sexta-feira, 29 de julho de 2011

Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, Capítulos 6 ao 10

CAPÍTULO SEIS
Garras e Folhas de Chá

Quando Harry, Rony e Hermione entraram no Salão Principal para tomar café, na manhã seguinte, a primeira coisa que viram foi Draco Malfoy, que parecia estar entretendo um grande grupo de alunos da Sonserina com uma história muito engraçada.
Quando os três passaram, Malfoy fez uma imitação ridícula de um desmaio que provocou grandes gargalhadas.
— Não ligue para ele — disse Hermione, que vinha logo atrás de Harry. — Não dê bola para ele, não vale a pena...
— Ei, Potter! — chamou esganiçada Pansy Parkinson, uma garota da Sonserina com cara de buldogue. — Potter! Os dementadores estão chegando. Potter! Uuuuuuuuuuuu!
Harry se largou numa cadeira à mesa da Grifinória, ao lado de Jorge Weasley.
— Novos horários de aulas para os alunos do terceiro ano — disse Jorge, distribuindo-os. — Que é que há com você, Harry?
— Malfoy — informou Rony, sentando-se do outro lado de Jorge e olhando feio para a mesa da Sonserina.
Jorge ergueu os olhos na hora em que Malfoy fingia desmaiar de terror outra vez.
— Aquele debilóide! — disse calmamente. — Ele não estava tão exibido ontem à noite quando os dementadores revistaram o nosso lado do trem. Entrou correndo na nossa cabine, não foi, Fred?
— Quase fez xixi nas calças — disse Fred, lançando a Draco um olhar de desprezo.
— Nem eu fiquei muito feliz — comentou Jorge. — Eles são um horror, aqueles dementadores...
— Meio que congelam a gente por dentro, não acha? — disse Fred.
— Mas você não desmaiou, desmaiou? — perguntou Harry em voz baixa.
— Esquece isso, Harry — disse Jorge para animá-lo. — Papai teve que ir a Azkaban uma vez, lembra, Fred? E comentou que foi o pior lugar em que esteve na vida, voltou de lá fraco e abalado... Eles sugam a felicidade do lugar, esses dementadores.  A maioria dos prisioneiros acaba endoidando.
— Em todo caso, vamos ver se Draco vai continuar tão felizinho depois do primeiro jogo de Quadribol — disse Fred. — Grifinória contra Sonserina, primeiro jogo da temporada, está lembrado?
A única vez em que Harry e Draco tinham se enfrentado em uma partida de Quadribol, Draco decididamente tinha levado a pior. Sentindo-se um pouquinho mais animado, Harry se serviu de salsichas e tomates fritos.
Hermione examinava seu novo horário.
— Ah, que ótimo, estamos começando matérias novas hoje — comentou satisfeita.
— Hermione — disse Rony, franzindo a testa ao olhar por cima do ombro da amiga — bagunçaram o seu horário. Veja só: dez aulas por dia. Não existe tempo para tudo isso.
— Eu me arranjo. Já combinei tudo com a Profª. Minerva.
— Mas olha aqui — continuou Rony, rindo-se —, está vendo hoje de manhã? Nove horas, Adivinhação. E embaixo, nove horas, Estudo dos Trouxas. E — o menino se curvou para olhar o horário, mas de perto, incrédulo — olha, embaixo tem Aritmancia, nove horas. Quero dizer, eu sei que você é boa, Mione, mas ninguém é tão bom assim. Como é que você vai poder assistir a três aulas ao mesmo tempo?
— Não seja bobo — disse Hermione com rispidez. — É claro que não vou assistir a três aulas ao mesmo tempo.
— Bom, então...
— Passe a geléia — pediu Hermione.
— Mas...
— Ah, Rony, é da sua conta se o meu horário ficou um pouco cheio demais? — perguntou a menina em tom zangado. — Já disse que combinei tudo com a Profª. Minerva.
Nesse instante Hagrid entrou no Salão Principal. Estava usando o casaco de pele de toupeira e distraidamente balançava um gambá na mão enorme.
— Tudo bem? — perguntou ele, ansioso, parando a caminho da mesa dos professores. — Vocês vão assistir à primeira aula da minha vida! Logo depois do almoço! Estou acordado desde as cinco horas aprontando tudo... Espero que dê certo... Eu, professor... Sinceramente...
E dando um grande sorriso para os garotos foi para sua mesa, ainda balançando o gambá.
— O que será que ele andou aprontando? — comentou Rony, com uma nota de ansiedade na voz.
O salão começou a se esvaziar à medida que as pessoas saíam para a primeira aula. Rony verificou seu horário.
— É melhor irmos andando, olha, Adivinhação é no alto da Torre Norte. Vamos levar uns dez minutos para chegar lá...
Os garotos terminaram o café, apressados, se despediram de Fred e Jorge, e foram saindo para o saguão. Ao passarem pela mesa da Sonserina, Draco tornou a fazer a imitação do desmaio. As gargalhadas acompanharam Harry até a entrada do saguão.
A viagem pelo castelo até a Torre Norte era longa. Dois anos em Hogwarts não tinham ensinado aos meninos tudo sobre o lugar, e nunca tinham ido à Torre Norte antes.
— Tem... Que... Ter... Um... Atalho — ofegava Rony ao subirem a sétima longa escada e chegarem a um patamar desconhecido, onde não havia nada exceto um grande quadro de um campo relvado pendurado na parede de pedra.
— Acho que é por aqui — disse Hermione, espiando o corredor vazio à direita.
— Não pode ser — discordou Rony. — Aí é sul, olha, dá para, ver um pedacinho do lago pela janela...
Harry parou para examinar o quadro. Um gordo pônei cinza malhado pisou lentamente na relva e começou a pastar sem muito entusiasmo. Harry estava acostumado aos personagens dos quadros de Hogwarts andarem e até saírem pela moldura para visitar uns aos outros, mas sempre gostava de apreciar esse movimento. No instante seguinte, um cavaleiro baixo e atarracado, vestindo armadura, entrou retinindo pelo quadro à procura do seu pônei.
Pelas manchas de grama nas joelheiras metálicas, ele acabara de cair do cavalo.
— Ah-ah! — berrou, vendo Harry, Rony e Hermione. — Quem são esses vilões que invadem as minhas terras! Porventura vieram zombar da minha queda? Desembainhem as espadas, seus velhacos, seus cães!
Os meninos observaram, espantados, o cavaleiro nanico puxar a espada da bainha e começar a brandi-la com violência, saltando para aqui e para ali enraivecido. Mas a espada era demasiado comprida para ele; um golpe particularmente exagerado desequilibrou-o e ele caiu de cara na grama.
— O senhor está bem? — perguntou Harry, aproximando-se do quadro.
— Afaste-se, fanfarrão desprezível! Para trás, patife!
O cavaleiro retomou a espada e usou-a para se reerguer, mas a lâmina penetrou fundo na terra e, embora ele a puxasse com toda a força, não conseguiu retirá-la. Finalmente, teve que se largar outra vez no chão e levantar a viseira para enxugar o rosto coberto de suor.
— Escuta aqui — disse Harry, se aproveitando da exaustão do cavaleiro —, estamos procurando a Torre Norte. O senhor conhece o caminho, não?
— Uma expedição! — A raiva do cavaleiro pareceu sumir instantaneamente. Levantou-se retinindo a armadura e gritou: — Sigam-me, caros amigos, alcançaremos o nosso objetivo ou pereceremos corajosamente na peleja!
Ele deu mais um puxão inútil na espada, tentou, mas não conseguiu montar o gordo pônei e gritou:
— A pé, então, dignos senhores e gentil senhora! Avante! Avante!
E saiu correndo, a armadura fazendo grande estrépito, passou pelo lado esquerdo da moldura e desapareceu de vista.
Os garotos se precipitaram atrás dele pelo corredor, seguindo o barulho da armadura. De vez em quando o avistavam passando para o quadro seguinte.
— Sejam fortes, o pior ainda está por vir! — berrou o cavaleiro e os três o viram reaparecer diante de um grupo assustado de mulheres vestindo anáguas de crinolina, cujo quadro fora pendurado na parede de uma estreita escada circular.
Ofegando ruidosamente, Harry, Rony e Hermione subiram os estreitos degraus em caracol, sentindo-se cada vez mais tontos, até que finalmente ouviram o murmúrio de vozes no alto e perceberam que tinham chegado à sala de aula.
— Adeus! — gritou o cavaleiro, enfiando de repente a cabeça no quadro de uns monges de aspecto sinistro. — Adeus, meus camaradas de armas! Se um dia precisarem de um coração nobre e fibra de aço, chamem Sir Cadogan!
— Ah, sim, chamaremos — murmurou Rony quando o cavaleiro foi sumindo de vista —, mas se um dia precisarmos de um maluco.
Os garotos subiram os últimos degraus e chegaram a um minúsculo patamar, onde a maioria dos colegas já estava reunida. Não havia portas no patamar, mas Rony cutucou Harry indicando-lhe o teto, onde havia um alçapão circular com uma placa de latão.
— Sibila Trelawney, Professora de Adivinhação — leu Harry. — E como é que esperam que a gente chegue lá em cima?
Como se respondesse à sua pergunta, o alçapão se abriu inesperadamente e uma escada prateada desceu aos seus pés. Todos se calaram.
— Primeiro você — disse Rony sorrindo, e Harry subiu a escada. Chegou à sala de aula mais esquisita que já vira. Na realidade, sequer parecia uma sala de aula, e, sim, um cruzamento de sótão com salão de chá antigo. Havia, no mínimo, vinte mesinhas circulares juntas ali, rodeadas por cadeiras forradas de chintz e pequenos pufes estufados. O ambiente era iluminado por uma fraca luz avermelhada; as cortinas das janelas estavam fechadas e os vários abajures, cobertos com xales vermelho-escuros. O calor sufocava e a lareira acesa sob um console cheio de objetos desprendia um perfume denso, enjoativo e doce ao aquecer uma grande chaleira de cobre. As prateleiras em torno das paredes circulares estavam cheias de penas empoeiradas, tocos de velas, baralhos de cartas em tiras, incontáveis bolas de cristal e uma imensa coleção de xícaras de chá.
— Rony espiou por cima do ombro de Harry enquanto os colegas se reuniam à volta deles, todos falando aos cochichos.
— E onde está a professora? — perguntou Rony.
Uma voz saiu subitamente das sombras, uma voz suave, meio etérea.
— Sejam bem-vindos. Que bom ver vocês no mundo físico, finalmente.
A impressão imediata de Harry foi a de estar vendo um enorme inseto cintilante. A Profª. Sibila Trelawney saiu das sombras e, à luz da lareira, os garotos viram que era muito magra; uns óculos imensos aumentavam seus olhos várias vezes, e ela vestia um xale diáfano, salpicado de lantejoulas. Em volta do pescoço fino, usava inúmeras correntes e colares de contas, e seus braços e mãos estavam cobertos de pulseiras e anéis.
— Sentem-se, crianças, sentem-se — disse, e todos subiram desajeitados nas cadeiras ou se afundaram nos pufes. Harry, Rony e Hermione se sentaram a uma mesa redonda.
— Bem-vindos à aula de Adivinhação — disse a professora, que se acomodara em uma bergêre diante da lareira. — Sou a Profª. Sibila Trelawney. Talvez vocês nunca tenham me visto antes, acho que me misturar com freqüência à roda-viva da escola principal anuvia minha visão interior.
Ninguém fez nenhum comentário a tão extraordinária declaração. A professora rearrumou delicadamente o xale e continuou:
— Então vocês optaram por estudar Adivinhação, a mais difícil das artes mágicas. Devo alertá-los logo de início que se não possuírem clarividência, terei muito pouco a ensinar a vocês. Os livros só podem levá-los até certo ponto neste campo...
Ao ouvirem isso, Harry e Rony olharam, sorrindo, para Hermione, que pareceu assustada com a notícia de que os livros não ajudariam nessa matéria.
— Muitos bruxos e bruxas, embora talentosos para ruídos, cheiros e desaparecimentos instantâneos, permanecem, ainda assim, incapazes de penetrar nos mistérios do futuro.
A Profª. Sibila continuou a falar, seus enormes olhos brilhantes iam de um rosto nervoso a outro.
— É um dom concedido a poucos. Você, menino — disse ela de repente a Neville, que quase caiu do pufe. — Sua avó vai bem?
— Acho que vai — respondeu Neville trêmulo.
— Eu não teria tanta certeza se fosse você, querido — disse a professora, enquanto a luz das chamas fazia faiscarem seus longos brincos de esmeraldas.
Neville engoliu em seco. Sibila continuou tranquilamente.
— Vamos cobrir os métodos básicos de adivinhação este ano. O primeiro trimestre letivo será dedicado à leitura das folhas de chá. No próximo, abordaremos a quiromancia. A propósito, minha querida — disparou ela de repente para Parvati Patil —, tenha cuidado com um homem de cabelos ruivos.
Parvati lançou um olhar assustado a Rony, que se sentara logo atrás dela, e puxou a cadeira devagarinho para longe dele.
— No segundo trimestre — continuou a professora — vamos estudar a bola de cristal, isto é, se conseguirmos terminar os presságios do fogo. Infelizmente, as aulas serão perturbadas em fevereiro por uma forte epidemia de gripe. Eu própria vou perder a voz. E, na altura da Páscoa, alguém aqui vai deixar o nosso convívio para sempre.
Seguiu-se um silêncio muito tenso a essa predição, mas a Profª. Sibila pareceu não tomar conhecimento.
— Será, querida — dirigiu-se ela a Lilá Brown, que estava mais próxima e se encolheu na cadeira —, que você poderia me passar o bule de prata maior?
Lilá, com um ar de alívio, se levantou, apanhou um enorme bule na prateleira e pousou-o na mesa diante da mestra.
— Obrigada, querida. A propósito, essa coisa que você receia vai acontecer na sexta-feira, dezesseis de outubro.
Lilá estremeceu.
— Agora quero que vocês formem pares. Apanhem uma xícara de chá na prateleira e tragam-na aqui para eu encher. Depois se sentem e bebam, bebam até restar somente a borra. Sacudam a xícara três vezes com a mão esquerda, depois virem-na, de borda para baixo, no pires, esperem até cair a última gota de chá e entreguem-na ao seu par para ele a ler. Vocês vão interpretar os desenhos formados, comparando-os com os das páginas cinco e seis de Esclarecendo o futuro. Vou andar pela sala para ajudar e ensinar a cada par. Ah, e querido — ela segurou o braço de Neville quando ele fez menção de se levantar —, depois que você quebrar a primeira xícara, por favor, escolha uma com desenhos azuis, gosto muito das de desenhos rosa.
Não deu outra, Neville mal chegara à prateleira de xícaras quando se ouviu um tilintar de porcelana que se quebrava. A professora deslizou até ele levando uma pá e uma escova e disse:
— Uma das azuis, então, querido, se não se importa... Obrigada...
Depois que Harry e Rony levaram as xícaras para encher, voltaram à mesa e tentaram beber rapidamente o chá pelando. Sacudiram a borra conforme a professora mandara, depois viraram as xícaras e as trocaram entre si.
— Certo — disse Rony depois de abrirem os livros nas páginas cinco e seis. — Que é que você vê na minha?
— Um monte de borra marrom — disse Harry. A fumaça intensamente perfumada da sala o estava deixando sonolento e burro.
— Abram suas mentes, meus queridos, e deixem os olhos verem  além do que é mundano! — gritou a Profª. Sibila na penumbra.
Harry tentou se controlar.
— Certo, você tem uma espécie de cruz torta... — Ele consultou o livro Esclarecendo o Futuro. — Isto significa que você vai ter sofrimentos e provações... Sinto muito... Mas tem uma coisa que podia ser o sol... Espere ai... Que significa "grande felicidade"... Então você vai sofrer, mas vai ser muito feliz...
            — Você precisa mandar examinar a sua visão interior — disse Rony, e os dois precisaram sufocar o riso quando a professora olhou na direção deles. — Minha vez... — Rony examinou a xícara de Harry, a testa franzida com o esforço. — Tem uma pelota que lembra um pouco um chapéu-coco. Vai ver você vai trabalhar no Ministério da Magia...
Rony girou a xícara para cima.
— Mas desse outro lado as folhas parecem mais uma bolota de carvalho... Que será isso? — O garoto consultou seu exemplar de Esclarecendo o Futuro.
— Uma sorte inesperada, ganhos de ouro. Que ótimo, você pode me emprestar algum... E tem outra coisa aqui — ele tornou a girar a xícara — que parece um animal... É, se isso fosse a cabeça... Podia parecer um hipopótamo... Não, um carneiro...
A Profª. Sibila se virou quando Harry deixou escapar um ronco de riso.
— Deixe-me ver isso, querido — disse ela em tom de censura a Rony, aproximando-se num ímpeto e tirando a xícara de Harry da mão do colega. Todos se calaram para observar.
A professora examinou a xícara, e girou-a no sentido anti-horário.
— O falcão... Meu querido, você tem um inimigo mortal.
— Mas todos sabem disso — comentou Hermione num cochicho audível. A professora encarou-a. — Verdade, todos sabem — repetiu a garota. — Todos sabem da inimizade entre Harry e Você-Sabe-Quem.
Harry e Rony a olharam com uma mescla de surpresa e admiração. Nunca tinham ouvido Hermione falar com uma professora daquele jeito.
Sibila preferiu não responder.
Tornou a abaixar seus enormes olhos para a xícara de Harry e continuou a girá-la.
— O bastão... Um ataque. Ai, ai, ai, não é uma xícara feliz...
— Achei que isso era um chapéu-coco — disse Rony sem graça.
— O crânio... Perigo em seu caminho, querido...
Todos observavam, hipnotizados, a professora, que deu um último giro na xícara, ofegou e soltou um berro.
Ouviu-se uma nova onda de porcelanas que se partiam tilintando; Neville destruíra sua segunda xícara. A professora afundou em uma cadeira vazia, a mão faiscante de anéis ao peito e os olhos fechados.
— Meu pobre garoto... Meu pobre garoto querido... Não... É mais caridoso não dizer... Não... Não me pergunte...
— Que foi professora? — perguntou Dino Thomas na mesma hora. Todos tinham se levantado e aos poucos se amontoaram em torno da mesa de Harry e Rony, aproximando-se da cadeira de Sibila para dar uma boa olhada na xícara de Harry.
— Meu querido — os olhos da professora se abriram teatralmente —, você tem o Sinistro.
— O quê? — perguntou Harry.
Ele percebeu que não era o único que não entendera; Dino Thomas sacudiu os ombros para ele e Lilá Brown fez cara de intrigada, mas quase todos os outros levaram a mão à boca horrorizados.
— O Sinistro, meu querido, o Sinistro! — exclamou a professora, que parecia chocada com o fato de Harry não ter entendido. — O cão gigantesco e espectral que assombra os cemitérios! Meu querido menino, é um mau agouro, o pior de todos, agouro de morte!
Harry sentiu o estômago afundar. O cão na capa do livro Presságios de Morte na Floreios e Borrões — o cão nas sombras da rua Magnólia... Lilá Brown levou as mãos à boca também. Todos tinham os olhos fixos em Harry, todos exceto Hermione, que se levantara e procurava chegar às costas da cadeira da professora.
— Eu não acho que isso pareça um Sinistro — disse com firmeza.
A Profª. Sibila mirou a menina atentamente e com crescente desagrado.
— Desculpe-me dizer isso, minha querida, mas não percebo muita aura ao seu redor. Pouquíssima receptividade às ressonâncias do futuro.
Simas Finnegan inclinou a cabeça de um lado para o outro.
— Parece um Sinistro se a gente fizer assim — disse com os olhos quase fechados —, mas parece muito mais um burro quando a gente olha de outro ângulo — disse ele, inclinando-se para a esquerda.
— Quando vão terminar de resolver se eu vou morrer ou não? — perguntou Harry, surpreendendo até a si mesmo. Agora parecia que ninguém queria olhar para ele.
— Acho que vamos encerrar a aula por hoje — disse a professora no tom mais etéreo possível. — E... Por favor, guardem suas coisas...
Em silêncio a classe devolveu as xícaras à professora, guardou os livros e fechou as mochilas. Até mesmo Rony evitava o olhar de Harry.
— Até que tornemos a nos encontrar — disse Sibila com uma voz fraca — que a sorte lhes seja favorável.  Ah, e querido — disse apontando para Neville —, você vai se atrasar da próxima vez, portanto trate de trabalhar muito para recuperar o tempo perdido.
Harry, Rony e Hermione desceram a escada da Profª. Sibila e a escada em caracol em silêncio, e seguiram para a aula de Transformação, da Profª. Minerva. Levaram tanto tempo para encontrar a sala de aula que, por mais cedo que tivessem saído da aula de Adivinhação, acabaram chegando em cima da hora.
Harry escolheu um lugar no fundo da sala, sentindo-se como se estivesse sentado sob um holofote; o resto da classe não parou de lhe lançar olhares furtivos, como se ele estivesse prestes a cair morto a qualquer momento. Ele mal conseguiu ouvir o que a professora dizia sobre Animagos (bruxos que podiam se transformar à vontade em animais), e sequer estava olhando quando ela própria se transformou, diante dos olhos deles, em um gato malhado com marcas de óculos em torno dos olhos.
— Francamente, o que foi que aconteceu com os senhores hoje? — perguntou a Profª. Minerva, voltando a ser ela mesma, com um estalinho, e encarando a classe toda. — Não que faça diferença, mas é a primeira vez que a minha transformação não arranca aplausos de uma turma.
Todas as cabeças tornaram a se virar para Harry, mas ninguém falou. Então Hermione ergueu a mão.
— Com licença, professora, acabamos de ter a nossa primeira aula de Adivinhação, estivemos lendo folhas de chá e...
— Ah, naturalmente — comentou Minerva, fechando a cara de repente. — Não precisa me dizer mais nada, Srta. Granger.  Me diga qual dos senhores vai morrer este ano?
Todos olharam para ela.
— Eu — disse, por fim, Harry.
— Entendo — disse a Profª. Minerva, fixando em Harry seus olhos de contas. — Então, Potter, é melhor saber que Sibila Trelawney tem predito a morte de um aluno por ano desde que chegou a esta escola. Nenhum deles morreu ainda. Ver agouros de morte é a maneira com que ela gosta de dar boas-vindas a uma nova classe. Não fosse o fato de que nunca falo mal dos meus colegas...
A professora se calou, mas todos viram que suas narinas tinham embranquecido de cólera. Ela continuou, mais calma:
— A Adivinhação é um dos ramos mais imprecisos da magia. Não vou ocultar dos senhores que tenho muito pouca paciência com esse assunto. Os verdadeiros videntes são muito raros e a Profª. Trelawney...
Ela parou uma segunda vez, e em seguida disse, num tom despido de emoção:
— Para mim o senhor parece estar gozando de excelente saúde, Potter, por isso me desculpe, mas não vou dispensá-lo do dever de casa, hoje. Mas fique descansado, se o senhor morrer, não precisa entregá-lo.
Hermione riu com gosto. Harry se sentiu um pouco melhor. Era mais difícil sentir medo de folhas de chá longe daquela sala fracamente iluminada por luzes vermelhas, que recendia ao perfume atordoante da Profª. Sibila. Ainda assim, nem todos ficaram convencidos. Rony continuava com a expressão preocupada e Lilá cochichou:
— E a xícara de Neville?
Quando a aula de Transformação terminou, eles se reuniram ao resto dos alunos que atroavam a escola em direção ao Salão Principal para almoçar.
— Anime-se, Rony — falou Hermione, empurrando uma travessa de ensopado para o amigo. — Você ouviu o que a Profª. Minerva disse.
Rony se serviu do ensopado e apanhou o garfo, mas não começou a comer.
— Harry — perguntou ele, em tom baixo, com ar sério —, você não viu um canzarrão preto em algum lugar, viu?
— Vi, sim. Na noite em que saí da casa dos Dursley. — Rony deixou o garfo cair com estrépito.
— Provavelmente um cão sem dono — comentou Hermione calmamente.
O garoto olhou para Hermione como se ela tivesse enlouquecido.
— Mione, se Harry viu um Sinistro, isso é... É ruim. Meu tio Abílio viu um e... E morreu vinte e quatro horas depois!
— Coincidência — replicou Hermione dignamente, servindo-se de suco de abóbora.
— Você não sabe o que está falando! — disse Rony, começando a se zangar. — Os Sinistros deixam a maioria dos bruxos mortos de medo!
— Então é isso — retrucou a garota em tom superior. — Eles vêem o Sinistro e morrem de medo. O Sinistro não é um agouro, é a causa da morte! E Harry continua conosco porque não é burro de ver um Sinistro e pensar: “Certo, muito bem, então é melhor eu bater as botas"!
Rony fez protestos para Hermione, que abriu a mochila, tirou o novo livro de Aritmancia e apoiou-o na jarra de suco.
— Acho que Adivinhação é uma coisa meio confusa — disse, procurando a página que queria. — É muita adivinhação, se querem saber a minha opinião.
— Não houve nada confuso com o Sinistro naquela xícara! — retrucou Rony acaloradamente.
— Você não me pareceu tão confiante quando disse ao Harry que era um carneiro — respondeu a menina sem se alterar.
— A Profª. Sibila disse que você não tinha a aura necessária! Você não gosta é de ser ruim em uma matéria para variar!
Ele acabara de tocar num ponto sensível. Hermione bateu com o livro de Aritmancia na mesa com tanta força que voaram pedacinhos de carne e cenoura para todo lado.
— Se ser boa em Adivinhação é ter que fingir que estou vendo agouros de morte em borras de folhas de chá, não tenho certeza se quero continuar a estudar essa matéria por muito mais tempo! Aquela aula foi uma idiotice completa se comparada à minha aula de Aritmancia! — E, agarrando a mochila, a menina se retirou.
Rony franziu a testa acompanhando com os olhos a amiga se afastando.
— Do que é que ela estava falando? — perguntou a Harry. — Ela ainda não assistiu a nenhuma aula de Aritmancia.
Harry ficou contente de sair do castelo depois do almoço. A chuva do dia anterior parara; o céu estava claro, cinza-pálido e a grama parecia elástica e úmida sob os pés quando os garotos rumaram para a primeiríssima aula de Trato das Criaturas Mágicas.
Rony e Hermione não estavam se falando. Harry caminhava ao lado dos dois em silêncio enquanto desciam os gramados em direção à cabana de Hagrid, na orla da Floresta Proibida.
Somente quando identificaram três costas muito conhecidas à frente é que se deram conta de que iriam compartilhar as aulas com os alunos da Sonserina. Draco, falava animadamente com Crabbe e Goyle, que riam com gosto. Harry tinha quase certeza de qual era o assunto da conversa.
Hagrid já estava à espera dos alunos à porta da cabana. Vestia o casaco de pele de toupeira, com Canino, o cão de caçar javalis, nos calcanhares, e parecia impaciente para começar.
— Vamos, andem depressa! — falou quando os alunos se aproximaram. — Tenho uma coisa ótima para vocês hoje! Vai ser uma grande aula! Estão todos aqui? Certo, então me acompanhem!
Por um momento de apreensão, Harry pensou que Hagrid os levaria para a Floresta Proibida; o menino já tivera suficientes experiências desagradáveis ali para a vida inteira. No entanto, o guarda-caça contornou a orla das árvores e cinco minutos depois eles estavam diante de uma espécie de picadeiro. Não havia nada ali.
— Todos se agrupem em volta dessa cerca! — mandou ele. — Isso... Procurem garantir uma boa visibilidade... Agora, a primeira coisa que vão precisar fazer é abrir os livros...
— Como? — perguntou a voz fria e arrastada de Draco Malfoy.
— Que foi? — perguntou Hagrid.
— Como é que vamos abrir os livros? — repetiu o menino.
Ele retirou da mochila seu exemplar de O Livro Monstruoso dos Monstros, amarrado com um pedaço de corda. Outros alunos fizeram o mesmo, alguns, como Harry, tinham fechado o livro com um cinto; outros os tinham enfiado em sacos justos ou fechado os livros com grampos.
— Será... Será que ninguém conseguiu abrir o livro? — perguntou Hagrid, com ar de desapontamento.
Todos os alunos sacudiram negativamente as cabeças.
— Vocês têm que fazer carinho neles — falou o novo professor — como se isso fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Olhem aqui...
Ele apanhou o livro de Hermione e rasgou a fita adesiva que o prendia. O livro tentou morder, mas Hagrid passou seu gigantesco dedo indicador pela lombada, o livro estremeceu, se abriu e permaneceu quieto em sua mão.
— Ah, mas que bobeira a nossa! — caçoou Draco. — Devíamos ter feito carinho no livro! Como foi que não adivinhamos!
— Eu... Eu achei que eles eram engraçados — disse Hagrid, inseguro, para Hermione.
— Ah, engraçadíssimos! — comentou Draco. — Uma idéia realmente espirituosa, nos dar livros que tentam arrancar nossa mão.
— Cala a boca, Malfoy — advertiu-o Harry baixinho. Hagrid parecia arrasado, e o garoto queria que aquela primeira aula do seu amigo fosse um sucesso.
— Certo, então — continuou Hagrid, que pelo jeito perdera o fio do pensamento — ... Então vocês já têm os livros e... E... Agora faltam as criaturas mágicas. É. Então vou buscá-las. Esperem um pouco...
Ele se afastou na direção da floresta e desapareceu de vista.
— Nossa, essa escola está indo para o brejo! — falou Draco em voz alta. — Esse pateta dando aulas, meu pai vai ter um acesso quando eu contar...
— Cala a boca, Malfoy — repetiu Harry.
— Cuidado, Potter, tem um dementador atrás de você...
— Aaaaaaah! — guinchou Lilá Brown, apontando para o lado oposto do picadeiro.
Trotavam em direção aos garotos mais ou menos uma dezena dos bichos mais bizarros que Harry já vira na vida. Tinham os corpos, as pernas traseiras e as caudas de cavalo, mas as pernas dianteiras, as asas e a cabeça de uma coisa que lembrava águias gigantescas, com bicos cruéis cinza-metálico e enormes olhos laranja-vivo.
As garras das pernas dianteiras tinham uns quinze centímetros de comprimento e um aspecto letal. Cada um dos bichos trazia uma grossa coleira de couro ao pescoço engatada em uma longa corrente, cujas pontas estavam presas nas imensas mãos de Hagrid, que entrou correndo no picadeiro atrás dos bichos.
— Upa! Upa! AÍ! — bradou ele, sacudindo as correntes e incitando os bichos na direção da cerca onde se agrupavam os alunos.
Todos recuaram, instintivamente, quando Hagrid chegou bem perto e amarrou os bichos na cerca.
— Hipogrifos! — bradou Hagrid alegremente, acenando para eles. — Lindos, não acham?
Harry conseguiu entender mais ou menos o que Hagrid quis dizer. Depois que se supera o primeiro choque de ver uma coisa que é metade cavalo, metade ave, a pessoa começava a apreciar a pelagem luzidia dos hipogrifos, que mudava suavemente de pena para pêlo, cada animal de uma cor diferente: cinza-chuva, bronze, rosado, castanho brilhante e nanquim.
— Então — disse Hagrid, esfregando as mãos e sorrindo para todos —, se vocês quiserem chegar mais perto...
Ninguém pareceu querer. Harry, Rony e Hermione, porém, se aproximaram cautelosamente da cerca.
— Agora, a primeira coisa que vocês precisam saber sobre os hipogrifos é que são orgulhosos — explicou Hagrid. — Se ofendem com facilidade, os hipogrifos. Nunca insultem um bicho desses, porque pode ser a última coisa que vão fazer na vida.
Malfoy, Grabbe e Goyle não estavam prestando atenção; falavam aos cochichos e Harry teve o mau pressentimento de que estavam combinando a melhor maneira de estragar a aula.
— Vocês sempre esperam o hipogrifo fazer o primeiro movimento — continuou Hagrid. — É uma questão de cortesia, entendem? Vocês vão até eles, fazem uma reverência e aí esperam. Se o bicho retribuir o cumprimento, vocês podem tocar nele. Se não retribuir, então saiam de perto bem depressinha, porque essas garras machucam feio. Certo, quem quer ser o primeiro?
Em resposta, a maioria dos alunos recuou mais um pouco. Até Harry, Rony e Hermione se sentiram apreensivos. Os hipogrifos balançavam as cabeças de aspecto feroz e flexionavam as fortes asas; não pareciam gostar de estar presos daquele jeito.
— Ninguém? — disse Hagrid, com um olhar suplicante.
— Eu vou — disse Harry.
Ouviu-se gente ofegar atrás dele e Lilá e Parvati murmuraram a mesma coisa:
— Aaah, não, Harry, lembra das folhas de chá!
Harry não deu ouvido às meninas. Trepou pela cerca do picadeiro.
— É assim que se faz, Harry! — gritou Hagrid. — Certo, então... Vamos ver como você se entende com o Bicuço.
E, dizendo isso, soltou uma das correntes, separou o hipogrifo cinzento dos restantes e retirou a coleira de couro. A turma do outro lado da cerca parecia estar prendendo a respiração.
Os olhos de Draco se estreitaram maliciosamente.
— Calma, agora, Harry — disse Hagrid em voz baixa. — Você fez contato com os olhos, agora tente não piscar... Os hipogrifos não confiam na pessoa que pisca demais...
Os olhos de Harry imediatamente começaram a se encher de água, mas ele não os fechou. Bicuço virava a cabeçorra alerta e fixava um cruel olho laranja em Harry.
— Isso mesmo — disse Hagrid. — Isso mesmo, Harry... Agora faça a reverência...
Harry não se sentia nada animado a expor a nuca a Bicuço, mas fez o que era mandado.  Curvou-se brevemente e ergueu os olhos.
O hipogrifo continuava a fixá-lo com altivez. Nem se mexeu.
— Ah — exclamou Hagrid, parecendo preocupado. — Certo... Recue, agora, Harry, devagarinho...
Mas nesse instante, para enorme surpresa de Harry, o hipogrifo inesperadamente dobrou os escamosos joelhos dianteiros e afundou o corpo em uma inconfundível reverência.
— Muito bem, Harry! — aplaudiu Hagrid, extasiado. — Certo... Pode tocá-lo! Acaricie o bico dele, vamos!
Com a impressão de que recuar teria sido uma recompensa melhor, Harry avançou devagarinho para o hipogrifo e estendeu a mão. Acariciou seu bico várias vezes e o bicho fechou os olhos demoradamente, como se estivesse gostando.
A turma prorrompeu em aplausos, a exceção de Malfoy, Crabbe e Goyle, que pareciam profundamente desapontados.
— Certo então, Harry — falou Hagrid. — Acho que ele até deixaria você montar nele!
Isto era mais do que o toma lá dá cá proposto por Harry... Ele estava acostumado a montar vassouras; mas não tinha muita certeza se um hipogrifo seria a mesma coisa.
— Isso, suba ali, logo atrás da articulação das asas — mandou Hagrid. — E cuidado para não arrancar nenhuma pena, ele não vai gostar nem um pouco...
Harry pisou no alto da asa de Bicuço e se içou para cima das costas do bicho, o bicho se ergueu. Harry não tinha muita certeza de onde deveria se agarrar; à sua frente tudo era coberto de penas.
— Pode ir, então! — bradou Hagrid, dando uma palmada nos quartos do hipogrifo.
Sem aviso, as asas de quase quatro metros se abriram a cada lado de Harry; ele só teve tempo de se agarrar ao pescoço do hipogrifo e já estava voando para o alto. Não foi nada semelhante a uma vassoura e Harry soube na hora qual dos dois preferia; as asas do hipogrifo adejavam desconfortavelmente dos lados, batendo por baixo de suas pernas e dando-lhe a sensação de que estava prestes a ser jogado no ar; as penas acetinadas escorregavam dos seus dedos e o garoto não se atrevia a se agarrar com mais força; em vez do vôo suave da Nimbus 2000, ele agora balançava para frente e para trás quando os quartos do hipogrifo subiam e desciam acompanhando o movimento das asas.
Bicuço deu uma volta por cima do picadeiro e em seguida embicou para o chão; essa foi a parte que Harry teve receio; ele jogou o corpo para trás, à medida que o pescoço liso do bicho abaixava, achando que ia escorregar por cima do bico, então, sentiu um baque quando os quatro membros desparelhados do bicho tocaram o chão. Por milagre, conseguiu se segurar e tornar a se endireitar.
— Bom trabalho, Harry! — berrou Hagrid enquanto todos, exceto Malfoy, Crabbe e Goyle, aplaudiam. — Muito bem, quem mais quer experimentar?
Encorajados pelo sucesso, os outros alunos subiram, cautelosos, pela cerca do picadeiro. Hagrid soltou os hipogrifos, um a um, e logo os garotos, nervosos, começaram a fazer reverências por todo o picadeiro. Neville fugiu várias vezes do dele, pois o bicho não estava com jeito de querer dobrar os joelhos. Rony e Hermione praticaram no hipogrifo castanho, enquanto Harry observava.
Malfoy, Crabbe e Goyle ficaram com Bicuço. Ele acabara de retribuir a reverência de Malfoy, que agora lhe acariciava o bico, com um ar desdenhoso.
— Isso é moleza — disse Draco com a voz arrastada, suficientemente alta para Harry ouvir. — Só podia ser, se o Potter conseguiu fazer.. Aposto que você não tem nada de perigoso, tem? — disse ao hipogrifo. — Tem, seu brutamontes feioso?
Aconteceu num breve movimento das garras de aço; Draco soltou um berro agudo e no momento seguinte, Hagrid estava pelejando para enfiar a coleira em Bicuço, enquanto o bicho fazia força para avançar no garoto, que caíra dobrado na relva, o sangue aflorando em suas vestes.
— Estou morrendo! — gritou Malfoy enquanto a turma entrava em pânico. -Estou morrendo, olhem só para mim! Ele me matou!
— Você não está morrendo! — disse Hagrid, que ficara muito pálido. — Alguém me ajude... Preciso tirar ele daqui...
Hermione correu para abrir o portão enquanto Hagrid erguia Malfoy nos braços, sem esforço. Quando os dois passaram, Harry observou que havia um corte grande e fundo no braço de Draco; o sangue pingava no gramado e o guarda-caça, com o garoto ao colo, subiu correndo a encosta em direção ao castelo.
Muito abalados, os alunos da aula de Trato das Criaturas Mágicas os seguiram caminhando normalmente. Os alunos da Sonserina gritavam contra Hagrid.
— Deviam despedir ele, imediatamente! — disse Violeta Parkinon, que estava às lágrimas.
— Foi culpa do Draco! — replicou Dino Thomas com rispidez.
Crabbe e Goyle flexionavam os braços, ameaçadores.
Os garotos subiram os degraus de pedra para o saguão deserto.
— Vou ver se ele está bem! — disse Pansy, e os outros ficaram observando-a subir de corrida a escadaria de mármore. Os alunos da Sonserina, ainda murmurando contra Hagrid, rumaram para sua sala comunal, em uma masmorra;
Harry, Rony e Hermione subiram as escadas para a Torre da Grifinória.
— Vocês acham que ele vai ficar bem? — perguntou Hermione, nervosa.
— Claro que vai. Madame Pomfrey cura cortes em um segundo — disse Harry, que já tivera ferimentos muito mais sérios curados magicamente pela enfermeira.
— Foi realmente ruim acontecer isso na primeira aula de Hagrid, vocês não acham? — comentou Rony, parecendo preocupado.
— Sempre se pode contar com o Draco para estragar as coisas para o Hagrid...
Os três foram os primeiros a chegar ao Salão Principal para jantar, na esperança de verem Hagrid, mas o amigo não estava lá.
— Não iriam despedir ele, vocês acham que sim? — perguntou Hermione aflita, sem tocar no pudim de carne e rins.
— É melhor não — replicou Rony, que também não estava comendo.
Harry ficou observando a mesa da Sonserina. Um grande grupo, que incluía Crabbe e Goyle, estava reunido, absorto em conversas. Harry teve certeza de que estavam inventando a própria versão para o ferimento de Draco.
— Bem, não se pode dizer que não foi um primeiro dia de aula interessante — comentou Rony, deprimido.
Os três subiram para o salão comunal da Grifinória depois do jantar e tentaram fazer o dever de casa que a Profª. Minerva passara, mas ficaram o tempo todo interrompendo-o para espiar pela janela.
— Tem luz na janela de Hagrid — disse Harry de repente.
Rony consultou o relógio.
— Se a gente andar depressa, pode descer para ver ele. Ainda é cedo...
— Não sei — disse Hermione, lentamente, e Harry viu que a amiga o olhava.
— Eu tenho permissão para andar pela propriedade — disse o garoto incisivamente. — Sirius Black ainda não passou pelos dementadores ou passou?
Então eles guardaram o material de estudo e se dirigiram ao buraco do retrato, felizes por não encontrar ninguém no caminho até a porta principal, porque não tinham tanta certeza assim de que podiam sair.
O gramado ainda estava úmido e parecia quase negro à luz das estrelas. Quando chegaram à cabana de Hagrid, bateram e uma voz resmungou rouca:
— Pode entrar.
Hagrid estava sentado em mangas de camisa à mesa de madeira escovada; o cachorro, Canino, tinha a cabeça no colo dele. Ao primeiro olhar, os garotos perceberam que o amigo andara bebendo muito; havia uma caneca de alpaca quase do tamanho de um balde diante dele e parecia ter dificuldade para focalizá-los.
— Imagino que seja um recorde — disse com a voz pastosa, quando os reconheceu. Calculo que nunca tiveram um professor que só durasse um dia.
— Você não foi despedido, Hagrid! — ofegou Hermione.
— Ainda não — respondeu ele, infeliz, tomando um grande gole do que havia na caneca. — Mas é só uma questão de tempo, não depois que Malfoy...
— Como é que ele está? — perguntou Rony enquanto se sentavam. — Não foi grave, foi?
— Madame Pomfrey fez o melhor que pôde — disse Hagrid num tom inexpressivo —, mas ele diz que continua doendo muito... Todo enfaixado... Gemendo...
— Ele está fingindo — disse Harry na mesma hora. — Madame Pomfrey sabe curar qualquer coisa. Ela fez crescer metade dos meus ossos no ano passado. Pode contar que Draco vai se aproveitar o máximo que puder do acidente.
— Os conselheiros da escola foram informados, é claro — disse Hagrid, infeliz. — Acham que comecei muito grande. Devia ter deixado os hipogrifos para mais tarde... Que estudasse vermes ou outra coisa pequena... Só quis fazer uma primeira aula boa... Então a culpa é minha...
— É tudo culpa do Malfoy, Hagrid! — disse Hermione, séria.
— Somos testemunhas — acrescentou Harry. — Você avisou que os hipogrifos atacam quando são insultados. O problema é do Malfoy se ele não estava prestando atenção. Vamos contar ao Dumbledore o que realmente aconteceu.
— Vamos, sim, não se preocupe, Hagrid, vamos confirmar sua história — disse Rony.
Lágrimas saltaram dos cantos enrugados dos olhos de Hagrid, negros como besouros. Ele puxou Harry e Rony e lhes deu um abraço de quebrar as costelas.
— Acho que você já bebeu o suficiente, Hagrid — falou Hermione com firmeza. E apanhou a caneca na mesa e saiu da cabana para esvaziá-la.
— Ah, talvez ela tenha razão — reconheceu Hagrid, soltando Harry e Rony, que recuaram cambaleando e massageando as costelas. O guarda-caça levantou-se com esforço da cadeira e seguiu Hermione até o lado de fora, com o andar vacilante. Os garotos ouviram barulho de água caindo.
— Que foi que ele fez? — perguntou Harry, nervoso, quando Hermione voltou trazendo a caneca vazia.
— Meteu a cabeça no barril de água — respondeu Hermione, guardando a caneca.
Hagrid voltou, os cabelos e barbas longas empapados, enxugando a água dos olhos.
— Assim está melhor — falou, sacudindo a cabeça como um cachorro e molhando os garotos. — Escutem, foi muita bondade vocês terem vindo me ver, eu realmente...
Hagrid parou de repente, encarando Harry como se tivesse acabado de perceber que ele estava ali.
QUE É QUE VOCÊ ACHA QUE ESTÁ FAZENDO, HEIN? — bradou, tão inesperadamente que os garotos deram um pulo de mais de um palmo. — VOCÊ NÃO PODE SAIR ANDANDO POR AÍ DEPOIS DO ANOITECER, HARRY! E VOCÊS DOIS! DEIXARAM-NO SAIR!
Hagrid foi até Harry agarrou-o pelo braço e puxou-o para a porta.
— Vamos! — disse aborrecido. — Vou levar vocês de volta à escola, e não quero pegar ninguém saindo para me ver depois do anoitecer. Eu não valho o risco!













CAPÍTULO SETE
O Bicho-papão no Armário

Draco não reapareceu nas aulas até o fim da manhã de quinta-feira, quando os alunos da Sonserina e da Grifinória já estavam na metade da aula dupla de Poções. Ele entrou cheio de arrogância na masmorra, o braço direito enfaixado e pendurado em uma tipóia, agindo, na opinião de Harry, como se fosse o sobrevivente heróico de uma terrível batalha.
— Como vai o braço, Draco? — perguntou Pansy Parkinson, com um sorrisinho insincero. — Está doendo muito?
— Está — respondeu o garoto, fazendo uma careta corajosa.
Mas Harry o viu piscar para Crabbe e Goyle, quando Violeta desviou o olhar.
— Vá com calma, vá com calma — disse o Profº. Snape gratuitamente.
Harry e Rony fizeram caretas um para o outro; Snape não teria dito "vá com calma" se eles tivessem entrado atrasados, teria lhes dado uma detenção. Mas Draco sempre conseguira escapar com qualquer coisa nas aulas de Poções; Snape era o diretor da Sonserina e em geral favorecia os próprios alunos em prejuízo dos demais.
A classe estava preparando uma poção nova naquele dia, uma Solução Redutora. Draco armou seu caldeirão bem ao lado do de Harry e Rony, de modo que os três ficaram preparando os ingredientes na mesma mesa.
— Professor — chamou Draco —, vou precisar de ajuda para cortar as raízes de margarida, porque o meu braço...
— Weasley, corte as raízes para Malfoy — disse Snape sem erguer a cabeça.
Rony ficou vermelho como um tomate.
— O seu braço não tem nenhum problema — sibilou o garoto para Draco.
Draco deu um sorriso satisfeito.
— Weasley, você ouviu o que o professor disse; corte as raízes.
Rony apanhou a faca, puxou as raízes de Draco para perto e começou a cortá-las de qualquer jeito, de modo que os pedaços ficaram de tamanhos diferentes.
— Professor — falou Draco com a voz arrastada —, Weasley está mutilando as minhas raízes.
Snape aproximou-se da mesa, olhou para as raízes por cima do nariz curvo e em seguida deu a Rony um sorriso desagradável, por baixo da cabeleira longa e oleosa.
— Troque de raízes com Malfoy, Weasley.
— Mas, professor...!
Rony passara os últimos quinze minutos picando cuidadosamente suas raízes em pedacinhos exatamente iguais.
— Agora — mandou Snape com o seu tom de voz mais perigoso.
Rony empurrou as raízes caprichosamente cortadas para o lado de Draco na mesa, e, em seguida, apanhou novamente a faca.
— E, professor, vou precisar descascar este pinhão — disse Draco, a voz expressando riso e malícia.
— Potter, pode descascar o pinhão de Malfoy — disse Snape, lançando a Harry o olhar de desprezo que sempre reservava só para o garoto.
Harry apanhou o pinhão enquanto Rony começava a tentar consertar o estrago que fizera às raízes que ia ter que usar. Harry descascou o pinhão o mais depressa que pôde e atirou-o para o lado de Draco, sem falar. O outro riu com mais satisfação que nunca.
— Tem visto o seu amigo Hagrid, ultimamente? — perguntou Draco aos dois, baixinho.
— Não é da sua conta — retrucou Rony aos arrancos, sem erguer a cabeça.
— Acho que ele não vai continuar professor por muito tempo — disse Draco num tom de fingida tristeza. — Meu pai não ficou nada satisfeito com o meu ferimento...
— Continue falando, Draco, e vou lhe fazer um ferimento de verdade — rosnou Rony.
— ... Ele apresentou queixa aos conselheiros da escola. E ao Ministério da Magia. Meu pai tem muita influência, sabe. E um ferimento permanente como este — ele fingiu um longo suspiro —, quem sabe se o meu braço vai voltar um dia a ser o mesmo?
— Então é por isso que você está fazendo toda essa encenação — comentou Harry, decapitando sem querer uma lagarta morta, porque sua mão tremia de raiva. — Para tentar fazer Hagrid ser despedido.
— Bom — respondeu Draco, baixando a voz para um sussurro —, em parte, Potter. Mas tem outros benefícios, também. Weasley, fatie minhas lagartas para mim.
A alguns caldeirões de distância, Neville se achava em apuros.
Ele se descontrolava regularmente nas aulas de Poções; era a sua pior matéria, e seu grande medo do Profº. Snape tornava as coisas dez vezes pior. Sua poção, que devia ter ficado verde ácido e berrante, tinha acabado...
— Laranja, Longbottom — exclamou Snape, apanhando um pouco de poção com a concha e deixando-a cair de volta no caldeirão, de modo que todos pudessem ver. — Laranja. Me diga, menino, será que alguma coisa penetra nessa sua cabeça dura? Você não me ouviu dizer, muito claramente, que só precisava pôr um baço de rato? Será que eu não disse, sem nenhum rodeio, que um nadinha de sumo de sanguessuga era suficiente? Que é que eu tenho de fazer para você entender, Longbottom?
Neville estava vermelho e trêmulo. Parecia prestes a chorar.
— Por favor, professor — disse Hermione —, eu poderia ajudar Neville a consertar...
— Eu não me lembro de ter lhe pedido para se exibir, Srta. Granger — respondeu Snape friamente e Hermione ficou tão vermelha quanto Neville.
— Longbottom, no final da aula vamos dar algumas gotas desta poção ao seu sapo e ver o que acontece. Quem sabe isto o estimule a preparar a poção corretamente.
O professor se afastou, deixando Neville sem fôlego de tanto medo.
— Me ajude! — gemeu o menino para Hermione.
— Ei, Harry — disse Simas Finnigan, curvando-se para pedir emprestada a balança de latão de Harry —, você já soube? No Profeta Diário desta manhã, eles acham que avistaram Sirius Black.
— Onde? — perguntaram Harry e Rony depressa. Do lado oposto da mesa, Draco ergueu os olhos, escutando a conversa atentamente.
— Não muito longe daqui — respondeu o colega, que parecia excitado. — Foi visto por uma trouxa. Claro que ela não entendeu muito bem. Os trouxas acham que ele é apenas um criminoso comum, não é? Então ela telefonou para o número do plantão de emergência. Mas até o Ministério da Magia chegar lá, o Black já tinha sumido.
— Não muito longe daqui... — repetiu Rony, lançando a Harry um olhar sugestivo. Ele se virou e notou que Draco os observava, atento. — Que foi, Draco? Precisa que eu descasque mais alguma coisa?
Mas os olhos do garoto brilhavam de maldade, e estavam fixos em Harry. Ele se debruçou na mesa.
— Está pensando em apanhar o Black sozinho, Potter?
— Acertou! — respondeu Harry displicentemente.
Os lábios finos de Draco se curvaram num sorriso mau.
— É claro, se fosse eu — disse em voz baixa —, eu já teria feito alguma coisa há mais tempo. Eu não ficaria na escola como um bom menino, eu estaria lá fora procurando o homem.
— De que é que você está falando, Draco? — perguntou Rony com aspereza.
— Não sabe, Potter? — sussurrou MaIfoy, os olhos claros quase fechados.
— Não sei o quê?
Malfoy soltou uma risada baixa e desdenhosa.
— Vai ver você prefere não arriscar o pescoço. Quer deixar os dementadores resolverem o caso, não é? Mas se fosse eu, eu ia querer me vingar. Ia atrás dele pessoalmente.
— Do que é que você está falando?— perguntou Harry com raiva, mas naquele momento Snape falou:
— Os senhores já devem ter terminado de misturar os ingredientes. Essa poção precisa cozinhar antes de ser bebida; portanto guardem o seu material enquanto ela ferve e, então, vamos testar a do Longbottom...
Crabbe e Goyle riram-se abertamente, vendo Neville suar, enquanto mexia febrilmente sua poção. Hermione murmurava instruções para o garoto pelo canto da boca, para que Snape não visse. Harry e Rony guardaram os ingredientes que não tinham usado e foram lavar as mãos e conchas na pia de pedra a um canto da sala.
— Que foi que o Draco quis dizer? — sussurrou Harry para Rony, enquanto molhava as mãos no jorro gelado que saia da boca da gárgula. — Por que eu iria querer me vingar de Black? Ele não me fez nada... Ainda.
— Ele está inventando — disse Rony com violência. — Está tentando instigar você a fazer uma idiotice...
O fim da aula à vista, Snape encaminhou-se para Neville, que estava encolhido ao lado do seu caldeirão.
— Venham todos para cá — disse o professor, seus olhos negros cintilando — e observem o que acontece ao sapo de Longbottom. Se ele conseguiu produzir uma Poção Redutora, o sapo vai virar um girino. Se, o que eu não duvido, ele não preparou a poção direito, o sapo provavelmente vai ser envenenado.
Os alunos da Grifinória observaram temerosos. Os da Sonserina se mostraram excitados. Snape apanhou Trevo, o sapo, com a mão esquerda e mergulhou, com a direita, uma colherinha na poção de Neville, que agora estava verde.  Depois, deixou cair umas gotinhas na garganta de Trevo.
Houve um momento de silêncio, em que Trevo engoliu a poção; seguiu-se um estalinho e Trevo, o girino, pôs-se a se contorcer na palma da mão de Snape.
Os alunos da Grifinória desataram a aplaudir. Snape, com a expressão mal-humorada, tirou um vidrinho do bolso das vestes, pingou algumas gotas em Trevo e ele reapareceu repentinamente adulto.
— Cinco pontos a menos para a Grifinória — anunciou ele, varrendo, assim, os sorrisos de todos os rostos. — Eu disse para não ajudá-lo, Srta. Granger. A turma está dispensada.
Harry, Rony e Hermione subiram a escadaria do saguão de entrada.
Harry ainda estava pensando no que Malfoy falara, enquanto Rony espumava de raiva de Snape.
— Cinco pontos a menos para a Grifinória porque a poção estava certa! Por que você não mentiu, Mione? Devia ter dito que Neville fez tudo sozinho!
Hermione não respondeu. Rony olhou para os lados.
— Aonde é que ela foi?
Harry se virou também. Os dois estavam no alto da escadaria agora, vendo o resto da turma passar por eles a caminho do Salão Principal para almoçar.
— Ela estava logo atrás da gente — comentou Rony, franzindo as sobrancelhas.
Malfoy passou pelos dois, caminhando entre Crabbe e Goyle. Fez uma careta de riso para Harry e desapareceu.
— Lá está ela — disse Harry.
Hermione vinha ligeiramente ofegante, correndo escada acima; com uma das mãos, ela agarrava a mochila e com a outra parecia estar escondendo alguma coisa dentro das vestes.
— Como foi que você fez isso? — perguntou Rony.
— O quê? — perguntou, por sua vez, Hermione, se juntando aos amigos.
— Em um minuto você está bem atrás da gente e no minuto seguinte está de volta ao pé da escada.
— Quê? — Hermione pareceu ligeiramente confusa. — Ah... Eu tive que voltar para ver uma coisa. Ah, não...
Uma costura se rompera na mochila da garota. Harry não se surpreendeu; era visível que a mochila fora atochada com pelo menos doze livrões pesados.
— Por que está carregando tudo isso na mochila? — perguntou Rony.
— Você sabe quantas matérias estou estudando — respondeu ela sem fôlego. — Será que podia segurar esses para mim?
— Mas... — Rony foi virando os livros que a amiga lhe passara para olhar as capas — você não tem nenhuma dessas matérias hoje. Só tem Defesa contra as Artes das Trevas, à tarde.
— É verdade — respondeu Hermione vagamente, mas guardou todos os livros na mochila assim mesmo. — Espero que tenha alguma coisa boa para o almoço, estou morta de fome — acrescentou, e se afastou em direção ao Salão Principal.
— Você também tem a impressão de que Mione não está contando alguma coisa à gente? — perguntou Rony a Harry.
O Profº. Lupin não estava em sala quando eles chegaram para a primeira aula de Defesa contra as Artes das Trevas. Os alunos se sentaram, tiraram das mochilas os livros, penas e pergaminho e estavam conversando quando o professor finalmente apareceu. Lupin sorriu vagamente e colocou a velha maleta surrada na escrivaninha.
Estava mal vestido como sempre, mas parecia mais saudável do que no dia do trem, como se tivesse comido umas refeições reforçadas.
— Boa tarde — cumprimentou ele. — Por favor, guardem todos os livros de volta nas mochilas. Hoje teremos uma aula prática. Os senhores só vão precisar das varinhas.
Alguns alunos se entreolharam, curiosos, enquanto guardavam os livros. Nunca tinham tido uma aula prática de Defesa contra as Artes das Trevas antes, a não ser que considerassem aquela aula inesquecível no ano anterior, em que o professor tinha trazido uma gaiola de diabretes e os soltara na sala.
— Certo, então — disse o Profº. Lupin, quando todos estavam prontos. — Queiram me seguir.
Intrigados, mas interessados, os alunos se levantaram e o seguiram para fora da sala. Ele levou os alunos por um corredor deserto e virou um canto, onde a primeira coisa que viram foi o Pirraça, o poltergeist, flutuando no ar de cabeça para baixo, e entupindo com chicles o buraco da fechadura mais próxima.
Pirraça não ergueu os olhos até o professor chegar a mais ou menos meio metro; então, agitou os dedos dos pés e começou a cantar.
— Louco, lobo, Lupin — entoou ele. — Louco, lobo, Lupin...
Grosseiro e intratável como era quase sempre, Pirraça em geral demonstrava algum respeito pelos professores. Todo mundo olhou na mesma hora para Lupin para ver qual seria sua reação àquilo; para surpresa de todos, o professor continuou a sorrir.
— Eu tiraria o chicle do buraco da fechadura se fosse você, Pirraça — disse ele gentilmente. — O Sr. Filch não vai poder apanhar as vassouras dele.
Filch era o zelador de Hogwarts, mal-humorado, um bruxo frustrado que travava uma guerra constante contra os estudantes e, na verdade, contra Pirraça também.
Mas o poltergeist não deu a mínima atenção às palavras do professor a não ser para respondê-las com um ruído ofensivo e alto feito com a boca.
O professor deu um breve suspiro e tirou a varinha.
— Este é um feitiçozinho útil — disse à turma por cima do ombro. — Por favor observem com atenção.
Ele ergueu a varinha até a altura do ombro e disse:
Uediuósi!— e apontou para Pirraça.
Com a força de uma bala, a pelota de chicle disparou do buraco da fechadura e foi bater certeira na narina esquerda de Pirraça; o poltergeist virou de cabeça para cima e fugiu a grande velocidade, xingando.
— Maneiro, professor — exclamou Dino Thomas admirado.
— Obrigado, Dino — disse o professor tornando a guardar a varinha. — Vamos prosseguir?
Eles recomeçaram a caminhada, a turma olhando o enxovalhado professor com crescente respeito. Lupin os conduziu por um segundo corredor e parou bem à porta da sala de professores.
— Entrem, por favor — disse ele, abrindo a porta e se afastando para os alunos passarem.
A sala dos professores. Uma sala comprida, revestida com painéis de madeira e mobiliada com cadeiras velhas e desaparelhadas, estava vazia, exceto por um ocupante. O Profº. Snape estava sentado em uma poltrona baixa e ergueu os olhos para os alunos que entravam. Seus olhos brilhavam e ele tinha um arzinho de desdém em volta da boca. Quando o Profº. Lupin entrou e fez menção de fechar a porta, Snape falou:
— Pode deixá-la aberta, Lupin. Eu prefiro não estar presente.
E, dizendo isso, se levantou e passou pela turma, suas vestes negras se enfurnando às suas costas. À porta, o professor girou nos calcanhares e disse ao colega:
— Provavelmente ninguém o alertou, Lupin, mas essa turma tem Neville Longbottom. Eu o aconselharia a não confiar a esse menino nada que apresente dificuldade. A não ser que a Srta, Granger se incumba de cochichar instruções ao ouvido dele.
Neville ficou escarlate. Harry olhou aborrecido para Snape; já era bastante ruim que ele implicasse com Neville nas próprias aulas, e muito pior fazer isso na frente de outros professores.
O Profº. Lupin ergueu as sobrancelhas.
— Pois eu pretendia chamar Neville para me ajudar na primeira etapa da operação, e tenho certeza de que ele vai fazer isso admiravelmente.
A cara de Neville ficou, se isso fosse possível, ainda mais vermelha. Snape revirou os lábios num trejeito de desdém, mas se retirou, batendo de leve a porta.
— Agora, então — disse o Profº. Lupin, chamando, com um gesto, a turma para o fundo da sala, onde não havia nada exceto um velho armário em que os professores guardavam mudas limpas de vestes. Quando o professor se postou a um lado, o armário subitamente se sacudiu, batendo na parede.
— Não se preocupem — disse ele calmamente porque alguns alunos tinham pulado para trás, assustados. — Há um bicho-papão ai dentro.
A maioria dos garotos achou que isso era uma coisa com o que se preocupar. Neville lançou ao professor um olhar de absoluto terror e Simas Finnigan mirou o puxador, que agora sacudia barulhentamente, com apreensão.
Bichos-papões gostam de lugares escuros e fechados — informou o mestre. — Guarda-roupas, o vão embaixo das camas, os armários sob as pias... Eu já encontrei um alojado dentro de um relógio de parede antigo. Este aí se mudou para cá ontem à tarde e perguntei ao diretor se os professores poderiam deixá-lo para eu dar uma aula prática aos meus alunos do terceiro ano.  Então, a primeira pergunta que devemos nos fazer é, o que é um bicho-papão?
Hermione levantou a mão.
— É um transformista — respondeu ela. — É capaz de assumir a forma do que achar que pode nos assustar mais.
— Eu mesmo não poderia ter dado uma definição melhor — disse o Profº. Lupin, e o rosto de Hermione se iluminou de orgulho.
— Então o bicho-papão que está sentado no escuro aí dentro ainda não assumiu forma alguma. Ele ainda não sabe o que pode assustar a pessoa que está do lado de fora.  Ninguém sabe qual é a aparência de um bicho-papão quando está sozinho, mas quando eu o deixar sair, ele imediatamente se transformará naquilo que cada um de nós mais teme. Isto significa — continuou o Profº. Lupin, preferindo não dar atenção à breve exclamação de terror de Neville — que temos uma enorme vantagem sobre o bicho-papão para começar. Você já sabe qual é, Harry?
Tentar responder uma pergunta com Hermione do lado, com as plantas dos pés subindo e descendo impacientes e a mão no ar, era muito irritante, mas Harry resolveu tentar assim mesmo.
— Hum... Porque somos muitos, ele não vai saber que forma tomar.
— Precisamente — concordou o professor e Hermione baixou a mão, parecendo um pouquinho desapontada. — É sempre melhor estarmos acompanhados quando enfrentamos um bicho-papão.  Assim, ele se confunde. No que deverá se transformar, num corpo sem cabeça ou numa lesma carnívora? Uma vez vi um bicho-papão cometer exatamente este erro, tentou assustar duas pessoas e se transformou em meia lesma. O que, nem de longe, pode assustar alguém.  O feitiço que repele um bicho-papão é simples, mas exige concentração. Vejam, a coisa que realmente acaba com um bicho-papão é o riso. Então o que precisam fazer é forçá-lo a assumir uma forma que vocês achem engraçada. Vamos praticar o feitiço sem as varinhas primeiro. Repitam comigo, por favor.. Riddikulus!
Riddikulus — repetiu a turma.
— Ótimo — aprovou o Profº. Lupin. — Muito bem. Mas receio que esta seja a parte mais fácil. Sabem, a palavra sozinha não basta.  E é aqui que você vai entrar Neville.
O guarda-roupa recomeçou a tremer, embora não tanto quanto Neville, que se dirigiu para o móvel como se estivesse indo para a forca.
— Certo, Neville — disse o professor — Vamos começar pelo começo: Qual, você diria, que é a coisa que pode assustá-lo mais neste mundo?
Os lábios de Neville se mexeram, mas não emitiram som algum.
— Não ouvi o que você disse, Neville, me desculpe — disse o Profº. Lupin animado.
Neville olhou para os lados meio desesperado, como que suplicando a alguém que o ajudasse, depois disse, num sussurro quase inaudível:
— O Profº. Snape.
Quase todo mundo riu. Até Neville sorriu como se pedisse desculpas. Lupin, porém, ficou pensativo.
— Profº. Snape... Hummm... Neville, eu creio que você mora com a sua avó?
— Sim... Moro — disse Neville, nervoso. — Mas também não quero que o bicho-papão se transforme na minha avó.
— Não, não, você não entendeu — disse o professor, agora rindo. — Será que você podia nos descrever que tipo de roupas a sua avó normalmente usa?
Neville fez cara de espanto, mas disse:
— Bem... Sempre o mesmo chapéu. Um bem alto com um urubu empalhado na ponta. E um vestido comprido... Verde, normalmente... E às vezes uma raposa.
— E uma bolsa?
— Vermelha e bem grande.
— Certo então — disse o professor — Você é capaz de imaginar essas roupas com clareza, Neville? Você consegue vê-las mentalmente?
— Consigo — respondeu Neville, hesitante, obviamente imaginando o que viria a seguir.
— Quando o bicho-papão irromper daquele guarda-roupa, Neville, e vir você, ele vai assumir a forma do Profº. Snape. E você vai erguer a varinha... Assim... E gritar "Riddikulus"... E se concentrar com todas as suas forças nas roupas de sua avó. Se tudo correr bem, o Profº. Bicho-papão-Snape será forçado a vestir aquele chapéu com o urubu, aquele vestido verde e carregar aquela enorme bolsa vermelha.
Houve uma explosão de risos. O guarda-roupa sacudiu com maior violência.
— Se Neville acertar, o bicho-papão provavelmente vai voltar a atenção para cada um de nós individualmente. Eu gostaria que todos gastassem algum tempo, agora, para pensar na coisa de que têm mais medo e imaginar como poderia fazê-la parecer cômica...
A sala ficou silenciosa. Harry pensou... “O que o apavorava mais no mundo?”
Seu primeiro pensamento foi Lord Voldemort — um Voldemort que tivesse recuperado totalmente as forças. Mas antes que conseguisse planejar um possível contra-ataque ao bicho-papão-Voldemort, uma imagem horrível foi aflorando à superfície de sua mente...
Uma mão luzidia e podre, que escorregava para dentro de uma capa preta... Uma respiração longa e rascante que saia de uma boca invisível... Depois um frio tão penetrante que dava a impressão de que ele estava se afogando...
Harry estremeceu e olhou para os lados, na esperança de que ninguém tivesse reparado nele. Muitos alunos tinham os olhos bem fechados. Rony murmurava para si mesmo "Arranque as pernas dela". Harry teve certeza de que sabia a que o amigo se referia.  O maior medo de Rony eram as aranhas.
— Todos prontos? — perguntou o Profº. Lupin.
Harry sentiu uma onda de medo. Ele não estava pronto.
Como era possível fazer um dementador se tornar menos aterrorizante?  Mas não quis pedir mais tempo; todos estavam acenando a cabeça afirmativamente enrolando as mangas.
— Neville, nós vamos recuar — disse o professor. — Assim você fica com o campo livre, está bem? Vou chamar o próximo a vir para frente... Todos para trás, agora, de modo que Neville tenha espaço para agitar a varinha...
Todos recuaram, encostaram-se nas paredes, deixando Neville sozinho ao lado do guarda-roupa. Ele parecia pálido e assustado, mas enrolara as mangas das vestes e segurava a varinha em posição.
— Quando eu contar três, Neville — avisou Lupin, que apontava a própria varinha para o puxador do armário. — Um... Dois... Três... Agora!
Um jorro de faíscas saltou da ponta da varinha do professor e bateu no puxador. O guarda-roupa se abriu com violência. Com o nariz curvo e ameaçador, o Profº. Snape saiu, os olhos faiscando para Neville.  Neville recuou, de varinha no ar, balbuciando silenciosamente. Snape avançou para ele, apanhando alguma coisa dentro das vestes.
R... R.. Riddikulus! — esganiçou-se Neville.
Ouviu-se um ruído que lembrava o estalido de um chicote. Snape tropeçou; usava um vestido longo, enfeitado de rendas e um imenso chapéu de bruxo com um urubu carcomido de traças no alto, e sacudia uma enorme bolsa vermelho-vivo.
Houve uma explosão de risos; o bicho-papão parou, confuso, e o Profº. Lupin gritou:
— Parvati!  Avante!
Parvati adiantou-se, com ar decidido. Snape avançou para ela.
Ouviu-se outro estalo e onde o bicho-papão estivera havia agora uma múmia com as bandagens sujas de sangue; seu rosto tampado estava virado para Parvati e a múmia começou a andar para a garota muito lentamente, arrastando os pés, erguendo os braços duros...
Riddikulus!— exclamou Parvati.
Uma bandagem se soltou aos pés da múmia; ela se enredou, caiu de cara no chão e sua cabeça rolou para longe do corpo.
— Simas — bradou o professor.
Simas passou disparado por Parvati.
Craque! Onde estivera a múmia surgiu uma mulher de cabelos negros que iam até o chão e um rosto esverdeado e esquelético — um espírito agourento.
Ela escancarou a boca e um som espectral encheu a sala, um grito longo e choroso que fez os cabelos de Harry ficarem em pé.
Riddikulus! — bradou Simas.
O espírito agourento emitiu um som rascante, apertou a garganta com as mãos; sua voz sumiu.
Craque! O espírito agourento se transformou em um rato, que saiu correndo atrás do próprio rabo, em círculos, depois... Craque!  Transformou-se em uma cascavel, que saiu deslizando e se contorcendo até que craque! Se transformou em um olho único e sangrento.
— Confundimos o bicho! — gritou Lupin. — Já estamos quase no fim! Dino!
Dino adiantou-se correndo.
Craque! O olho se transformou em uma mão decepada, que deu uma cambalhota e saiu andando de lado como um caranguejo.
Riddikulus! — berrou Dino.
Ouviu-se um estalo e a mão ficou presa em uma ratoeira.
— Excelente! Rony, você é o próximo! Rony correu para frente aos pulos.
Craque!
Muitos alunos gritaram. Uma aranha gigantesca e peluda, com quase dois metros de altura, avançou para Rony, batendo as pinças ameaçadoramente. Por um instante, Harry achou que Rony congelara. Mas...
Riddikulus! — berrou Rony, e as pernas da aranha desapareceram; ela ficou rolando pelo chão; Lilá Brown deu um grito agudo e se afastou correndo do caminho da aranha até que ela parou aos pés de Harry. O garoto ergueu a varinha, preparou-se, mas...
— Tome! — gritou o Profº. Lupin de repente, correndo para frente.
Craque!
A aranha sem pernas sumira. Por um segundo todos olharam assustados para os lados para ver o que aparecera. Então viram um globo branco-prateado pendurado no ar diante de Lupin, e ele disse "Riddikulus" quase descansadamente.
Craque!
— Para frente, Neville, e acabe com ela! — mandou o professor quando o bicho-papão aterrissou no chão sob a forma de uma barata.
Craque! E Snape reapareceu.
Desta vez, Neville avançou parecendo decidido.
— Riddikulus! — gritou, e, por uma fração de segundo, seus colegas tiveram uma visão de Snape com seu vestido de rendas antes de Neville soltar uma grande gargalhada e o bicho-papão explodir em milhares de fiapinhos minúsculos de fumaça, e desaparecer.
— Excelente! — exclamou o Profº. Lupin enquanto a classe aplaudia com entusiasmo. — Excelente, Neville. Muito bem, pessoal... Deixe-me ver... Cinco pontos para a Grifinória para cada pessoa que enfrentou o bicho-papão — dez para Neville porque ele o enfrentou duas vezes e cinco para Harry e para Hermione.
— Mas eu não fiz nada — protestou Harry.
— Você e Hermione responderam às minhas perguntas corretamente no início da aula, Harry — respondeu Lupin gentilmente. — Muito bem, pessoal, foi uma aula excelente. Dever de casa: por favor, leiam o capítulo sobre os bichos-papões e façam um resumo para me entregar... Na segunda-feira. E por hoje é só.
Falando agitados, os alunos deixaram a sala dos professores.
Harry, porém, não estava se sentindo muito animado. O Profº. Lupin intencionalmente o impedira de enfrentar o bicho-papão.
Por quê? Teria sido porque vira Harry desmaiar no trem e achava que ele não seria capaz? Teria pensado que ele ia desmaiar de novo? Mas ninguém mais pareceu ter estranhado nada.
— Você me viu enfrentar aquele espírito agourento? — perguntava Simas aos gritos.
— E a mão! — disse Dino, agitando a própria mão no ar.
— E o Snape naquele chapéu!
— E a minha múmia?
— Por que será que o Profº. Lupin tem medo de bolas de cristal? — indagou Lilá, pensativa.
— Essa foi a melhor aula de Defesa contra as Artes das Trevas que já tivemos, vocês não acham? — disse Rony excitado quando refaziam o caminho até a sala de aula para apanhar as mochilas.
— Ele parece um bom professor — comentou Hermione em tom de aprovação. — Mas eu gostaria de ter podido enfrentar o bicho-papão...
— O que ele teria sido para você? — perguntou Rony dando risadinhas. — Um dever de casa que só mereceu nota nove em dez?



CAPÍTULO OITO
A Fuga da Mulher Gorda

Não demorou nada e a Defesa contra as Artes das Trevas se tornou a matéria favorita da maioria dos estudantes. Somente Draco Malfoy e sua patota de alunos da Sonserina tinham alguma coisa de ruim a dizer do Profº. Lupin.
— Olha só as vestes dele — Malfoy dizia num sussurro bem audível quando o professor passava. — Ele se veste como um velho elfo doméstico.
Mas ninguém mais se importava se as vestes de Lupin eram remendadas e esfiapadas. Suas aulas seguintes tinham sido tão interessantes quanto a primeira. Depois dos bichos-papões, eles estudaram os "barretes vermelhos", criaturinhas malvadas que lembravam duendes e rondavam os lugares onde houvera derramamento de sangue, masmorras de castelos e valas dos campos de batalha desertos à espera de abater a porrete os que se perdiam. Dos barretes vermelhos eles passaram aos kappas, seres rastejantes das águas, que lembravam macacos com escamas, palmípedes cujas mãos comichavam para estrangular os banhistas desavisados que penetravam seus domínios.
Harry só desejava que fosse tão feliz com outras matérias. A pior delas era Poções. Snape andava com uma disposição bem vingativa ultimamente, e ninguém tinha dúvidas do que motivara isso. A história do bicho-papão que assumira a forma dele, e a maneira com que Neville o vestira com as roupas da avó, correra a escola como fogo espontâneo. Snape não parecia ter achado graça. Seus olhos faiscavam ameaçadoramente à simples menção do nome de Lupin e ele andava implicando com Neville mais do que nunca.
Harry também estava começando a temer as horas que passava  na sala sufocante da Profª. Sibila, decifrando formas e símbolos enviesados, tentando fingir que não via os olhos da professora se encherem de lágrimas todas as vezes que olhava para ele. Não conseguia gostar de Sibila, embora ela fosse tratada, por muitos alunos da turma, com um respeito que beirava a reverência. Parvati Patil e Lilá Brown passaram a rondar a torre da professora na hora do almoço, e sempre voltavam com irritantes ares de superioridade, como se soubessem de coisas que os outros desconheciam. Tinham começado também a usar um tom de voz abafado sempre que falavam com Harry, como se estivessem em seu velório.
Ninguém gostava realmente de Trato das Criaturas Mágicas que, depois da primeira aula repleta de ação, tornara-se extremamente monótona. Hagrid parecia ter perdido a confiança em si mesmo. Os alunos agora passavam aula após aula aprendendo a cuidar de vermes, que eram uma das espécies de bichos mais chatas que existem no mundo, e não era por acaso.
— Por que alguém se daria o trabalho de cuidar deles? — exclamou Rony, depois de mais de uma hora enfiando alface fresca picada pela goela escorregadia dos vermes.
No início de outubro, porém, Harry teve algo com que se ocupar, algo tão prazeroso que mais do que compensou as aulas chatas. A temporada de Quadribol se aproximava e Olívio Wood, capitão do time da Grifinória, convocou uma reunião para uma noite de quinta-feira com a finalidade de discutirem as táticas que adotariam na nova temporada.
Havia sete jogadores num time de Quadribol: três artilheiros, cuja função é marcar gol fazendo a goles (uma bola vermelha do tamanho de uma bola de futebol) passar por um aro no alto de uma baliza de quinze metros de altura fincada em cada extremidade do campo; dois batedores, armados com pesados bastões para repelir os balaços (duas bolas pretas maciças que voavam para todos os lados tentando atacar os jogadores); um goleiro, que defendia as balizas e um apanhador, que tinha a função mais difícil de todas, a de capturar o pomo de ouro, uma bolinha alada do tamanho de uma noz, cuja captura encerrava o jogo, e garantia para o time do apanhador cento e cinqüenta pontos a mais.
Olívio era um rapaz forte de dezessete anos, agora no sétimo e último ano de Hogwarts. Tinha uma espécie de desespero silencioso na voz quando se dirigiu aos seis companheiros de equipe nos gelados vestiários, localizados nas pontas do campo de Quadribol, agora quase escuro.
— Esta é a nossa última chance, minha última chance, de ganhar a Taça de Quadribol — disse andando para lá e para cá diante dos colegas. — Vou-me embora no fim deste ano. Nunca mais terei outra oportunidade. Grifinória não ganha a taça há sete anos. Tudo bem, tivemos o maior azar do mundo, acidentes, depois o cancelamento do torneio no ano passado... — Olívio engoliu em seco como se aquela lembrança ainda lhe desse um nó na garganta. — Mas também sabemos que temos o time... Melhor... Mais irado... Da escola — disse ele, dando um soco na palma da mão, o velho brilho obsessivo nos olhos. -Temos três artilheiros da melhor qualidade. Olívio apontou pata Alicia Spinnet, Angelina Johnson e Karie Bell. — Temos dois batedores imbatíveis.
— Pode parar, Olívio, você está encabulando a gente — disseram Fred e Jorge juntos, fingindo corar.
— E temos um apanhador que até hoje nunca deixou de nos levar à vitória nas partidas que jogamos — falou Olívio em tom retumbante, encarando Harry com uma espécie de orgulho ardoroso. — E temos a mim — acrescentou, pensando melhor.
— Nós também achamos você muito bom Olívio. — disse Jorge.
— Um goleiro do caramba! — disse Fred.
— A questão é — continuou Olívio retomando a caminhada — que a Taça de Quadribol devia ter tido o nome do nosso time gravado, nesses dois últimos anos. Desde que Harry se juntou a nós, achei que a taça já estava no papo. Mas não ganhamos, e este ano é a última chance que teremos de finalmente ver o nosso nome na taça...
Olívio falou tão desolado que até Fred e Jorge o olharam com simpatia.
— Olívio, este ano é o nosso ano — animou-o Fred.
— Vamos conseguir, Olívio! — disse Angelina.
— Sem a menor dúvida — confirmou Harry.
Cheio de determinação, o time começou os treinos, três noites por semana. O tempo estava ficando mais frio e mais úmido, as noites mais escuras, mas não havia lama nem vento nem chuva que pudesse empanar a visão maravilhosa de Harry de finalmente ganhar a enorme Taça de Quadribol de prata.
Harry voltou à sala comunal da Grifinória certa noite depois do treino, enregelado, os músculos endurecidos, mas satisfeito com o aproveitamento do treino, e encontrou a sala mergulhada num vozerio excitado.
— Que foi que aconteceu?— perguntou ele a Rony e Hermione, que estavam sentados em duas das melhores poltronas ao lado da lareira terminando uns mapas estelares para a aula de Astronomia.
— Primeiro fim de semana em Hogsmeade — respondeu Rony, apontando para uma nota que aparecera no escalavrado quadro de avisos. — Fim de outubro. Dia das Bruxas.
— Ótimo — comentou Fred que seguira Harry na passagem pelo buraco do quadro. — Preciso visitar a Zonko"s. Meus chumbinhos fedorentos estão quase no fim.
Harry se atirou em uma cadeira ao lado de Rony, sua animação esfriando. Hermione pareceu ler seus pensamentos.
— Harry tenho certeza de que você vai poder ir na próxima visita — disse a garota. — Vão acabar pegando o Black logo. Ele já foi avistado uma vez.
— Black não é louco de tentar alguma coisa em Hogsmeade — argumentou Rony. — Pergunte a McGonagall se você pode ir Harry, a próxima vez talvez demore um tempão para acontecer...
— Rony! — exclamou a garota. — Harry tem que ficar na escola...
— Ele não pode ser o único aluno de terceiro ano que vai ficar — disse Rony. — Pergunta a McGonagall, anda, Harry...
— É, acho que vou perguntar — disse Harry se decidindo. Hermione abriu a boca para protestar, mas naquele instante Bichento pulou com leveza em seu colo. Trazia uma enorme aranha morta pendurada na boca.
— Ele tem que comer isso na frente da gente? — perguntou Rony aborrecido.
— Bichento inteligente, você apanhou a aranha sozinho? — perguntou Hermione.
Bichento mastigou a aranha vagarosamente, os olhos amarelos fixos insolentemente em Rony.
— Vê se ao menos segura ele aí — disse Rony irritado, voltando a atenção para o seu mapa estelar. — Perebas está dormindo na minha mochila.
Harry bocejou. Queria realmente ir se deitar, mas ainda tinha o mapa para terminar. Puxou a mochila para perto, tirou um pergaminho, tinta e caneta e começou a trabalhar.
— Pode copiar o meu, se quiser — ofereceu Rony, escrevendo o nome da última estrela com um floreio e empurrando o mapa para Harry.
Hermione, que desaprovava colas, contraiu os lábios, mas não disse nada. Bichento continuava a mirar Rony sem piscar, agitando a ponta do rabo peludo. Então, sem aviso, atacou.
— AI! — berrou Rony, agarrando a mochila na hora em que Bichento enterrava nela as garras das quatro patas e começava a sacudi-la furiosamente. – DÊ O FORA DAI SEU BICHO BURRO!
Rony tentou arrancar a mochila das garras de Bichento, mas o gato não a largava, bufando e unhando.
— Rony, não machuca ele! — gritou Hermione; toda a sala observava; Rony girou a mochila, Bichento continuou agarrado, e Perebas saiu voando pela abertura...
— SEGURE ESSE GATO! — berrou Rony quando Bichento se desvencilhou dos restos da mochila e saltou para a mesa perseguindo o aterrorizado Perebas.
Jorge Weasley deu um salto na direção de Bichento mas errou; Perebas disparou entre vinte pares de pernas e sumiu embaixo de uma velha cômoda. Bichento parou derrapando, se abaixou o mais que pôde nas pernas arqueadas e começou a fazer furiosas investidas com a pata dianteira no vão da cômoda.
Rony e Hermione correram para acudir; Hermione agarrou Bichento pelo meio e carregou-o para longe; Rony se atirou no chão de barriga para baixo e, com grande dificuldade, puxou Perebas para fora pelo rabo.
— Olha só para ele! — gritou o garoto furioso para Hermione, balançando Perebas diante da amiga. — Está pele e osso! Segura esse gato longe dele!
— Bichento não entende que isso é errado! — defendeu-o Hermione, a voz trêmula. — Todos os gatos caçam ratos, Rony!
— Tem uma coisa esquisita nesse animal! — acusou Rony, que estava tentando persuadir um Perebas, que se contorcia freneticamente, a voltar para dentro do seu bolso. — Ele me ouviu dizer que Perebas estava na mochila!
— Ah, deixa de bobagem — retrucou a garota. — Bichento sabe farejar, Rony, de que outro modo você acha...
— Esse gato está perseguindo o Perebas! — disse Rony, fingindo não ver os colegas em volta, que começavam a dar risadinhas abafadas. — E Perebas estava aqui primeiro, e está doente!
Rony atravessou a sala decidido e desapareceu na subida da escada para os dormitórios dos garotos.
Rony continuou de mal com Hermione no dia seguinte. Quase não falou com a garota durante a aula de Herbologia, embora ele, Harry e Hermione estivessem trabalhando juntos na mesma tarefa.
— Como é que vai o Perebas? — perguntou Hermione timidamente enquanto colhiam gordas vagens rosadas das plantas e esvaziavam seus feijões luzidios em um balde de madeira.
— Está escondido no fundo da minha cama tremendo — respondeu Rony com raiva, errando o balde e espalhando feijões pelo chão da estufa.
— Cuidado, Weasley, cuidado! — exclamou a Profª. Sprout quando os feijões desabrocharam diante dos olhos de todos.
A aula seguinte era Transformação. Harry, que resolvera perguntar à Profª. McGonagall depois da aula se podia ir a Hogsmeade com os colegas, entrou na fila do lado de fora da sala tentando decidir como é que iria defender o seu caso. Foi distraído, porém, por uma confusão no início da fila.
Pelo jeito, Lilá Brown estava chorando. Parvati abraçava-a, e explicava algo a Simas e Dino, que pareciam muito sérios.
— Que foi que aconteceu, Lilá? — perguntou Hermione, ansiosa, quando ela, Harry e Rony se reuniram ao grupo.
— Ela recebeu uma carta de casa hoje de manhã — sussurrou Parvati. — Foi o coelho dela, Bínqui. Foi morto por uma raposa.
— Ah — disse Hermione sinto muito, Lilá.
— Eu devia ter imaginado! — exclamou Lilá, tragicamente. — Você sabe que dia é hoje?
— Hum...
— Dezesseis de outubro! "Essa coisa que você receia, vai acontecer na sexta-feira, 16 de outubro!" Lembram? Ela estava certa, ela estava certa!
A turma inteira agora rodeava Lilá. Simas sacudia a cabeça, sério. Mione hesitou; em seguida perguntou:
— Você receava que Bínqui fosse morto por uma raposa?
— Bem, não necessariamente por uma raposa — respondeu Lilá, erguendo os olhos, dos quais as lágrimas escorriam sem parar —, mas obviamente eu receava que ele morresse, não é?
— Ah — exclamou Hermione. Ela fez outra pausa. E depois...
— Bínqui era um coelho velho?
— N... Não! — soluçou Lilá. -A... Ainda era um bebezinho!
Parvati apertou o abraço que dava em Lilá.
— Mas, então, por que você tinha receio que ele morresse? — perguntou Hermione.
Parvati fez uma cara feia para a colega.
— Bem, vamos encarar isso logicamente — falou Hermione, virando-se para o restante do grupo. — Quero dizer, Bínqui nem ao menos morreu hoje, não é? Lilá foi que recebeu a notícia hoje... — Lilá abriu um berreiro — e ela não podia estar receando isso, porque a notícia foi um choque para ela...
— Não ligue para Hermione, Lilá — disse Rony em voz alta —, ela não acha que os bichos de estimação dos outros têm muita importância.
A Profª. Minerva abriu a porta da sala de aula naquele momento, o que talvez tenha sido uma sorte; Hermione e Rony estavam se fuzilando com os olhos e quando entraram na sala se sentaram um de cada lado de Harry, e passaram a aula inteira sem se falar.
Harry ainda não decidira o que ia dizer à professora quando a sineta tocou anunciando o fim da aula, mas foi ela quem levantou o assunto de Hogsmeade primeiro.
— Um momento, por favor! — pediu quando a turma se preparava para sair. — Como vocês todos fazem parte da minha Casa, deverão entregar os formulários de autorização para ir à Hogsmeade a mim, antes do Dia das Bruxas. Sem formulário não há visita, por isso não se esqueçam.
Neville levantou a mão.
— Por favor, professora, eu... Eu acho que perdi...
— Sua avó mandou o seu diretamente a mim, Longbottom — disse Minerva. — Parece que ela achou mais seguro. Bem, é só isso, podem ir.
— Pergunta a ela agora — sibilou Rony a Harry.
— Ah, mas... — começou Hermione.
— Manda ver — disse Rony insistindo.
Harry esperou o resto da turma desaparecer e se dirigiu, nervoso, à escrivaninha da professora.
— Que foi, Potter?
Harry inspirou profundamente.
— Professora, minha tia e meu tio... Hum... Se esqueceram de assinar a minha autorização.
A Profª. Minerva olhou-o por cima dos óculos quadrados e não disse nada.
— Então... Hum... A senhora acha que haveria algum problema... Quero dizer, que estaria Ok se eu... Se eu fosse a Hogsmeade?
Minerva baixou os olhos e começou a mexer nos papéis em cima da escrivaninha.
— Receio que não, Potter. Você ouviu o que eu disse. Não tem formulário, não tem visita ao povoado. Essa é a regra.
— Mas, professora, minha tia e meu tio... A senhora sabe, eles são trouxas, não entendem realmente para que servem... Os formulários de Hogwarts e outras coisas daqui — explicou Harry, enquanto Rony o animava a prosseguir com vigorosos acenos de cabeça. — Se a senhora disser que eu posso ir...
— Mas eu não vou dizer — falou a professora se levantando e arrumando os papéis na gaveta. — O formulário diz claramente que o pai ou guardião precisa dar permissão. — Minerva se virou para olhá-lo, com uma estranha expressão no rosto. Seria pena? — Sinto muito, Potter, mas esta é a minha palavra final. É melhor você se apressar ou vai se atrasar para a próxima aula.
Não restava nada a fazer. Rony xingou a Profª. Minerva de uma porção de nomes, o que deixou Hermione muito aborrecida; a garota assumiu um ar de "foi-melhor-assim” que fez Rony ficar com mais raiva e Harry teve que suportar os colegas na aula discutindo, alegres e em altas vozes, o que iam fazer primeiro, quando chegassem a Hogsmeade.
— Sempre tem a festa — disse Rony, num esforço para animar Harry.
— Sabe, a festa do Dia das Bruxas, à noite.
— Sei — respondeu Harry, deprimido —, que ótimo.
A festa do Dia das Bruxas era sempre boa, mas teria um sabor muito melhor se fosse depois de uma visita a Hogsmeade com os colegas. Nada que ninguém disse fez Harry se sentir melhor com relação à idéia de ser deixado para trás.
Dino Thomas, que era jeitoso com uma caneta, se oferecera para falsificar a assinatura do tio Válter no formulário, mas como Harry já dissera à Profª. Minerva que os tios não haviam assinado, não adiantava nada. Rony, meio desanimado, sugeriu a Capa da Invisibilidade, mas Hermione eliminou essa possibilidade, lembrando a Rony que Dumbledore avisara que os dementadores podiam ver através da capa. Possivelmente foi Percy quem disse as palavras que menos consolaram.
— O pessoal faz um estardalhaço sobre Hogsmeade, mas eu garanto, Harry, o povoado não é tão fantástico quanto dizem — falou ele, sério. — Tudo bem, a loja de doces é bastante boa e a Zonko"s — Logros e Brincadeiras é francamente perigosa e, ah, sim, a Casa dos Gritos sempre vale a pena visitar, mas, verdade, Harry, tirando isso, você não vai perder nada.
Na manhã do Dia das Bruxas, Harry acordou com os colegas e desceu para tomar café, sentindo-se totalmente arrasado, embora se esforçasse ao máximo para agir normalmente.
— Vamos lhe trazer um monte de doces da Dedosdemel — prometeu Hermione, sentindo uma pena desesperada do amigo.
— É, montes — concordou Rony. Ele e Hermione tinham finalmente esquecido a briga por causa do Bichento diante do descontentamento de Harry.
— Não se preocupem comigo — disse Harry no que ele imaginava ser uma voz displicente. — Vejo vocês na festa. Divirtam-se.
Ele acompanhou os amigos até o saguão da escola, onde Filch, o zelador, estava postado à porta de entrada, verificando se os nomes constavam de uma longa lista, examinando cada rosto cheio de desconfiança, e certificando-se de que ninguém que não devia ir estivesse saindo escondido da escola.
— Vai ficar na escola, Potter? — gritou Malfoy, que estava na fila com Crabbe e Goyle. — Medinho de passar pelos dementadores?
Harry não lhe deu atenção e se dirigiu, solitário, para a escadaria de mármore, seguiu pelos corredores desertos e voltou à Torre da Grifinória.
— Senha? — perguntou a Mulher Gorda, acordando assustada de um cochilo.
Fortuna Major — disse Harry apático.
O retrato se afastou e ele passou pelo buraco que levava à sala comunal que estava repleto de alunos do primeiro e segundo ano que tagarelavam e de alguns alunos mais velhos, que obviamente já tinham visitado Hogsmeade tantas vezes que a novidade se desgastara.
— Harry! Harry! Oi, Harry!
Era Colin Creevey, um colega do segundo ano que tinha uma profunda admiração por Harry e nunca perdia uma oportunidade de falar com o seu ídolo.
— Você não vai a Hogsmeade, Harry? Por que não? Ei, — Colin olhou com ansiedade para os amigos — pode vir se sentar conosco, se quiser, Harry!
— Hum... Não, obrigado, Colin — disse Harry que não estava a fim de ter um bandão de gente olhando, curiosa, para a cicatriz em sua testa. — Tenho... Tenho que ir à biblioteca, preciso fazer um trabalho.
Depois disso, ele não teve escolha senão dar meia-volta e se dirigir ao buraco do retrato para sair.
— Para o que foi então que me acordou? — comentou rabugenta, a Mulher Gorda quando ele, depois de passar, foi se afastando.
Harry caminhou, desalentado, em direção à biblioteca, mas no meio do caminho mudou de idéia; não estava com vontade de trabalhar. Deu meia-volta e deparou com Filch, que obviamente acabara de despachar o último visitante para Hogsmeade.
— Que é que você está fazendo? — rosnou Filch, desconfiado.
— Nada — respondeu Harry com sinceridade.
— Nada! — bufou Filch, a queixada tremendo desagradavelmente. — Que coisa improvável! Andando, sorrateiro, sozinho, por que é que você não está em Hogsmeade comprando chumbinho fedorento, pó de arroto e minhocas de apito como os seus outros amiguinhos intragáveis?
Harry sacudiu os ombros.
— Muito bem, volte para sua sala comunal que é o seu lugar! — mandou Filch, com rispidez e ficou parado olhando até Harry desaparecer de vista.
Mas o garoto não voltou à sala comunal; ele subiu uma escada, pensando vagamente em visitar o corujal para ver Edwiges, e estava andando por outro corredor quando uma voz que vinha de uma das salas o chamou:
— Harry?
O garoto se virou pata ver quem o chamara e deparou com o Profº. Lupin, que espiava para os lados à porta de sua sala.
— Que é que você está fazendo? — perguntou Lupin, embora num tom de voz diferente do de Filch. — Onde estão Rony e Hermione?
— Hogsmeade — respondeu Harry num tom que ele pretendia que fosse descontraído.
— Ah — comentou Lupin. Ele observou o garoto por um momento. — Por que você não entra? Estive aguardando a entrega de um grindylow para a nossa próxima aula.
— De um o quê? — perguntou Harry.
Ele entrou na sala de Lupin com o professor. A um canto havia uma enorme caixa de água. Um bicho de cor verde-bile e chifrinhos pontiagudos comprimia a cara contra o vidro, fazendo caretas e agitando os dedos longos e afilados.
— Demônio aquático — explicou Lupin, examinando o grindylow pensativamente. — Não deve nos dar muito trabalho, não depois dos kappas. O truque é deixar as mãos deles sem ação. Reparou nos dedos anormalmente compridos? Fortes mas muito quebradiços.
O grindylow arreganhou os dentes verdes e em seguida se enterrou num emaranhado de ervas a um canto.
— Aceita uma xícara de chá? — ofereceu Lupin, procurando a chaleira. — Eu estava mesmo pensando em preparar uma.
— Tudo bem — aceitou Harry sem jeito.
Lupin deu alguns golpes de varinha na chaleira e na mesma hora saiu do bico uma baforada de vapor quente.
— Sente-se — convidou Lupin, tirando a tampa de uma lata empoeirada. — Receio que só tenha chá em saquinhos... Mas eu diria que você já bebeu chá em folhas que chegue.
Harry olhou para ele. Os olhos do professor cintilavam.
— Como foi que o senhor soube disso? — perguntou Harry.
— A Profª. McGonagall me contou — respondeu Lupin, passando a Harry uma caneca lascada cheia de chá. — Você não está preocupado, está?
— Não.
Por um instante Harry pensou em contar a Lupin a história do cão que ele vira na Rua Magnólia, mas decidiu não fazê-lo. Não queria que Lupin pensasse que era covarde, principalmente porque o professor já parecia pensar que ele não era capaz de enfrentar um bicho-papão.
Alguma coisa dos pensamentos de Harry devia ter transparecido em seu rosto, porque Lupin perguntou:
— Tem alguma coisa preocupando-o, Harry?
— Não — mentiu o garoto. Depois bebeu um pouco de chá observando o grindylow que o ameaçava com o punho. — Tem — disse ele de repente, pousando a xícara de chá na mesa do professor — O senhor se lembra daquele dia em que lutamos contra o bicho-papão?
— Claro.
— Por que o senhor não me deixou enfrentar o bicho? — perguntou Harry abruptamente.
Lupin ergueu as sobrancelhas.
— Eu teria pensado que isto era óbvio, Harry — disse ele parecendo surpreso.
Harry, que esperara que o professor negasse ter feito uma coisa dessas, ficou perplexo.
— Por quê? — tornou ele a perguntar.
— Bem — falou Lupin, franzindo de leve a testa —, presumi que se o bicho-papão o enfrentasse, ele assumiria a forma de Lord Voldemort.
Harry arregalou os olhos. Não somente esta era a última resposta que poderia esperar, como também Lupin dissera o nome de Voldemort. A única pessoa que Harry já ouvira dizer esse nome em voz alta (além dele próprio) fora o Profº. Dumbledore.
— Pelo visto eu me enganei — desculpou-se o professor, ainda franzindo a testa. — Mas eu não achei uma boa idéia Lord Voldemort se materializar na sala dos professores. Imaginei que os alunos entrariam em pânico.
— Logo no começo, eu realmente pensei em Voldemort — disse Harry honestamente. — Mas depois, eu... Eu me lembrei daqueles dementadores.
— Entendo — falou o professor, pensativo. — Bem, bem... Estou impressionado. — Ele sorriu brevemente ao ver a expressão de surpresa no rosto do garoto. — Isto sugere que o que você mais teme é o medo. Muito sensato, Harry.
Harry não soube o que dizer ao professor, por isso bebeu mais chá.
— Então você andou pensando que eu não acreditava que você tivesse capacidade para enfrentar o bicho-papão? — perguntou Lupin astutamente.
— Bem... É. — Harry de repente estava se sentindo muito mais feliz. — Profº. Lupin, o senhor sabe que os dementadores...
O garoto foi interrompido por uma batida na porta.
— Entre — convidou o professor.
A porta se abriu e Snape entrou. Trazia um cálice ligeiramente fumegante e parou, apertando os olhos negros, ao ver Harry.
— Ah, Severo — exclamou Lupin sorridente. — Muito obrigado. Podia deixar aí na mesa para mim?
Snape pousou o cálice fumegante, os olhos indo de Harry para Lupin.
— Eu estava mostrando a Harry o meu grindylow — disse Lupin em tom agradável, indicando o tanque de água.
— Fascinante — comentou Snape sem sequer olhar para o tanque. — Você devia beber isso logo, Lupin.
— É, é, vou beber.
— Fiz um caldeirão cheio — continuou Snape. — Se precisar de mais...
— Provavelmente eu deveria tomar mais um pouco amanhã. Muito obrigado, Severo.
— De nada — disse o colega, mas havia uma expressão em seus olhos que não agradou a Harry. O professor se retirou de costas para a porta, sem sorrir, vigilante.
Harry olhou, curioso, para o cálice. Lupin sorriu.
— O Profº. Snape teve a bondade de preparar esta poção para mim — explicou ele. — Nunca fui um bom preparador de poções e esta aqui é particularmente complexa. — Ele apanhou o cálice e cheirou-o. — É pena que o açúcar estrague o efeito da poção — acrescentou, tomando um golinho e estremecendo.
— Por quê...? — começou Harry. 
Lupin olhou para ele e respondeu à pergunta incompleta.
— Tenho me sentido meio indisposto. Esta poção é a única coisa que me ajuda. Tenho a sorte de estar trabalhando ao lado do Profº. Snape; não há muitos bruxos que saibam prepará-la.
O professor tomou mais um golinho e Harry teve um desejo incontrolável de derrubar o cálice de suas mãos.
— O Profº. Snape é muito interessado nas Artes das Trevas — disse o garoto sem pensar.
— É mesmo? — admirou-se Lupin, parecendo apenas levemente interessado, enquanto tomava mais um gole.
— Tem gente que supõe que ele faria qualquer coisa para ocupar o cargo de professor de Defesa contra as Artes das Trevas.
Lupin esvaziou o cálice e fez uma careta.
— Horrível — disse. — Bem, Harry é melhor eu voltar ao trabalho. Vejo você mais tarde na festa.
— Certo — concordou Harry, deixando na mesa sua xícara vazia. O cálice vazio continuava a fumegar.
— Segura aí — exclamou Rony. — Compramos o máximo que podíamos carregar.
Uma chuva de doces intensamente coloridos caiu no colo de Harry.
Anoitecia e Rony e Hermione tinham acabado de chegar à sala comunal, as faces rosadas do vento frio e a expressão de que tinham se divertido como nunca.
— Obrigado — disse Harry, pegando um pacote de minúsculos Diabinhos de Pimenta. — Como é que é Hogsmeade? Aonde é que vocês foram?
Pelo que diziam... A todos os lugares. Dervixes e Bangues, a loja de equipamento de bruxaria, Zonko"s — Logros e Brincadeiras, no Três Vassouras para tomar canecas espumantes de cerveja quente amanteigada, e outros tantos lugares.
— O Correio, Harry! Umas duzentas corujas, todas pousadas em prateleiras, todas com código de cores dependendo da urgência com que você quer que a carta chegue!
— A Dedosdemel tem um novo tipo de bombom estavam distribuindo amostras grátis, olha aí um pedacinho, olha...
— Achamos que vimos um ogro, juro, tem gente de todo o tipo no Três Vassouras...
— Gostaria que a gente pudesse ter trazido cerveja amanteigada para você, esquenta para valer...
— Que foi que você ficou fazendo? — perguntou Hermione, com ar preocupado. — Terminou algum dever?
— Não — respondeu Harry. — Lupin preparou uma xícara de chá para mim na sala dele. Então Snape entrou...
E Harry contou aos amigos tudo sobre o cálice. Rony ficou boquiaberto.
— E Lupin bebeu? Ele é maluco?
Hermione consultou o relógio de pulso.
— É melhor descermos, sabe, a festa vai começar dentro de cinco minutos...
— Os três atravessaram depressa o buraco do retrato e se misturaram à aglomeração de alunos, ainda discutindo Snape.
— Mas se ele... Sabe... — Hermione baixou a voz, olhando, nervosa, para os lados — se ele estivesse tentando... Envenenar Lupin... Não teria feito isso na frente de Harry.
— É talvez — disse Harry quando chegavam ao saguão de entrada e o atravessavam para entrar no Salão Principal. Este fora decorado com centenas de abóboras iluminadas por dentro com velas, uma nuvem de morcegos, muitas serpentinas laranja-vivo que esvoaçavam lentamente pelo teto tempestuoso como parecendo luzidias cobras de água.
A comida estava deliciosa; até Hermione e Rony, que já vinham empanturrados de doces da Dedosdemel, arranjaram lugar para repetir.
Harry olhava constantemente para a mesa dos professores. O Profº. Lupin parecia alegre e o mais saudável possível; conversava animadamente com o miúdo Flitwick, professor de Feitiços. O olhar de Harry percorreu a mesa até o lugar que Snape ocupava. Seria sua imaginação ou os olhos de Snape cintilavam na direção de Lupin com mais freqüência do que seria natural?
A festa terminou com um espetáculo apresentado pelos fantasmas de Hogwarts. Eles saltavam de repente das paredes e dos tampos das mesas e voavam em formação;
Nick Quase Sem Cabeça, o fantasma da Grifinória, fez grande sucesso com uma encenação de sua própria decapitação incompleta.
Foi uma noite tão agradável que o bom humor de Harry sequer foi afetado quando Malfoy gritou no meio dos colegas, quando deixavam o salão:
— Os dementadores mandaram lembranças, Potter!
Harry, Rony e Hermione acompanharam os colegas da Grifinória pelo caminho habitual para a sua Torre, mas quando chegaram ao corredor que terminava no retrato da Mulher Gorda, encontraram-no engarrafado pelos alunos.
— Por que ninguém está entrando? — perguntou Rony, curioso. Harry espiou por cima das cabeças à sua frente.
Aparentemente o retrato estava fechado.
— Me deixem passar — ouviu-se a voz de Percy, que passou cheio de importância e eficiência pelo ajuntamento. — Qual é o motivo da retenção aqui? Não é possível que todos tenham esquecido a senha, com licença, sou o monitor-chefe...
E então foi baixando um silêncio sobre os alunos a começar pelos que estavam na frente, dando a impressão de que uma friagem se espalhava pelo corredor.
Eles ouviram Percy dizer, numa voz repentinamente alta e esganiçada:
— Alguém vai chamar o Profº. Dumbledore. Depressa.
As cabeças dos alunos se viraram; os que estavam atrás se esticaram nas pontas dos pés.
— Que é que está acontecendo? — perguntou Gina, que acabara de chegar.
Instantes depois, o Profº. Dumbledore chegou deslizando, imponente, em direção ao retrato; os alunos da Grifínória se comprimiram para deixá-lo passar, e Harry, Rony e Hermione se aproximaram para ver qual era o problema.
— Essa, não... — a garota agarrou o braço de Harry.
A Mulher Gorda desaparecera do retrato, que fora cortado com tanta violência que as tiras de tela se amontoavam no chão; grandes pedaços do retrato haviam sido completamente arrancados.
Dumbledore deu uma olhada rápida no retrato destruído, virou-se, o olhar sombrio e viu os professores McGonagoall, Lupin e Snape que vinham apressados ao seu encontro.
— Precisamos encontrá-la — disse Dumbledore. — Profª. McGonagall, por favor localize o Sr. Filch imediatamente e diga-lhe que procure a Mulher Gorda em todos os quadros do castelo.
— Vai precisar de sorte! — disse uma voz gargalhante.
Era Pirraça, o poltergeist, sobrevoando professores e alunos, encantado, como sempre, à vista de desastres e preocupações.
— Que é que você quer dizer com isso, Pirraça? — perguntou Dumbledore calmamente e o sorriso do poltergeist empalideceu um pouco. Ele não se atrevia a atormentar o diretor. Em vez disso, adotou uma voz untuosa que não era nada melhor do que a sua gargalhada escandalosa.
— Vergonha, Sr. Diretor. Não quer ser vista. Está horrorosa. Eu a vi correndo por uma paisagem no quarto andar, Sr. Diretor, se escondendo entre as árvores. Chorando de cortar o coração — informou ele, satisfeito. — Coitada — acrescentou em tom pouco convincente.
— Ela disse quem foi que fez isso? — perguntou Dumbledore em voz baixa.
— Ah, disse, Sr. Diretor — respondeu Pirraça com ar de quem carrega uma grande bomba nos braços. — Ele ficou furioso porque ela não quis deixá-lo entrar, entende. — Pirraça deu uma cambalhota no ar e sorriu para Dumbledore entre as próprias pernas. — Tem um gênio danado, esse tal de Sirius Black.








CAPÍTULO NOVE
A Amarga Derrota

O Profº. Dumbledore mandou todos os alunos da Grifinória voltarem ao Salão Principal, onde foram se reunir a eles, dez minutos depois, os alunos da Lufa-Lufa, Corvinal e Sonserina, todos parecendo extremamente atordoados.
— Os professores e eu precisamos fazer uma busca meticulosa no castelo — disse o diretor aos alunos quando os professores McGonagall e Flitwick fecharam as portas do salão que davam para o saguão. — Receio que, para sua própria segurança, vocês terão que passar a noite aqui. Quero que os monitores montem guarda nas saídas para o saguão e vou encarregar o monitor e a monitora chefes de cuidarem disso. Eles devem me informar imediatamente qualquer perturbação que haja — acrescentou Dumbledore dirigindo-se a Percy, que assumiu um ar de enorme orgulho e importância. — Mande um dos fantasmas me avisar.
O Profº. Dumbledore parou, quando ia deixando o salão, e disse:
— Ah, sim, vocês vão precisar...
Com um gesto displicente da varinha, as longas mesas se deslocaram para junto das paredes e, com um outro toque, o chão ficou coberto por centenas de fofos sacos de dormir de cor roxa.
— Durmam bem — disse o Profº. Dumbledore, fechando a porta ao passar.
O salão imediatamente começou a zumbir com as vozes excitadas dos alunos; os da Grifinória contavam ao resto da escola o que acabara de acontecer.
— Todos dentro dos sacos de dormir! — gritou Percy. — Andem logo e chega de conversa! As luzes vão ser apagadas dentro de dez minutos!
— Vamos, gente disse Rony a Harry e Hermione; e eles apanharam três sacos de dormir e os arrastaram para um canto.
— Vocês acham que Black ainda está no castelo? — cochichou Hermione, ansiosa.
— É óbvio que Dumbledore acha que ele ainda pode estar — respondeu Rony.
— É uma sorte ele ter escolhido esta noite, sabem — comentou Hermione quando entravam, completamente vestidos, nos sacos de dormir e apoiavam o corpo nos cotovelos para conversar. — A única noite em que não estávamos na Torre...
— Calculo que ele tenha perdido a noção do tempo, já que está fugindo — disse Rony. — Não percebeu que era Dia das Bruxas. Do contrário teria invadido o salão.
Hermione estremeceu.
A toda volta, os colegas se faziam a mesma pergunta: Como foi que ele entrou?
— Vai ver ele sabe "aparatar" — sugeriu uma aluna da Corvinal, próxima. — Aparece de repente, sabe, sem ninguém ver de onde.
— Provavelmente se disfarçou disse um quintanista da Lufa-Lufa.
— Vai ver ele voou — sugeriu Dino Thomas.
— Francamente, será que eu fui a única pessoa que se deu ao trabalho de ler Hogwarts, uma História? — perguntou Hermione, zangada, a Rony e Harry.
— Provavelmente — disse Rony. — Por quê?
— Porque o castelo não está protegido só por paredes, sabem. Recebeu todo o tipo de feitiço, para impedir as pessoas de entrarem escondidas. Ninguém pode simplesmente aparatar aqui. E eu gostaria de ver qual é o disfarce que é capaz de enganar os dementadores. Eles estão guardando todas as entradas da propriedade. Teriam visto se Black entrasse voando. E Filch conhece todas as passagens secretas e os funcionários terão coberto todas...
— As luzes vão ser apagadas agora! — anunciou Percy. — Quero todo mundo dentro dos sacos de dormir, de boca calada!
Todas as velas se apagaram ao mesmo tempo. A única luz agora vinha dos fantasmas prateados, que flutuavam no ar em sérias conversas com os monitores, e do teto encantado, que reproduzia o céu estrelado lá fora. Com isso e mais os sussurros que continuavam a encher o salão, Harry se sentia como se estivesse dormindo ao ar livre, tocado por um vento suave.
De hora em hora, um professor aparecia no salão para verificar se estava tudo calmo. Por volta das três horas da manhã, quando muitos alunos tinham finalmente adormecido, o Profº. Dumbledore entrou no salão. Harry observou-o procurar por Percy, que estivera fazendo a ronda entre os sacos de dormir, ralhando com as pessoas que continuavam a conversar. O monitor-chefe estava a uma pequena distância de Harry, Rony e Hermione, que depressa fingiram estar dormindo ao ouvirem os passos de Dumbledore se aproximarem.
— Algum sinal dele, professor? — perguntou Percy num cochicho.
— Não. Está tudo bem aqui?
— Tudo sob controle, diretor.
— Ótimo. Não tem sentido transferir os alunos agora. Arranjei um guardião temporário para o buraco do retrato na Grifinória. Você poderá levá-los de volta amanhã.
— E a Mulher Gorda, diretor?
— Escondida em um mapa de Argyllshire no segundo andar.  Aparentemente se recusou a deixar Black entrar sem a senha, então o bandido a atacou. Ela ainda está muito perturbada, mas assim que se acalmar, vou mandar Filch restaurá-la.
Harry ouviu a porta do salão se abrir mais uma vez, rangendo, e novos passos.
— Diretor? — Era Snape. Harry ficou muito quieto, prestando a maior atenção. — Todo o terceiro andar foi revistado. Ele não está lá. E Filch verificou as masmorras; não há ninguém, tampouco.
— E a torre da Astronomia? A sala da Profª. Trelawney? O corujal?
— Tudo revistado...
— Muito bem, Severo. Eu não esperava realmente que Black se demorasse.
— O senhor tem alguma teoria sobre o modo com que ele entrou, professor? — perguntou Snape.
Harry levantou a cabeça um pouquinho para destampar a outra orelha.
— Muitas, Severo, cada uma mais improvável do que a outra.
Harry abriu os olhos minimamente e espiou para o lado onde os três se encontravam; Dumbledore estava de costas para ele, mas dava para ver o rosto de Percy inteiramente absorto e o perfil de Snape, que parecia zangado.
— O senhor se lembra da conversa que tivemos, diretor, antes... Ah... Do começo do ano letivo? — perguntou Snape, que mal abria os lábios para falar, como se quisesse impedir Percy de ouvir.
— Lembro, Severo — disse Dumbledore, e sua voz tinha um tom de aviso.
— Parece... Quase impossível... Que Black possa ter entrado na escola sem ajuda de alguém aqui dentro. Expressei minhas preocupações quando o senhor nomeou...
— Não acredito que uma única pessoa no castelo tenha ajudado Black a entrar — disse Dumbledore, e seu tom deixou tão claro que o assunto estava encerrado que Snape se calou. — Preciso descer para falar com os dementadores -disse Dumbledore. — Prometi que avisaria quando a nossa busca estivesse terminada.
— Eles não quiseram ajudar, diretor? — perguntou Percy.
— Ah, claro — disse Dumbledore com frieza. — Mas receio que nenhum dementador irá cruzar a soleira deste castelo enquanto eu for diretor.
Percy pareceu ligeiramente desconcertado. Dumbledore saiu do salão rápida e silenciosamente. Snape continuou parado um instante observando o diretor com uma expressão de profundo rancor no rosto; em seguida também saiu.
Harry olhou de esguelha para Rony e Hermione. Os dois também tinham os olhos abertos nos quais se refletia o teto estrelado.
— De que é que eles estavam falando? — perguntou Rony, apenas com o movimento dos lábios.
Nos dias que se seguiram não se falou de mais nada na escola senão de Sirius Black. As teorias sobre o modo com que Black entrara no castelo se tornaram mais e mais delirantes; Ana Abbort, da Lufa-Lufa, passou a maior parte da aula conjunta de Herbologia, contando para quem quisesse ouvir que Black era capaz de se transformar em um arbusto florido.
A tela rasgada da Mulher Gorda fora retirada da parede e substituída pela pintura de Sir Cadogan e seu gordo pônei cinzento. Ninguém ficou muito feliz com a troca. O cavaleiro passava metade do tempo desafiando os garotos a duelar e no tempo restante inventava senhas ridiculamente complicadas, que ele trocava no mínimo duas vezes por dia.
— Ele é completamente doido — protestou Simas Finnigan, aborrecido, com Percy. — Será que não podiam nos dar outro?
— Nenhum dos outros quadros quis o lugar — disse Percy. — Se assustaram com o que aconteceu com a Mulher Gorda. Sir Cadogan foi o único que teve coragem suficiente para se voluntariar.
O cavaleiro, porém, era a menor das preocupações de Harry.
Ele agora estava sendo vigiado de perto. Os professores procuravam desculpas para acompanhá-lo quando ele andava pelos corredores, e Percy Weasley (agindo, suspeitava Harry, por ordem da mãe) seguia-o a toda parte como um cão de guarda extremamente pomposo.
Para completar, a Profª. Minerva chamou Harry à sua sala, com uma expressão tão sombria no rosto que o garoto achou que alguém devia ter morrido.
— Não adianta lhe esconder isso por mais tempo, Potter — começou ela em tom muito sério. — Sei que vai ser um choque para você, mas Sirius Black...
— Eu sei, está querendo me pegar — disse Harry cansado. — ouvi O pai de Rony contar à Sra. Weasley. O Sr. Weasley trabalha para o Ministério da Magia.
A professora pareceu muito espantada. Encarou Harry por um instante e em seguida falou.
— Entendo! Bem, neste caso, Potter, você vai compreender por que não acho uma boa idéia você treinar Quadribol à noite. Lá fora no campo só com os outros jogadores, é muito exposto, Potter...
— O nosso primeiro jogo é agora no sábado! — exclamou Harry, indignado. — Preciso treinar, professora!
Minerva mirou-o com muita atenção. Harry conhecia o grande interesse da professora pelas perspectivas da equipe da Grifinória; afinal fora ela que o recomendara como apanhador, para início de conversa. Por isso aguardou, prendendo a respiração.
— Hum... — a Profª. Minerva se levantou e contemplou pela janela o campo de Quadribol, quase invisível na chuva. — Bem, Deus sabe que eu gostaria de nos ver ganhando finalmente a Taça... Mas mesmo assim, Potter... Eu ficaria mais satisfeita se um professor estivesse presente. Vou pedir à Madame Hooch para supervisionar os seus treinos.
O tempo foi piorando dia a dia, à medida que a primeira partida de Quadribol se aproximava. Sem desanimar, a equipe da Grifinória treinava com mais vigor que nunca sob o olhar vigilante de Madame Hooch. Então, no último treino antes do jogo de sábado, Olívio Wood deu ao time uma notícia indesejável.
— Não vamos jogar com Sonserina! — disse aos companheiros, parecendo muito zangado. — Flint acabou de me procurar. Vamos jogar contra Lufa-Lufa.
— Por quê? — perguntou o restante do time em coro.
— A desculpa de Flint é que o braço do apanhador do time ainda está machucado — respondeu Olívio, rilhando furiosamente os dentes. — Mas é óbvio por que estão fazendo isto. Não querem jogar com tempo ruim. Acham que vai reduzir as chances deles...
Tinha ventado forte e chovido pesado o dia inteiro e mesmo enquanto Olívio falava ouvia-se o ronco distante do trovão.
— Não há nada errado com o braço do Malfoy! — disse Harry, furioso. – É tudo fingimento.
— Eu sei disso, mas não podemos provar — argumentou Olívio amargurado. — E temos treinado todos esses lances na suposição de que íamos jogar com Sonserina, e, em vez disso, será com Lufa-Lufa que tem um estilo muito diferente.
Agora eles estão com um capitão novo que também é o apanhador, Cedrico Diggory...
Angelina, Alicia e Katie tiveram um repentino acesso de risadinhas.
— Quê? — exclamou Olívio, fechando a cara para esse comportamento alegre.
— É aquele alto e bonito, não é? — perguntou Angelina.
— Forte e caladão — concluiu Katie, e as três recomeçaram a rir.
— Ele só é caladão porque é burro demais para juntar duas palavras — comentou Fred, impaciente. — Não sei por que você está preocupado, Olívio, Lufa-Lufa é brincadeira de criança. Da última vez que jogamos com eles, Harry capturou o pomo em cinco minutos, não se lembram?
— Estávamos jogando em condições completamente diferentes — gritou Olívio, os olhos saltando ligeiramente das órbitas. — Diggory armou uma lateral muito forte! E é um excelente apanhador! Eu estava com medo que vocês fizessem essa leitura falsa! Não podemos relaxar! Temos que manter o nosso foco! Sonserina está tentando nos prejudicar! Precisamos ganhar!
— Olívio, vê se se acalma! — disse Fred, ligeiramente assustado.
— Estamos levando Lufa-Lufa muito a sério. Sério.
Um dia antes da partida, o vento começou a uivar e a chuva a cair com mais força que nunca. Estava tão escuro nos corredores e salas de aula que foi preciso acender mais archotes e lanternas. Os jogadores do time da Sonserina estavam de fato com um ar muito presunçoso e Malfoy mais que todos.
— Ah, se ao menos meu braço estivesse um pouquinho melhor! — suspirava ele enquanto a tempestade lá fora açoitava as janelas.
Harry não tinha lugar na cabeça para se preocupar com coisa alguma exceto o jogo do dia seguinte. Olívio Wood não parava de correr para ele nos intervalos das aulas para lhe passar novas dicas. A terceira vez que isto aconteceu, Olívio falou tanto tempo que Harry, de repente, percebeu que se atrasara dez minutos para a aula de Defesa contra as Artes das Trevas e saiu correndo com Olívio gritando atrás dele.
— Diggory muda de direção muito rápido, Harry, quem sabe você tenta cercá-lo...
Harry parou derrapando diante da classe de Defesa contra as Artes das Trevas, abriu a porta e entrou correndo.
— Me desculpe o atraso, Profº. Lupin, eu...
Mas não foi Lupin quem levantou a cabeça para olhá-lo da escrivaninha do professor; foi Snape.
— A aula começou há dez minutos, Potter, por isso acho que vou tirar dez pontos da Grifinória. Sente-se.
Mas Harry não se mexeu.
— Onde está o Profº. Lupin? — perguntou.
— Ele disse que hoje está se sentindo mal demais para dar aula — respondeu Snape com um sorriso enviesado. — Acho que o mandei sentar-se?
Mas Harry continuou onde estava.
— Que é que ele está sentindo?
Os olhos negros de Snape reluziram.
— Nada que ameace a vida dele — disse, com cara de quem gostaria que assim fosse. — Cinco pontos a menos para Grifinória, e se eu tiver que pedir para você se sentar novamente, serão cinqüenta.
Harry dirigiu-se lentamente ao seu lugar e se sentou. Snape olhou para a turma.
— Como eu ia dizendo antes de ser interrompido por Potter, o Profº. Lupin não registrou os tópicos que já abordou até hoje...
— Professor, por favor, já estudamos os bichos-papões, os barretes vermelhos, os kappas e os grindylows — informou Hermione depressa —, e íamos começar...
— Fique calada — disse Snape friamente. — Não lhe pedi informação, estava apenas comentando a falta de organização do Profº. Lupin.
— Ele é o melhor professor de Defesa contra as Artes das Trevas que já tivemos — falou Dino Thomas corajosamente, e ouviu-se um murmúrio de aprovação do resto da turma. Snape pareceu mais ameaçador que nunca.
— Vocês se satisfazem com muito pouco. Lupin não está puxando nada por vocês. Eu esperaria que alunos de primeiro ano já pudessem cuidar de barretes vermelhos e grindylows. Hoje vamos discutir...
Harry observou-o folhear o livro-texto até o último capítulo, que ele certamente sabia que a turma não poderia ter estudado.
— ... Lobisomens — disse Snape.
— Mas, professor — protestou Hermione, aparentemente incapaz de se conter —, não podemos estudar Lobisomens ainda, vamos começar os hinkypunks...
— Srta. Granger — disse Snape com uma voz letalmente calma —, eu tinha a impressão de que era eu que estava dando a aula e não a senhorita. E estou mandando todos abrirem a página 394 do livro. — Ele correu os olhos pela turma outra vez. — Todos Agora!
Com muitos olhares rancorosos de esguelha e gente resmungando, a turma abriu os livros.
— Qual de vocês sabe me dizer como é que se distingue um Lobisomen de um lobo verdadeiro? — perguntou Snape.
Todos ficaram calados e imóveis; todos exceto Hermione, cuja mão, como acontecia tantas vezes, se erguera imediatamente no ar.
— Alguém sabe? — insistiu Snape, fingindo não ver a mão da garota. Seu sorriso enviesado reaparecera. — Vocês estão me dizendo que o Profº. Lupin sequer ensinou a vocês a diferença básica entre...
— Nós já lhe informamos — interrompeu-o Parvati de repente —, ainda não chegamos aos Lobisomens, ainda estamos...
— Silêncio! — mandou Snape com rispidez. — Ora, ora, ora, nunca pensei que um dia encontraria uma turma de terceiro ano que não soubesse reconhecer um Lobisomen quando o visse. Vou fazer questão de informar ao Profº. Dumbledore como vocês estão atrasados...
— Professor, por favor — tornou a pedir Hermione, cuja mão continuava erguida —, o Lobisomen se diferencia do lobo verdadeiro por pequenos detalhes. O focinho do Lobisomen...
— Esta é a segunda vez que a senhorita fala sem ser convidada — disse Snape friamente. — Menos cinco pontos para Grifinória por ser uma intragável sabe-tudo.
Hermnione ficou vermelhíssima, baixou a mão e ficou olhando para o chão com os olhos cheios de lágrimas. Um sinal do quanto à turma detestava Snape era que todos olharam feio para ele, porque todos os alunos já tinham chamado Hermione de sabe-tudo pelo menos uma vez, e Rony, que xingava Hermione de sabe-tudo pelo menos duas vezes por semana, falou em voz alta:
— O senhor nos fez uma pergunta e Hermione sabe a resposta! Por que perguntou se não queria que ninguém respondesse?
A turma percebeu instantaneamente que o colega fora longe demais. Snape caminhou até Rony lentamente, e a sala prendeu a respiração.
— Detenção, Weasley — disse Snape suavemente, o rosto muito próximo ao do garoto. — e se algum dia eu o ouvir criticar o meu modo de ensinar outra vez, o senhor vai realmente se arrepender.
Ninguém mais deu um pio durante o resto da aula. Ficaram sentados copiando dados sobre os Lobisomens do livro-texto, enquanto Snape rondava as filas de carteiras, examinando o trabalho que os alunos tinham feito com o Profº. Lupin.
— Uma explicação muito insuficiente... Isto está errado, o kappa é encontrado mais comumente na Mongólia... O Profº. Lupin deu nota oito em dez? Eu teria dado três..
Quando a sineta finalmente tocou, Snape reteve a turma.
— Cada aluno vai escrever uma redação para me entregar, sobre as maneiras de reconhecer e matar Lobisomens. Quero dois rolos de pergaminho sobre o assunto e quero para segunda-feira de manhã. Está na hora de alguém dar um jeito nesta turma. Weasley, você fica, precisamos combinar a sua detenção.
Harry e Hermione saíram da sala com o resto da turma, que esperou até estar bastante longe para não ser ouvida e prorrompeu em furiosos discursos contra Snape.
— Snape nunca foi assim com nenhum dos outros professores de Defesa contra as Artes das Trevas, mesmo que quisesse o cargo deles — comentou Harry com Hermione. — Por que está perseguindo o Lupin? Você acha que tudo isso é por causa dos bichos-papões?
— Não sei — disse Hermione pensativa. Mas vou realmente torcer para o Profº. Lupin melhorar logo...
Rony alcançou-os cinco minutos depois, com uma raiva descomunal.
— Vocês sabem o que aquele... — (e xingou Snape de uma coisa que fez Hermione exclamar "Rony!") — vai me obrigar a fazer? Tenho que lavar as comadres da ala hospitalar Sem usar magia! — O garoto respirava fundo, os punhos cerrados. — Por que o Black não podia ter se escondido na sala de Snape, hein? Podia ter acabado com ele para nós!
Harry acordou extremamente cedo na manhã seguinte; tão cedo que ainda estava escuro. Por um momento pensou que tinha sido acordado pelos rugidos do vento. Então, sentiu uma brisa gelada na nuca e sentou-se na cama de um salto — Pirraça, o poltergeist, andara flutuando ao lado dele, soprando com força em seu ouvido.
— Para que você fez isso? — perguntou Harry, furioso.
Pirraça encheu as bochechas de ar, soprou com força e disparou de costas para fora do dormitório, dando gargalhadas.
Harry tateou procurando o despertador e olhou para o mostrador.
Eram quatro e meia. Amaldiçoando Pirraça, ele se virou e tentou voltar a dormir, mas era muito difícil, agora que estava acordado, não dar atenção à trovoada que roncava no céu, ao vento que fustigava com violência as paredes do castelo e às árvores que rangiam ao longe, na Floresta Proibida. Dentro de algumas horas ele estaria lá fora no campo de Quadribol, enfrentando a tempestade. Por fim, ele perdeu as esperanças de voltar a dormir, se levantou e se vestiu, apanhou a Nimbus 2000 e saiu silenciosamente do dormitório.
Quando abriu a porta, alguma coisa passou roçando por sua perna. Ele se abaixou bem a tempo de agarrar Bichento pela ponta do grosso rabo e arrastá-lo para fora.
— Sabe, acho que Rony tem razão sobre você — disse Harry, desconfiado, a Bichento. — Há uma quantidade de ratos no castelo — vá caçá-los. Vá indo — acrescentou o garoto, empurrando Bichento com o pé para fazê-lo descer a escada. — Deixa o Perebas em paz.
O ruído da tempestade era ainda mais alto na sala comunal.
Harry sabia que não adiantava imaginar que a partida seria cancelada; as disputas de Quadribol não eram desmarcadas por ninharias como trovoadas.
Ainda assim, ele estava começando a se sentir apreensivo. Olívio lhe apontara Cedrico Diggory no corredor; o garoto era aluno do quinto ano e muito maior do que Harry. Os apanhadores geralmente eram leves e velozes, mas o peso de Diggory seria uma vantagem com um tempo desses porque seria menor a probabilidade do apanhador ser tirado de curso.
Harry matou as horas até amanhecer diante da lareira, levantando-se de vez em quando para impedir Bichento de tornar a subir, escondido, a escada para o dormitório dos garotos. Finalmente, ele calculou que já devia ser hora do café da manhã, então se dirigiu sozinho ao buraco do retrato.
— Pare e lute, seu cão sarnento! — berrou Sir Cadogan.
— Ah, cala essa boca — bocejou Harry Ele se reanimou um pouco com uma grande tigela de mingau de aveia, e, no momento em que começou a comer torradas, o restante da equipe aparecera no Salão.
— Vai ser uma partida dura — comentou Olívio, que não queria comer nada.
— Pare de se preocupar, Olívio — disse Alicia para tranqüilizá-lo —, não vamos derreter com uma chuvinha à toa.
Era muitíssimo mais do que uma chuvinha. Mas tal era a popularidade do Quadribol que a escola inteira apareceu para assistir à partida, como sempre. Os jogadores, no entanto, desceram os jardins em direção ao campo, as cabeças curvadas contra a ferocidade do vento, os guarda-chuvas arrancados de suas mãos.
Pouco antes de entrar no vestiário, Harry viu Malfoy, Grabbe e Goyle, rindo e apontando para ele protegidos por um enorme guarda-chuva, a caminho do estádio.
O time vestiu o uniforme escarlate e aguardou o discurso de Olívio que antecedia as partidas, mas não houve discurso. O capitão tentou falar várias vezes, fez um ruído esquisito de quem engole, depois sacudiu a cabeça, desalentado, e fez sinal para os companheiros o seguirem.
O vento estava tão forte que eles entraram em campo cambaleando para os lados. Se os espectadores estavam aplaudindo, os aplausos eram abafados por novos roncos de trovão. A chuva batia nos óculos de Harry. Como é que ele ia enxergar o pomo desse jeito?
Os jogadores da Lufa-Lufa se aproximavam pelo lado oposto do campo, usando vestes amarelo-canário. Os capitães foram ao encontro um do outro e se apertaram as mãos; Diggory sorriu para Wood, mas este agora não conseguia abrir a boca, parecia estar sofrendo de tétano, e fez um mero aceno com a cabeça. Harry viu a boca de Madame Hooch formar as palavras "Montem em suas vassouras". Ele puxou o pé direito pingando lama e passou-o por cima de sua Nimbus 2000. Madame Hooch levou o apito à boca e soprou, um som agudo e distante — e a partida começou.
Harry subiu depressa, mas o vento puxava sua Nimbus ligeiramente para o lado. Ele a segurou o mais firme que pôde e deu uma guinada, apertando os olhos contra a chuva.
Cinco minutos depois, estava molhado até os ossos e enregelado, mal conseguia ver os companheiros de equipe e muito menos o minúsculo pomo. Voou para frente e para trás cruzando o campo e deixando pelo caminho vultos difusos vermelhos e amarelos, sem ter a menor idéia do que estava acontecendo no resto da partida. Não conseguia ouvir os comentários por causa do vento. Os espectadores se ocultavam sob um mar de capas e guarda-chuvas arrebentados. Duas vezes Harry esteve muito perto de ser derrubado por um balaço; seus óculos estavam tão embaçados pela chuva que ele não os vira se aproximar.
Harry perdeu a noção do tempo. Tinha cada vez maior dificuldade de se manter aprumado na vassoura. O céu escurecia, como se a noite tivesse decidido chegar mais cedo. Duas vezes Harry quase colidiu com outro jogador, sem saber se era um companheiro de equipe ou um oponente; todos agora estavam tão encharcados, e a chuva tão grossa que ele mal conseguia distinguir alguém...
Com o primeiro relâmpago ouviu-se o som do apito de Madame Hooch;
Harry conseguiu mal e mal discernir, através da chuva, os contornos de Olívio, que fazia sinal para ele pousar. O time inteiro enfiou os pés na lama.
— Eu pedi tempo! — berrou Olívio para seu time. — Venham até aqui embaixo...
Os jogadores se agruparam na borda do campo debaixo de um grande guarda-chuva; Harry tirou os óculos e enxugou-os, apressado, nas vestes.
— Qual é o placar?
— Estamos cinqüenta pontos na frente — informou Olívio —, mas a não ser que capturemos logo o pomo, vamos jogar noite adentro.
— Não tenho a menor chance com isso aqui — disse Harry exasperado, agitando os óculos.
Naquele exato instante, Hermione apareceu do lado dele; segurava a capa por cima da cabeça e inexplicavelmente tinha um largo sorriso no rosto.
— Tenho uma idéia, Harry! Me dá seus óculos, depressa!
O garoto entregou os óculos e, enquanto o time observava espantado, Hermione deu uma pancadinha neles com a varinha e disse:
Impervius!
— Pronto! — disse, devolvendo os óculos a Harry. — Isto vai repelir a água!
Wood fez cara de quem seria capaz de beijá-la.
— Genial! — gritou rouco para a garota que desapareceu no meio dos espectadores. — Muito bem, time, agora vamos arrebentar!
O feitiço de Hermione resolvera o problema. Harry ainda estava insensível de tanto frio, ainda mais molhado do que jamais estivera na vida, mas conseguia ver. Cheio de renovada determinação, ele impeliu a vassoura pelo ar turbulento, espiando para todos os lados à procura do pomo, evitando um balaço, mergulhando por baixo de Díggory, que voava na direção oposta...
Ouviu-se novamente o trovão, acompanhando um raio bifurcado. A partida estava ficando mais perigosa a cada minuto. Harry precisava chegar ao pomo depressa...
Ele se virou, tencionando rumar para o centro do campo, mas naquele momento, outro relâmpago iluminou as arquibancadas e Harry viu algo que o distraiu completamente... A silhueta de um enorme cão negro e peludo, claramente recortada contra o céu, imóvel na última fila de cadeiras vazias.
As mãos dormentes de Harry escorregaram do cabo da vassoura e sua Nimbus afundou alguns palmos. Sacudindo a franja encharcada para longe da testa, ele tornou a apertar os olhos para ver as arquibancadas. O cão desaparecera.
— Harry! — ele ouviu a voz angustiada de Wood vinda das balizas da Grifinória: — Harry, atrás de você!
Harry olhou a toda volta desesperado. Cedrico Diggory subia em grande velocidade e havia entre os dois um grâozinho dourado brilhando no ar varrido de chuva...
Com um tremor de pânico, Harry se achatou contra o cabo da vassoura e disparou em direção ao pomo.
— Anda! — rosnou ele para a Nimbus, a chuva fustigando seu rosto. — Mais depressa!
Mas alguma coisa estranha estava acontecendo. Um silêncio inexplicável foi caindo sobre o estádio. O vento, embora continuasse forte, se esqueceu momentaneamente de rugir. Era como se alguém tivesse desligado o som, como se Harry, de repente, tivesse ficado surdo.
— Que é que estava acontecendo?
Então uma onda de frio terrivelmente familiar o assaltou, penetrou seu corpo, no mesmo instante em que ele tomava consciência de algo que andava lá embaixo no campo...
Antes que tivesse tempo para pensar, Harry desviou os olhos do pomo e olhou para baixo.
No mínimo cem dementadores apontavam os rostos encapuzados para ele. Era como se houvesse água gelada subindo até o seu peito, cortando os lados do seu corpo.
E então ele ouviu outra vez... Alguém gritava, gritava dentro de sua cabeça... Uma mulher...
— "O Harry não, o Harry não, por favor o Harry não!”
“Afaste-se, sua tola... Afaste-se, agora...”
— "O Harry não, por favor, não, me leve, me mate no lugar dele...”
Uma névoa anestesiante rodopiava enchendo o cérebro de Harry... Que é que ele estava fazendo? Por que é que estava voando? Precisava ajudá-la... Ela ia morrer... Ia ser assassinada...
Ele foi caindo, caindo sem parar pela névoa gelada.
— "Harry não! Por favor.. Tenha piedade... tenha piedade...”
Uma voz aguda gargalhava, a mulher gritava, e Harry perdeu a consciência.
— Que sorte que o chão estava tão mole.
— Achei que ele estava mortinho.
— Mas ele nem quebrou os óculos.
Harry ouvia as vozes murmurarem, mas não faziam sentido algum.
Não tinha a menor idéia de onde estava ou como chegara ali, ou o que andara fazendo antes de chegar. Só sabia que cada centímetro do seu corpo estava doendo como se ele tivesse levado uma surra.
— Foi a coisa mais apavorante que já vi na vida. Mais apavorante... A coisa mais apavorante... Vultos negros encapuzados... Frio... Gritos...
Harry abriu os olhos de repente. Estava deitado na ala hospitalar. O time de Quadribol da Grifinória, sujo de lama da cabeça aos pés, rodeava sua cama. Rony e Hermione também estavam ali, parecendo que tinham acabado de sair de uma piscina.
— Harry! — exclamou Fred, cujo rosto estava extremamente pálido sob a lama. — Como é que você está se sentindo?
Era como se a memória de Harry estivesse avançando em alta velocidade. O relâmpago, o Sinistro, o pomo e os dementadores...
— Que aconteceu? — perguntou, sentando-se na cama tão de repente que todos reprimiram um grito de surpresa.
— Você caiu da vassoura — contou Fred. — Deve ter caído... De uns quinze metros!
— Pensamos que você tivesse morrido — disse Alicia trêmula. Hermione fez um barulhinho esganiçado. Tinha os olhos muito vermelhos.
— Mas o jogo — perguntou Harry. — Que aconteceu? Vamos jogar outra vez?
Ninguém disse nada. A terrível verdade penetrou em Harry como uma pedrada.
— Nós não... Perdemos?
— Diggory apanhou o pomo — informou Jorge. — Logo depois de você cair. Ele não percebeu o que tinha acontecido. Quando olhou para trás e viu você no chão, tentou paralisar o jogo. Queria um novo jogo. Mas tiveram uma vitória justa... Até Olívio admite isso.
— Onde está Olívio? — perguntou Harry, percebendo subitamente a ausência do capitão do time.
— Ainda está no banho — respondeu Fred. — Achamos que ele está tentando se afogar.
Harry abaixou a cabeça até os joelhos, agarrando os cabelos com as mãos. Fred segurou-o pelos ombros e o sacudiu com força.
— Anda, Harry, você nunca perdeu o pomo antes.
— Tinha que haver uma primeira vez — disse Jorge.
— Mas a coisa não terminou aqui — disse Fred. — Perdemos por uma diferença de cem pontos, certo? Então se Lufa-Lufa perder para Corvinal e vencermos Corvinal e Sonserina...
— Lufa-Lufa terá que perder, no mínimo, por duzentos pontos — disse Jorge.
— Mas se eles vencerem Corvinal...
— Nem pensar, Corvinal é bom demais. Mas se Sonserina perder para Lufa-Lufa...
— Tudo depende do número de pontos, uma margem de cem pontos a mais ou a menos...
Harry ficou deitado ali, sem dizer uma palavra. Tinham perdido... Pela primeira vez na vida, ele perdera uma partida de Quadribol.
Passados mais ou menos uns dez minutos, Madame Pomfrey veio dizer aos garotos que deixassem Harry em paz.
— A gente volta para ver você mais tarde — disse Fred. — Não fique se martirizando, Harry, você ainda é o melhor apanhador que já tivemos.
O time saiu, largando lama pelo caminho. Madame Pomfrey fechou a porta depois que eles passaram, uma expressão de censura no rosto. Rony e Hermione se aproximaram mais da cama de Harry.
— Dumbledore ficou realmente furioso — contou Hermione com a voz trêmula. — Nunca vi o diretor assim antes. Ele correu para o campo quando você começou a cair, agitou a varinha e você meio que desacelerou antes de bater no chão. Depois, virou a varinha para os dementadores. Disparou uma coisa prateada contra eles. Os caras abandonaram o estádio na mesma hora... Ele ficou furioso que os dementadores tivessem entrado nos terrenos da escola. Ouvimos ele...
— Aí ele usou a magia para botar você numa padiola — disse Rony. — E saiu a pé até a escola, com você flutuando do lado, na padiola. Todo mundo pensou que você estava...
A voz dele foi morrendo, mas Harry nem notou. Estava pensando no que os dementadores tinham feito a ele... Na voz que gritava. Ergueu os olhos e deparou com Rony e Hermione observando-o com tanta aflição que na mesma hora ele procurou uma coisa banal para dizer.
— Alguém apanhou a minha Nimbus?
Rony e Hermione se entreolharam depressa.
— Hum...
— Que foi? — perguntou Harry, olhando de um para o outro.
— Bem... Quando você caiu a vassoura foi levada pelo vento — disse Hermione, hesitante.
— E?
— E bateu... Bateu... Ah, Harry... Bateu no Salgueiro Lutador.
As entranhas de Harry reviraram. O Salgueiro Lutador era uma árvore violenta que se erguia sozinha no meio da propriedade.
— E? — insistiu ele, temendo a resposta.
— Bem, você conhece o Salgueiro Lutador — disse Rony. — Ele.. Ele não gosta que batam nele.
— O Profº. Flitwick trouxe a vassoura de volta pouco antes de você recuperar os sentidos — disse Hermione com uma voz mínima.
Devagarinho, ela foi se abaixando para apanhar uma saca aos seus pés, despejou-a, e caíram na cama uns pedacinhos de madeira e gravetos, tudo que restava da fiel vassoura de Harry, enfim derrotada.



CAPÍTULO DEZ
O Mapa do Maroto

Madame Pomfrey insistiu em manter Harry na ala hospitalar pelo resto do fim de semana. Ele não discutiu nem se queixou, mas não deixou jogarem no lixo os estilhaços de sua Nimbus 2000. Sabia que era uma atitude burra, sabia que a vassoura não tinha conserto, mas o sentimento era mais forte que ele; era como se tivesse perdido um dos seus melhores amigos.
Uma procissão de amigos veio visitá-lo, todos decididos a animá-lo.
Hagrid lhe mandou um buquê de flores com lagartinhas, que pareciam repolhos amarelos, e Gina Weasley, corando furiosamente, apareceu com um cartão de votos de saúde, feito por ela mesma, que cantava com voz esganiçada a não ser que Harry o guardasse fechado embaixo da fruteira. O time da Grifinória tornou a visitar o companheiro no domingo de manhã, desta vez em companhia de Olívio, que declarou a Harry (numa voz de além-túmulo) que não o responsabilizava pela derrota. Rony e Hermione só deixavam a cabeceira de Harry à noite. Mas nada que ninguém dissesse ou fizesse conseguia fazê-lo se sentir melhor, porque eles só conheciam metade das suas preocupações.
Ele não contara a ninguém que vira o Sinistro, nem a Rony nem a Hermione, porque sabia que o amigo entraria em pânico e a amiga caçoaria dele. O fato era, no entanto, que o Sinistro agora já aparecera duas vezes e ambas as aparições tinham sido seguidas por acidentes quase fatais; da primeira vez Harry quase fora atropelado pelo Nôitibus Andante; da segunda, levara uma queda da vassoura de quase quinze metros de altura. Será que o Sinistro ia atormentá-lo até a morte?
Será que ele, Harry, ia passar o resto da vida olhando por cima do ombro à procura da fera?
Além disso havia os dementadores. Harry sentia mal-estar e humilhação toda vez que pensava neles. Todos diziam que os guardas eram medonhos, mas ninguém desmaiava sempre que se aproximava deles. Ninguém mais ouvia mentalmente os ecos da morte dos pais.
Isto porque agora Harry sabia a quem pertencia a tal voz. Ouvira o que ela dizia, ouvira-a continuamente nas longas noites passadas na ala hospitalar quando ficava acordado, contemplando as listras que o luar formava no teto.
Quando os dementadores se aproximavam, ele ouvia os últimos instantes de vida de sua mãe, sua tentativa de proteger o filho da sanha de Lord Voldemort e a gargalhada do bruxo antes de matá-la... Harry dava breves cochilos, mergulhando em sonhos cheios de mãos podres e pegajosas e súplicas fossilizadas, acordando de repente para voltar a pensar na voz da mãe.
Foi um alívio voltar à zoeira e à atividade da escola principal na segunda-feira, e ser forçado a pensar em outras coisas, ainda que tivesse de aturar a implicância de Draco Malfoy. O garoto não cabia em si de alegria com a derrota da Grifinória. Retirara finalmente as bandagens e comemorava a circunstância de poder usar os dois braços novamente, fazendo espirituosas imitações de Harry caindo da vassoura. Malfoy passou a maior parte da aula seguinte de Poções, a que assistiram juntos na masmorra, fazendo imitações dos dementadores; Rony finalmente se descontrolou e atirou um enorme e gosmento coração de crocodilo em Malfoy, que o atingiu no rosto, o que fez Snape descontar cinqüenta pontos da Grifinória.
— Se Snape vier dar aula de Defesa contra as Artes das Trevas de novo, vou me mandar — anunciou Rony quando seguiam para a classe de Lupin depois do almoço. — Vê quem está lá, Mione.
A garota espiou pela porta da sala.
— Tudo bem!
O Profº. Lupin voltara ao trabalho. Sem dúvida tinha a aparência de quem estivera doente. Suas vestes velhas estavam mais frouxas e havia olheiras escuras sob seus olhos; ainda assim, ele sorriu para os garotos que ocupavam seus lugares na classe e, em seguida, desataram a se queixar do comportamento de Snape na ausência de Lupin.
— Não é justo, ele estava só substituindo o senhor, por que passou dever de casa?
— Não sabemos nada de Lobisomens...
— Dois rolos de pergaminho!
— Vocês disseram ao Profº. Snape que ainda não estudamos Lobisomens? — perguntou Lupin, franzindo ligeiramente a testa.
A balbúrdia tornou a encher a sala.
— Dissemos, mas ele respondeu que estávamos muito atrasados...
— Ele não quis ouvir..
— Dois rolos de pergaminho!
O Profº. Lupin sorriu ao ver a expressão indignada nos rostos dos alunos.
— Não se preocupem. Vou falar com o Profº. Snape. Não precisam fazer a redação.
— Ah, não! — exclamou Hermione, muito desapontada. — Já terminei a minha.
Tiveram uma aula muito gostosa. O Profº. Lupin trouxera uma caixa de vidro contendo um hinkypunk, uma criaturinha de uma perna só, que parecia feita de fiapos de fumaça, a aparência frágil e inofensiva.
— O hinkypunk atrai os viajantes para os brejos — informou o professor enquanto os garotos faziam anotações. — Vocês repararam na lanterna que ele traz pendurada na mão? Ele salta para frente... A pessoa acompanha a luz... Então...
A criatura fez um horrível barulho de sucção contra o vidro da caixa.
Quando a sineta tocou, todos guardaram o material e se dirigiram para a porta, Harry entre eles, mas...
— Espere um instante, Harry — chamou Lupin. — Gostaria de dar uma palavrinha com você.
Harry deu meia-volta e observou o professor cobrir a caixa do hinkypunk com um pano.
— Soube do que houve no jogo — disse Lupin, virando-se para sua escrivaninha e começando a guardar os livros na maleta — e sinto muito pelo acidente com a sua vassoura. Há alguma possibilidade de consertá-la?
— Não — respondeu Harry. — A árvore arrebentou-a em mil pedacinhos.
Lupin suspirou.
— Plantaram o Salgueiro Lutador no ano em que cheguei em Hogwarts. Os alunos costumavam brincar de tentar se aproximar do tronco e tocar a árvore com a mão. No fim, um garoto chamado Davi Gudgeon quase perdeu um olho e fomos proibidos de chegar perto do salgueiro. Uma vassoura não teria a menor chance.
— O senhor soube dos dementadores também? — perguntou Harry com dificuldade.
Lupin lançou um olhar rápido a Harry.
— Soube. Acho que nenhum de nós tinha visto o Profº. Dumbledore tão aborrecido. Há algum tempo, eles estão ficando inquietos... Furiosos com a recusa do diretor de deixar que entrem na propriedade... Suponho que tenham sido eles a razão da sua queda.
— Foram. — Harry hesitou e, então, a pergunta que queria fazer escapou de sua boca antes que pudesse contê-la. — Por quê? Por que eles me afetam desse jeito? Será que sou apenas....
— Não tem nada a ver com fraqueza — respondeu o professor depressa, como se tivesse lido o pensamento de Harry. — Os dementadores afetam você pior do que os outros porque existem horrores no seu passado que não existem no dos outros.
Um raio de sol de inverno entrou na sala, iluminando os cabelos grisalhos de Lupin e os traços do seu rosto jovem.
— Os dementadores estão entre as criaturas mais malignas que vagam pela Terra. Infestam os lugares mais escuros e imundos, se comprazem com a decomposição e o desespero, esgotam a paz, a esperança e a felicidade do ar à sua volta. Até os trouxas sentem a presença deles, embora não possam vê-los. Chegue muito perto de um dementador e todo bom sentimento, toda lembrança feliz serão sugados de você. Se puder, o dementador se alimentará de você o tempo suficiente para transformá-lo em um semelhante... Desalmado e mau. Não deixará nada em você exceto as piores experiências de sua vida. E o pior que aconteceu com você, Harry, é suficiente para fazer qualquer um cair da vassoura. Você não tem do que se envergonhar.
— Quando eles chegam perto de mim... — Harry fixou o olhar na mesa de Lupin, sentindo um nó na garganta —, ouço Voldemort assassinando minha mãe.
Lupin fez um movimento repentino com o braço como se fosse segurar o ombro de Harry, mas pensou melhor. Houve um momento de silêncio, depois...
— Por que é que eles tinham que ir ao jogo? — exclamou o garoto amargurado.
— Estão ficando famintos — disse Lupin tranquilamente, fechando a maleta com um estalo. — Dumbledore não permite que eles entrem na escola, então o suprimento de gente com que contavam secou... Acho que eles não conseguiram resistir à multidão em torno do campo de Quadribol. Toda a excitação... As emoções exacerbadas... É a idéia que fazem de um banquete.
— Azkaban deve ser horrível — murmurou Harry.
Lupin concordou, sério.
— A fortaleza foi construída em uma ilhota, bem longe da costa, mas não precisam de paredes nem de água para manter os prisioneiros confinados, não quando eles já estão presos dentro da própria cabeça, incapazes de um único pensamento agradável. A maioria enlouquece em poucas semanas.
— Mas Sirius Black escapou — comentou Harry lentamente. — Fugiu...
A maleta de Lupin escorregou da escrivaninha; ele teve que se abaixar depressa para apanhá-la no ar.
— É — disse se endireitando. — Black deve ter encontrado uma maneira de combatê-los. Eu não teria acreditado que isto fosse possível... Dizem que os dementadores esgotam os poderes de um bruxo que conviver um tempo demasiado longo com eles...
— O senhor fez aquele dementador no trem recuar — disse Harry de repente.
— Há... Certas defesas que se pode usar — disse Lupin. — Mas no trem havia apenas um dementador. Quanto maior o número, mais difícil é resistir a eles.
— Que defesas? — perguntou Harry em seguida. — O senhor pode me ensinar?
— Não tenho a pretensão de ser um especialista no combate a dementadores, Harry... Muito ao contrário...
— Mas se os dementadores forem a outro jogo de Quadribol, preciso saber lutar contra eles...
Lupin avaliou o rosto decidido de Harry, hesitou, depois disse:
— Bem... Está bem. Vou tentar ajudar. Mas receio que você terá de esperar até o próximo trimestre. Tenho muito que fazer antes das férias. Escolhi uma hora muito inconveniente para adoecer.
Com a promessa de receber aulas antidementadores de Lupin, o pensamento de que talvez não precisasse mais ouvir a morte da mãe, e o fato de que Corvinal esmagara Lufa-Lufa na partida de Quadribol no final de novembro, o ânimo de Harry deu uma guinada definitiva para cima. Afinal, Grifinória não fora eliminada da competição, embora o time não pudesse se dar ao luxo de perder mais uma partida. Olívio tornou a ficar possuído por uma energia obsessiva, e treinou com o time com mais empenho que nunca, na chuvinha gélida e nevoenta que persistiu até dezembro. Harry não viu nem sinal de dementador nos terrenos da escola. A fúria de Dumbledore parecia ter funcionado para mantê-los em seus postos nas entradas.
Duas semanas antes do fim do trimestre, o céu clareou de repente até atingir um branco leitoso e ofuscante, e os terrenos enlameados da escola amanheceram, certo dia, cobertos de cintilante geada. No interior do castelo, havia um rebuliço de Natal no ar. Flitwick, o professor de Feitiços, já enfeitara sua sala de aula com luzes pisca-piscas que, quando foram ver, eram fadinhas voadoras de verdade. Os alunos estavam satisfeitos discutindo planos para as férias de Natal. Tanto Rony quanto Hermione haviam decidido permanecer em Hogwarts e, embora Rony dissesse que era porque não ia conseguir aturar Percy duas semanas, e Hermione insistisse que precisava consultar a biblioteca, Harry não se deixou enganar; sabia que era para lhe fazerem companhia e se sentiu muito grato.
Para alegria de todos, exceto Harry, houve mais uma visita a Hogsmeade no último fim de semana do trimestre.
— Podemos fazer todas as nossas compras de Natal lá! — exclamou Hermione. — Mamãe e papai iriam adorar receber fios dentais de menta da Dedosdemel!
Resignado com a idéia de que seria o único aluno do terceiro ano a não ir, Harry pediu emprestado a Olívio o livro Qual Vassoura, e resolveu passar o dia lendo sobre as diferentes marcas. Ele andara montando uma vassoura da escola nos treinos do time, uma velhíssima Shooting Star, que era demasiado lenta e instável; decididamente precisava de uma vassoura nova.
Na manhã de sábado em que os colegas iriam a Hogsmeade, Harry se despediu de Rony e Hermione, embrulhados em capas e cachecóis, tornou a subir a escadaria de mármore, sozinho, e tomou o caminho da Torre da Grifinória. A neve começara a cair do lado de fora das janelas e o castelo estava muito parado e silencioso.
— Psiu... Harry!
Ele se virou, a meio caminho do corredor do terceiro andar, e viu Fred e Jorge espiando-o atrás da estátua de uma bruxa corcunda, de um olho só.
— Que é que vocês estão fazendo? — perguntou Harry, curioso.
— Vocês não vão a Hogsmeade?
— Antes de ir viemos fazer uma festinha para animar você — disse Fred, com uma piscadela misteriosa. — Venha até aqui...
O garoto indicou com a cabeça uma sala de aula vazia, à esquerda da estátua de um olho só. Harry acompanhou os gêmeos. Jorge fechou a porta sem fazer barulho e se virou, sorrindo, para Harry.
— Presente de Natal antecipado para você, Harry — anunciou.
Fred tirou alguma coisa de dentro da capa com um gesto largo e colocou-a em cima de uma carteira. Era um pedaço de pergaminho, grande, quadrado e muito gasto, sem nada escrito na superfície. Harry, desconfiando que fosse uma daquelas brincadeiras de Fred e Jorge, ficou parado olhando para o presente.
— E o que é que é isso? — perguntou.
— Isso, Harry, é o segredo do nosso sucesso — disse Jorge, dando uma palmadinha carinhosa no pergaminho.
— Dói na gente dar esse presente para você — disse Fred —, mas decidimos, na noite passada, que você precisa muito mais dele do que nós. E, de qualquer maneira, já o conhecemos de cor. É uma herança que vamos lhe deixar. Para falar a verdade, não precisamos mais dele.
— E para que eu preciso de um pedaço de pergaminho velho? — perguntou Harry.
— Um pedaço de pergaminho velho! — exclamou Fred, fechando os olhos com uma careta, como se Harry o tivesse ofendido mortalmente. — Explique a ele Jorge.
— Bem... Quando estávamos no primeiro ano, Harry... Jovens, descuidados e inocentes...
Harry abafou uma risada. Duvidava se algum dia os gêmeos teriam sido inocentes.
— Bem, mais inocentes do que somos hoje... Nos metemos numa certa confusão com Filch.
— Soltamos uma bomba de bosta no corredor e por alguma razão ele ficou aborrecido...
— Então Filch nos arrastou até a sala dele e começou a nos ameaçar com os castigos de costume...
— ... Detenção...
— ... Nos arrancar as tripas...
— ... E não pudemos deixar de reparar numa gaveta do arquivo dele em que estava escrito Confiscado e Muito Perigoso.
— Não precisam continuar... — exclamou Harry, começando a sorrir.
— Bem, que é que você teria feito? — perguntou Fred. — Jorge soltou mais uma bomba de bosta para distrair Filch, eu abri depressa a gaveta e tirei... Isto.
— Não foi tão desonesto quanto parece, sabe — comentou Jorge.
— Calculamos que Filch nunca tivesse descoberto como usar o pergaminho.
— Mas, provavelmente suspeitou o que era ou não o teria confiscado.
— E vocês sabem como usar?
— Ah, sabemos — disse Fred, rindo. — Esta jóia nos ensinou mais do que todos os professores da escola.
— Vocês estão me gozando — disse Harry, olhando para o pedaço velho e rasgado de pergaminho.
— Ah, é? — disse Jorge.
Ele apanhou a varinha, tocou o pergaminho de leve e disse:
— “Juro solenemente que não pretendo fazer nada de bom”.
Na mesma hora, linhas de tinta muito finas começaram a se espalhar como uma teia de aranha a partir do ponto em que a varinha de Jorge tocara. Elas convergiram, se cruzaram, se abriram como um leque para os quatro cantos do pergaminho; em seguida, no alto, começaram a aflorar palavras, palavras grandes, floreadas, verdes, que diziam:
Os Srs. Aluado, Rabicho, Almofadinha e Pontas, fornecedores de recursos para bruxos malfeitores, têm a honra de apresentar “O MAPA DO MAROTO”.
Era um mapa que mostrava cada detalhe dos terrenos do castelo de Hogwarts. O mais notável, contudo, eram os pontinhos mínimos de tinta que se moviam em torno do mapa, cada um com um rótulo em letra minúscula. Pasmo, Harry se curvou para examinar melhor. Um pontinho, no canto superior esquerdo, mostrava que o Profº. Dumbledore estava andando para lá e para cá em seu escritório; a gata do zelador, Madame Nor-r-ra, rondava o segundo andar; e Pirraça, o poltergeist, naquele momento saltitava pela sala de troféus. E quando os olhos de Harry percorreram os corredores que tão bem conhecia, ele notou mais uma coisa.
O mapa mostrava um conjunto de passagens em que ele nunca entrara. E muitas pareciam levar...
— ... Diretamente a Hogsmeade — disse Fred, acompanhando uma delas com o dedo. — São sete ao todo. Até agora Filch conhece essas quatro — ele as apontou —, mas temos certeza de que somente nós conhecemos estas outras. Não se preocupe com a passagem por trás do espelho no quarto andar. Nós a usamos até o inverno passado, mas já desabou, está completamente bloqueada. E achamos que ninguém jamais usou esta porque o Salgueiro Lutador foi plantado bem em cima da entrada. Mas, esta outra aqui leva diretamente ao porão da Dedosdemel. Nós já a usamos um monte de vezes. E como você talvez tenha notado, a entrada é bem ali do lado de fora da sala, na corcunda daquela velhota de um olho só.
— Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas — suspirou Jorge, dando um tapinha no cabeçalho do mapa. — Devemos tanto a eles.
— Almas nobres, que trabalharam incansavelmente para ajudar novas gerações de transgressores — disse Fred solenemente.
— Certo — acrescentou Jorge depressa. — Não se esqueça de limpar o mapa depois de usá-lo...
— ... Senão qualquer um pode ler — recomendou Fred.
— É só bater com a varinha mais uma vez e dizer "Malfeito feito!", e o pergaminho torna a ficar branco.
— Portanto, jovem Harry — disse Fred, numa incrível imitação de Percy —, trate de se comportar.
— Vejo você na Dedosdemel — despediu-se Jorge, piscando.
Os gêmeos deixaram a sala, sorrindo satisfeitos consigo mesmos.
Harry ficou ali, contemplando o mapa milagroso. Acompanhou o pontinho de tinta Madame Nor-r-ra virar à esquerda e parar para cheirar alguma coisa no chão. Se Filch realmente não conhecia... Ele não teria que passar pelos dementadores...
Mas mesmo enquanto continuava ali, transbordante de excitação, uma coisa que ouvira, certa vez, o Sr. Weasley dizer aflorou em sua lembrança.
“Nunca confie em nada que é capaz de pensar, se você não pode ver onde fica o seu cérebro”.
O mapa era um daqueles objetos mágicos perigosos sobre os quais o Sr. Weasley o prevenira... Recursos para bruxos malfeitores... Mas então, raciocinou Harry, ele só queria usar o mapa para ir a Hogsmeade, não era que quisesse roubar alguma coisa ou atacar alguém... E Fred e Jorge já o usavam havia anos, sem que nada de terrível tivesse acontecido...
Harry acompanhou com o dedo a passagem secreta até a Dedosdemel.
Depois, subitamente, como se obedecesse a uma ordem, enrolou o mapa, guardou-o nas vestes e correu para a porta da sala de aula. Abriu-a uns dedinhos. Não havia ninguém do lado de fora. Com muito cuidado, esgueirou-se da sala até as costas da estátua da bruxa de um olho só.
Que era mesmo que devia fazer? Puxou outra vez o mapa e viu, para seu espanto, que um novo boneco de tinta aparecera no pergaminho, rotulado Harry Potter.
Estava parado exatamente no mesmo lugar que o verdadeiro Harry, mais ou menos na metade do corredor do terceiro andar. Harry observou-o atentamente. Seu pequeno eu de tinta parecia estar tocando a bruxa com uma varinha mínima. O garoto na mesma hora puxou a varinha real e deu um toque na estátua. Nada aconteceu. Ele tornou a consultar o mapa. Um balão com um texto aparecera ao lado do seu boneco. Dentro do balão havia a palavra "Dissendium”.
Dissendium! — sussurrou Harry dando uma nova batida na bruxa de pedra.
Na mesma hora, a corcunda da estátua se abriu o suficiente para admitir uma pessoa bem magra. Harry deu uma espiada rápida nos dois lados do corredor, guardou outra vez o mapa, se içou de cabeça para dentro do buraco e deu um impulso para frente.
Ele deslizou um bom pedaço, descendo o que parecia um escorrega de pedra e aterrissou na terra úmida e fria. Levantou-se, então, olhando a toda volta. Estava escuro como breu. Harry ergueu a varinha e murmurou:
Lumus! — E pôde ver que se encontrava em uma passagem muito estreita, baixa e terrosa. Ergueu, então, o mapa, tocou-o com a ponta da varinha e disse baixinho: — Malfeito feito! — O mapa ficou imediatamente branco. Ele o dobrou cuidadosamente, enfiou-o dentro das vestes, depois, o coração batendo rápido, ao mesmo tempo excitado e apreensivo, Harry começou a andar.
A passagem virava e tornava a virar, mais parecendo uma toca de coelho gigante do que qualquer outra coisa. Harry caminhou depressa por ela, tropeçando aqui e ali no chão acidentado, segurando a varinha com firmeza à sua frente.
Levou uma eternidade, mas o garoto tinha o pensamento fixo na capacidade da Dedosdemel repor suas forças. Depois do que lhe pareceu uma hora, a passagem começou a subir. Ofegante, Harry apertou o passo, o rosto quente, os pés muito gelados.
Dez minutos mais tarde, chegou ao pé de uns degraus de pedra muito gastos, que subiam a perder de vista. Tomando cuidado para não fazer barulho, Harry começou a subir. Cem degraus, duzentos degraus, perdeu a conta, olhando para os pés... Então, sem aviso, sua cabeça bateu em alguma coisa dura.
Parecia um alçapão. Harry ficou parado ali, massageando o cocuruto da cabeça, apurando os ouvidos. Não conseguia ouvir nenhum som em cima. Muito devagarinho, empurrou o alçapão e espiou pela borda.
Deparou com um porão, cheio de caixotes e caixas. Harry subiu pelo alçapão e tornou a fechá-lo.  Ele se fundiu tão perfeitamente com o soalho empoeirado que era impossível saber que estava ali. O garoto avançou lentamente até a escada de madeira que levava ao andar superior. Agora decididamente conseguia ouvir vozes, para não falar no tilintar de uma sineta e no abre e fecha de uma porta.
Pensando no que deveria fazer, Harry, de repente, ouviu uma porta se abrir muito próximo; alguém ia descer a escada.
— E traga mais uma caixa de lesmas gelatinosas, querido, eles praticamente levaram tudo... — disse uma voz feminina.
Dois pés desceram a escada. Harry pulou para trás de um enorme caixote e esperou os passos se distanciarem. Ouviu o homem deslocando caixas na parede oposta.
Talvez não tivesse outra oportunidade...
Rápida e silenciosamente, o garoto saiu abaixado do esconderijo e subiu as escadas; ao olhar para trás, viu um enorme traseiro e uma careca reluzente enfiada em uma caixa. Harry alcançou a porta no patamar da escada, escapuliu por ela e se encontrou atrás do balcão da Dedosdemel, abaixou-se, saiu quietinho de lado e por fim se levantou.
A Dedosdemel estava tão cheia de alunos de Hogwarts que ninguém olhou duas vezes para Harry. O garoto foi passando entre eles, olhando para os lados e reprimiu uma risada só de imaginar a expressão que apareceria na cara de porco do Duda se pudesse ver onde ele estava agora.
Havia prateleiras e mais prateleiras de doces com a aparência mais apetitosa que se pode imaginar. Tabletes de nugá, quadrados cor-de-rosa de sorvete de coco, caramelos cor de mel; centenas de tipos de bombons em fileiras arrumadinhas; havia uma barrica enorme de feijõezinhos de todos os sabores, Delícias gasosas — as tais bolas de sorvete de fruta que faziam levitar que Rony mencionara —, em outra parede havia os doces de "efeitos especiais": os melhores chicles de baba e bola (que enchiam a loja de bolas azulonas e se recusavam a estourar durante dias), o estranho e quebradiço fio dental de menta, minúsculos Diabinhos negros de pimenta ("sopre fogo em seus amigos!"), Ratinhos de sorvete ("ouça seus dentes baterem e rangerem!"), Sapos de creme de menta ("faça sua barriga saltar para valer!"), frágeis penas de algodão-doce e bombons explosivos.
Harry se espremeu entre os alunos do sexto ano que enchiam a loja e viu um letreiro pendurado no canto mais distante do salão (SABORES INCOMUNS). Rony e Hermione estavam bem embaixo, examinando uma bandeja de pirulitos com gosto de sangue. Harry, sorrateiramente, foi parar atrás dos dois.
— Eca, não, Harry não vai querer esses, são para vampiro, imagino — ia dizendo Hermione.
— E esses aqui? — perguntou Rony, enfiando um vidro de cachos de barata embaixo do nariz de Hermione.
— Decididamente não — disse Harry.
Rony quase deixou cair o vidro.
— Harry! — berrou Hermione. — Que é que você está fazendo aqui? Como... Foi que você...?
— Uau! — exclamou Rony, parecendo muito impressionado —, você aprendeu a aparatar!
— Claro que não aprendi. — Harry baixou a voz de modo que nenhum dos alunos de sexto ano pudesse ouvir e contou aos amigos sobre o Mapa do Maroto.
— Como é que Fred e Jorge nunca me deram esse mapa? — perguntou Rony indignado. — Eu sou irmão deles!
— Mas Harry não vai ficar com o mapa! — afirmou Hermione como se a idéia fosse ridícula. — Vai entregá-lo à Profª. Minerva, não é Harry?
— Não, não vou não! — disse Harry.
— Você é maluca? — exclamou Rony, arregalando os olhos para a garota. — Entregar uma coisa boa dessas?
— Se eu entregar, vou ter que contar onde foi que o arranjei. Filch ia saber que Fred e Jorge surrupiaram dele!
— Mas e o Sirius Black? — sibilou Hermione. — Ele poderia estar usando uma das passagens do mapa para entrar no castelo! Os professores têm que saber disso!
— Ele não pode estar entrando por uma passagem — retrucou Harry depressa. — Tem sete túneis secretos no mapa, certo? Fred e Jorge calculam que Filch conheça uns quatro. E os outros três... Um desabou, de modo que ninguém pode passar. Outro tem o Salgueiro Lutador plantado na entrada, portanto, não se pode sair. E este que eu usei para chegar aqui... Bem... É realmente difícil ver a entrada dele no porão. Então, a não ser que Black soubesse que havia uma passagem...
Harry hesitou. E se Black soubesse que havia uma passagem ali? Rony, porém, pigarreou querendo sinalizar alguma coisa e apontou para um aviso colado dentro da loja de doces.


POR ORDEM DO MINISTÉRIO DA MAGIA

Lembramos aos nossos clientes que até nova ordem, os dementadores irão patrulhar as ruas de Hogsmeade todas as noites após o pôr-do-sol. A medida visa garantir a segurança dos habitantes de Hogsmeade e será revogada quando Sirius Black for recapturado, portanto, é aconselhável que os clientes encerrem suas compras bem antes de anoitecer.
Feliz Natal.
— Estão vendo só? — falou Rony em voz baixa. — Eu gostaria de ver Black tentar entrar na Dedosdemel com dementadores pululando por todo o povoado. Em todo o caso, Hermione, os donos da Dedosdemel ouviriam se alguém arrombasse a loja, não? Eles moram no primeiro andar!
— Tá, mas... Mas... — A garota parecia estar fazendo força para encontrar outro argumento. — Olha, ainda assim Harry não devia ter vindo a Hogsmeade. Ele não tem autorização! Se alguém descobrir, ele vai ficar enrascado até as orelhas! E ainda não anoiteceu... E se Sirius Black aparecer hoje? Agora?
— Ia ter muito trabalho para encontrar Harry no meio disso aí — disse Rony indicando com a cabeça as janelas de caixilhos, pelas quais se via a nevasca rodopiando lá fora. — Vamos, Mione, é Natal. Harry merece uma folga.
Hermione mordeu o lábio, parecendo extremamente preocupada.
— Você vai me denunciar? — perguntou Harry à amiga, sorrindo.
— AI... Claro que não... Mas sinceramente, Harry...
— Viu as delícias gasosas, Harry? — perguntou Rony, puxando Harry e levando-o até a barrica em que se encontravam. — E as lesmas gelatinosas? E os picolés ácidos? Fred me deu um desses quando eu tinha sete anos, fez um furo que atravessou a minha língua. Me lembro da mamãe pegando a vassoura e baixando o pau nele. — Rony ficou mirando, pensativo, a caixa de picolés ácidos. — Você acha que Fred comeria um cacho de baratas se eu dissesse a ele que era amendoim?
Depois que Rony e Hermione pagaram por todos os doces que compraram, os três saíram da Dedosdemel para enfrentar a nevasca lá fora.
Hogsmeade parecia um cartão de Natal; as casas e lojas de telhado de colmo estavam cobertas por uma camada de neve fresca; havia coroas de azevinho nas portas e fieiras de luzes encantadas penduradas nas árvores.
Harry estremeceu; ao contrário dos amigos, ele não estava usando casaco. Os três saíram caminhando pela rua, a cabeça abaixada contra o vento, Rony e Hermione gritando por dentro dos cachecóis.
— Ali é o Correio...
— A Zonko"s fica mais adiante.
— Podíamos ir até a Casa dos Gritos...
— Vamos fazer o seguinte — sugeriu Rony com os dentes batendo —, vamos tomar uma cerveja amanteigada no Três Vassouras?
Harry estava mais do que a fim; havia um vento cortante e suas mãos estavam congelando. Então, eles atravessaram a rua e minutos depois entravam na minúscula estalagem.
A sala estava cheíssima, barulhenta, quente e enfumaçada.
Uma mulher tipo violão, com um rosto bonito, estava servindo um grupo de bruxos desordeiros no bar.
— Aquela é a Madame Rosmerta — disse Rony. — Vou pegar as bebidas, está bem? — acrescentou, corando ligeiramente.
Harry e Hermione foram até o fundo do salão, onde havia uma mesinha desocupada entre uma janela e uma bela árvore de Natal próxima à lareira. Rony voltou em cinco minutos, trazendo três canecas espumantes de cerveja amanteigada.
— Feliz Natal! — desejou ele alegremente, erguendo a caneca.
Harry bebeu com gosto. Era a coisa mais deliciosa que já provara e parecia aquecer cada pedacinho dele, de dentro para fora.
Uma brisa repentina despenteou seus cabelos. A porta do Três Vassouras tornou a se abrir. Harry olhou por cima da borda da caneca e se engasgou.
Os professores McGonagall e Flitwick tinham acabado de entrar no bar em meio a uma rajada de flocos de neve, seguidos de perto por Hagrid, que vinha absorto em uma conversa com um homem corpulento de chapéu-coco verde-limão e uma capa de risca de giz — Cornélio Fudge, Ministro da Magia.
Numa fração de segundo, Rony e Hermione, ao mesmo tempo, tinham posto as mãos na cabeça de Harry e feito o amigo escorregar do banquinho para baixo da mesa.
Pingando cerveja amanteigada e se encolhendo para sumir de vista, Harry, agarrado à caneca, espiou os pés dos professores e de Fudge caminharem até o bar, pararem e, em seguida, darem meia-volta e se dirigirem para onde ele estava.
Em algum lugar acima de sua cabeça, Hermione sussurrou:
Mobiliarbus!
A árvore de Natal ao lado da mesa se ergueu alguns centímetros do chão, flutuou de lado e desceu com um baque suave bem diante da mesa dos garotos, escondendo-os dos professores. Espiando por entre os ramos mais baixos e densos, Harry viu quatro conjuntos de pés de cadeira se afastarem da mesa bem ao lado, depois ouviu os resmungos e suspiros dos professores e do ministro ao se sentarem.
Em seguida, ele viu mais um par de pés, usando saltos altos, turquesa, cintilantes, e ouviu uma voz de mulher.
— Uma água de Gilly pequena...
— É minha — disse a voz da Profª. Minerva.
— A jarra de quentão...
— Obrigado — disse Hagrid.
— Soda com xarope de cereja, gelo e guarda-sol...
— Hummm! — exclamou o Profº. Flitwick estalando os lábios.
— Para o senhor é o rum de groselha, ministro.
— Obrigado, Rosmerta, querida — disse a voz de Fudge. — É um prazer revê-la, devo dizer. Não quer nos acompanhar? Venha se sentar conosco...
— Bem, muito obrigada, ministro.
Harry acompanhou os saltos cintilantes se afastarem e retornarem.
Seu coração batia incomodamente na garganta. Por que não lhe ocorrera que este era o último fim de semana do trimestre também para os professores? E quanto tempo eles ficariam sentados ali? Ele precisava de tempo para voltar discretamente à Dedosdemel, se quisesse estar na escola ainda aquela noite... A perna de Hermione deu uma tremida nervosa perto dele.
— Então, o que é que o traz a esse fim de mundo, ministro? — perguntou a voz de Madame Rosmerta.
Harry viu a parte de baixo do corpo de Fudge se virar na cadeira, como se verificasse se havia alguém escutando. Depois respondeu em voz baixa:
— Quem mais se não Sirius Black? Imagino que você deve ter sabido o que houve em Hogwarts no Dia das Bruxas?
— Para falar a verdade, ouvi um boato — admitiu Madame Rosmerta.
— Você contou ao bar inteiro, Hagrid? — perguntou a Profª. Minerva, exasperada.
— O senhor acha que Black continua por aqui, ministro? — perguntou Madame Rosmerta.
— Tenho certeza — respondeu Fudge laconicamente.
— O senhor sabe que os dementadores já revistaram o meu bar duas vezes? — falou Madame Rosmerta, com uma ligeira irritação na voz. — Espantaram todos os meus fregueses... Isto é muito ruim para o comércio, ministro.
— Rosmerta, querida, gosto tanto deles quanto você — disse Fudge, constrangido. — É uma precaução necessária... Infelizmente, mas veja só... Acabei de encontrar alguns. Estão furiosos com Dumbledore porque ele não os deixa entrar nos terrenos da escola.
— É claro que não — disse a Profª. Minerva, rispidamente. — Como é que vamos ensinar com aqueles horrores por todo o lado?
— Apoiado, apoiado! — exclamou o Profº. Flitwick com voz esganiçada, os pés balançando a um palmo do chão.
— Mesmo assim — disse Fudge em tom de dúvida —, eles estão aqui para proteger vocês todos de coisa muito pior... Nós todos sabemos o que Black é capaz de fazer..
— Sabem, eu ainda acho difícil acreditar — disse Madame Rosmerta pensativamente. — De todas as pessoas que passaram para o lado das trevas, Sirius Black é o último em que eu pensaria... Quero dizer, eu me lembro dele quando era garoto em Hogwarts. Se alguém tivesse me dito, então, no que ele iria se transformar, eu teria respondido que a pessoa tinha bebido quentão demais.
— Você não conhece nem metade do que ele fez Rosmerta — disse Fudge com impaciência. — A maioria nem sabe o pior.
— Pior? — exclamou Madame Rosmerta, a voz animada de curiosidade. — O senhor quer dizer pior do que matar todos aqueles coitados?
— Isso mesmo.
— Não posso acreditar. Que poderia ser pior?
— Você diz que se lembra dele em Hogwarts, Rosmerta — murmurou a Profª. Minerva. — Você se lembra quem era o melhor amigo dele?
— Claro — disse Madame Rosmerta, com uma risadinha. — Nunca se via um sem o outro, não é mesmo? O número de vezes que os dois estiveram aqui, ah, me faziam rir o tempo todo. Uma dupla incrível, Sirius Black e Tiago Potter!
Harry deixou cair a caneca com estrépito. Rony deu-lhe um pontapé.
— Exatamente — disse a Profª. Minerva. — Black e Potter líderes de uma turminha. Os dois muito inteligentes, é claro, na verdade excepcionalmente inteligentes, mas acho que nunca tivemos uma dupla de criadores de confusões igual...
— Não sei — disse Hagrid, dando uma risadinha. — Fred e Jorge Weasley seriam páreo duro para os dois.
— Poder-se-ia até pensar que Black e Potter eram irmãos!
O Profº. Flitwick entrou na conversa.
— Inseparáveis!
— Claro que eram — comentou Fudge. — Potter confiava mais em Black do que em qualquer outro amigo. Nada mudou quando os dois terminaram a escola. Black foi o padrinho quando Tiago se casou com Lílian. Depois, eles o escolheram para padrinho de Harry. O garoto nem tem idéia disso, é claro. Vocês podem imaginar como isto o atormentaria.
— Por que Black acabou se aliando a Você-Sabe-Quem? — cochichou Madame Rosmerta.
— Foi muito pior do que isso, minha querida... — Fudge baixou a voz e continuou numa espécie de sussurro grave. — Muita gente desconhece que os Potter sabiam que Você-Sabe-Quem queria pegá-los. Dumbledore, que naturalmente trabalhava sem descanso contra Você-Sabe-Quem, tinha um bom número de espiões úteis. Um deles avisou-o e ele, na mesma hora, alertou Tiago e Lílian, Dumbledore aconselhou os dois a se esconderem. Bem, é claro que não era fácil alguém se esconder de Você-Sabe-Quem.
Dumbledore sugeriu aos dois que teriam maiores chances de escapar se apelassem para o Feitiço Fidelius.
— Como é que é isso? — perguntou Madame Rosmerta, ofegando de interesse, O Profº. Flitwick pigarreou.
— Um feitiço extremamente complexo — explicou com a sua vozinha fina —, que implica esconder o segredo, por meio da magia, em uma única pessoa viva. A informação é guardada no íntimo da pessoa escolhida, ou fiel do segredo, e torna-se impossível encontrá-la, a não ser, é claro, que o fiel do segredo resolva contar a alguém. Enquanto ele se mantiver calado, Você-Sabe-Quem poderia revistar o povoado em que Lílian e Tiago viviam durante anos sem jamais encontrá-los, mesmo que ficasse com o nariz grudado na janela da sala deles!
— Então Black era o fiel do segredo dos Potter? — sussurrou Madame Rosmerta.
— Naturalmente — respondeu a Profª. Minerva. — Tiago Potter contou a Dumbledore que Black preferiria morrer a contar onde eles estavam, que Black estava pensando em se esconder também... Mesmo assim, Dumbledore continuou preocupado. Eu me lembro que ele próprio se ofereceu para ser o fiel do segredo dos Potter.
— Ele suspeitava de Black? — exclamou Madame Rosmerta.
— Ele tinha certeza de que alguém intimo dos Potter tinha mantido Você-Sabe-Quem informado dos movimentos do casal — respondeu a Profª. Minerva sombriamente.
— De fato, ele vinha suspeitando havia algum tempo de que alguém do nosso lado virara traidor e estava passando muita informação para Você-Sabe-Quem.
— Mas Tiago Potter insistiu em usar Black?
— Insistiu — disse Fudge com a voz carregada. — E então, pouco mais de uma semana depois de terem realizado o Feitiço Fidelius...
— Black traiu os Potter? — murmurou Madame Rosmerta.
— Traiu. Black estava cansado do papel de agente duplo, estava pronto a declarar abertamente o seu apoio a Você-Sabe-Quem, e parece que planejou fazer isso assim que os Potter morressem. Mas, como todos sabem,
Você-Sabe-Quem encontrou sua perdição no pequeno Harry Potter. Despojado de poderes, extremamente enfraquecido, ele fugiu. E isto deixou Black numa posição realmente muito difícil. Seu mestre caíra no exato momento em que ele, Black, mostrara quem de fato era, um traidor.  Não teve outra escolha senão fugir...
— Vira-casaca imundo e podre! — exclamou Hagrid tão alto que metade do bar se calou.
— Psiu! — fez a Profª. Minerva.
— Eu o encontrei! — rosnou Hagrid, — Devo ter sido a última pessoa que viu Black antes de ele matar toda aquela gente! Fui eu que salvei Harry da casa de Lílian e Tiago depois que o casal morreu! Tirei o garoto das ruínas, coitadinho, com um grande corte na testa, e os pais mortos... E Sirius Black aparece naquela moto voadora que ele costumava usar. Nunca me ocorreu o que ele estava fazendo ali. Eu não sabia que ele era o fiel do segredo de Lílian e Tiago. Pensei que tivesse acabado de saber da notícia do ataque de Você-Sabe-Quem e vindo ver o que era possível fazer. Estava tremendo, branco. E vocês sabem o que eu fiz? EU CONSOLEI O TRAIDOR ASSASSINO! — bradou Hagrid.
— Hagrid, por favor! — pediu a Profª. Minerva. — Fale baixo!
— Como é que eu ia saber que ele não estava abalado com a morte de Lílian e Tiago? Que estava preocupado era com Você-Sabe-Quem!
Então ele disse:
"Me dá o Harry, Hagrid. Sou o padrinho dele, vou cuidar dele”... Ah! Mas eu tinha recebido ordens de Dumbledore, e disse não, Dumbledore tinha me mandado levar Harry para a casa dos tios. Black discordou, mas no fim cedeu. Me disse, então, que eu podia pegar a moto dele para levar Harry. "Não vou precisar mais dela", falou. Eu devia ter percebido, naquela hora, que alguma coisa não estava cheirando bem. Black adorava a moto. Por que estava dando ela para mim? Por que não ia precisar mais da moto? A questão é que a moto era muito fácil de localizar. Dumbledore sabia que ele tinha sido o fiel do segredo dos Potter. Black sabia que ia ter que se mandar àquela noite, sabia que era uma questão de horas até o Ministério sair à procura dele. Mas e se eu tivesse entregado Harry a Black, hein?  Aposto como ele teria jogado o garoto no mar no meio do caminho. O filho dos melhores amigos dele! Mas quando um bruxo se alia ao lado das trevas, não tem mais nada nem ninguém que tenha importância para ele...
À história de Hagrid seguiu-se um longo silêncio. Então, Madame Rosmerta falou com uma certa satisfação.
— Mas ele não conseguiu desaparecer, não foi? O Ministério da Magia o agarrou no dia seguinte!
— Ah, se ao menos isso fosse verdade — lamentou Fudge com amargura. — Não fomos nós que o encontramos. Foi o pequeno Pedro Pettigrew, outro amigo dos Potter. Com certeza, enlouquecido de pesar e sabendo que Black fora o fiel do segredo dos Potter, Pedro foi pessoalmente atrás dele.
— Pettigrew... Aquele gordinho que sempre andava atrás dos dois em Hogwarts? — perguntou Madame Rosmerta.
— Ele venerava Black e Potter como se fossem heróis — disse a Profª. Minerva. — Não estava bem à altura deles em termos de talento. Muitas vezes fui severa demais com ele. Podem imaginar agora como me... Como me arrependo disso... — Sua voz parecia a de alguém que apanhara de repente um resfriado.
— Vamos, Minerva — consolou-a Fudge, com bondade. — Pettigrew teve uma morte de herói. Testemunhas oculares, trouxas, é claro, depois limpamos a memória deles, nos contaram como Pettigrew encurralou Black. Dizem que ele soluçava: "Lílian e Tiago, Sirius! Como é que você pôde?" Então fez menção de apanhar a varinha.  Bem, naturalmente, Black foi mais rápido. Fez Pettigrew em pedacinhos...
A Profª. Minerva assoou o nariz e disse com a voz embargada:
— Menino burro... Menino tolo... Nunca teve jeito para duelar... Deveria ter deixado isso para o ministério...
— E vou dizer uma coisa, se eu tivesse chegado ao Black antes de Pettigrew, não teria apelado para varinhas, eu teria despedaçado ele aos bocadinhos — rosnou Hagrid.
— Você não sabe o que está dizendo, Hagrid — disse Fudge com severidade. — Ninguém, a não ser bruxos de elite do Esquadrão de Execução das Leis da Magia, teria tido uma chance contra Black depois que ele foi encurralado. Na época, eu era ministro júnior no Departamento de Catástrofes Mágicas, e fui um dos primeiros a chegar à cena depois que Black liquidou aquelas pessoas, nunca vou me esquecer. Ainda sonho com o que vi, às vezes. Uma cratera no meio da rua, tão funda que rachou a tubulação de esgoto embaixo. Cadáveres por toda a parte. Trouxas berrando. E Black parado ali, dando gargalhadas, diante do que restava de Pettigrew... Um monte de vestes ensangüentadas e uns poucos, uns poucos fragmentos...
A voz de Fudge parou abruptamente. Ouviu-se o barulho de cinco narizes sendo assoados.
— Bem, aí tem você, Rosmerta — disse Fudge com a voz carregada. — Black foi levado por vinte policiais do Esquadrão de Execução das Leis da Magia e Pettigrew recebeu a Ordem de Merlim, Primeira Classe, o que acho que foi algum consolo para a coitada da mãe dele. Black tem estado preso em Azkaban desde então.
Madame Rosmerta deu um longo suspiro.
— É verdade que ele é doido, ministro?
— Eu gostaria de poder dizer que é — disse Fudge lentamente. — Acredito que é certo que a derrota do mestre o desequilibrou por algum tempo. O assassinato de Pettigrew e de todos aqueles trouxas foi trabalho de um homem desesperado e acuado, cruel... Sem sentido. Mas eu encontrei Black na última inspeção que fiz à Azkaban. Vocês sabem que a maioria dos prisioneiros lá ficam sentados no escuro resmungando; não dizem coisa com coisa... Mas fiquei chocado com a aparência normal de Black. Conversou comigo muito racionalmente. Me deixou nervoso. Deu a impressão de estar meramente entediado, perguntou se eu já tinha acabado de ler o meu jornal, com toda a tranqüilidade, disse que sentia falta das palavras cruzadas.  Fiquei realmente espantado de ver o pouco efeito que os dementadores estavam causando nele, e, vejam, ele era um dos prisioneiros mais fortemente guardados do lugar.  Dementadores à porta da cela dia e noite.
— Mas para que o senhor acha que ele fugiu? — perguntou Madame Rosmerta. — Por Deus, ministro, ele não está tentando se juntar a Você-Sabe-Quem, está?
— Eu diria que esse é o plano dele, hum, a longo prazo — disse Fudge evasivamente. — Mas temos esperança de pegar Black bem antes disso. Devo dizer que Você-Sabe-Quem sozinho e sem amigos é uma coisa... Mas se tiver de volta o seu serviçal mais dedicado, estremeço só em pensar na rapidez com que se reergueria...
Ouviu-se um leve tilintar de copo em madeira. Alguém pousara o copo.
— Sabe, Cornélio, se você vai jantar com o diretor, é melhor voltarmos para o castelo — sugeriu a Profª. Minerva.
Um por um, os pares de pés à frente de Harry retomaram o peso dos seus donos; barras de capas rodopiaram no ar e os saltos cintilantes de Madame Rosmerta desapareceram atrás do balcão do bar. A porta do Três Vassouras tornou a se abrir, deixando entrar mais uma rajada de flocos de neve e os professores desapareceram.
— Harry?
Os rostos de Rony e Hermione surgiram embaixo da mesa. Os dois o encararam, sem encontrar palavras para falar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário