em todo lugar, para a eventualidade de algum aluno da Sonserina querer inutilizá-lo para o jogo. Toda a Grifinória assumiu o desafio com entusiasmo, tornando impossível Harry chegar às aulas na hora certa, porque andava rodeado por uma aglomeração de colegas barulhentos. Mas o garoto se preocupava mais com a segurança da Firebolt do que com a própria. Quando não estava voando, ele trancava a vassoura no malão e muitas vezes dava uma corrida à Torre da Grifinória, nos intervalos das aulas, para verificar se ela continuava lá.
Todas as atividades normais na sala comunal foram abandonadas na véspera do jogo. Até Hermione pusera os livros de lado.
— Não consigo estudar, não consigo me concentrar — comentou ela, nervosa.
Havia uma grande algazarra. Fred e Jorge Weasley enfrentavam a pressão agindo com mais barulho e exuberância que nunca. Olívio estava a um canto debruçado sobre a maquete de um campo de Quadribol, empurrando bonequinhos com a varinha e resmungando. Angelina, Alicia e Katie riam das piadas de Fred e Jorge. Harry se sentara com Rony e Hermione afastado do centro das atividades, procurando não pensar no dia seguinte, porque toda vez que o fazia, tinha a terrível sensação de que alguma coisa enorme estava tentando voltar do seu estômago.
— Você vai se sair bem — disse Hermione a ele, embora parecesse decididamente aterrorizada.
— Você tem uma Firebolt! — animou-o Rony.
— É... — respondeu Harry, o estômago se revirando.
Foi um alívio quando Wood se levantou e gritou:
— Time! Cama!
Harry dormiu mal. Primeiro, sonhou que perdera a hora e que Hood gritava "Onde é que você se meteu? Tivemos que chamar Neville para substituí-lo!".  Depois sonhou que Malfoy e o resto do time da Sonserina chegavam para a partida montados em dragões. Harry voava a uma velocidade vertiginosa, tentando evitar o jorro de chamas que saía da boca da montaria de Malfoy, quando percebeu que esquecera sua vassoura. Começou, então, a cair pelo ar e acordou assustado.
Levou alguns segundos para se lembrar que a partida ainda não se realizara, que estava seguro em sua cama, e que, decididamente, o time da Sonserina não teria permissão para jogar montado em dragões. Sentiu uma sede enorme. O mais silenciosamente que pôde, levantou-se da cama de colunas e foi se servir de água de uma jarra de prata sob a janela.
Não havia movimento nem som nos jardins. Nenhum sopro de vento perturbava as copas das árvores na Floresta Proibida; o Salgueiro Lutador estava imóvel e transpirava inocência. Parecia que as condições para a partida seriam perfeitas.
Harry pousou o copo e já ia voltar para a cama quando alguma coisa prendeu sua atenção. Havia um animal rondando o gramado prateado.
Harry correu à sua mesa-de-cabeceira, apanhou os óculos, colocou-os, e voltou depressa à janela. Não podia ser o Sinistro — não agora — não na véspera da partida...
Ele tornou a espiar os jardins e, depois de uma busca ansiosa, localizou-o. O animal ia contornando a orla da floresta agora...
Não era o Sinistro... Era um gato... Harry agarrou o peitoril da janela aliviado ao reconhecer aquele rabo de escovinha. Era só o Bichento...
Mas seria só o Bichento? Harry apurou a vista, esborrachando o nariz contra a vidraça. Bichento parecia ter parado. O menino teve certeza de que estava vendo outra coisa andando sob a sombra das árvores, também.  Naquele momento, ele apareceu, um cão gigantesco, peludo e negro, que se movia sorrateiramente pelos gramados. Bichento caminhava ao seu lado. Harry arregalou os olhos. Que significaria isso? Se Bichento também via o cão, como é que ele podia ser um agouro da morte de Harry?
— Rony! — sibilou Harry. — Rony acorda!
— Hum?
— Preciso que você me diga se vê uma coisa!
— Tá tudo escuro, Harry — murmurou o amigo com a voz empastada. — Do que é que você está falando?
— Ali embaixo...
Harry espiou depressa pela janela.
Bichento e o cão haviam desaparecido. Ele subiu, então, no peitoril para ver lá embaixo, nas sombras do castelo, mas os bichos não estavam mais lá. Aonde teriam ido?
Um forte ronco lhe informou que Rony tornara a cair no sono.
Harry e o resto do time da Grifinória entraram no Salão Principal, no dia seguinte, sob uma tempestade de aplausos. O garoto não pôde deixar de dar um grande sorriso quando viu que as mesas da Corvinal e Lufa-Lufa os aplaudiam também. A mesa da Sonserina vaiou alto quando eles passaram. Harry reparou que Malfoy parecia mais pálido do que de costume.
Olívio passou o café da manhã inteiro insistindo para que o time comesse, sem, contudo, se servir de nada. Depois apressou-os a se dirigirem ao campo antes que os outros tivessem terminado, para terem uma idéia das condições de jogo. Quando saíram do Salão Principal, receberam novos aplausos.
— Boa sorte, Harry! — gritou Cho. Harry sentiu o rosto corar.
— Ok... Não tem vento... O sol está meio forte, o que pode prejudicar a visão, tomem cuidado... O chão está bem firme, bom, isso vai nos dar um bom impulso inicial...
Olívio andou pelo campo examinando tudo, com o time atrás.
Finalmente, eles viram as portas do castelo se abrirem ao longe e o restante da escola se espalhar pelos gramados.
— Vestiário — disse Olívio tenso.
Ninguém falou enquanto se despiam e vestiam os uniformes vermelhos. Harry ficou imaginando se todos estariam se sentindo como ele: como se tivesse comido alguma coisa que se mexia demais dentro da barriga. Não parecia ter transcorrido mais que um segundo quando ele ouviu Olívio dizer:
— Ok, pessoal, vamos...
O time entrou em campo sob uma onda gigantesca de aplausos, Três quartos da torcida usavam rosetas vermelhas, agitavam bandeiras vermelhas com o leão da Grifinória ou faixas com palavras de ordem: "PRA FRENTE GRIFINÓRIA!" e "A COPAS DOS LEÕES!”.
Atrás das balizas da Sonserina, porém, duzentos torcedores se cobriam de verde; a serpente prateada da casa brilhava em suas bandeiras e o Profº. Snape estava sentado na primeira fila, vestindo verde como os demais, exibindo um sorriso muito sinistro.
E aí vem o time da Grifinória! — bradou Lino Jordan, que, como sempre, fazia a irradiação. — Potter, Bell, Johnson, Spinnet, Weasley, Weasley e Wood. Considerado por todos o melhor time que Hogwarts já viu em muitos anos...
Os comentários de Lino foram abafados por uma onda de vaias da torcida da Sonserina.
E aí vem o time da Sonserina, liderado pelo capitão Flint. Ele fez algumas alterações no esquema tático e parece ter preferido o peso à qualidade...
Mais vaias da torcida da Sonserina. Harry, porém, achou que Lino tinha razão. Malfoy era, sem discussão, o menor jogador do time; todos os outros eram enormes.
— Capitães, apertem-se as mãos! — disse Madame Hooch.
Flint e Wood se aproximaram e apertaram as mãos com força; davam a impressão de que estavam querendo quebrar os dedos um do outro.
— Montem nas vassouras! — disse Madame Hooch. — Três... Dois... Um...
O som do seu apito se perdeu no estrondo das torcidas na hora em que as catorze vassouras levantaram vôo. Harry sentiu os cabelos voarem para longe da testa; seu nervosismo o abandonou na excitação do vôo; olhou para os lados e viu Malfoy na sua esteira e aumentou a velocidade para ir à procura do pomo.
E Grifinória com a posse da bola, Alicia Spinnet da Grifinória com a goles, voando direto para as balizas da Sonserina, em boa forma, Alicia! Arre, não, a goles foi interceptada por Warrington.  Warrington da Sonserina partindo em velocidade pelo campo.
PAM! 
— Uma boa rebatida de um balaço por Jorge Weasley, Warrington deixa cair a goles, que é apanhada por... Johnson, Grifinória com a posse da bola outra vez, aí Angelina, bom desvio de Montague.  Se abaixa Angelina, aí vem um balaço!  ELA MARCA!  DEZ A ZERO PARA GRIFINÓRIA!
Angelina deu um soco no ar ao sobrevoar o extremo do campo; o mar vermelho nas arquibancadas berrou de felicidade...
OUCH!
Angelina quase foi derrubada da vassoura por Marcos Flint ao colidir em cheio com ela.
— Desculpe! — disse Flint enquanto os torcedores lá embaixo vaiavam. — Desculpe eu não vi a jogadora!
Não demorou muito, Fred Weasley atirou o bastão contra a cabeça de Flint, cujo nariz bateu com força no cabo da vassoura e começou a sangrar.
— Chega! — gritou Madame Hooch, mergulhando entre os dois. — Pênalti contra Grifinória pelo ataque gratuito ao artilheiro do seu adversário! Pênalti contra Sonserina por prejuízo intencional ao artilheiro do seu adversário!
— Ah nem vem! — berrou Fred, mas Madame Hooch apitou e Alicia se adiantou para cobrar o pênalti.
— Aí, Alicia! — gritou Lino no silêncio que se abatera sobre as arquibancadas. — SIM, SENHORES! ELA FUROU O GOLEIRO!  VINTE A ZERO PARA GRIFINÓRIA!”
Harry deu uma guinada na Firebolt para ver Flint, ainda sangrando à beça, voar para cobrar o pênalti contra Sonserina. Olívio sobrevoava as balizas de Grifinória, os maxilares contraídos.
É claro que Wood é um esplêndido goleiro! — comentou Lino Jordan para os ouvintes enquanto Flint aguardava o apito de Madame Hooch. Esplêndido! Difícil de vazar — muito difícil mesmo — SIM SENHORES! EU NÃO ACREDITO! ELE AGARROU A BOLA!”
Aliviado, Harry se afastou velozmente, espiando para todos os lados à procura do pomo, mas sem perder nenhuma palavra dos comentários de Lino. Era fundamental para ele manter Malfoy afastado do pomo até Grifinória atingir cinqüenta pontos de vantagem.
— Grifinória com a posse, não, Sonserina com a posse, não!  Grifinória retoma a posse e é Katie Bell, Katie Bell de Grifinória com a goles, a jogadora corta o campo
— FOI INTENCIONAL!
Montague, um artilheiro de Sonserina, cortou a frente de Katie e em vez de agarrar a goles, agarrou a cabeça da jogadora. Katie deu uma cambalhota no ar, conseguiu continuar montada, mas deixou cair a goles.
O apito de Madame Hooch soou mais uma vez ao sobrevoar Montague e começar a gritar com ele. Um minuto depois, Katie tinha marcado mais um pênalti contra a defesa da Sonserina.
— TRINTA A ZERO! TOMA, SEU SUJO, SEU COVARDE...
— Jordan, se você não consegue irradiar imparcialmente...
— Estou irradiando o que acontece, professora!
Harry sentiu um grande tremor de excitação. Acabara de ver o pomo, refulgia ao pé de uma das balizas da Grifinória, mas ele não devia apanhá-lo por ora e se Malfoy o visse...
Fingindo uma expressão de súbita concentração, Harry deu meia-volta na Firebolt e correu em direção ao campo da Sonserina, a manobra funcionou. Malfoy saiu a toda velocidade atrás dele, pensando evidentemente que Harry vira o pomo lá...
CHISPA.
Um dos balaços passou voando pela orelha direita de Harry, arremessado pelo gigantesco batedor da Sonserina, Derrick. Então, novamente...
CHISPA.
O segundo balaço roçou pelo cotovelo de Harry. O outro batedor, Bole, vinha se aproximando.
Harry teve um vislumbre fugaz de Bole e Derrick voando em sua direção, com os bastões erguidos...
Virou a Firebolt para o alto no último segundo e os dois batedores colidiram com um baque de provocar náuseas.
— Há! Há! Há! bradou Lino Jordan quando os batedores da Sonserina se separaram, levando as mãos à cabeça.
Mau jeito, rapazes! Vão ter que acordar mais cedo para vencer uma Firebolt! E Grifinória fica com a posse da bola mais uma vez, quando Johnson toma a goles, Flint emparelhado com ela, mete o dedo no olho dele, Angelina! — foi só uma brincadeira, professora, só uma brincadeira ah não — Flint toma a bola, Flint voa para as balizas de Grifinória, agora é com você Wood, agarra...
Mas Flint marcou; houve uma erupção de vivas do lado de Sonserina e Lino xingou tanto que a Profª. Minerva McGonagall tentou arrancar o megafone mágico das mãos dele.
— Desculpe professora, desculpe! Não vai acontecer de novo!
Então, Grifinória está à frente, trinta a dez, e Grifinória tem a posse...
O jogo estava deteriorando no mais sujo de que Harry já participara. Enraivecidos porque Grifinória tomara a dianteira desde o inicio, os adversários estavam rapidamente recorrendo a todos os meios para roubar a goles. Bole atingiu Alicia com o bastão e tentou alegar que pensara que era um balaço. Jorge Weasley foi à forra dando uma cotovelada na cara de Bole. Madame Hooch puniu os dois times e Wood fez mais uma defesa espetacular, elevando o placar para quarenta a dez para Grifinória.
O pomo tornara a desaparecer. Malfoy continuou a acompanhar Harry de perto quando o garoto sobrevoou o campo, procurando, agora, o pomo,“quando Grifinória estiver cinqüenta pontos à frente...”
Katie marcou. Cinqüenta a dez. Fred e Jorge Weasley mergulharam cercando a garota, os bastões erguidos, caso os jogadores da Sonserina pensassem em se vingar.
Bole e Derrick aproveitaram a ausência de Fred e Jorge para arremessar os dois balaços em Wood; eles o atingiram no estômago, um após o outro, e o goleiro virou de cabeça para baixo no ar, agarrando-se à vassoura, completamente sem ar.
Madame Hooch ficou fora de si.
— Não se ataca o goleiro a não ser que a goles esteja na área. — gritou ela para Bole e Derrick. — Pênalti a favor da Grifinória!
— Angelina marcou. Sessenta a dez.
Instantes depois Fred Weasley arremessou um balaço contra Warrington, derrubando a goles de suas mãos;
Alicia apanhou a bola e enterrou-a no gol da Sonserina.
— Setenta a dez.
A torcida da Grifinória lá embaixo estava rouca de tanto gritar, a casa passara sessenta pontos à frente e se Harry apanhasse o pomo naquele momento, a Taça seria dela. O garoto chegava quase a sentir as centenas de olhos acompanhando-o enquanto sobrevoava o campo, muito acima das equipes, com Malfoy correndo atrás dele.  Então Harry o viu. O pomo estava brilhando seis metros acima dele.
O garoto imprimiu maior velocidade à vassoura; o vento rugiu em seus ouvidos; ele estendeu a mão, mas, de repente, a Firebolt começou a desacelerar...
Horrorizado, ele olhou para os lados. Malfoy se atirara para frente, agarrara a cauda da Firebolt e procurava atrasá-la.
— Seu...
Harry se enfureceu o suficiente para bater em Malfoy, mas não conseguiu alcançá-lo. Malfoy ofegava com o esforço de segurar a Firebolt, porém seus olhos brilhavam de malícia. Conseguira o seu intento, o pomo tornara a desaparecer.
— Pênalti! Pênalti a favor da Grifinória! Nunca vi uma tática igual! — Madame Hooch guinchava, enquanto velozmente se dirigia até o ponto em que Malfoy deslizava de volta à sua Nimbus 2001.
SEU SAFADO NOJENTO!  — urrava Lino Jordan no megafone, saltando fora do alcance da Profª. McGonagall. — SEU SAFADO NOJENTO, FILHO...
A professora nem se deu o trabalho de ralhar com Lino. Na verdade ela sacudia o dedo na direção de Malfoy, seu chapéu caíra da cabeça, e ela também berrava furiosamente.
Alicia cobrou o pênalti para Grifinória, mas estava tão zangada que errou por mais de meio metro, O time da Grifinória começou a perder a concentração e os jogadores da Sonserina, encantados com a falta de Malfoy em cima de Harry, se sentiam estimulados a tentar vôos mais altos.
Sonserina com a posse, Sonserina corre para o gol... Montague marca. — gemeu Lino. — Setenta a vinte para Grifinória...
Harry agora estava marcando Malfoy tão de perto que os joelhos dos dois se batiam o tempo todo. Harry não ia deixar Malfoy sequer se aproximar do pomo...
— Sai da frente, Potter! — gritou Malfoy, frustrado, ao tentar se virar e deparar com Harry no bloqueio.
Angelina Johnson pega a goles para Grifinória, aí Angelina, VAI, VAI!
Harry olhou para os lados. Todos os jogadores da Sonserina, a exceção de Malfoy, estavam correndo pelo campo em direção a Angelina, inclusive o goleiro do time, todos iam bloqueá-la...
Harry deu meia-volta na Firebolt, curvou-se até deitar o corpo sobre seu cabo, e impeliu-a para frente. Como uma bala, ele se precipitou em alta velocidade contra os jogadores da Sonserina.
AAAAAAAAIIIIIIIII!
Os jogadores se dispersaram quando viram a Firebolt vindo; o caminho de Angelina ficou desimpedido.
ELA MARCOU! ELA MARCOU! Grifinória lidera por oitenta a vinte!
Harry, que quase mergulhara de cabeça nas arquibancadas, parou derrapando no ar, inverteu a direção da vassoura e voltou a toda para o meio do campo.
E então ele viu uma coisa que fez o seu coração parar.
Malfoy estava mergulhando, uma expressão de triunfo no rosto, lá a menos de um metro acima do gramado, lá embaixo, havia um minúsculo reflexo dourado.
Harry apontou a Firebolt para baixo, mas Malfoy estava quilômetros à sua frente.
— Vai! Vai! Vai! — Harry dizia à vassoura. A distância que o separava de Malfoy foi diminuindo. Harry deitou-se no cabo da vassoura quando viu Bole arremessar um balaço contra ele, já encostara nos calcanhares de Malfoy, emparelhou...
Harry se atirou à frente, tirou as mãos da vassoura.
Afastou o braço de Malfoy do caminho com um empurrão e...
PEGOU!
Tirou, então, a vassoura do mergulho, a mão no ar, e o estádio explodiu. Harry sobrevoou as arquibancadas, um zumbido estranho nos ouvidos. A bolinha de ouro estava bem segura em sua mão, batendo inutilmente as asinhas contra seus dedos.
No momento seguinte, Wood veio voando ao seu encontro, quase cego pelas lágrimas; agarrou Harry pelo pescoço e soluçou sem se conter no ombro do garoto. Harry sentiu dois grandes trancos quando Fred e Jorge colidiram com eles; depois as vozes de Alicia e Katie:
— Ganhamos a Taça! Ganhamos a Taça!
Embotados num abraço de muitos braços, o time da Grifinória foi descendo, berrando roucamente, de volta ao chão.
Onda sobre onda de torcedores vermelhos saltou as barreiras do campo. Choveram mãos nas costas dos jogadores. Harry teve uma impressão confusa de ruído e corpos que o empurravam.
Então ele e o resto do time foram erguidos nos ombros dos torcedores. Empurrado para a luz, ele viu Hagrid, emplastrado de rosas vermelhas...
— Você os derrotou, Harry, você os derrotou! Espere até eu contar a Bicuço!
Lá estava Percy, pulando que nem maluco, toda a dignidade esquecida. A Profª. Minerva soluçava mais até que Wood, enxugando os olhos com uma enorme bandeira da Grifinória; e lá, lutando para chegar a Harry, vinham Rony e Hermione.
Faltaram palavras aos amigos. Simplesmente sorriram radiantes ao ver Harry ser carregado para a arquibancada onde Dumbledore aguardava de pé com a enorme Taça de Quadribol.
Se ao menos tivesse havido um dementador por ali... Quando um Wood, soluçante, passou a Taça a Harry e este a ergueu no ar, o garoto sentiu que seria capaz de produzir o melhor Patrono do mundo.

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