domingo, 27 de março de 2011

Terra das Sombras - Capítulos 4 ao 6

Capítulo 4


Jantar na casa dos Ackerman era igualzinho a jantar em qualquer outra casa de família grande que eu co­nhecia: todo mundo falava ao mesmo tempo - menos, claro, Soneca, que só falava quando alguém lhe pergunta­va alguma coisa - e ninguém queria tirar a mesa no fim. Programei meu cérebro para telefonar no dia seguinte para a Gina e dizer que ela estava errada. Eu não conseguia ver qual era a vantagem de ter irmãos: eles comiam com a boca aberta e acabavam com todos os croquetes antes que eu conseguisse chegar perto de um único.
Depois do jantar, resolvi que seria melhor não voltar para o quarto e deixar bastante tempo para o Jesse decidir se ia cair fora com ou sem os dentes. Não sou muito fã de violência, mas infelizmente é um dos ossos do ofício no meu caso. Às vezes a única maneira de fazer alguém ouvir é com os punhos. Reconheço que não é uma técnica recomendada pelos manuais usados pela maioria dos terapeutas para fazer seus diagnósticos.
Mas eu nunca disse mesmo que era uma terapeuta...
Meu plano só tinha um problema: era noite de sábado. Com todo o estresse da mudança, eu tinha esquecido que dia era. Numa noite de sábado comum em Nova York, eu provavelmente teria saído com a Gina, tomado o metrô para Greenwich Village para ir ao cinema ou simplesmente ficado ali pela Joe's Pizza vendo gente passar. Posso ser uma garota de cidade grande, mas isto não quer dizer que a mi­nha vida lá fosse cheia de glamour. Eu nunca fui convida­da para sair com um garoto, fora aquele dia na quinta série em que o Daniel Bogue me chamou para patinar no gelo com ele enquanto tocava uma música só para casais no ringue do Rockefeller Center.
E aí eu morri de vergonha ao cair de cara no gelo.
Mas a minha mãe não podia esperar a hora em que eu adentraria a vida social de Carmel. Mal havia enchido o lava-louças, e ela começou:
- Brad, o que você vai fazer hoje à noite? Tem alguma festa ou coisa assim? Quem sabe você levava a Suze e a apre­sentava às pessoas?
Dunga, que estava preparando um shake de proteínas - aparentemente, as duas dúzias de camarões gigantes e o bife cavalar que ele comera no jantar não eram suficien­tes - respondeu:
- É mesmo, quem sabe, se o Jake não fosse trabalhar hoje à noite...
Ouvindo seu nome, Soneca se sacudiu, enfiou a cara no relógio, soltou uma praga, pegou a jaqueta e foi saindo. Mestre olhou para o relógio e fez um "tsc,tsc":
- Atrasado de novo. Se não tomar cuidado, vai ser pos­to na rua.
Mas o Soneca tinha um emprego? Era novidade para mim, e eu perguntei:
Onde ele trabalha?
Na Península Pizza.
Mestre estava fazendo alguma experiência esdrúxula com o cachorro e a bicicleta ergométrica da minha mãe. O ca­chorro, que era gigantesco - um cruzamento de São Bernardo e urso, acho eu - estava pacientemente sentado no chão enquanto Mestre prendia eletrodos em pequenas clareiras que havia aberto em sua pele, raspando o pêlo. O mais es­tranho de tudo é que ninguém parecia estar ligando, muito menos o cachorro.
- O Sone... quer dizer, o Jake está trabalhando em uma pizzaria?
Da cozinha, areando uma forma de bolo na pia, o Andy explicou:
Ele faz as entregas. Volta para casa com um monte de gorjetas.
Ele está economizando para comprar um Camaro - infor­mou Dunga, com um grosso bigode branco de shake.
Ah... - disse eu.
Se quiserem que eu os deixe em algum lugar, terei o maior prazer - ofereceu-se Andy, generosamente. - E então, Brad? Vai mostrar à Suze como andam as coisas no shopping?
- Negativo - respondeu Dunga, limpando a boca com a manga do pulôver. - O pessoal ainda não voltou do feriado em Tahoe. Talvez na semana que vem.
Eu quase desmaiei de alívio. A palavra shopping invaria­velmente me enchia de horror, horror que não tinha nada a ver com os "desmortos". Em Nova York não existem shoppings como os daqui, mas a Gina adorava pegar o trem para ir a Nova Jersey. Geralmente depois de uma hora eu ficava com os sentidos completamente transtornados e tinha de me sentar para tomar um chazinho de ervas até me acalmar.
E eu tenho de reconhecer que também não estava pro­priamente encantada com a idéia de alguém me "deixar" em algum lugar. Minha nossa, que havia de errado com aquele lugar? Dava para entender perfeitamente por que não seria uma grande idéia implantar o metrô, consideran­do-se as falhas geológicas que provocavam terremotos, mas por que não tinham criado um sistema decente de trans­porte urbano em ônibus?
- Eu sei - disse Dunga, largando seu copo vazio. - Vou pôr uns jogos de Coolboarder para você, Suze.
Eu fiquei olhando para ele:
Você o quê?
Vou jogar Coolboarder com você - repetiu Dunga, logo perguntando, diante da minha expressão, que continuava igualmente espantada: - Nunca ouviu falar de Coolboarder? Ah, fala sério...
Levou-me então até a televisão. E logo ficou claro que Coolboarder era um videogame. Cada jogador tinha uma prancha de deslizar na neve, e ficavam todos correndo uns atrás dos outros em montanhas nevadas, usando uma ala­vanca para controlar a velocidade das pranchas e fazer os movimentos mais incríveis.
Ganhei oito vezes do Dunga, até que finalmente ele disse:
- Chega disto, vamos ver um filme.
Percebendo que devia ter cometido um erro - provavel­mente devia ter deixado o pobre garoto vencer pelo menos uma vez -, eu tentei melhorar a situação oferecendo-me para fazer a pipoca, e fui para a cozinha.
Só então é que me veio aquela onda de cansaço. A defasagem entre Nova York e a Califórnia é de três horas, e em­bora ainda fossem 9 horas da noite, eu já me sentia como se fosse meia-noite. Andy e mamãe já se haviam retirado para o grande quarto principal, mas deixaram a porta bem aberta, provavelmente para ninguém pensar que estivessem fazendo algo errado. Andy estava lendo um romance de es­pionagem e mamãe estava vendo um filme de televisão.
Eu tinha certeza de que aquilo era pura encenação para a criançada; na maioria das outras noites de sábado apos­to que eles teriam fechado a porta, ou pelo menos teriam saído com os amigos de Andy ou os novos colegas de mamãe na estação de TV de Monterey onde tinha sido contratada. Era evidente que eles estavam tentando criar uma situação doméstica em que nos sentíssemos seguros. Mereciam pal­mas por estarem dando o melhor de si.
Enquanto esperava que as pipocas estourassem, eu fi­cava me perguntando o que meu pai diria de tudo aqui­lo. Ele não tinha ficado propriamente entusiasmado com a idéia de mamãe voltar a se casar, muito embora Andy seja um cara sensacional, como eu já disse. E ficara ain­da menos entusiasmado com minha transferência para a Califórnia.
Como é que eu vou me materializar para você quando estiver morando a quase 5 mil quilômetros de distância? - perguntara ele quando eu lhe contei.
A questão, pai, é que você não tem que ficar apare­cendo para mim - respondi. - Você está morto, lembra? Tem de fazer o que as pessoas mortas fazem, em vez de ficar espionando a mim e a mamãe.
Ele pareceu ficar meio magoado.
Não estou espionando - disse. - Estou apenas dando uma olhada. Para saber se você está feliz, essas coisas...
Estou sim - garanti. - Estou muito feliz, e mamãe também.
Claro que eu estava mentindo. Não sobre a mamãe, mas sobre mim. Eu tinha ficado com os nervos em frangalhos ante a perspectiva de me mudar. Mesmo agora ainda não estava realmente certa de que a coisa ia funcionar. Aquela situação com o Jesse... Quer dizer: onde é que estava o meu pai, no fim das contas? Por que não estava lá em cima dan­do um pontapé nos fundilhos daquele cara? Afinal de con­tas, Jesse era um garoto, e estava no meu quarto, e os pais supostamente detestam esse tipo de coisa...
Mas é este o problema com os fantasmas. Eles nunca aparecem quando você realmente precisa deles. Nem mes­mo quando são seu pai.
Acho que eu devo ter saído um pouco de órbita, pois quando vi, o microondas estava apitando. Tirei a pipoca e abri o pacote. Já estava jogando toda a pipoca numa grande gamela de madeira quando minha mãe entrou na cozinha e acendeu a luz do alto.
Oi, querida - disse ela, e depois olhou para mim. - Tudo bem com você, Suzinha?
Claro, mãe - respondi, levando um bocado de pipoca à boca. - O Dunga... quer dizer, Brad e eu vamos ver um filme.
Tem certeza? - insistiu ela, me olhando com curiosi­dade. - Tem certeza de que está tudo bem?
- Sim, estou bem. Só um pouco cansada. Ela pareceu aliviada.
- Tudo bem então. Eu achava mesmo que você ia sentir o cansaço da viagem. Mas... bem, é que você parecia tão es­tranha quando entrou pela primeira vez no seu quarto. Sei que a cama de dossel foi um pouco de exagero, mas não consegui resistir.
Fiquei só mastigando. Já estava totalmente acostumada a esse tipo de coisa.
A cama é perfeita, mãe - disse então. - O quarto tam­bém é um barato.
Estou tão contente - disse ela, afastando uma mecha de cabelo dos meus olhos. - Fico tão contente que você te­nha gostado, Suze.
Minha mãe parecia tão aliviada que de certa forma eu tive pena dela. Ela é uma mulher legal e não merecia uma filha mediadora. Eu sei que ela sempre se sentiu meio de­cepcionada comigo. Quando eu fiz 14 anos, ela me deu uma linha telefônica própria, achando que tantos garo­tos iam passar a me telefonar que suas amigas nunca iam conseguir falar com ela. Dá para imaginar como ficou decepcionada vendo que só a Gina telefonava para a mi­nha linha particular, e ainda assim em geral para me con­tar os encontros que ela tinha. Como já disse, os garotos do meu bairro nunca se interessaram muito em me con­vidar para sair.
Pobre mamãe. Ela sempre quis ter uma filha adolescente legal e normal. Em vez disso, foi arranjar a mim.
- Amorzinho - disse ela -, não quer se trocar? Você está com essas roupas desde seis horas da manhã, não está?
Ela fez esta pergunta no exato momento em que Mestre ia entrando para pegar mais cola para seus eletrodos - embo­ra eu não estivesse mesmo para responder algo do tipo "bom, para dizer a verdade, mamãe, gostaria mesmo de me trocar, mas não fico nada animada com a idéia de fazê-lo em frente do fantasma do caubói morto que está vivendo no meu quarto".
Em vez disso, eu dei de ombros e respondi, como quem não quer nada:
Sim, claro, vou mudar de roupa daqui a pouquinho.
Tem certeza de que não quer ajuda para desfazer as malas? Estou muito sem graça... Eu devia...
-Não, não preciso de ajuda. Vou desfazer as malas daqui a pouquinho - respondi, enquanto observava o Mestre vas­culhando uma gaveta. - Mas agora vou indo. Não quero perder o início do filme,
Claro que no fim das contas acabei perdendo o início, o meio e o fim do filme. Caí no sono no sofá e só acordei um pouco depois das 11 com o Andy sacudindo o meu ombro.
- De pé e direto para a cama, guria - disse ele. - Acho que vai ter de confessar que não agüentou a parada. Não se preocupe. O Brad não vai contar para ninguém,
Eu me levantei, meio zonza, e fui para o quarto. Fui di­reto até a janela e a escancarei. Para meu alívio, não havia nenhum Jesse no meio do caminho. Isso aí! Posso dizer que ainda dou conta do recado.
Apanhei minha nécessaire e fui para o banheiro. Tomei uma chuveirada e ali mesmo - só por garantia, pois não tinha certeza de que o Jesse entendera o recado e havia mes­mo desaparecido - botei o pijama. Quando saí do banheiro, sentia-me um pouco mais desperta. Olhei ao redor, sentin­do a brisa fresca que entrava, o ar salgado do litoral. Ao contrário do que acontecia no Brooklyn, onde nossos ou­vidos estavam sendo constantemente atacados por sirenes e alarmes de carros, ali nas colinas era muito tranqüilo, e o único som de vez em quando era o pio de uma coruja.
Para minha surpresa, eu via que estava sozinha. Sozinha de verdade. Zona livre de fantasmas. Exatamente o que eu sempre quisera.
 Caí na cama e bati palmas, para apagar as luzes. E me enfiei bem debaixo dos lençóis novinhos, que ainda pare­ciam estalar.
Logo antes de cair no sono, achei que tinha ouvido algu­ma coisa além da coruja. Parecia alguém cantando "Ó, Suzannah, não chores por mim, pois eu vim lá do Alabama tocando o meu bandolim".
Mas era só minha imaginação, tenho certeza.


Capítulo 5


A Academia Católica Junipero Serra havia sido inte­grada ao sistema oficial de ensino na década de 80, e para meu grande alívio desistira recentemente da obrigatoriedade do uniforme. Os uniformes eram azul real e branco, que não são exatamente as minhas cores favo­ritas. Felizmente, os uniformes eram tão impopulares que o colégio acabou desistindo deles, assim como acabara acei­tando meninas, e embora os alunos ainda não pudessem usar jeans, podiam vestir praticamente tudo que quisessem. O que me convinha perfeitamente, pois eu só estava inte­ressada em usar minha enorme coleção de roupas de grife, comprada em várias lojas de Nova Jersey com a ajuda de Gina como consultora de moda.
Mas o lado católico é que ia ser um problema. Não exa­tamente um problema, mais um transtorno. O negócio é que minha mãe nunca se preocupou em me educar dentro de alguma religião específica. Meu pai era judeu não-praticante e minha mãe, cristã. A religião nunca havia desem­penhado um papel importante na vida dos dois, e nem é preciso dizer que só servira para me confundir. O que es­tou querendo dizer é que qualquer um poderia imaginar que eu tivesse uma compreensão melhor da religião do que qualquer outra pessoa, mas a verdade é que eu não tenho a menor idéia do que acontece com os fantasmas que mando para onde deveriam ir depois de morrer. Só sei que depois que os mando para lá, eles não voltam. Nunca. Ponto final.
De modo que quando minha mãe e eu chegamos à admi­nistração do Colégio da Missão na segunda-feira posterior à minha chegada à ensolarada Califórnia, eu estava bastan­te incomodada com o enorme Jesus crucificado por trás da escrivaninha da secretária.
E aliás eu havia sido prevenida. Na manhã de domingo, minha mãe mostrara o colégio da janela, enquanto me aju­dava a desfazer as malas.
- Está vendo aquela grande cúpula vermelha? - per­guntou. - É a Missão. A cúpula é da capela.
Mestre estava ali por perto - eu já havia notado que ele fazia isto com muita freqüência - e começou a fazer mais uma das suas descrições detalhadas, desta vez sobre os franciscanos, membros de uma ordem religiosa católica que seguia os ensinamentos de São Francisco, oficializados em 1209. O padre Junipero Serra, um monge franciscano, era, segundo Mestre, um personagem histórico tragicamente mal interpretado. Herói polêmico da Igreja católica, a pos­sibilidade de sua santificação chegara a ser considerada em certa época, mas, segundo a explicação de Mestre, os indí­genas americanos contestaram a iniciativa, considerando-a "uma forma de aprovação das táticas de exploração da colonização espanhola. Embora se saiba que defendeu os direitos econômicos e de propriedade dos indígenas ameri­canos aculturados, Junipero Serra também militou ativamen­te contra seus direitos de ter um governo próprio e apoiou com intransigência os castigos corporais, recorrendo ao go­verno espanhol pelo direito de açoitar indígenas".
Quando Mestre acabou sua palestra, eu olhei para ele e perguntei:
- Memória fotográfica, hein? Ele ficou sem graça.
- Bom - respondeu. - É sempre bom conhecer a história do lugar onde a gente vive.
Arquivei aquilo na memória para o caso de necessidade no futuro. Mestre podia ser a pessoa indicada caso Jesse voltasse a aparecer.
Naquele momento, de pé ali no frio escritório do pré­dio antigo que Junipero Serra mandara construir para o progresso dos nativos da região, eu estava me perguntan­do quantos fantasmas encontraria. Aquele tal de Serra de­via ter um monte de indígenas fulos com ele - espe­cialmente levando-se em conta a história dos castigos corporais - e eu não tinha a menor dúvida de que ia en­contrar todos eles.
Apesar disso, quando minha mãe e eu atravessamos o grande pórtico frontal do colégio em direção ao pátio em torno do qual a Missão fora construída, não vi uma única pessoa que parecesse estar no outro mundo. Havia alguns turistas tirando fotos de uma bela fonte, um jardineiro tra­balhando ao pé de uma palmeira - pois havia palmeiras até no meu novo colégio -, um padre caminhando em atitude de silenciosa contemplação pela ventilada galeria. Era um lugar bonito e tranqüilo, especialmente considerando-se que se tratava de uma construção tão antiga, pela qual já deviam ter passado tantos mortos.
Eu não estava entendendo. Onde estavam os fantasmas?
Talvez eles tivessem medo de ficar por ali. Até eu estava meio assustada, diante daquele crucifixo. Não que eu tenha alguma coisa contra a arte religiosa, mas será que era mes­mo necessário retratar a crucificação de forma tão realista, com tantas feridas e tudo mais?
Aparentemente eu não era a única a pensar assim, pois um garoto que estava afundado num sofá em frente ao lugar onde minha mãe e eu havíamos sido instruídas a esperar percebeu que eu estava olhando naquela direção e disse:
- Dizem que ele chora lágrimas de sangue quando algu­ma garota daqui se forma ainda virgem.
Eu não consegui me impedir dar uma risadinha. Minha mãe fuzilou-me com o olhar. A secretária, uma mulher rechonchuda de meia-idade com ares de que uma coisa daque­las a ofendia profundamente, limitou-se a revirar os olhos e soltar, enfarada:
 - Oh, Adam.
Adam, um garoto bonito mais ou menos da minha idade, olhou para mim com a cara mais séria:
- É verdade - disse, em tom grave. - Aconteceu no ano passado. Minha irmã - e acrescentou, baixinho: - Ela é adotada.
Eu achei graça de novo, e minha mãe franziu a testa para mim. Na véspera, ela passara a maior parte do dia me explicando que havia sido muito, muito difícil mesmo convencer o colégio a me aceitar, sobretudo porque ela não tinha um atestado de batismo meu para apresentar. No fim das contas, eles só tinham concordado com a mi­nha matrícula por causa do Andy, pois os três filhos dele estudavam lá. Acho que um donativo bem polpudo também contribuiu para eu ser aceita, mas minha mãe nunca me falaria de uma coisa dessas. Ela só disse que era melhor eu me comportar direito e não ficar jogando nada pelas janelas - embora eu insistisse com ela em que aquele inci­dente não fora culpa minha. Eu estava lutando com um jovem fantasma particularmente violento que se recusa­va a parar de perseguir as garotas no vestiário da minha antiga escola. Atirando-o pela janela, eu certamente con­seguira que me ouvisse e que se decidisse a tomar o bom caminho para todo o sempre.
Para minha mãe, claro, eu dissera que estava pratican­do tênis no vestiário e que a raquete escapulira da minha mão - uma história nada digna de crédito, pois nunca foi encontrada nenhuma raquete.
 Eu estava relembrando esse episódio nada agradável quando se abriu uma pesada porta de madeira, entrou um padre e disse:
- Sra. Ackerman, que prazer vê-la de novo! Esta deve ser Suzannah Simon. Queiram entrar, por favor.
Ele nos conduziu ao seu gabinete, deteve-se um mo­mento e disse ao garoto que estava no sofá:
 Mas já, McTavish? Logo no primeiro dia do semestre?... Adam deu de ombros:
- Que posso dizer? A baranga me odeia.
- Por favor não chame irmã Ernestine de baranga, McTavish. Vou atendê-lo daqui a pouco, depois de con­versar com estas senhoras.
Nós entramos, e o diretor, padre Dominic, conversou um pouco conosco, perguntando se eu estava gostando da Califórnia. Respondi que estava gostando muito, especial­mente do mar. Na véspera, nós havíamos passado o dia quase todo na praia, depois que eu acabei de desfazer as malas. Eu havia encontrado meus óculos escuros e, embo­ra estivesse muito frio para entrar na água e nadar, achei o máximo ficar simplesmente estendida na areia observando as ondas. Eram gigantescas, bem maiores que em SOS Malibu, e Mestre passou a maior parte da tarde me expli­cando o porquê. Já nem me lembro da explicação, pois es­tava tão zonza por causa do sol que nem conseguia prestar atenção. Descobri que gostava da praia, do seu cheiro, das algas que vinham dar na rebentação, da sensação da areia fresca entre os dedos do pé, do gosto de sal na pele quando voltava para casa. Carmel podia não ter um Bagel Bob's, mas Manhattan certamente não tinha uma praia.
Padre Dominic manifestou o sincero desejo de que eu me desse bem com a Academia da Missão e explicou que, embora eu não fosse católica, seria bem-vinda na missa. Claro que havia dias santos obrigatórios nos quais os alunos católicos tinham de deixar a aula para ir à igreja. Eu poderia acompanhá-los ou ficar sozinha na classe, conforme quisesse.
Achei aquilo meio engraçado, não sei bem por quê, mas consegui segurar o riso. Padre Dominic era um homem velho, mas alerta, e me pareceu alinhado com sua batina preta de gola branca - nada mau para um sessentão. Ele tinha cabelos brancos e olhos muito azuis, além de unhas muito bem tratadas. Não conheço muitos padres, mas achei que aquele podia ser bem legal, sobretudo porque não pegara pesado com o garoto que chamou a freira de baranga na secretaria.
Depois de falar de todas as infrações que podiam levar à expulsão do colégio - matar muitas aulas, vender drogas no campus, o de sempre -, padre Dominic quis saber se eu tinha alguma pergunta. Respondi que não. Ele fez a mes­ma pergunta a minha mãe. Ela também não tinha. Padre Dominic então levantou-se e disse:
- Muito bem. Vou me despedir da senhora e levar Su­zannah à sua primeira aula. Está bem assim, Suzannah?
Achei meio estranho que o diretor, que provavelmente tinha muito que fazer, estivesse se dando ao trabalho de me conduzir à minha primeira aula, mas não disse nada. Simplesmente peguei meu casaco - uma capa de lã negra da Esprit, très chic (minha mãe não me deixaria usar couro no primeiro dia no colégio) - e fiquei esperando enquanto ele e minha mãe se despediam. Minha mãe se despediu de mim com um beijo e me lembrou de ir ao encontro do Soneca às três horas, pois ele estava incumbido de me levar para casa - só que ela não o chamou de Soneca, claro. Mais uma vez a vergonhosa carência de transportes públicos sig­nificava que eu tinha de ficar indo e vindo da escola em companhia de meus meios-irmãos.
Minha mãe foi embora e padre Dominic estava me con­duzindo pelo pátio depois de dizer a Adam que o esperasse.
- Sem problema, padre - respondeu Adam, olhando de soslaio para mim por trás do padre. Não é todo dia que al­gum garoto da minha idade olha para mim de soslaio. Fiquei desejando que ele estivesse na minha classe. Os sonhos da minha mãe a respeito da minha vida social talvez pudessem finalmente realizar-se.
Enquanto caminhávamos, padre Dominic ia dando algu­mas explicações sobre o prédio - ou sobre os prédios, me­lhor dizendo, pois eram muitos. Várias construções de grossas paredes de tijolo cru eram interligadas por galerias de teto baixo, no meio das quais se encontrava o belo par­que com palmeiras, uma fonte borbulhante e uma estátua de bronze do padre Serra com mulheres aos seus pés - o perfeito estereótipo das índias peles-vermelhas com seus be­bês pendurados nas costas. - Do outro lado da galeria havia bancos de pedra, para que as pessoas pudessem contemplar tranqüilamente a beleza do pátio, além das portas das salas de aula e armários com cadeado embutidos na parede. Padre Dominic explicou que um deles era meu e que ele trazia consigo o segredo para abri-lo. Perguntou então se eu que­ria guardar meu casaco.
Ao acordar na manhã de domingo, eu me surpreendera tremendo de frio na cama. Tivera de sair com dificuldade de baixo das cobertas para fechar as janelas. Vi então, com desânimo, que uma espessa névoa envolvia o vale, impe­dindo que eu descortinasse a baía. Achei que com certeza alguma terrível tempestade tropical se aproximava, mas Mestre me explicou com toda paciência que aquela névoa matinal era comum na região noroeste e que o Oceano Pacífico tinha este nome por sua relativa ausência de tem­pestades. Mestre me garantiu que até meio-dia a névoa haveria de dispersar-se, e que a tarde seria tão quente quan­to na véspera.
E ele tinha razão. Quando voltei da praia, bronzeada e feliz, meu quarto virara um forno de novo e eu escan­carei a janela - para descobrir ao acordar hoje de manhã que tinha sido devidamente fechada de novo, o que me pareceu gracinha da parte da minha mãe, cuidar de mim assim.
Pelo menos eu esperava que tivesse sido minha mãe. Pois agora, pensando bem no assunto... mas não, eu não voltara a ver Jesse desde o dia da minha chegada. Definitivamente, minha mãe é que tinha fechado a janela do meu quarto.
Seja como for, ao sair de casa para entrar no carro de minha mãe, vi que estava fazendo frio de novo, e por isto é que estava usando minha capa de lã.
Padre Dominic me informou que meu armário era o número 273 e deixou que eu mesma o encontrasse, enquan­to passeava por ali com os olhos nos caibros das galerias, onde, para sua alegria, famílias inteiras de andorinhas se abrigavam todo ano. Ele parecia gostar muito de pássaros (e na verdade de todo tipo de animais, pois uma das perguntas que me fez foi para saber como eu estava me dando com Max, o cachorro dos Ackerman) e zombava abertamente toda vez que o Andy insistia em que a madeira das galerias teria de ser substituída por causa das andorinhas e seus dejetos.
268,269,270. Estava percorrendo o corredor aberto, olhan­do os números nas portas bege dos armários. Ao contrário do que acontecia no meu colégio no Brooklyn, ali os armários não estavam pichados, amassados ou cheios de adesivos de bandas heavy metal. Parece que na Costa Oeste os estudantes se preocupam mais com o aspecto de seu colégio.
271, 272. De repente, eu parei.
Em frente ao armário 273 havia um fantasma.
E não era o Jesse. Era uma garota, vestida de forma muito parecida com a minha, só que com cabelo louro comprido, em vez de castanho, como o meu. E tinha no rosto uma expressão muito desagradável.
- Que está olhando? - perguntou-me, para em seguida dirigir-se a alguém que estava atrás de mim: - É isto que eles estão trazendo para o meu lugar?
Tenho de reconhecer que ao ouvir isto eu surtei. Mais que depressa dei meia-volta e, quando vi, estava embasba­cada diante de padre Dominic, que apertava os olhinhos para mim com curiosidade.
- Ah - disse ele, ao ver minha expressão. - Era o que eu pensava.


Capítulo 6


Desviei o olhar do padre Dominic para o fantasma da garota e voltei a olhar para ele. Finalmente, consegui balbuciar:
- O senhor consegue vê-la? Ele fez que sim.
- Sim. Quando sua mãe me falou de você e dos seus... problemas no colégio, eu desconfiei que você podia ser uma das nossas, Suzannah. Mas não tinha certeza, naturalmente, e por isto nada disse. Muito embora o nome Simon, como você deve saber, venha da palavra hebraica que quer dizer "ouvinte atento", algo que você naturalmente deve ser tam­bém, como mediadora...
Eu mal conseguia ouvi-lo. Ainda precisava me acostu­mar ao fato de finalmente ter encontrado outro mediador, depois de todos aqueles anos.
Então é por isto que não há espíritos de indígenas por aqui! - disse eu, praticamente gritando. - O senhor cuidou de­les. Minha nossa, eu estava tentando imaginar o que havia acontecido com todos eles. Esperava encontrar centenas...
Padre Dominic abaixou a cabeça modestamente e disse:
- Bem, não eram centenas, exatamente, mas quando cheguei aqui havia mesmo uma boa quantidade. Mas não era nada, no fundo. Apenas cumpri o meu dever, fazendo uso do dom celestial que recebi de Deus.
Eu fiz cara de espanto. É isto que permite conseguir es­sas coisas?, pensei.
- Mas é claro que se trata de um dom que recebemos de Deus.
Padre Dominic me olhava com aquele tipo de piedade que os fiéis sempre demonstram conosco, pobres e patéti­cas criaturas cheias de dúvidas.
De onde mais você acha que poderia vir?
Não sei. De certa forma eu sempre quis ter uma con­versa com o responsável, entende? Pois se pudesse escolher eu preferiria de longe não ter sido abençoada com este dom.
Padre Dominic pareceu surpreso:
Mas por quê, Suzannah?
Só serve para me criar problemas. O senhor tem idéia de quantas horas eu já passei em consultórios de psiquia­tras? Minha mãe está convencida de que eu sou completamente esquizofrênica.
Sim - concordou padre Dominic, pensativo. - Com­preendo que um dom milagroso como o seu possa ser considerado por uma pessoa leiga como... digamos, incomum.
Incomum? O senhor está brincando comigo?
Reconheço que aqui na missão eu posso contar com uma proteção - admitiu padre Dominic  - Nunca me ocor­reu que deve ser extremamente difícil para vocês que es tão... bem, na linha de frente, por assim dizer, sem um efe­tivo apoio eclesiástico...
Vocês? - fiz eu, levantando as sobrancelhas. - O se­nhor está dizendo que não somos só nós dois?
Ele pareceu surpreso.
Bem, eu presumi... certamente não somos só nós dois. Não é possível que sejamos os últimos. Não, não, certamente há outros.
Desculpem-me - interrompeu o fantasma, olhando-nos com sarcasmo. - Será que se importavam de me dizer o que está acontecendo? Quem é esta perua? É ela que vai tomar o meu lugar?
Ei! Veja como fala! - retruquei, fulminando-a com os olhos. - Você está na presença de um padre!...
Ela sorriu com escárnio para mim:
- É mesmo, é? E eu não sei que ele é um padre? Ele pas­sou a semana inteira tentando se livrar de mim.
Eu olhei para o padre Dominic com ar de surpresa, e ele disse, embaraçado:
Bem, é que a Heather está sendo um tanto obstinada...
Se está pensando - interferiu Heather com sua vozinha ranheta - que eu vou ficar aqui de braços cruzados deixando que você entregue o meu armário a esta perua...
- Se me chamar de vagabunda mais uma vez, coisinha, vai passar o resto da eternidade dentro deste seu armário - avisei.
Heather me olhou sem a mais leve sombra de medo.
- Perua - disse então, esticando bem a palavra.
Eu a acertei tão rápido que ela nem viu o meu punho chegando. Foi um murro tão forte que ela saiu rolando pelos armários enfileirados, fazendo mossa nas portas. Foi cair de cara lá adiante no piso de pedras, mas um segundo depois já estava de pé novamente. Eu esperava que ela revidasse, mas em vez disso Heather deu um gemido e saiu correndo pelo corredor. "Não é de nada", falei, mais para mim mesma.
Claro que ela voltaria. Eu apenas a havia assustado. Ela voltaria. Mas provavelmente quando voltasse a vê-la ela teria de adotar uma atitude ligeiramente diferente.
Livre da Heather, eu soprei as juntas dos dedos. Os fan­tasmas podem ter maxilares bem resistentes.
- Então, padre, o que estava mesmo dizendo? - perguntei. Ainda com os olhos no ponto em que Heather estivera antes, padre Dominic observou, algo secamente para um padre:
- Estão ensinando técnicas de mediação bem interes­santes hoje em dia...
- Ora - respondi -, ninguém pode me xingar assim e fi­car por isso mesmo. Não ligo nem um pouco para o quan­to pode ter sofrido na vida anterior.
- Acho que precisamos conversar sobre certas coisas - disse padre Dominic, pensativo.
Levou então um dedo aos lábios. Uma porta abriu-se ao lado e um homem corpulento, o rosto coberto por uma bar­ba cerrada, olhou na direção da galeria, pois tinha ouvido o impacto do corpo astral de Heather nos armários de me­tal - engraçado como os mortos podem ser pesados.
Está tudo bem, Dom? - perguntou, ao ver padre Do­minic.
Tudo bem, Carl. Tudo certo. E veja o que eu trouxe para você - respondeu padre Dominic, pondo a mão no meu ombro. - Sua nova aluna, Suzannah Simon. Suzannah, este é o seu professor, Carl Walden.
Eu estendi a mão com que acabara de esmurrar Heather:
- Como vai, sr. Walden?
- Vou bem, srta. Simon, muito bem.
Minha mão desapareceu dentro da manopla do profes­sor Walden. Ele não parecia muito um professor. Parecia mais um lenhador. Precisou até se apertar contra a parede para permitir que eu me esgueirasse para dentro da sala de aula.
Que bom que você vai ficar conosco - disse ele com seu vozeirão ressonante. - Obrigado por acompanhá-la, Dom.
Não há de quê - respondeu padre Dominic. - Tivemos aqui um pequeno problema com o armário dela. Você provavelmente ouviu. Não quis atrapalhá-lo. Vou pedir que o zelador dê uma olhada. Depois, Suzannah, espero-a de volta no meu gabinete às três horas para... para acabar de preencher aqueles formulários. Eu sorri carinhosamente para ele:
- Não vai ser possível, padre. Minha carona sai às três... Padre Dominic fechou a cara para mim:
- Neste caso, Vou mandar um passe para você. Por vol­ta de duas horas.
- OK - respondi, dando té-loguinho com os dedos para ele. - Tchau.
Tenho a impressão de que na Costa Oeste não se dá té-loguinho para o diretor nem se diz tchau para ele, pois quando me virei na direção dos meus novos colegas de tur­ma, estavam todos me olhando de boca aberta.
Talvez fosse a minha roupa. Eu estava usando um pouco mais de preto que de costume, por causa da tensão nervosa. Quando estiver em dúvida, costumo dizer, use preto. Com o preto nunca tem erro.
Ou talvez tenha. Pois ao dar com todas aquelas caras de espanto não vi uma única roupa preta. Muito branco, al­guns marrons e uma quantidade de cáquis, mas nenhum preto.
Gulp...
O professor Walden não pareceu perceber o meu mal-estar. Apresentou-me à turma e me convidou a explicar-lhes de onde vinha. Foi o que eu fiz, e todo mundo ficou me olhando com cara de tacho. Comecei a sentir um suorzinho escorrendo pela nuca. Tenho de reconhecer que às vezes prefiro a companhia dos mortos à companhia dos colegas. Gente de 16 anos pode ser mesmo assustadora.
Mas o professor era um bom sujeito. Só me deixou ali debaixo daqueles olhares todos durante um minuto, depois mandou-me sentar.
Parece algo simples, certo? Simplesmente tome o seu lu­gar. Mas o problema é que havia dois assentos. Um deles era ao lado de uma garota bronzeada linda, com uma es­pessa e encaracolada cabeleira de um louro queimado. O outro ficava bem lá no fundo, atrás de uma garota de ca­belo tão branco e pele tão cor-de-rosa que só podia ser albina.
Isto mesmo, não estou brincando. Uma albina.
Minha decisão foi influenciada por dois fatores. O pri­meiro foi que, ao ver o assento lá no fundo, percebi que as janelas, que ficavam logo atrás dele, davam para o esta­cionamento do colégio.
Tudo bem, não chegava a ser uma vista maravilhosa, mas depois do estacionamento tinha o mar.
Não estou brincando. Aquele colégio, meu novo colé­gio, tinha uma vista do Pacífico ainda melhor que a do meu quarto, pois ficava muito mais perto da praia. Das janelas da minha sala de aula era possível ver perfeitamente as on­das. Eu queria me sentar o mais perto possível da janela.
O segundo motivo para me sentar ali era simples: não queria ficar do lado da garota bronzeada e fazer a garota albina pensar que não queria ficar perto de alguém com aparência tão esquisita... Bobagem, não é mesmo? Como se ela estivesse dando alguma importância para o que eu fazia. Mas eu nem hesitei. Vi o mar, vi a garota albina e lá fui eu.
Assim que me sentei, claro, uma outra garota deu uma risadinha e sussurrou baixinho, mas de forma perfeitamente audível:
- Caramba, foi sentar logo perto da esquisita!...
Eu olhei para ela. Tinha uma cabeleira impecável e olhos impecavelmente pintados. E disse, sem me preocupar em falar baixinho:
- Desculpe, você sofre de Tourette?
O professor voltara-se para escrever alguma coisa no quadro-negro mas se deteve ao ouvir minha voz. Todos se voltaram em minha direção, inclusive a garota que tinha feito o comentário.
O quê? - fez ela, apertando os olhos.
 Síndrome de Tourette - continuei. - É uma doença neu­rológica que faz as pessoas dizerem coisas que não querem dizer. Você tem isso?
O rosto da guria começara a ficar vermelho: -Não.
Ah!... Então estava mesmo sendo grosseira de pro­pósito...
Eu não estava chamando você de esquisita - justificou-se ela rapidamente.
Sei perfeitamente - prossegui. - Por isto é que depois da aula vou quebrar apenas um dedo seu, e não todos eles.
Ela se virou rapidinho para a frente. E eu sentei no meu lugar. Não sei o que todo mundo começou a cochichar de­pois disso, mas pude ver que a cabeça da albina - perfeita­mente visível por baixo do branco dos seus cabelos - tornara-se roxa, tão sem graça ela havia ficado. O professor teve que mandar que todos se comportassem, e como foi ignorado deu um murro na mesa e foi avisando que se tínhamos tan­ta coisa a dizer, poderíamos dizer numa redação de mil palavras sobre a batalha de Bladensburgo na guerra de 1812, espaço duplo, na mesa dele amanhã cedinho.
Puxa vida. Ainda bem que eu não estava no colégio para fazer amigos.

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