segunda-feira, 11 de julho de 2011

Eu Sou o Número Quatro, Capítulos 16 ao 20

CAPÍTULO DEZESSEIS

SAM ESTÁ ME EVITANDO. NA ESCOLA ELE PARECE DESAPARECER QUANDO ME vê, ou sempre se certifica de estar em um grupo. Seguindo a insis­tência de Henri que está desesperado para pôr as mãos na revista de Sam, depois de varrer tudo o que existia disponível na Internet e não encontrar nada parecido com o que havia na tal revista —, decidi simplesmente ir à casa dele sem avisar. Henri me leva até lá depois de concluirmos a sessão de treinamento. Sam mora na peri­feria de Paradise, em uma casa pequena, modesta. Ninguém atende quando eu bato, por isso tento bater à outra porta. Ela está destran­cada, e eu entro.
O carpete marrom no chão é velho, e as paredes revestidas de madeira exibem fotos de família de quando Sam era bem pequeno. Ele, a mãe e um homem que imagino ser seu pai, cujos óculos têm lentes tão grossas quanto as de Sam. Então, aproximo-me para olhar melhor. Parece ser o mesmo par de óculos.
Sigo pelo corredor até encontrar a porta que deve ser do quarto de Sam, porque há ali um prego de onde pende uma placa com a mensagem: entre por sua conta e risco. A porta está entreaberta, e espio para dentro do quarto. Tudo é muito limpo, tudo está em seu devido lugar. A cama está feita, coberta com um edredom preto com estampas do planeta Saturno. As fronhas têm o mesmo padrão. As paredes são cobertas de pôsteres. Há dois da Nasa, o pôster do filme Alien, outro do filme Guerra nas Estrelas e um pôster da cabeça de um alienígena verde cercada por feltro preto. No centro do quar­to, pendurado em fios transparentes, um móbile retrata o sistema solar, nove planetas e o sol. A imagem me faz pensar no que Henri me mostrou no início da semana. Acho que Sam ficaria maluco se visse a mesma coisa. Então, eu vejo Sam debruçado sobre uma pequena escrivaninha com os fones de ouvido. Empurro a porta, e ele olha por cima do ombro. Sam não está usando os óculos, e sem eles seus olhos parecem muito pequenos e redondos, quase como uma caricatura.
E aí? — pergunto casualmente, como se fosse à casa dele todos os dias.
Ele parece chocado e assustado, e tira os fones com aflição evi­dente enquanto enfia a mão em uma das gavetas. Olho para a escri­vaninha e vejo que ele está lendo Eles Estão entre Nós. Quando o encaro novamente, ele está apontando uma arma para mim.
Ei. — Reajo instintivamente, levantando as mãos abertas num gesto de rendição. — O que é isso?
Ele se levanta. Suas mãos estão tremendo. A arma está apontada para meu peito. Penso que ele perdeu a razão.
Diga logo o que você é — ele exige.
Do que está falando?
Eu vi o que você fez na floresta. Não é humano.
Era o que eu temia, que ele tivesse visto mais do que podia.
Isso é loucura, Sam! Eu me envolvi numa briga. Pratico artes marciais há anos.
Suas mãos se acenderam como lanternas. E você jogava as pessoas longe, como se não tivessem peso nenhum. Isso não é normal.
Não seja estúpido — eu insisto, ainda com as mãos erguidas na minha frente. — Olhe para elas. Está vendo alguma luz? Já disse, eu peguei as luvas que Kevin estava usando.
Perguntei a Kevin! Ele me disse que não usava luvas!
Acha mesmo que ele ia dizer a verdade, depois do que aconte­ceu? Abaixe a arma.
Fale de uma vez! O que você é?
Eu reviro os olhos.
Sim, eu sou um alien, Sam. Sou de um planeta centenas de mi­lhões de quilômetros distante daqui. Tenho super poderes. Era isso que queria ouvir?
Ele me encara, e suas mãos ainda tremem.
Percebe como isso soa estúpido? Deixe de ser louco e abaixe essa arma.
O que você acabou de dizer é verdade?
Que você é estúpido? Sim, é verdade. Está obcecado por essa coisa toda. Vê extraterrestres e conspirações alienígenas em todas as esferas de sua vida, inclusive em seu único amigo. Pare de apontar essa droga de arma para mim.
Ele me encara, e posso perceber que está pensando no que eu disse. Abaixo as mãos. Ele suspira e abaixa a arma.
Desculpe — diz.
Respiro fundo com certo nervosismo.
Deve mesmo se desculpar. Onde estava com a cabeça?
A arma não estava carregada, na verdade.
Podia ter dito isso antes. Sam, por que quer tanto acreditar nessas histórias?
Ele balança a cabeça e guarda a arma na gaveta. Eu levo um mi­nuto para me acalmar e tento agir de um jeito casual, como se o que aconteceu não fosse tão importante.
O que está lendo? — pergunto.
Ele dá de ombros.
Só mais coisas sobre aliens. Acho melhor parar um pouco.
Ou leia esse material como ficção, não como um relato de fatos reais — sugiro. — Mas o texto deve ser bem convincente. Posso ver?
Ele me entrega a última edição de Eles Estão entre Nós, e eu me sento meio hesitante na beirada da cama. Acho que ele se acalmou um pouco, pelo menos o suficiente para não apontar uma arma para mim. Novamente, a revista é uma fotocópia ruim, uma impressão ligeiramente torta. Não é um volume muito grosso — apenas oito páginas, doze, no máximo, impressas em folhas comuns de papel ofício. A data no topo das folhas mostra que é de dezembro. Deve ser a última edição.
Isso é esquisito, Sam Goode. Ele ri do meu comentário.
Gente esquisita gosta de coisas esquisitas.
Onde consegue isso?
Sou assinante.
Eu sei, mas como? Sam dá de ombros.
Não sei. Um dia o material começou a chegar, e foi isso.
Você assina alguma outra revista? Talvez eles tenham usado o contato...
Certa vez fui a uma convenção. Acho que me inscrevi em al­gum torneio ou coisa do tipo enquanto estava lá. Não lembro. Sem­pre achei que foi assim que eles tinham conseguido meu endereço.
Dou uma olhada na capa. Não há nenhum site impresso ali ou na primeira página, e eu nem esperava que houvesse, considerando que Henri revirou a Internet de cabo a rabo e não achou nada. Eu leio a manchete da matéria de capa:

Seu vizinho é um alien?
dez maneiras infalíveis de descobrir!

No meio do artigo há uma foto de um homem segurando um saco de lixo em uma das mãos e a tampa de uma lata de lixo na outra. Ele está em pé na entrada de uma casa, e presume-se que esteja jogando o saco dentro da lata. A publicação é inteira em preto e branco, mas há um brilho distinto nos olhos do homem. É uma imagem horrível — como se alguém houvesse fotografado um vizinho sem que ele percebesse e depois desenhasse seus olhos com lápis. Eu rio.
O que é? — Sam quer saber.
Essa foto é terrível. Parece alguém de Godzilla.
Sam olha para a foto e, novamente, dá de ombros.
Não sei — diz. — Pode ser real. Como você disse, vejo aliens em todos os lugares e em tudo.
Mas eu pensei que aliens fossem daquele jeito. — E aponto para o pôster na parede, o do alienígena de cabeça verde.
Acho que nem todos são assim — ele retruca. — Como você mesmo disse, é um alien com super poderes, e não parece.
Nós dois rimos, e eu me pergunto como vou sair dessa. Espero que Sam nunca descubra que eu estava dizendo a verdade. Porém, parte de mim quer contar tudo a ele: sobre mim. sobre Henri, sobre Lorien, e tento imaginar qual seria sua reação. Ele acreditaria em mim?
Procuro na publicação aquela página que todos os jornais e re­vistas têm contendo os dados da edição. Não há nada ali, só mais histórias e teorias.
Não tem a página de informações do editorial.
O que quer dizer?
Sabe aquela página que todos os jornais e revistas têm conten­do o nome do editor, do revisor e de todos os colaboradores? Onde fornecem as informações sobre a editora, a gráfica, enfim, tudo? Onde são fornecidos o endereço, o telefone e todos os dados para contato? Todas as publicações têm isso, mas esta aqui... não.
Eles precisam proteger seu anonimato — Sam responde.
Por quê? Do que estão se escondendo?
Aliens — ele anuncia. E sorri, como se reconhecesse o absurdo do que acabou de dizer.
Tem a edição do mês passado?
Ele pega a revista no armário. Eu a folheio rapidamente, esperan­do encontrar nela o artigo sobre Mogadore. E o localizo na página 4.

A Raça Mogadoriana Pretende Dominar a Terra


A raça alienígena mogadoriana do planeta Mogadere, da Nona Galáxia, está na Terra há mais de dez anos. Trata-se de uma raça violenta, que pretende dominar o universo. Há boatos de que já dizimaram outro planeta semelhante e de que planejam expor as fraquezas da Terra com a intenção de, em seguida, ocupar o planeta.

(mais no próximo número)


Leio o artigo três vezes. Esperava encontrar nele mais do que Sam já havia dito, mas não há nada. E não existe uma Nona Galáxia. Queria saber de onde tiraram isso. Folheio o número seguinte duas vezes. Não há menção aos mogadorianos. Meu primeiro pensamento é que não havia mais nada a publicar, por isso não há mais notícias. Mas não acredito. Então, imagino que os mogadorianos leram o arti­go e resolveram o problema, qualquer que fosse.
Pode me emprestar esta aqui? — pergunto, mostrando a revista do mês passado.
Sim, mas tome cuidado com ela.

Três horas mais tarde, às oito da noite, a mãe de Sam ainda não está em casa. Pergunto a Sam onde ela está, e ele encolhe os ombros para dizer que não sabe, como se a ausência não fosse novidade.
Basicamente, jogamos videogame, assistimos à televisão e jantamos comida de micro-ondas. Durante o tempo que passo lá ele não usa os óculos, o que é bastante estranho, considerando que nunca o vi sem eles antes. Mesmo quando fizemos a tomada de tempo da cor­rida na escola, ele os manteve no rosto. Eu os pego sobre a cômoda e os ponho na frente dos meus olhos. O mundo fica imediatamente nublado, e eu sinto dor de cabeça instantaneamente.
Olho para Sam. Ele está sentado no chão de pernas cruzadas, com as costas apoiadas contra a cama, e um livro sobre extraterrestres aberto sobre os joelhos.
Jesus, sua visão é mesmo tão ruim assim? — pergunto.
Ele olha para mim.
Os óculos eram do meu pai.
Eu os tiro.
Você precisa mesmo de óculos, Sam?
Não realmente.
Então, por que os usa?
Eram do meu pai.
Eu os ponho de novo.
Uau, não sei nem como consegue andar em linha reta com isto!
Meus olhos estão acostumados.
Sabe que vai prejudicar sua visão se continuar usando estes óculos, não sabe?
Então, vou poder ver o que meu pai via.
Eu os tiro e devolvo ao lugar onde os encontrei. Não consigo en­tender por que Sam usa os óculos. Por razões sentimentais? Ele acre­dita mesmo que vale a pena?
Onde está seu pai, Sam? Ele olha para mim.
Não sei — diz.
Como assim, não sabe?
Ele desapareceu quando eu tinha sete anos.
Não sabe para onde ele foi?
Ele suspira, abaixa a cabeça e volta à leitura. É evidente que não quer falar sobre isso.
Acredita em alguma coisa disso? — ele me pergunta depois de alguns minutos de silêncio.
Aliens?
Sim.
Sim, acredito em aliens.
E acha mesmo que eles abduzem as pessoas?
Não tenho a menor idéia. Acho que não podemos eliminar essa possibilidade. Você acredita que sim?
Sam assente.
Sim, quase todos os dias, mas às vezes a idéia me parece estúpida.
Não consigo entender por quê.
Ele me encara.
Acho que meu pai foi abduzido.
Sam fica tenso no instante em que as palavras saem de sua boca, e uma expressão de vulnerabilidade surge em seu rosto. Isso me faz crer que ele já discutiu sua teoria antes com alguém cuja resposta não foi exatamente gentil.
De onde vem essa sua suspeita?
Ele simplesmente desapareceu. Saiu para comprar leite e pão e nunca voltou. Sua caminhonete estava estacionada na frente da padaria, mas ninguém o viu por lá. Ele sumiu, e seus óculos estavam na calçada, ao lado da caminhonete. — Ele faz uma pausa rápida. — Tive medo de que você estivesse aqui para me abduzir.
É uma teoria difícil de acreditar. Se o pai dele realmente foi abduzido no centro da cidade, alguém teria visto. Talvez o homem tivesse motivos para se afastar e encenou esse desaparecimento.
Não é difícil sumir sem deixar pistas: Henri e eu temos feito exa­tamente isso há dez anos. Mas, de repente, o interesse de Sam em aliens faz sentido. Talvez Sam só queira ver o mundo como o pai dele o via, no entanto também é possível que parte dele acredite realmente que a última imagem vista pelo pai foi capturada pelos óculos e está, de alguma forma, gravada nas lentes. Talvez acredite que, com persistência, um dia também a verá, e assim a última vi­são do pai confirmará o que já existe em sua cabeça. Ou talvez ele acredite que, se procurar por tempo suficiente, finalmente encon­trará um artigo que provará que o pai foi abduzido. E não só isso: que pode ser salvo.
E quem sou eu para dizer que um dia ele não encontrará essa prova?
— Acredito em você — digo. — Acho que abduções alienígenas são bem possíveis.

CAPÍTULO DEZESSETE

NO DIA SEGUINTE ACORDO MAIS CEDO DO QUE O NORMAL, SAIO DA CAMA COM dificuldade e, quando deixo meu quarto, encontro Henri sentado à mesa, examinando alguns papéis diante do laptop aberto. O sol ainda está escondido, e a casa está escura, sendo a luz da tela do computador a única ali.
Alguma novidade?
Não, nada, na verdade.
Acendo a luz da cozinha. Bernie Kosar arranha a porta da frente. Eu a abro e ele corre para o quintal, como faz todas as manhãs, de cabeça erguida, trotando em torno do perímetro como se procurasse algo suspeito. Ele fareja em pontos aleatórios. Satisfeito e certo de que tudo é como deve ser, ele corre para a floresta e desaparece.
Dois exemplares de Eles Estão entre Nós permanecem abertos so­bre a mesa da cozinha, o original e a cópia que Henri fez para guar­dar. Entre eles há uma lente de aumento.
Alguma coisa singular no original?
Não.
Então, e agora? pergunto.
Bem, eu tive sorte. Cruzei alguns artigos no mesmo número e con­segui algumas pistas, e uma delas me levou a um site. Mandei um e-mail.
Eu fico olhando para Henri.
Não se preocupe — ele diz. — Eles não podem rastrear e-mails. Não como eu enviei, pelo menos.
Como os enviou?
Usei como roteadores vários servidores em cidades do mundo todo, de forma que a localização original se perdeu pelo caminho.
Impressionante.
Bernie Kosar arranha a porta e eu o deixo entrar. O relógio no micro-ondas marca 5:59 horas. Tenho mais duas horas antes do co­meço das aulas.
Acha mesmo que vamos gostar de vasculhar tudo isso? — per­gunto. — Quero dizer, e se for uma armadilha? E se eles estiverem tentando nos tirar do esconderijo?
Henri assente.
Sabe, se o artigo houvesse feito alguma menção sobre nós, tal­vez eu hesitasse. Mas não fomos citados. A matéria fala sobre mogadorianos invadirem a Terra, como fizeram com Lorien. Há muita coisa nisso que eu não entendo. Você estava certo há algumas sema­nas, quando disse que fomos derrotados com muita facilidade. Nós fomos. Não faz sentido. Toda a situação com o desaparecimento dos Anciões também não faz sentido. Até o fato de termos tirado de lá você e as outras crianças de Lorien, algo que nunca questionei, pa­rece estranho. E, embora você tenha visto o que aconteceu — e eu também tive essas visões —, ainda falta alguma coisa na equação. Se pretendemos voltar um dia, considero imperativo descobrirmos o que aconteceu, para impedirmos que tudo se repita. Conhece o ditado: aquele que não conhece a história está fadado a repeti-la. E quando a história é repetida, os riscos são dobrados.
Tudo bem. Mas, de acordo com o que você disse no sábado à noite, a chance de voltarmos parece menor a cada dia. Então, tendo em vista essa possibilidade reduzida, acha que o esforço vale a pena?
Henri dá de ombros.
Ainda há mais cinco por aí. Talvez eles tenham recebido seus Legados. Talvez os seus estejam simplesmente atrasados. Acho que é melhor planejarmos todas as possibilidades.
Bem, e o que está planejando fazer?
Dar um telefonema, apenas. Estou curioso para ouvir o que esse cara sabe. Fico me perguntando por que ele não seguiu adiante. Existem duas possibilidades: ou ele não encontrou mais informa­ções e perdeu o interesse na história, ou alguém o pegou depois da publicação.
Eu suspiro.
Bem, tome cuidado — alerto.

Visto calça e blusa de moletom sobre duas camisetas, amarro os tê­nis e começo o alongamento. Jogo na mochila as roupas que pre­tendo vestir na escola, mais uma toalha, um sabonete e um frasco pequeno de xampu, para tomar banho lá. Agora corro até a escola todas as manhãs. Henri acredita que o exercício adicional vai ajudar em meu treinamento, mas a razão verdadeira é que ele espera que isso contribua em minha transição física e arranque meus Legados do torpor, se é que eles estão mesmo adormecidos. Olho para Bernie Kosar.
Preparado para correr, garoto? Quer dar uma corrida? Ele balança a cauda e anda em círculos.
Vejo você depois da aula.
Boa corrida — diz Henri. — Cuidado na estrada.
Caminhamos até a porta, e o ar frio nos recebe. Bernie Kosar late com entusiasmo algumas vezes. Começo com um trote leve pela en­trada da garagem, saio para a trilha de cascalho e noto que o cachor­ro me acompanha como se realmente pretendesse correr comigo. Preciso de uns quatrocentos metros até me aquecer.
Pronto para acelerar, garoto?
Ele não me dá atenção, apenas continua trotando à meu lado, olhando para a frente com a língua de fora, aparentemente feliz.
Muito bem, vamos lá.
Começo a correr de verdade, e pouco depois dou o primeiro tiro de velocidade, atingindo meu ponto máximo. Bernie Kosar fica para trás. Olho por cima do ombro e o vejo correndo tanto quanto pode, mas estou à frente dele. O vento brinca com meu cabelo, as árvores passam num rastro confuso. Tudo é maravilhoso. Então, Bernie Ko­sar mergulha entre as árvores e some de vista. Não sei se devo parar e esperar por ele. Então, quando me viro, ele surge do meio do bos­que três metros à minha frente.
Olho para ele, e ele olha para mim com a língua no canto da boca, os olhos iluminados por um brilho alegre.
Você é um cachorro estranho, sabe?
Depois de cinco minutos a escola aparece diante de mim. Per­corro a distância restante correndo, quase um quilômetro, exercitando-me, fazendo o esforço máximo, porque é muito cedo e não há ninguém ali para me ver. Depois paro, levanto os braços, cruzo os dedos acima da cabeça, recupero o fôlego. Bernie Kosar chega trinta segundos depois e fica me observando. Eu me ajoelho para afagá-lo.
Bom trabalho, amigão. Acho que temos um novo ritual matinal.
Tiro a mochila das costas, abro o zíper e removo dela um pacote com algumas fatias de bacon, que dou ao animal. Ele as devora.
Muito bem, agora vou entrar. Vá para casa. Henri está esperando.
Ele me observa por um segundo e depois começa a caminhar, animado, na direção de casa. Sua capacidade de compreensão me espanta. Eu entro no prédio e vou tomar uma ducha.

Sou a segunda pessoa a entrar na aula de astronomia. Sam é o primeiro a chegar e já está sentado em seu lugar de costume, no fundo da sala.
  Ei, não está de óculos. O que aconteceu? — digo, estranhando.
  Pensei no que você disse. É idiotice continuar usando os óculos.
Eu me sento ao lado dele e sorrio. É difícil imaginar que um dia vá me acostumar àqueles olhinhos miúdos. Devolvo a ele o exemplar de Eles Estão entre Nós. Sam guarda a revista na mochila. Levanto os dedos, imitando o formato de uma arma, e o cutuco.
  Bang! — brinco.
Ele começa a rir. Eu também rio. Nenhum de nós consegue parar. Cada vez que um de nós está perto de controlar as gargalhadas, o ou­tro ri ainda mais, e as gargalhadas recomeçam. As pessoas vão che­gando e olham para nós. Então, Sarah aparece. Ela chega sozinha, aproxima-se de nós com expressão confusa e se senta ao meu lado.
Do que estão rindo?
Não sei exatamente — confesso e rio um pouco mais.
Mark é a última pessoa a entrar. Ele se senta em seu lugar de cos­tume, mas hoje, em vez de Sarah, há outra garota ao lado dele. Deve ser uma formanda. Sarah segura minha mão sob a mesa.
Preciso conversar com você — diz.
Sobre o quê?
Sei que está em cima da hora, mas meus pais convidaram você e seu pai para o jantar de Ação de Graças amanhã.
Ei, isso seria incrível! Preciso falar com ele, mas sei que não temos planos, por isso imagino que a resposta será sim.
Ela sorri.
Ótimo!
Como somos só nós dois, normalmente nem celebramos o dia.
  Ah, nós comemoramos. E meus irmãos virão da faculdade. Eles querem conhecer você.
E como eles sabem sobre mim?
Como acha que sabem?
O professor entra na sala, Sarah pisca para mim, e a aula começa. Nós prestamos atenção.

Henri está esperando por mim como sempre, Bernie Kosar no assen­to do passageiro, abanando a cauda, apóia as patas na janela aberta assim que me vê. Eu entro.
Athens — diz Henri.
Athens?
Athens, Ohio.
Por quê?
É lá que as matérias de Eles Estão entre Nós são escritas e im­pressas. É lá que eles recebem a correspondência.
Como descobriu?
Tenho meus meios. Olho para ele.
Está bem, eu conto. Precisei mandar três e-mails e fazer cinco telefonemas, mas agora tenho o número. Ou seja, não foi difícil lo­calizar. Só foi necessário um pequeno esforço.
Eu concordo movendo a cabeça. Sei o que ele está me dizendo. Os mogadorianos teriam nos encontrado com a mesma facilidade. O que significa, é claro, que agora a balança pende em favor da segun­da possibilidade citada por Henri: a de que alguém encontrou quem publicava as matérias antes de a história poder ser desenvolvida.
Onde fica Athens? Longe daqui?
Duas horas de carro.
Você vai até lá?
Espero que não. Primeiro vou telefonar.
Quando chegamos em casa Henri, pega o telefone e se senta à mesa da cozinha. Eu me sento diante dele e escuto.
Sim, estou ligando para perguntar sobre um artigo na edição do último mês de Eles Estão entre Nós.
Uma voz grave responde do outro lado. Não consigo ouvir o que é dito.
Henri sorri.
Sim — ele diz e faz uma pausa. — Não, não sou assinante. Mas tenho um amigo que é.
Outra pausa.
Ele assente.
Bem, estou curioso pelo artigo escrito sobre os mogadorianos. Não houve a continuação da matéria no número deste mês, como era esperado.
Eu me debruço sobre a mesa e tento ouvir, meu corpo tenso e rígi­do. Quando ouço a resposta, a voz soa trêmula, perturbada. Depois, o telefone fica mudo.
Alô?
Henri afasta o fone, olha para ele, e o encosta novamente na orelha.
Alô? — repete.
Resignado, ele fecha o aparelho e o deixa na mesa. E olha para mim.
Ele disse: "Não ligue mais para cá." E desligou.

CAPÍTULO DEZOITO

DEPOIS DE DEBATER A QUESTÃO POR VÁRIAS HORAS, HENRI ACORDA NA MANHÃ seguinte e imprime uma rota porta a porta, de casa até Athens. Ele me diz que estará em casa cedo, para que possamos ir ao jantar de Ação de Graças na casa de Sarah, e me dá um pedaço de papel com o endereço e o número do telefone do local aonde vai.
Tem certeza de que vale a pena? — pergunto.
Precisamos descobrir o que está acontecendo.
Eu suspiro.
Acho que nós dois sabemos o que está acontecendo.
Talvez — ele diz, mas com plena autoridade e nenhum sinal da incerteza que normalmente acompanha a palavra.
Sabe o que me diria se nossas posições fossem invertidas, não sabe?
Henri sorri.
Sim, John. Eu sei o que diria. Mas acho que isso vai nos ajudar. Quero saber o que eles fizeram que deixou esse homem tão assus­tado. Quero saber se nos mencionaram, se estão à nossa procura usando meios nos quais ainda não pensamos. Isso vai nos ajudar a continuar escondidos, a nos manter à frente deles. E, se esse homem os viu, vamos saber que aparência eles têm.
Já sabemos como eles são.
Sabemos como eram quando nos atacaram, há mais de dez anos, mas eles podem ter mudado. Estão na Terra há um bom tempo. Quero saber como estão se misturando à população.
Mesmo que saibamos que aparência eles têm, quando os vir­mos na rua provavelmente será tarde demais.
Talvez sim, talvez não. Se eu vir um deles, vou tentar matá-lo. Nada garante que ele vá conseguir me matar — Henri opina, desta vez em dúvida e sem qualquer autoridade.
Desisto. Não gosto nada dessa história de Henri ir de carro até Athens enquanto eu fico em casa. Mas sei que minhas objeções não o farão mudar de idéia.
Tem certeza de que volta a tempo? — pergunto.
Estou saindo agora, o que significa que chegarei lá às nove. Du­vido que permaneça por mais de uma hora, duas, no máximo. Devo estar de volta à uma da tarde.
Então, por que me deu isto? — pergunto mostrando o pedaço de papel com o endereço e o número de telefone.
Bem, nunca se sabe.
Sim, e é exatamente por isso que eu acho que você não deve ir.
Touché — ele responde, encerrando a discussão. Henri pega seus papéis, levanta-se e empurra a cadeira.
Vejo você mais tarde.
Tudo bem — digo.
Ele sai de casa e entra na caminhonete. Bernie Kosar e eu vamos até a varanda e o vemos partindo. Não sei por que, mas tenho um mau pressentimento. Espero que ele volte.

É um longo dia. Um daqueles em que o tempo passa devagar e cada minuto parece dez, cada hora parece vinte. Jogo videogame e nave­go na Internet. Procuro por notícias que podem estar relacionadas a uma das outras crianças. Não encontro nada, o que me deixa feliz. Isso significa que estamos nos mantendo fora do radar. Evitando nossos inimigos.
Verifico meu telefone de tempos em tempos. Ao meio-dia en­vio uma mensagem de texto para Henri. Ele não responde. Almoço e alimento Bernie, e depois mando outra mensagem. De novo, não obtenho resposta. Estou ficando nervoso, agitado. Henri nunca deixa de me responder imediatamente. Talvez seu telefone esteja desligado. Talvez ele tenha ficado sem bateria. Tento me convencer dessas pos­sibilidades, mas sei que nenhuma é verdadeira.
As duas horas eu começo a ficar realmente preocupado. Devería­mos chegar na casa dos Hart dentro de uma hora. Henri sabe que a ocasião é importante para mim. E não a arruinaria. Vou tomar ba­nho, esperando sair do chuveiro e encontrá-lo sentado à mesa da cozinha, bebendo uma xícara de café. Ligo a água quente e nem me lembro da torneira da água fria. Não sinto nada. Todo o meu corpo é indiferente ao calor. A sensação é de que estou me banhando em água morna, e chego a sentir falta do calor de um banho muito quen­te. Eu adorava banhos quentes. Ficar sob a água por muito tempo. Fechar os olhos e senti-la em minha cabeça, descendo pelo corpo. O banho me fazia não pensar em minha vida. No banho esqueço por algum tempo quem e o que sou.
Quando saio do chuveiro, abro meu armário e procuro minhas melhores roupas, que não são nada especiais: calça caqui, camisa de botões, suéter. Como vivemos sempre fugindo, só tenho tênis de corrida, o que é ridículo e me faz rir. É a primeira vez que rio hoje. Vou ao quarto de Henri e estudo o conteúdo de seu guarda-roupa. Ele tem um par de sapatos que serve em mim. Ver suas roupas me deixa ainda mais preocupado, perturbado. Quero acreditar que ele só está demorando mais do que deveria, mas ele teria entrado em contato comigo. Alguma coisa está errada.
Caminho até a porta da frente, onde Bernie está sentado, olhando pela janela. Ele olha para mim e gane. Afago sua cabeça e volto para o quarto. Olho para o relógio. Passa um pouco das três horas. Veri­fico meu telefone. Nenhuma mensagem. Decido ir à casa de Sarah, e se não tiver notícias de Henri até as cinco, pensarei num plano. Talvez diga aos Hart que Henri está doente e que eu também não me sinto bem. Talvez diga que a caminhonete de Henri quebrou e eu preciso ir ajudá-lo. Espero que ele apareça, para que possamos ter um agradável jantar de Ação de Graças. Será o primeiro, nunca tive­mos um. Se não, contarei alguma história aos Hart. Será necessário.
Sem a caminhonete, decido ir correndo. Provavelmente nem vou transpirar, e chegarei ainda mais depressa do que se fosse de carro. E, por causa do feriado, a estrada deve estar vazia. Digo até logo a Bernie, prometo que estarei em casa mais tarde e saio. Corro pelos campos, mantendo-me nas partes mais afastadas, perto da floresta. É bom gastar um pouco de energia. Reduz minha ansiedade. Algumas vezes chego bem perto de minha velocidade máxima, que deve ser entre uns noventa a cento e dez quilômetros por hora. O ar frio em meu rosto traz uma sensação deliciosa. O som do vento também é incrível, o mesmo que escuto ao pôr a cabeça para fora da janela da caminhonete quando estamos percorrendo uma estrada. Gostaria de saber que velocidade poderei atingir quando tiver uns vinte ou vinte e cinco anos.
Paro de correr uns noventa metros antes da casa de Sarah. Não estou nem mesmo ofegante. Quando passo pelo portão, vejo Sarah na janela, olhando para fora. Ela sorri, acena e abre a porta da frente no instante em que piso na varanda.
— Oi, bonitão — ela diz.
Eu me viro e olho por cima do ombro, fingindo conferir se ela está falando com outra pessoa. Depois a encaro e pergunto se está falando comigo. Ela ri.
Bobo — diz e bate em meu braço antes de me puxar para beijar meus lábios. Respiro fundo, e só então sinto cheiro de comida: peru recheado, batatas-doces, couve-de-bruxelas, torta de abóbora.
Que cheiro delicioso — elogio.
Minha mãe passou o dia cozinhando.
Mal posso esperar pelo jantar.
Onde está seu pai?
Ele ficou preso. Mas deve chegar a qualquer momento.
Está tudo bem?
Sim, não é nada grave.
Nós entramos, e ela me leva para conhecer a casa. É grande, linda. Uma casa de família clássica, com quartos no segundo andar, um sótão, onde fica o quarto de um dos irmãos, e todos os espaços de convivência no primeiro andar: sala de estar, sala de jantar, cozinha e sala da família. Quando chegamos ao quarto dela, Sarah fecha a porta e me beija. Fico surpreso, mas eufórico.
Passei o dia todo esperando por isso — ela diz com a voz suave ao se afastar. Quando caminha para a porta, eu a puxo de volta e a beijo novamente.
E eu vou ficar esperando para beijá-la outra vez mais tarde — sussurro.
Ela sorri e bate em meu braço outra vez.
Descemos a escada, e ela me leva à sala da família, onde seus dois irmãos mais velhos, que voltaram da faculdade para uma vi­sita neste fim de semana, estão assistindo a uma partida de futebol americano com o pai. Eu me sento com eles, enquanto Sarah vai à cozinha ajudar a mãe e a irmã mais nova com o jantar. Nunca gostei muito de futebol. Acho que, por causa da maneira como Henri e eu vivemos, nunca me interessei muito por nada fora de nossa vida. Minha preocupação era sempre tentar me adaptar ao local onde es­távamos e me preparar para estar em outro lugar. Os irmãos e o pai de Sarah jogaram futebol americano no colégio. Eles adoram o esporte. E, no jogo de hoje, um dos irmãos e o pai torcem para um time, enquanto o outro irmão é torcedor do time adversário. Eles discutem, trocam provocações, aplaudem e vaiam, dependendo do que acontece no jogo. E evidente que esse padrão de comportamento se repete há anos, provavelmente por toda a vida dos dois irmãos, e eles se divertem muito. Isso me faz desejar ter alguma relação desse tipo com Henri, qualquer coisa além de meu treinamento e de nossa eterna fuga, da necessidade de vivermos escondidos. Algo que nós dois apreciássemos e que pudéssemos viver juntos, dividir. Sinto vontade de ter um pai e irmãos de verdade.
No intervalo do jogo, a mãe de Sarah nos chama para comer. Eu verifico meu telefone, e ainda não há nenhuma mensagem. Antes de nos sentarmos, vou ao banheiro e tento telefonar para Henri, mas a ligação vai direto para a caixa postal. São quase cinco da tarde, e estou começando a entrar em pânico. Volto para a sala de jantar e me sento à mesa, onde todos já estão reunidos. A mesa é fantástica. Há flores no centro, com jogos americanos e talheres dispostos meticu­losamente diante de cada cadeira. As travessas com a comida estão espalhadas pelo centro da mesa, com o peru bem na frente do lugar do Sr. Hart. Assim que me sento, a Sra. Hart entra na sala. Ela tirou o avental e está vestindo um belo conjunto de saia e suéter.
Teve notícias de seu pai? — ela pergunta.
Acabei de ligar para ele. Está muito atrasado e pediu para não esperarmos por ele. E me pediu também que o desculpassem pelo inconveniente.
O Sr. Hart começa a cortar o peru. Sarah sorri para mim do outro lado da mesa, o que faz eu me sentir melhor por meio segundo. A comida é servida, e eu pego pequenas porções de tudo. Não acredito que eu vá conseguir comer muito. Mantenho meu telefone fora do bolso, sobre minhas pernas, e o programei para vibrar em caso de chamada ou de mensagem de texto. Porém, a cada minuto que passa, cresce minha dúvida de que receberei um ou outro, ou de que vol­tarei a ver Henri. A ideia de viver sozinho — com meus Legados se desenvolvendo e sem alguém para explicá-los ou para me treinar —, de fugir sozinho, de me esconder sozinho, de encontrar meu cami­nho, de lutar contra os mogadorianos, enfrentá-los até derrotá-los ou morrer... Bem, tudo isso me aterroriza.
O jantar parece durar para sempre. O tempo volta a passar deva­gar. Todos os membros da família de Sarah me enchem de pergun­tas. Nunca antes estive em uma situação na qual tive de dar tantas respostas a tantas pessoas em um período tão curto de tempo. Eles me perguntam sobre meu passado, os lugares em que vivi, sobre Henri, sobre minha mãe — que, como sempre, eu digo ter morrido quando eu era ainda muito pequeno. E essa é a única resposta que contém um fundo de verdade. Não sei se minhas respostas fazem sentido. O telefone parece pesar toneladas sobre minhas pernas. Ele não vibra. É um peso morto.
Depois do jantar, e antes da sobremesa, Sarah convida todo mun­do para ir ao quintal, porque ela quer tirar algumas fotos. Quando saímos, ela me pergunta se está tudo bem. Digo que estou preocupa­do com Henri. Ela tenta me acalmar e diz que vai dar tudo certo, mas é inútil. Na verdade, só me sinto ainda pior. Tento imaginar onde ele está e o que está fazendo, e a única cena que consigo imaginar é a de Henri diante de um mogadoriano, aparentemente apavorado, ciente de que está prestes a morrer.
Quando nos reunimos para as fotos, começo a entrar em pânico. Como poderia chegar em Athens? Posso ir correndo, mas seria difícil encontrar o caminho, especialmente porque teria de evitar o tráfego e me manter fora das grandes rodovias. Poderia pegar um ônibus, mas assim levaria muito tempo. Poderia pedir ajuda a Sarah, mas isso exigiria muitas explicações e revelações, inclusive de que sou um alien e temo que Henri tenha sido capturado ou morto por aliens hostis que estão me procurando para me matar. Não é a melhor idéia.
Posamos para a foto, e sou tomado por uma urgência desesperada de ir embora, mas preciso sair de um jeito que não desperte ressenti­mentos de Sarah ou de sua família por mim. Concentro-me na câme­ra, olho diretamente para a lente, mas continuo tentando pensar em uma desculpa que provoque o mínimo de questionamento. Agora estou completamente dominado pelo pânico. Minhas mãos come­çam a tremer. Estão quentes. Examino-as para ter certeza de que não brilham. Estão apagadas, mas quando levanto o olhar percebo que a camera está tremendo nas mãos de Sarah. Sei que, de alguma forma, eu estou causando essa reação, mas não sei como nem o que fazer para detê-la. Um arrepio percorre minha espinha. Minha respiração fica presa na garganta e, ao mesmo tempo, a lente da câmera estala e se quebra. Sarah grita, abaixa a câmera e olha para ela, confusa. Ela está boquiaberta, com os olhos cheios de lágrimas.
Os pais correm até ela, preocupados. Eu fico parado, tomado pelo choque. Não sei o que fazer. Estou intrigado com a câmera, com o nervosismo causado em Sarah, mas também estou eufórico, por­que compreendo que minha telecinesia finalmente despertou. Serei capaz de controlar esse poder? Henri vai ficar muito feliz quando souber. Henri. O pânico retorna. Cerro os punhos. Preciso sair dali. Preciso encontrá-lo. Se os mogadorianos o capturaram, o que espero que não tenha acontecido, matarei todos eles para resgatá-lo.
Pensando depressa, eu me aproximo de Sarah e a tiro de perto dos pais, que estão examinando a câmera e tentando entender o que aconteceu.
Acabei de receber uma mensagem de Henri. Sinto muito, de verdade, mas preciso ir.
Sarah está distraída, olhando para mim e para os pais.
Está tudo bem com ele?
Sim, mas eu preciso ir. Henri precisa de mim. — Ela concorda, e nós nos beijamos rapidamente. Espero que não seja a última vez.
Agradeço aos pais e aos irmãos dela e saio antes que possam me fazer muitas perguntas. Caminho até o portão e, assim que passo por ele, começo a correr. Volto pelo mesmo caminho que usei para che­gar à casa de Sarah. Mantenho-me afastado das principais rodovias, preferindo correr entre as árvores. Em poucos minutos estou em casa. Ouço Bernie Kosar arranhando a porta quando me aproximo da va­randa. Ele está ansioso, como se também pressentisse algo de errado.
Vou direto para meu quarto. Retiro da mochila o pedaço de papel com o número de telefone e o endereço que Henri anotou antes de sair. Disco aquele número. Uma gravação informa: "Lamento, o nú­mero que você chamou foi desligado ou está fora de serviço." Olho para o pedaço de papel e disco novamente. A mesma gravação.
Merda! — eu grito. Chuto uma cadeira, e ela atravessa a cozi­nha e vai parar na sala de estar.
Volto para meu quarto. Saio. E volto mais uma vez. Olho para o espelho. Meus olhos estão vermelhos: lágrimas afloram, mas nenhu­ma cai. Minhas mãos tremem. Sou consumido pela raiva, pelo ódio e por um medo horrível de que Henri esteja morto. Fecho os olhos com força e expulso toda a fúria do peito. Numa explosão repentina, eu grito e abro os olhos e estendo as mãos para o espelho, que se parte em vários pedaços, embora eu esteja muitos metros longe dele. Paro e olho. Boa parte do espelho ainda está presa à parede. O que aconteceu na casa de Sarah não foi um acaso feliz.
Olho para os cacos no chão. Estendo a mão, concentro-me em um dos cacos e tento movê-lo. Minha respiração está controlada, mas medo e raiva persistem dentro de mim. Medo é uma palavra simples demais. Terror. É isso que sinto.
No início o caco não sai do lugar, mas depois de quinze segundos ele começa a tremer. Lentamente no início, depois mais depressa.
E então eu lembro. Henri disse que normalmente são as emoções que desencadeiam os Legados. Com certeza é isso que está aconte­cendo agora. Esforço-me para tirar o caco do chão. Gotas de suor brotam em minha testa. Eu me concentro com tudo o que tenho e tudo o que sou, apesar de tudo o que está acontecendo. Respirar é uma dificuldade. Lentamente, o pedaço de espelho começa a se erguer. Um milímetro. Dois centímetros. Ele está uns vinte centí­metros do chão, continua subindo, meu braço direito estendido e se movendo com ele até o caco de vidro estar na altura dos meus olhos. Eu o mantenho ali. Se Henri puder ver isso, penso. E num flash, em meio à excitação da minha felicidade recém-descoberta, pânico e medo retornam. Olho para o caco, para como ele reflete a parede revestida de madeira que parece velha e gasta no espelho. Madeira. Velha e gasta. Então meus olhos se abrem mais do que jamais pensei que pudesse abri-los. A arca!
Henri me disse, referindo-se ao cadeado: "Só nós dois podemos abri-lo, e juntos. A menos que eu morra; então você poderá abri-lo sozinho."
Deixo cair o caco de espelho e saio correndo de meu quarto para o de Henri. A arca está no chão ao lado da cama dele. Eu a pego, corro para a cozinha e a jogo na mesa. O cadeado na forma do emblema lórico está voltado para mim.
Eu me sento à mesa e olho para o cadeado. Meu lábio está tremendo. Tento respirar mais devagar, mas é inútil; meu peito está arfando, como se eu houvesse corrido quinze quilômetros em velocidade máxima. Tenho medo de sentir um clique sob meus dedos. Respiro fundo e fecho os olhos.
— Por favor, não abra — digo.
Agarro o cadeado. Prendendo a respiração, eu o seguro com for­ça, minha visão se turva, os músculos em meus braços se contraem. Espero pelo clique. Seguro o cadeado e espero pelo clique.
Mas não acontece clique nenhum.
Solto o cadeado, reclino a cabeça e a seguro entre as mãos. Ainda há esperança. Deslizo as mãos pelo cabelo e me levanto. Vejo uma colher suja na bancada. Concentro-me nela e movimento a mão, e a colher sai voando. Henri ficaria muito feliz. Henri, onde você está? Em algum lugar, e vivo. E eu vou huscá-lo.
Disco o número do telefone de Sam, único amigo que fiz em Paradise além de Sarah, único amigo que já tive, para ser bem honesto. Ele atende no segundo toque.
Alô?
Fecho os olhos e aperto a ponte do nariz. Respiro fundo. O tremor retornou, se é que ele desapareceu em algum momento.
Alô? — ele repete.
Sam.
Ei, sua voz está horrível! Tudo bem?
Não. Preciso de sua ajuda.
O que aconteceu?
Sua mãe pode trazê-lo aqui?
Ela não está em casa. Foi dar plantão no hospital, porque ga­nha hora extra em dobro nos feriados. O que está acontecendo?
As coisas vão mal, Sam. E preciso de ajuda.
Um breve silêncio, e então ele diz:
Vou para aí o mais depressa que puder.
Tem certeza?
Vejo você daqui a pouco.
Desligo o telefono e apoio a cabeça na mesa. Athens, em Ohio. É lá que Henri está. De alguma forma, de alguma maneira, é para lá que tenho de ir.
É preciso chegar lá bem depressa.


CAPÍTULO DEZENOVE

ENQUANTO ESPERO POR SAM, ANDO PELA CASA ELEVANDO OBJETOS INANIMADOS sem tocá-los: uma maçã da bancada da cozinha, um garfo na pia, um vaso com uma planta ao lado da janela da frente. Só consigo levantar objetos pequenos, e eles se erguem no ar de um jeito meio tímido. Quando tento mover algo mais pesado uma cadeira, uma mesa —, nada acontece.
As três bolas de tênis que Henri e eu usamos nos treinamentos estão em uma cesta do outro lado da sala de estar. Trago uma delas até mim, e, quando ela passa pelo campo de visão de Bernie Kosar, ele a segue atentamente com os olhos. Depois a arremesso sem tocá-la e Bernie corre atrás. Antes que ele consiga pegá-la eu a puxo de volta ou, quando ele consegue, eu a tiro de sua boca, tudo isso sem me levantar da cadeira na sala de estar. Isso me distrai, afasta meus pensamentos de Henri, de tudo o que pode estar acontecendo com ele e da culpa pelas mentiras que vou ter de contar a Sam.
Ele leva vinte e cinco minutos para percorrer de bicicleta os seis quilômetros da casa dele até a minha. Escuto quando ele chega peda­lando pela entrada de cascalho. Ele pula da bicicleta, deixando-a cair no chão, e entra correndo pela porta da frente sem bater, ofegante. Seu rosto está coberto de suor. Ele olha em volta, estudando o cenário.
O que foi? — pergunta.
Isso vai soar absurdo para você — começo —, mas precisa pro­meter que vai me levar a sério.
Do que está falando?
Do que estou falando? Estou falando sobre Henri. Ele desapareceu por descuido, o mesmo descuido que sempre pregou con­tra. Estou falando sobre o fato de ter contado a verdade quando você apontou aquela arma para mim. Eu sou um alien. Henri e eu chegamos na Terra há dez anos, e somos perseguidos por uma raça violenta de alienígenas. Estou falando sobre Henri pensar que pode escapar deles de alguma forma, se tiver um pouco mais de conhecimento. E agora ele desapareceu. É disso que estou fa­lando, Sam. Você me entende? Mas não, não posso dizer essas coisas a ele.
Meu pai foi capturado, Sam. Não sei dizer com certeza por quem, ou o que foi feito dele. Mas algo aconteceu, e acredito que ele foi feito prisioneiro. Ou pior.
Um sorriso gelado se forma no rosto dele.
Pare com isso — Sam diz.
Eu balanço a cabeça e fecho os olhos. A gravidade da situação di­ficulta novamente o simples ato de respirar. Eu me viro e olho para Sam com ar suplicante. Lágrimas brotam em meus olhos.
Não estou brincando.
O rosto de Sam empalidece.
Como assim, não está? Quem o capturou? Onde ele está?
Ele localizou o autor de um dos artigos daquela sua revista em Athens, Ohio, e foi até lá hoje. E não voltou. O telefone está desligado. Aconteceu alguma coisa com ele. Algo ruim.
Sam fica ainda mais confuso.
O quê? Por que ele se incomodaria com isso? Tem algo nessa história que eu não entendo. É só um artigo idiota!
Não sei, Sam. Ele é como você: adora aliens, teorias de conspi­ração e todas essas coisas. — Eu penso depressa. — Sempre foi um hobby para ele. Um dos artigos despertou seu interesse, e acho que ele quis saber mais, então foi até lá.
Foi o artigo sobre os mogadorianos?
Sim. Como você sabe?
Porque ele reagiu como se tivesse visto um fantasma quando falei sobre esse artigo no dia de Halloween. Mas por que alguém ia se importar se ele fizesse perguntas sobre um artigo estúpido?
Não sei. Quero dizer, imagino que essas pessoas não sejam as mais equilibradas do mundo. Devem ser paranóicas, delirantes. Talvez tenham pensado que ele é um alien. Você apontou uma arma para mim pelo mesmo motivo, lembra? Ele devia estar em casa à uma da tarde, e seu celular está desligado. Isso é tudo o que posso lhe dizer.
Eu me levanto e vou até a mesa da cozinha. Pego o pedaço de papel com o endereço e o número de telefone de onde Henri deve estar.
Ele foi para esse lugar hoje — digo. — Tem alguma ideia de onde fica?
Ele olha para o papel, depois para mim.
Quer ir até lá?
Não sei o que mais posso fazer.
Por que não vai à polícia e conta o que aconteceu?
Eu me sento no sofá, pensando na melhor maneira de responder. Gostaria de poder dizer a verdade, explicar que o envolvimento da polícia no caso nos obrigaria a ir embora de Paradise. Isso, na me­lhor das hipóteses. Na pior, Henri seria interrogado, talvez fichado, obrigado a enfrentar uma burocracia lenta e complexa de reconhe­cimento, o que daria aos mogadorianos muito tempo para agir. E, quando eles nos encontrassem, a morte seria iminente.
Que polícia? A de Paradise? O que acha que fariam se eu con­tasse a verdade? Levariam dias para me ouvir com um mínimo de seriedade, e não tenho esse tempo.
Sam encolhe os ombros.
Talvez eles o levem a sério. Além do mais, e se ele só se atrasou, ou se o celular quebrou? Pode estar a caminho de casa neste momento...
Talvez, mas não acredito nisso. Alguma coisa aconteceu, e preciso ir atrás dele o mais depressa possível. Ele devia estar em casa há horas.
Talvez tenha se envolvido em um acidente.
Balanço a cabeça.
Talvez, mas acho que não. E, se ele estiver em perigo, nós esta­mos perdendo tempo.
Sam olha para o pedaço de papel. Ele morde o lábio e fica em silêncio por uns quinze segundos.
Bem, eu sei vagamente como chegar em Athens. Mas não tenho a menor idéia de como encontrar esse endereço quando estivermos lá.
Posso imprimir um mapa da Internet. Não é isso que me preo­cupa. Estou aflito com o transporte. Tenho cento e vinte dólares em meu quarto. Posso pagar alguém para nos levar até lá, mas não sei quem. Não há muitos táxis em Paradise.
Podemos usar nossa caminhonete.
Que caminhonete?
A que era do meu pai. Nós ainda a temos. Está na garagem. Não tocamos nela desde que ele desapareceu.
Está falando sério?
Ele move a cabeça em sentido afirmativo.
Há quanto tempo o motor não é ligado? Acha que ainda funciona?
Oito anos. Por que não funcionaria? Era quase nova quando ele a comprou.
Espere, deixe-me ver se entendi direito. Está sugerindo que façamos sozinhos a viagem de duas horas até Athens? Dirigindo?
O sorriso que surge no rosto de Sam é evasivo.
É exatamente o que estou sugerindo.
Eu me inclino para a frente no sofá. Sei que meu sorriso reflete o dele.
Sabe que vamos ter problemas sérios se formos pegos, não é? Não temos carteira de motorista.
Sim, eu sei. Minha mãe vai me matar, e talvez mate você tam­bém. E ainda temos de pensar na questão legal. Mas, sim, se você acredita realmente que seu pai está com problemas, o que mais po­demos fazer? Se os papéis fossem invertidos, se fosse meu pai que estivesse encrencado, eu não pensaria duas vezes.
Olho para Sam. Não há nenhuma hesitação em seu rosto quando ele sugere a viagem de duas horas, e ainda nem discutimos outro detalhe: nenhum de nós dois sabe dirigir, e não fazemos ideia do que esperar ao chegarmos lá. Mas Sam está comigo. O plano foi dele.
Tudo bem, vamos dirigir até Athens — decido.

Jogo meu celular na mochila, certifico-me de que tudo está fechado e em ordem. Depois percorro a casa e olho tudo como se fosse a última vez. É um pensamento bobo, e sei que estou simplesmente sendo sentimental, mas estou nervoso, e traz certa sensação de calma fazer isso. Toco os objetos, mas os deixo no lugar. Depois de cinco minu­tos, sinto que estou pronto.
Vamos — digo a Sam.
Quer ir na bicicleta comigo?
Não. Pode ir pedalando. Eu vou correndo ao seu lado.
E sua asma?
Acho que vou ficar bem.
Partimos. Ele monta na bicicleta. Tenta pedalar o mais depressa possível, mas não está em sua melhor forma. Eu corro alguns metros atrás dele e finjo estar cansado. Bernie nos segue. Quando chegamos à casa de Sam, ele está pingando suor. Sam corre até o quarto e volta com uma mochila. Ele a coloca sobre a bancada da cozinha e começa a trocar de roupa. Dou uma olhada dentro dela. Um crucifixo, alguns dentes de alho, uma estaca de madeira, um martelo, uma bola de massinha e um canivete.
Percebe que essas pessoas não são vampiros, não é? — eu per­gunto quando Sam retorna.
Sim, mas nunca se sabe. Eles são malucos, provavelmente, como você disse.
E mesmo que estivéssemos caçando vampiros, para que usaria massinha de modelar?
Não custa se preparar. — Ele dá de ombros.
Sirvo uma vasilha com água para Bernie Kosar, e ele bebe com von­tade. Troco de roupas no banheiro e retiro de minha mochila o mapa com as instruções. Depois atravesso a casa e vou até a garagem, que é escura e tem cheiro de gasolina e de grama cortada. Sam acende a luz. Várias ferramentas enferrujaram pela falta de uso e estão penduradas em ganchos apropriados. A caminhonete está no meio da garagem, sob uma grande lona azul coberta por uma espessa camada de poeira.
Quanto tempo faz que essa lona não é removida?
Desde que meu pai desapareceu.
Levanto uma beirada. Sam ergue a outra, e juntos nós removemos a lona e a deixamos em um canto. Sam olha para a caminhonete com os olhos arregalados e um sorriso nos lábios.
O veículo é pequeno, azul-escuro, e só há espaço para duas pes­soas — ou três, se uma delas não se incomodar com o desconforto de viajar no meio das outras. Vai ser perfeito para Bernie Kosar. A poeira dos últimos oito anos não chegou ao interior do veículo, que brilha como se tivesse sido encerado recentemente. Jogo minha mo­chila na carrocería.
A caminhonete de meu pai — Sam diz, orgulhoso. — Tantos anos, e ela ainda é exatamente a mesma.
Nossa carruagem dourada — eu digo. — Tem as chaves?
Ele caminha até a parede e pega um molho de chaves de um gan­cho ali. Destranco a porta da garagem e a abro.
Quer resolver quem vai dirigir com "pedra, papel e tesoura"? — pergunto.
Não! — Sam responde. Ele abre a porta do lado do motorista e se senta ao volante. O motor tosse, falha, mas finalmente pega. Ele abaixa a janela. — Acho que meu pai ficaria orgulhoso se me visse dirigindo a caminhonete.
Também acho. — Eu sorrio. — Tire o carro da garagem, e eu fecho a porta.
Ele respira fundo, engata a primeira marcha e devagar, com certa timidez, vai saindo da garagem. Sam pisa no freio com força exage­rada, cedo demais, e a caminhonete para bruscamente.
Você ainda não saiu completamente — grito.
Ele tira o pé do pedal e termina de sair bem devagar. Eu fecho a por­ta da garagem. Bernie Kosar salta para dentro da caminhonete sem que eu precise incentivá-lo, e eu me sento ao lado dele. As mãos de Sam seguram o volante com tanta força que os nós dos dedos estão brancos.
Nervoso? — pergunto.
Apavorado.
Vai dar tudo certo — digo. — Nós dois vimos outras pessoas dirigindo milhares de vezes.
Ele assente.
Tudo bem. Para que lado devo ir?
Vamos mesmo seguir adiante com este plano?
Sim — ele insiste.
Para a direita, então. Vamos sair da cidade.
Afivelamos o cinto de segurança. Eu abro a janela apenas o sufi­ciente para Bernie Kosar pôr a cabeça para o lado de fora, o que ele faz imediatamente, apoiando-se nas patas traseiras, em meu colo.
Estou completamente apavorado — confessa Sam.
Eu também.
Ele respira fundo, prende o ar nos pulmões e depois exala lentamente.
E... lá... vamos... nós — diz, tirando o pé do freio quando ter­mina a última palavra. O caminhão desce a entrada da garagem aos trancos. Ele pisa no breque uma vez e nós paramos. Então ele solta o pé aos poucos e o carro volta a andar, seguindo lentamente até a saída da propriedade. Sam olha para os dois lados e entra na estra­da, primeiro bem devagar, depois ganha velocidade. Ele está tenso, debruçado sobre o volante, e depois de um quilômetro e meio um sorriso começa a se formar em seu rosto, e ele se recosta no banco.
Não é tão difícil.
Você nasceu para isso.
Ele mantém a caminhonete perto da faixa pintada no lado direito da estrada. Sam fica tenso cada vez que um carro passa em sentido contrário, mas depois de um tempo ele relaxa e presta menos aten­ção aos outros automóveis. Ele faz uma curva, e outra, e em vinte e cinco minutos entramos na interestadual.
Não acredito que estamos mesmo fazendo isso — Sam final­mente comenta. — Nunca fiz loucura maior.
Nem eu.
Tem algum plano para quando chegarmos lá?
Nenhum. Espero ser capaz de encontrar o lugar, e então pen­sarei em algo. Não sei se é uma casa, um prédio comercial ou outra coisa. Nem sei se ele está mesmo lá.
Sam assente.
Acha que ele está bem?
Não tenho idéia — respondo.
Respiro fundo. Temos uma hora e meia pela frente até chegarmos em Athens.
Então, encontraremos Henri.

CAPÍTULO VINTE

DIRIGIMOS RUMO AO SUL, ATÉ ATHENS APARECER ANINHADA AOS PÉS DAS Montanhas Apalaches: uma cidade pequenina que brota no meio das árvores. Em meio à penumbra, vejo um rio sinuoso, que parece contornar a cidade, servindo de fronteira a leste, sul e oeste, enquan­to ao norte estão as árvores e as montanhas. A temperatura é relati­vamente quente para novembro. Passamos pelo estádio de futebol da faculdade. Um pouco além dele está o domo branco de uma arena.
Vamos pegar a próxima saída — eu digo.
Sam dirige a caminhonete pela interestadual e vira à direita na Richland Avenue. Nós dois estamos eufóricos por conseguir chegar ali inteiros, sem sermos pegos.
Então esta é a aparência de uma cidade universitária...
Acho que sim — respondo.
Há edifícios e alojamentos nos dois lados da avenida. A grama é verde, meticulosamente aparada, mesmo em novembro. Subimos uma colina íngreme.
Lá no alto fica a Court Street. Vamos virar à esquerda.
Quanto falta? — Sam quer saber.
Um quilômetro, mais ou menos.
Quer passar em frente antes de pararmos?
  Não. Acho melhor estacionar na primeira vaga que encontrar­mos, depois seguimos a pé.
Dirigimos pela Court Street, que é a via principal do centro da ci­dade. Tudo está fechado neste feriado — livrarias, cafeterias, bares. Mas vejo algo que se destaca como um brilhante.
  Pare!
Sam pisa no freio.
  O que é?
Um carro buzina atrás de nós.
  Nada, nada. Continue. Vamos estacionar.
Percorremos mais um quarteirão até encontrar uma vaga. Pelos meus cálculos, estamos a cinco minutos de caminhada do endereço, no máximo.
O que foi aquilo? Você quase me matou de susto!
Vi a caminhonete de Henri.
Ah... Por que você às vezes o chama de Henri?
Não sei. Simplesmente sai. É uma espécie de brincadeira nos­sa — digo e olho para Bernie Kosar. — Acha que devemos levá-lo?
Sam encolhe os ombros.
  Ele pode atrapalhar.
Dou algumas guloseimas a Bernie Kosar e o deixo no carro, com a janela entreaberta. Ele não fica feliz e começa a ganir e a arranhar o vidro, mas não creio que vamos demorar. Sam e eu voltamos a pé pela Court Street. Levo minha mochila nas costas, Sam prefere car­regar a dele na mão. Ele pegou a massinha de modelar e a está aper­tando, como as pessoas fazem com aquelas bolas de espuma quando estão estressadas. Chegamos à caminhonete de Henri. As portas es­tão travadas. Não há nada importante nos bancos ou no painel.
  Bem, isso significa duas coisas — digo. — Henri ainda está aqui e quem o pegou ainda não encontrou a caminhonete, o que quer dizer que ele não falou nada.
  E o que ele poderia ter falado?
Por um momento esqueci que Sam não sabe as verdadeiras razões de Henri estar ali. Já cometi um deslize e chamei Henri pelo nome. Preciso tomar cuidado para não revelar mais nada.
  Não sei — digo. — Quem pode imaginar que tipo de perguntas esses malucos esquisitos estão fazendo?
  Tudo bem. E agora, o que vamos fazer?
Estudo o mapa do endereço que Henri me deu naquela manhã.
  Vamos andar — decido.
Voltamos pelo mesmo caminho. Começamos a ver casas e edifícios. Todos sujos e mal-conservados. Em pouco tempo chegamos ao endereço e paramos.
Olho para o pedaço de papel, depois para a casa. Respiro fundo.
  Aqui estamos — anuncio.
Ficamos observando a construção de dois andares com fachada cinza, de revestimento vinílico. A entrada leva a uma varanda sem pintura onde há um balanço quebrado pendendo para um lado. A grama é alta e malcuidada. O lugar parece desabitado, mas há um carro nos fundos. Não sei o que fazer. Pego meu celular. São 23h12. Telefono para Henri, mesmo sabendo que ele não vai atender. É uma tentativa de colocar as idéias em ordem, pensar em um plano. Não tinha programado o que fazer quando encontrasse o endereço e, ago­ra que a realidade estava ali, bem na minha frente, me deu um bran­co. A chamada cai direto na caixa postal.
Vou bater à porta — diz Sam.
E dizer o quê?
Não sei, o que me vier à cabeça.
Mas ele não tem essa oportunidade, porque no mesmo instante um homem sai pela porta da frente. Ele é grande, tem pelo menos um metro e noventa e cinco de altura e mais de cem quilos. Usa cavanhaque e a cabeça é raspada. Veste botas de caminhada, jeans e moletom preto com as mangas arregaçadas. Ele tem uma tatuagem no antebraço direito, mas estou longe demais para ver o que é. O homem cospe no quintal, depois se vira e tranca a porta, atravessa a varanda e caminha em nossa direção. Fico tenso quan­do ele se aproxima. A tatuagem é de um alien com um buquê de tulipas em uma das mãos, como se oferecesse as flores para uma entidade invisível. O homem passa por nós sem dizer nada. Sam e eu nos viramos e o vemos se afastar.
Viu aquela tatuagem? — pergunto.
Vi. Quem disse que só nerds magrelos curtem alienígenas, hem? Aquele homem é enorme e parece ser bastante mau.
Pegue meu celular, Sam.
O quê? Por quê?
Você precisa ir atrás dele. Leve meu telefone. Vou entrar na casa. E óbvio que não tem ninguém lá dentro, ou ele não teria tran­cado a porta. Henri pode estar lá. Ligo para você assim que puder.
E como vai me ligar?
Não sei. Mas vou encontrar um jeito. Pegue.
Ele aceita o telefone com relutância.
E se Henri não estiver lá dentro?
Por isso quero que siga aquele sujeito. Ele pode estar a cami­nho de onde Henri está.
E se ele voltar?
Vamos pensar em algum plano. Mas agora você precisa ir. Pro­meto telefonar assim que conseguir, está bem?
Sam se vira e fita o homem, que agora está a uns vinte e cinco metros. Então olha para mim.
Tudo bem, eu vou. Mas tome cuidado aqui.
Você também, seja cuidadoso. Não o perca de vista. E não dei­xe que ele o veja.
De jeito nenhum.
Ele se vira e corre atrás do homem. Eu os observo e, quando eles desaparecem de vista, aproximo-me da casa. As janelas estão escuras, cobertas com cortinas brancas. Não consigo ver lá dentro. Caminho até a parte de trás, onde há um pequeno pátio de concreto que leva a uma porta trancada. Percorro o restante do caminho contornando a casa. A vegetação crescida ficou ali abandonada desde o verão. Ten­to abrir uma janela. Trancada. Todas estão trancadas. Devo arrombar uma delas? Quebrar? Procuro pedras entre os arbustos, e, no instante em que encontro uma e a suspendo com a mente, uma idéia me passa pela cabeça. É tão maluca que pode dar certo.
Deixo a pedra cair e caminho até a porta dos fundos. A fechadura é simples, sem tranca. Respiro fundo, fecho os olhos, concentrado, e seguro a maçaneta. Tento girá-la uma vez. Meus pensamentos vagam da cabeça para o coração e o estômago. Tudo está reunido ali. Seguro a maçaneta com mais força e prendo o ar, ansioso, enquanto tento vi­sualizar o funcionamento daquele mecanismo. Então, ouço e sinto um clique na mão apoiada na maçaneta. O sorriso ilumina meu rosto. Giro a maçaneta e a porta se abre. Não acredito que sou capaz de destrancar portas imaginando o que há dentro delas.
A cozinha é surpreendentemente limpa, não há sujeira nas ban­cadas nem louça na pia. Vejo pão fresco no aparador. Ando por um corredor estreito e chego a uma sala de estar cujas paredes são deco­radas com flâmulas e pôsteres de esportes. Há uma televisão grande em um dos cantos. À esquerda fica a porta de um quarto. Dou uma espiada lá dentro. O lugar está uma bagunça, a cama desarrumada e muitos objetos amontoados em uma cômoda. O ar tem o cheiro aze­do de roupa suja e impregnada de suor que nunca secou.
Na frente da casa, ao lado da porta, um lance de escada leva ao se­gundo andar. Começo a subir. O terceiro degrau range sob meus pés.
— Olá? — chama uma voz do alto da escada.
Eu paro, prendo a respiração.
Frank, é você?
Fico em silêncio. Escuto alguém se levantando de uma cadeira, pas­sos no piso de madeira. Passos que se aproximam. Um homem surge no topo da escada. Cabelo escuro e sujo, costeletas, barba por fazer. Não é tão grande quanto aquele que saiu, mas também não é pequeno.
Quem é você? — ele pergunta.
Estou procurando um amigo — respondo.
Seu rosto se transforma numa máscara hostil. Ele desaparece e volta segundos depois, segurando um taco de beisebol.
Como entrou aqui? — indaga.
Em seu lugar, eu abaixaria esse taco.
Como entrou aqui?
Sou mais rápido que você. E muito mais forte.
Ah, é claro que é.
Estou procurando um amigo. Ele veio aqui hoje de manhã. Quero saber onde ele está.
Você é um deles, não é?
Não sei do que está falando.
Você é um deles! — o homem grita. Ele segura o bastão como um jogador, as duas mãos na base e o corpo pronto para uma reba­tida. Há medo autêntico em seus olhos. Sua mandíbula está tensa, comprimida. — É um deles! Por que não nos deixam em paz?
Não sou um deles. Vim procurar meu amigo. Diga onde ele está.
Seu amigo é um deles!
Não, não é.
Então sabe de quem estou falando?
Sim.
Ele desce um degrau.
Estou avisando — repito. — Largue o bastão e diga onde ele está.
Minhas mãos tremem pela incerteza da situação, por ele ter um bastão nas mãos e eu contar apenas com minhas habilidades. Fico nervoso com o medo que vejo em seus olhos. Ele desce mais um degrau. Agora restam apenas seis entre nós dois.
Vou arrancar sua cabeça. Isso vai mandar um recado aos seus amigos.
Não são meus amigos. E posso garantir que estaria fazendo um favor a eles se me machucasse.
É o que vamos ver.
Ele desce a escada correndo. Não há nada que eu possa fazer além de reagir. Ele me ataca com o bastão. Eu me abaixo e ele acerta a pa­rede com um baque, deixando um buraco no revestimento de madei­ra. Eu me aproximo dele pelas costas e o levanto no ar, segurando-o pelo pescoço, com uma das mãos e apoiando a outra em sua axila, carregando-o de volta escada acima. Ele esperneia, acertando chutes em minhas pernas e um na virilha. O bastão cai, rola pela escada, e escuto uma janela se quebrando atrás de mim.
O segundo andar é um loft amplo e aberto. Está escuro. As paredes são cobertas de exemplares de Eles Estão entre Nós, e, onde acabam as revistas, começa uma coleção variada de parafernália alienígena. Porém, diferentemente do material acumulado por Sam, aquelas fo­tos são reais, tiradas ao longo de anos e ampliadas de forma que é difícil identificar o panorama, vêem-se apenas pontos brancos ou fundos negros. Em um canto há um alienígena de borracha com uma corda no pescoço. Alguém pôs um chapéu mexicano na cabeça do boneco. Estrelas que brilham no escuro foram coladas no teto. Elas parecem fora de lugar, mais apropriadas para a decoração do quarto de uma menina de dez anos.
Jogo o homem no chão. Ele se afasta de mim e fica em pé. Quando se levanta, concentro todo o meu poder no estômago e o lanço em sua direção com um movimento firme, como se empurrasse alguém, e ele voa para trás e se choca contra a parede.
Onde ele está? — pergunto.
Jamais direi. Ele é um de vocês.
Não sou quem você está pensando.
Nunca vão conseguir! Deixem a Terra em paz!
Levanto a mão e o esgano. Posso sentir os tendões sob meus de­dos, embora nem esteja tocando nele. O homem não consegue respi­rar e o rosto fica vermelho. Eu o solto.
Vou perguntar mais uma vez.
Não.
Volto a esganá-lo, e, desta vez, quando vejo o rosto vermelho, aperto com mais força. Quando o solto, ele começa a chorar e me sinto mal por ele, pelo que acabei de fazer. Mas esse homem sabe onde está Henri, fez alguma coisa com ele, e minha piedade termina quase tão depressa quanto começou.
Depois de recuperar o fôlego, e entre soluços desesperados, ele diz:
Lá embaixo.
Onde? Não o vi.
No porão. A porta fica atrás da flâmula dos Steelers, na sala de estar.
Uso o telefone fixo que encontro no loft para discar para meu celular. Sam não atende. Arranco o telefone da parede e o quebro ao meio.
Quero seu celular — digo.
Não tenho.
Vou até onde está o boneco e removo a corda do pescoço.
Por favor — o homem suplica.
Quieto. Você sequestrou meu amigo. E o está mantendo preso aqui. Tem sorte por eu me contentar em amarrá-lo.
Puxo seus braços para trás das costas e o amarro com força, en­volvendo o corpo com a corda, depois o amarro a uma das cadeiras. Não acredito que isso o reterá por muito tempo. Fecho sua boca com fita adesiva, para impedi-lo de gritar e, só então, desço a escada para procurar a porta do porão. Arranco a flâmula dos Steelers da parede e a encontro. Mas está trancada. Eu a destranco como fiz com a ou­tra. A escada de madeira conduz à total escuridão lá embaixo.
Sinto cheiro de mofo. Acendo a luz e começo a descer devagar, temendo o que posso encontrar. As vigas estão cobertas de teias de aranha. Chego ao porão e sinto imediatamente a presença de alguém, tem mais alguém ali comigo. Respiro fundo e me viro.
Ali, sentado no meio do porão, está Henri.
Henri!
Ele pisca os olhos se ajustando à repentina luminosidade. Sua boca está coberta com um pedaço de fita adesiva. As mãos estão pre­sas sob o corpo, os tornozelos foram amarrados aos pés da cadeira na qual ele está sentado. O cabelo está em desalinho, e no lado direito de seu rosto há um fio de sangue seco e escuro. A cena me enfurece.
Aproximo-me dele e removo a fita adesiva de sua boca. Ele inspi­ra profundamente.
Graças a Deus — diz. Sua voz soa fraca. — Você tinha razão, John. Foi tolice vir aqui. Sinto muito, devia tê-lo escutado.
Shhh...
Eu me abaixo e começo a desamarrar seus tornozelos. Ele cheira a urina.
Fui vítima de uma emboscada.
Quantos eram? — quero saber.
Três.
Um deles está amarrado lá em cima.
Solto suas pernas. Ele as estende e suspira aliviado.
Passei o dia todo nesta maldita cadeira.
Começo a soltar suas mãos.
Como conseguiu chegar aqui? — Henri pergunta.
Sam e eu viemos juntos. Dirigimos até aqui.
Está brincando?
Não havia outra saída.
Dirigiram o quê?
A velha caminhonete do pai dele.
Henri fica em silêncio por um instante, refletindo sobre o significado do que ouviu.
  Ele não sabe de nada — explico. — Disse a ele que aliens são um hobby para você, só isso.
Ele assente.
Bem, fico feliz por terem conseguido chegar. Onde ele está agora?
Seguindo um deles. Não sei para onde foram.
Ouvimos uma tábua estalar sobre nós. Eu me levanto, deixando as mãos de Henri quase desamarradas.
  Ouviu isso? — sussurro.
Ficamos olhando para a porta, quase sem respirar. Um passo soa na escada, depois outro, e de repente o grandalhão pelo qual passa­mos antes, aquele que Sam devia estar seguindo, aparece.
  A festa acabou, amigos — ele diz, segurando uma arma apon­tada para meu rosto. — Afaste-se.
Levanto as mãos e dou um passo para trás. Penso em usar meus po­deres para desarmá-lo, mas e se fizer a arma disparar por acidente? Ain­da não confio plenamente em minhas habilidades. É arriscado demais.
Eles disseram que vocês poderiam aparecer por aqui. E que tinham aparência humana. E que vocês eram os verdadeiros inimi­gos — ele afirma.
Do que está falando? — pergunto.
Estão delirando — Henri me explica. — Acham que nós somos os verdadeiros inimigos.
Cale a boca! — o homem grita.
Ele dá três passos em minha direção. Depois move a arma, apontando-a para Henri.
Um movimento em falso, e ele leva bala. Entendeu?
Sim — respondo depressa.
Agora, segure isto — ele ordena, pegando um rolo de fita ade­siva da prateleira ao alcance de sua mão e o jogando em minha di­reção. Enquanto ele se move pelo ar, eu o faço parar, suspenso uns dois metros do chão, no meio do caminho entre ele e nós. Começo a girá-lo muito rapidamente. O homem olha para o rolo de fita com ar confuso.
Mas o quê...
Enquanto ele está distraído, movo meu braço na direção dele como se o empurrasse. O rolo de fita voa de volta e o acerta no nariz. O sangue começa a escorrer, e ele deixa cair a arma para levar as mãos ao rosto. A arma dispara ao cair no chão. Estendo minha mão para a bala e a faço parar, e ouço Henri rindo atrás de mim. Movo o projétil até deixá-lo elevado na frente do rosto do homem.
Ei, fortinho — digo.
Ele abre os olhos e vê a bala no ar, diante do próprio rosto.
Vai precisar de mais do que isso.
Deixo a bala cair aos pés dele, no chão. Ele se vira para correr, mas eu o trago de volta e o arremesso contra uma grande e sólida coluna de sustentação. O homem cai desacordado. Uso a fita para prendê-lo à coluna. Quando me asseguro de que o imobilizei, termi­no de soltar Henri.
John, acho que essa é a melhor surpresa que tive em toda a minha vida — ele cochicha, e há um alívio tão intenso em sua voz, que chego a pensar que o verei chorando, emocionado.
Sorrio, orgulhoso.
Obrigado. Surgiu durante o jantar.
Lamento não ter conseguido ir.
Eu disse a eles que você havia ficado preso.
Ele sorri.
Graças a Deus o Legado despertou — ele diz, e percebo que o estresse do desenvolvimento de meus Legados, ou o medo de não se formarem, causou sobre Henri um impacto muito maior do que eu havia imaginado.
O que aconteceu, afinal? — quero saber.
Eu bati à porta. Os três estavam em casa. Quando entrei, um deles me acertou na nuca. Ao acordar, já estava nesta cadeira. — Ele balança a cabeça e diz no idioma lórico uma longa série de palavras, que reconheço como palavrões. Termino de desamarrá-lo, e ele se levanta alongando os músculos.
Precisamos sair daqui — Henri anuncia.
Temos de encontrar Sam. E é então que o ouvimos.
John. Está aí embaixo?

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