sexta-feira, 18 de março de 2011

Crepúsculo - Capítulos 1 ao 3

1. À PRIMEIRA VISTA 
Minha mãe me levou ao aeroporto com as janelas do carro abertas. Fazia 24 graus em Phoenix, o céu de um azul perfeito e sem nuvens. Eu estava com minha blusa preferida – sem mangas, de renda branca com ilhoses; eu a vesti como um gesto de despedida. Minha bagagem de mão era uma parca. Na península Olympic, do noroeste do estado de Washington, há uma cidadezinha chamada Forks, quase constantemente debaixo de uma cobertura de nuvens. Chove mais nessa cidade insignificante do que em qualquer outro lugar dos Estados Unidos. Foi desse lugar e de suas sombras melancólicas e onipresentes que minha mãe fugiu comigo quando eu tinha apenas alguns meses de idade. Nessa cidade eu fui obrigada a passar um mês a cada verão até ter 14 anos. Foi então que finalmente bati o pé. Nos últimos três verões, meu pai, Charlie, passou duas semanas de férias comigo na Califórnia. Era em Forks que agora eu me exilava – uma atitude que assumi com muito pavor. Eu detestava Forks. Eu adorava Phoenix. Adorava o sol e o calor intenso. Adorava a cidade vigorosa e esparramada. – Bella – disse minha mãe, pela centésima vez, antes de eu entrar no avião –, você não precisa fazer isso. Minha mãe é parecida comigo, a não ser pelo cabelo curto e as rugas de expressão. Senti um espasmo de pânico ao fitar seus olhos arregalados e infantis. Como eu podia deixar que minha mãe amorosa, instável e descuidada se virasse sozinha? É claro que ela agora tinha o Phil, então as contas provavelmente seriam pagas, haveria comida na geladeira, gasolina no carro e alguém para chamar quando ela se perdesse, mas mesmo assim… – Eu quero ir – menti. Sempre menti mal, mas ultimamente ando contando essa mentira com tanta frequência que agora parecia quase convincente. – Diga a Charlie que mandei lembranças. – Vou dizer. – Verei você em breve – insistiu ela. – Pode vir para casa quando quiser… Eu volto assim que você precisar de mim.
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Mas eu podia ver, nos olhos dela, o sacrifício por trás da promessa. – Não se preocupe comigo – insisti. – Vai ser ótimo. Eu te amo, mãe. Ela me abraçou com força por um minuto e depois entrei no avião, e ela se foi. De Phoenix a Seattle são quatro horas de vôo, outra hora em um pequeno avião até Port Angeles, depois uma hora de carro até Forks. Voar não me incomodava; a hora no carro com Charlie, porém, era meio preocupante. Charlie foi realmente gentil com tudo aquilo. Parecia realmente satisfeito que eu, pela primeira vez, fosse morar com ele por um período mais longo. Já me matriculara na escola e ia me ajudar a comprar um carro. Mas sem dúvida seria estranho com Charlie. Não éramos o que se chamaria de falantes, e eu não sabia se havia alguma coisa para dizer. Sabia que ele estava bastante confuso com minha decisão – como minha mãe antes de mim, eu não escondia o fato de detestar Forks. Quando pousamos em Port Angeles, estava chovendo. Não vi isso como um presságio – era apenas inevitável. Eu já tinha dado adeus ao sol. Charlie me aguardava na radiopatrulha. Eu também esperava por isso. Charlie é o chefe de polícia Swan para o bom povo de Forks. Minha principal motivação por trás da compra de um carro, apesar da verba escassa, era que me recusava a circular pela cidade em um carro com luzes vermelhas e azuis no teto. Nada deixa o trânsito mais lento do que um policial. Charlie me deu um abraço desajeitado com um braço só quando eu cambaleei para fora do avião. – E bom ver você, Bells – disse ele, sorrindo enquanto automaticamente me segurava e me firmava. – Você não mudou muito. Como está a Renée? – A mamãe está bem. É bom ver você também, pai. – Eu não tinha permissão para chamá-lo de Charlie na frente dele. Eu tinha só algumas malas. A maior parte das minhas roupas do Arizona era leve demais para Washington. Minha mãe e eu havíamos juntado nossos recursos para complementar meu guarda-roupa de inverno, mas ainda assim era reduzido. Coube tudo muito bem na mala da viatura. – Achei um bom carro para você, baratinho – anunciou ele quando estávamos afivelando o cinto.
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– Que tipo de carro? – Fiquei desconfiada do modo como ele disse "um bom carro para você" em vez de simplesmente "um bom carro". – Bom, na verdade é uma picape, um Chevy. – Onde o achou? – Lembra do Billy Jack, de La Push? – La Push é a pequena reserva indígena no litoral. – Não. – Ele costumava pescar com a gente no verão – incentivou Charlie. Isso explicava por que eu não me lembrava dele. Eu era bastante competente em bloquear da minha memória coisas dolorosas e desnecessárias. – Ele agora está numa cadeira de rodas – continuou Charlie quando eu não respondi –, não pode mais dirigir, e ofereceu a picape por um preço baixo. – De que ano é? – Eu podia ver, pela mudança em sua expressão, que esta era a pergunta que ele esperava que eu não fizesse. – Bom, o Billy trabalhou muito no motor… Na realidade só tem alguns anos. Eu esperava que ele não me subestimasse a ponto de acreditar que eu desistiria com tanta facilidade. – Quando foi que ele comprou? – Comprou em 1984, eu acho. – Ele a comprou nova? – Bom, não. Acho que era nova no início dos anos 60… Ou final dos anos 50, no máximo – admitiu ele timidamente. – Ih… Pai, eu não entendo nada de carros. Não conseguiria consertar se alguma coisa desse errado, e não posso pagar um mecânico… – Na verdade, Bella, o troço funciona muito bem. Não fazem mais carros assim. O troço, pensei comigo mesma… Era possível – como apelido, na melhor das hipóteses. – E barata barata mesmo? – Afinal, essa era a parte em que eu não poderia contemporizar. – Bom, querida, já está quase comprado para você. Como um presente de boas-vindas. – Charlie me olhou de lado com uma expressão esperançosa. Caramba. De graça.
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– Não precisava fazer isso, pai. Eu mesma ia comprar um carro. – Tudo bem. Quero que seja feliz aqui. – Ele estava olhando para a estrada à frente ao dizer isso. Charlie não ficava à vontade quando se tratava de externar as emoções em voz alta. Herdei isso dele. Então fiquei olhando para a frente quando respondi. – Foi muito gentil de sua parte, pai. Eu agradeço muito. – Não era necessário acrescentar que, para mim, era impossível ser feliz em Forks. Ele não precisava sofrer junto comigo. E picape dada não se olham os dentes – nem o motor. – Não foi nada – murmurou ele, constrangido com minha gratidão. Trocamos mais alguns comentários sobre o clima, que estava úmido, e a maior parte da conversa não passou disso. Ficamos olhando pela janela em silêncio. Era lindo, é claro; eu não podia negar isso. Tudo era verde: as árvores, os troncos cobertos de musgo, os galhos que pendiam das copas, a terra coberta de samambaias. Até o ar filtrava o verde das folhas. Era verde demais – um planeta alienígena. Por fim chegamos à casa de Charlie. Ele ainda morava na casinha de dois quartos que comprara com minha mãe nos primeiros tempos de seu casamento. Aqueles foram os únicos tempos que o casamento teve – os primeiros. Ali, estacionada na rua na frente da casa que nunca mudava, estava minha nova – bom, nova para mim – picape. Era de um vermelho desbotado, com pára-lamas grandes e arredondados e uma cabine bulbosa. Para minha grande surpresa, eu adorei. Não sabia se ia funcionar, mas podia me ver nela. Além disso, era um daqueles negócios sólidos que não quebram nunca – do tipo que se vê na cena de um acidente, a pintura sem um arranhão, cercado pelas peças do carro importado que foi destruído. – Caramba, pai, adorei! Obrigada! – Agora meu pavoroso dia de amanhã seria bem menos terrível. Não teria que decidir entre andar três quilômetros na chuva até a escola e aceitar uma carona na radiopatrulha do chefe. – Que bom que você gostou – disse Charlie rudemente, de novo sem graça.
Apenas uma viagem foi necessária para levar minhas coisas para cima. Fiquei com o quarto do lado oeste, que dava para o jardim da frente. O quarto era familiar; me pertencia desde que nasci. O piso de madeira, as paredes azul-claras, o teto pontiagudo, as cortinas de renda amarelas na
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janela – tudo isso fazia parte da minha infância. As únicas mudanças que Charlie fizera foram trocar o berço por uma cama e acrescentar uma escrivaninha, à medida que eu crescia. A mesa agora tinha um computador de segunda mão, com a linha telefônica para o modem grampeada pelo chão até a tomada de telefone mais próxima. Isso fora estipulado por minha mãe, assim poderíamos manter contato facilmente. A cadeira de balanço de meus tempos de bebê ainda estava no canto. Só havia um banheiro pequeno no segundo andar, que eu teria que dividir com Charlie. Estava tentando não pensar muito nisso. Uma das melhores coisas em Charlie é que ele não fica rondando a gente. Deixou-me sozinha para desfazer as malas e me acomodar, uma proeza que teria sido completamente impossível para minha mãe. Era legal ficar sozinha, sem ter que sorrir e parecer satisfeita; um alívio olhar desanimadamente pela janela para a chuva entristecendo tudo e deixar algumas lágrimas escaparem. Eu não estava com vontade de ter um acesso de choro. Ia economizar para a hora de dormir, quando teria que pensar na manhã seguinte. A Forks High School tinha um total assustador de apenas 357 – agora 358 – alunos; em Phoenix, havia mais de setecentas pessoas só do meu ano. Toda as crianças daqui foram criadas juntas – seus avós engatinharam juntos. Eu seria a garota nova da cidade grande, uma curiosidade, uma aberração. Talvez, se eu parecesse uma verdadeira garota de Phoenix, pudesse tirar proveito disso. Mas, fisicamente, nunca me encaixei em lugar nenhum. Eu devia ser bronzeada, atlética, loura – uma jogadora de vôlei ou uma líder de torcida, talvez –, todas as coisas compatíveis com quem mora no vale do sol. Em vez disso, apesar do sol constante, eu tinha uma pele de marfim. E não tinha os olhos azuis ou o cabelo ruivo que poderiam me servir de desculpa. Sempre fui magra, mas meio mole, e obviamente não era uma atleta; não tinha a coordenação necessária entre mãos e olhos para praticar esportes sem me humilhar – e sem machucar a mim mesma e a qualquer pessoa que se aproximasse demais.
Quando terminei de guardar minhas roupas na antiga cômoda de pinho, peguei minha nécessaire e fui ao único banheiro para me lavar depois do dia de viagem. Olhei meu rosto no espelho enquanto escovava o cabelo úmido e embaraçado. Talvez fosse a luz, mas eu já parecia mais
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pálida, doentia. Minha pele podia ser bonita – era muito clara, quase translúcida –, mas tudo dependia da cor. Não tinha cor nenhuma ali. Ao ver meu reflexo pálido no espelho, fui obrigada a admitir que estava mentindo para mim mesma. Não era só fisicamente que eu não me adaptava. E quais seriam minhas chances aqui, se eu não conseguisse achar um nicho em uma escola com trezentas pessoas? Eu não me relaciono bem com as pessoas da minha idade. Talvez a verdade seja que eu não me relaciono bem com as pessoas, e ponto final. Até a minha mãe, de quem eu era mais próxima do que de qualquer outra pessoa do planeta, nunca esteve em sintonia comigo, nunca esteve exatamente na mesma página. Às vezes eu me perguntava se via as mesmas coisas que o resto do mundo. Talvez houvesse um problema no meu cérebro. Mas não importava a causa. Só o que importava era o efeito. E amanhã seria só o começo. Não dormi bem naquela noite, mesmo depois de chorar. Ao fundo o ruído constante da chuva e do vento no telhado não desaparecia. Puxei o velho cobertor xadrez sobre a cabeça e mais tarde coloquei também o travesseiro. Mas só consegui dormir depois da meia-noite, quando a chuva finalmente se aquietou num chuvisco mais silencioso. Só o que eu conseguia ver pela minha janela de manhã era uma neblina densa, e podia sentir a claustrofobia rastejando em minha direção. Jamais se podia ver o céu aqui; parecia uma gaiola.
O café-da-manhã com Charlie foi um evento silencioso. Ele me desejou boa sorte na escola. Agradeci, sabendo que suas esperanças eram vãs. A boa sorte geralmente me evitava. Charlie saiu primeiro para a delegacia, que era sua esposa e sua família. Depois que ele partiu, fiquei sentada à velha mesa quadrada de carvalho, em uma das três cadeiras que não combinavam, e examinei a pequena cozinha, com as paredes escuras revestidas de madeira, armários de um amarelo vivo e piso de linóleo branco. Nada havia mudado. Minha mãe tinha pintado os armários dezoito anos atrás numa tentativa de colocar algum raio de sol na casa. Acima da pequena lareira na minúscula sala adjacente, havia uma fileira de fotos. Primeiro, uma foto do casamento de Charlie e minha mãe em Las Vegas; depois, uma de nós três no hospital em que nasci, tirada por uma enfermeira prestativa, seguida pela procissão das minhas fotos de escola até o ano passado. Era constrangedor olhar aquilo – eu teria de pensar no
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que poderia fazer para que Charlie as colocasse em outro lugar, pelo menos enquanto eu morasse aqui. Era impossível não perceber que Charlie jamais superou a perda da minha mãe ao ficar nesta casa. Isso me deixou pouco à vontade. Não queria chegar cedo demais na escola, mas não conseguia mais ficar ali. Vesti meu casaco – que era meio parecido com um traje de biossegurança – e saí para a chuva. Ainda estava chuviscando, não o suficiente para me ensopar enquanto peguei a chave da casa, sempre escondida debaixo do beiral, e tranquei a porta. O chapinhar das minhas novas botas impermeáveis era enervante. Senti falta do habitual esmagar de cascalho enquanto andava. Não podia parar e admirar minha picape novamente, como eu queria; estava com pressa para sair da umidade nevoenta que envolvia minha cabeça e grudava em meu cabelo por baixo do capuz. Dentro da picape estava agradável e seco. Billy, ou Charlie, obviamente tinha feito uma limpeza, mas os bancos com estofado caramelo ainda cheiravam levemente a tabaco, gasolina e hortelã. Para meu alívio o motor pegou rapidamente, mas era barulhento, rugindo para a vida e depois rodando em um volume alto. Bom, uma picape dessa idade teria suas falhas. O rádio antigo funcionava, um bônus que eu não esperava. Não foi difícil encontrar a escola, embora eu nunca tivesse ido lá. Como a maioria das outras coisas, ficava perto da rodovia. Não parecia uma escola – o que me fez parar foi a placa, que dizia ser a Forks High School. Era um conjunto de casas iguais, construídas com tijolos marrons. Havia tantas árvores e arbustos que no início não consegui calcular seu tamanho. Onde estava o espírito da instituição?, perguntei-me com nostalgia. Onde estavam as cercas de tela, os detetores de metal? Estacionei na frente do primeiro prédio, que tinha uma plaquinha acima da porta dizendo SECRETARIA. Ninguém mais havia estacionado ali, então eu certamente estava em local proibido, mas decidi me informar lá dentro em vez de ficar dando voltas na chuva feito uma idiota. Saí sem vontade nenhuma da cabine da picape enferrujada e andei por um pequeno caminho de pedra ladeado por uma cerca viva escura. Respirei fundo antes de abrir a porta.
Lá dentro o ambiente era bem iluminado e mais quente do que eu imaginava. O escritório era pequeno; uma salinha de espera com cadeiras dobráveis acolchoadas, carpete laranja manchado, recados e prêmios
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atravancando as paredes, um relógio grande tiquetaqueando alto. Havia plantas em toda parte em vasos grandes de plástico, como se não houvesse verde suficiente do lado de fora. A sala era dividida ao meio por um balcão comprido, abarrotado de cestos de arame cheios de papéis e folhetos de cores vivas colados na frente. Havia três mesas atrás do balcão, uma delas ocupada por uma ruiva grandalhona de óculos. Ela vestia uma camiseta roxa que de imediato fez com que eu me sentisse produzida demais. A ruiva olhou para mim. – Posso ajudá-la? – Meu nome é Isabella Swan – informei-lhe, e logo vi a atenção iluminar seus olhos. Eu era esperada, um assunto de fofoca, sem dúvida. A filha da ex-mulher leviana do chefe de polícia finalmente voltara para casa. – É claro – disse ela. E cavocou uma pilha instável de documentos na mesa até encontrar o que procurava. – Seu horário está bem aqui, e há um mapa da escola. – Ela trouxe várias folhas ao balcão para me mostrar. Ela indicou minhas salas de aula, destacando a melhor rota para cada uma delas no mapa, e me deu uma caderneta que cada professor teria que assinar e que eu traria de volta no final do dia. Ela sorriu para mim e me desejou, como Charlie, que eu gostasse daqui de Forks. Sorri também, da maneira mais convincente que pude. Quando voltei à picape, outros alunos começavam a chegar. Dirigi pela escola, seguindo o trânsito. Fiquei feliz em ver que os carros, em sua maioria, eram mais velhos que o meu, nada chamativo. Em Phoenix, eu morava em um dos poucos bairros de baixa renda incluídos no distrito de Paradise Valley. Era comum ver um Mercedes ou um Porsche novo no estacionamento dos alunos. O carro mais legal aqui era um Volvo reluzente, e este se destacava. Ainda assim, desliguei o motor logo que cheguei a uma vaga para que o barulho estrondoso não chamasse a atenção para mim. Olhei o mapa na picape, tentando agora memorizá-lo; esperava não ter que andar com ele diante do nariz o dia todo. Enfiei tudo na bolsa, passei a alça no ombro e respirei bem fundo. Eu vou conseguir, menti para mim mesma debilmente. Ninguém ia me morder. Por fim soltei o ar e saí da picape. Mantive a cara escondida pelo capuz ao andar para a calçada, apinhada de adolescentes. Meu casaco preto e simples não chamava a atenção, como percebi com alívio.
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Depois de chegar ao refeitório, foi fácil localizar o prédio três. Um grande "3" estava pintado em preto num quadrado branco no canto leste. Senti aos poucos que começava a ofegar à medida que me aproximava da entrada. Tentei prender a respiração enquanto seguia duas capas de chuva unissex pela porta. A sala de aula era pequena. As pessoas na minha frente pararam junto à porta para pendurar os casacos em uma longa fileira de ganchos. Imitei-as. Havia duas meninas, uma loura com a pele cor de porcelana, a outra igualmente pálida, com cabelo castanho-claro. Pelo menos minha pele não se destacaria aqui. Entreguei a caderneta ao professor, um careca alto cuja mesa tinha uma placa identificando-o pelo nome, "Sr. Mason". Ele me encarou surpreso quando viu meu nome – não foi uma reação que me encorajasse – e é claro que fiquei vermelha como um tomate. Mas pelo menos ele me mandou sentar numa carteira vazia no fundo da sala, sem me apresentar à turma. Era mais difícil para meus novos colegas me encarar lá atrás, mas de algum jeito eles conseguiram. Mantive os olhos baixos na bibliografia que o professor me dera. Era bem básica: Brontë, Shakespeare, Chaucer, Faulkner. Eu já lera tudo. Isso era reconfortante… e entediante. Imaginei se minha mãe me mandaria minha pasta com os trabalhos antigos, ou se ela pensaria que isso era trapaça. Tive várias discussões com ela em minha cabeça enquanto o professor falava monotonamente. Quando tocou o sinal, uma buzina anasalada, um garoto magricela com problemas de pele e cabelo preto feito uma mancha de óleo se inclinou para falar comigo. – Você é Isabella Swan, não é? – Ele parecia direitinho o tipo prestativo de clube de xadrez. – Bella – corrigi. Todo mundo num raio de três carteiras se virou para me olhar. – Qual é a sua próxima aula? – perguntou ele. Tive que olhar na minha bolsa. – Hmmm, educação cívica, com Jefferson, no prédio seis. Para onde quer que eu me virasse, encontrava olhos curiosos. – Vou para o prédio quatro, posso mostrar o caminho… – Sem dúvida, superprestativo. – Meu nome é Eric – acrescentou ele. Eu sorri, insegura. – Obrigada.
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Pegamos nossos casacos e fomos para a chuva, que tinha aumentado. Eu podia jurar que várias pessoas atrás de nós se aproximavam o bastante para ouvir o que dizíamos. Esperava não estar ficando paranóica. – E aí, isto é bem diferente de Phoenix, não é? – perguntou ele. – Muito. – Não chove muito lá, não é? – Três ou quatro vezes por ano. – Puxa, como deve ser isso? – maravilhou-se ele. – Ensolarado – eu lhe disse. – Você não é muito bronzeada. – Minha mãe é meio albina. Voltamos pelo refeitório até os prédios do sul, perto do ginásio. Eric me levou à porta, embora tivesse uma placa bem evidente. – Então, boa sorte – disse ele enquanto eu pegava a maçaneta. – Talvez a gente tenha mais alguma aula juntos. – Ele parecia ter esperanças. Sorri vagamente para ele e entrei. O resto da manhã se passou do mesmo jeito. Meu professor de trigonometria, o Sr. Varner, que de qualquer forma eu teria odiado por causa da matéria que ensinava, foi o único que me fez parar diante da turma para me apresentar. Eu gaguejei, corei e tropecei em minhas próprias botas ao seguir para a minha carteira. Depois de duas aulas, comecei a reconhecer várias rostos em cada turma. Sempre havia alguém mais corajoso do que os outros, que se apresentava e me perguntava se eu estava gostando de Forks. Tentei ser diplomática, mas na maioria das vezes apenas menti. Pelo menos não precisei do mapa. Uma menina se sentou ao meu lado nas aulas de trigonometria e espanhol e me acompanhou até o refeitório na hora do almoço. Era baixinha, vários centímetros menor do que meu metro e sessenta e três, mas o cabelo escuro, rebelde e cacheado compensava grande parte da diferença entre nossas alturas. Não conseguia me lembrar do nome dela, então eu sorria e assentia enquanto ela tagarelava sobre professores e aulas. Não tentei acompanhá-la.
Sentamos à ponta de uma mesa cheia de vários de seus amigos, que ela me apresentou. Esqueci o nome de todos assim que ela os pronunciou.
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Eles pareceram impressionados com sua coragem de falar comigo. O menino da aula de inglês, Eric, acenou para mim do outro lado do salão. Foi ali, sentada no refeitório, tentando conversar com sete estranhos curiosos, que eu os vi pela primeira vez. Estavam sentados no canto do refeitório, à maior distância possível de onde eu me encontrava no salão comprido. Eram cinco. Não estavam conversando e não comiam, embora cada um deles tivesse uma bandeja cheia e intocada diante de si. Não me encaravam, ao contrário da maioria dos outros alunos, por isso era seguro observá-los sem temer encontrar um par de olhos excessivamente interessados. Mas não foi nada disso que atraiu e prendeu minha atenção. Eles não eram nada parecidos. Dos três meninos, um era grandalhão – musculoso como um halterofilista inveterado, com cabelo escuro e crespo. Outro era mais alto, mais magro, mas ainda assim musculoso, e tinha cabelo louro cor de mel. O último era esguio, menos forte, com um cabelo desalinhado cor de bronze. Era mais juvenil do que os outros, que pareciam poder estar na faculdade ou até ser professores daqui, em vez de alunos. As meninas eram o contrário. A alta era escultural. Linda, do tipo que se via na capa da edição de trajes de banho da Sports lllustrated, do tipo que fazia toda garota perto dela sentir um golpe na auto-estima só por estar no mesmo ambiente. O cabelo era dourado, caindo delicadamente em ondas até o meio das costas. A menina baixa parecia uma fada, extremamente magra, com feições miúdas. O cabelo era de um preto intenso, curto, picotado e desfiado para todas as direções. E, no entanto, todos eram de alguma forma parecidos. Cada um deles era pálido como giz, os alunos mais brancos que viviam nesta cidade sem sol. Mais brancos do que eu, a albina. Todos tinham olhos muito escuros, apesar da variação de cor dos cabelos. Também tinham olheiras – arroxeadas, em tons de hematoma. Como se tivessem passado uma noite insone, ou estivessem se recuperando de um nariz quebrado. Mas os narizes, todos os seus traços, eram retos, perfeitos, angulosos. Mas não era por nada disso que eu não conseguia desgrudar os olhos deles.
Fiquei olhando porque seus rostos, tão diferentes, tão parecidos, eram completa, arrasadora e inumanamente lindos. Eram rostos que não se
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esperava ver a não ser talvez nas páginas reluzentes de uma revista de moda. Ou pintados por um antigo mestre como a face de um anjo. Era difícil decidir quem era o mais bonito – talvez a loura perfeita, ou o garoto de cabelo cor de bronze. Todos pareciam distantes – distantes de cada um ali, distantes dos outros alunos, distantes de qualquer coisa em particular, pelo que eu podia notar. Enquanto eu observava, a garota baixinha se levantou com a bandeja – o refrigerante fechado, a maçã sem uma dentada – e se afastou com passos longos, rápidos e graciosos apropriados para uma pista de decolagem. Fiquei olhando, surpresa com seus passos de dança, até que ela largou a bandeja no lixo e seguiu para a porta dos fundos, mais rápido do que eu teria pensado ser possível. Meus olhos dispararam de volta aos outros, que ficaram sentados, impassíveis. – Quem são eles? – perguntei à garota da minha turma de espanhol, cujo nome eu esquecera. Enquanto ela olhava para ver do que eu estava falando – embora já soubesse, provavelmente, pelo meu tom de voz –, de repente ele olhou para ela, o mais magro, o rapaz juvenil, o mais novo, talvez. Ele olhou para minha vizinha só por uma fração de segundo, e depois seus olhos escuros fulguraram para mim. Ele desviou os olhos rapidamente, mais rápido do que eu, embora, em um jorro de constrangimento, eu tenha baixado o olhar de imediato. Naquele breve olhar, seu rosto não transmitiu nenhum interesse – era como se ela tivesse chamado o nome dele, e ele a olhasse numa reação involuntária, já tendo decidido não responder. Minha vizinha riu sem graça, olhando a mesa como eu. – São Edward e Emmett Cullen, e Rosalie e Jasper Hale. A que saiu é Alice Cullen. Todos moram com o Dr. Cullen e a esposa. – Ela disse isso à meia-voz. Olhei de lado para o rapaz bonito, que agora fitava a própria bandeja, desfazendo um pãozinho em pedaços com os dedos pálidos e longos. Sua boca se movia muito rapidamente, os lábios perfeitos mal se abrindo. Os outros três ainda pareciam distantes e, no entanto, eu sentia que ele estava falando em voz baixa com eles.
Nomes estranhos e incomuns, pensei. O tipo de nome que têm os avós. Mas talvez seja moda por aqui – nomes de cidades pequenas? Finalmente me lembrei de que minha vizinha se chamava Jessica, um
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nome perfeitamente comum. Havia duas meninas que se chamavam Jessica na minha turma de história, na minha cidade. – Eles são… muito bonitos. – Lutei com a patente atenuação da verdade. – E – concordou Jessica com outra risada. – Mas todos estão juntos… Emmett e Rosalie, e Jasper e Alice, quero dizer. E eles moram juntos. – Sua voz trazia toda a condenação e o choque da cidade pequena, pensei criticamente. Mas, para ser sincera, tenho que admitir que até em Phoenix isso provocaria fofocas. – Quem são os Cullen? – perguntei. – Eles não parecem parentes… – Ah, e não são. O Dr. Cullen é bem novo, tem uns vinte e tantos ou trinta e poucos anos. Todos foram adotados. Os Hale são mesmo irmãos, gêmeos… os louros… e são filhos adotivos. – Parecem meio velhos para filhos adotivos. – Agora são, Jasper e Rosalie têm 18 anos, mas estão com a Sra. Cullen desde que tinham 8 anos. Ela é tia deles ou coisa assim. – Isso é bem legal… Eles cuidarem de todas essas crianças, quando eram tão pequenos e tudo isso. – Acho que sim – admitiu Jessica com relutância, e tive a impressão de que por algum motivo ela não gostava do médico e da esposa. Com os olhares que ela atirava aos filhos adotivos, eu imaginava que o motivo era inveja. – Mas acho que a Sra. Cullen não pode ter filhos – acrescentou ela, como se isso diminuísse sua bondade. Em toda essa conversa, meus olhos disparavam sem parar para a mesa onde se acomodava a estranha família. Eles continuavam a olhar para as paredes e não comiam. – Eles sempre moraram em Forks? – perguntei. Certamente eu os teria percebido em um dos verões aqui. – Não – disse ela numa voz que dava a entender que isso devia ser óbvio, até para uma recém-chegada como eu. – Só se mudaram há dois anos, vindos de algum lugar do Alasca. Senti uma onda de pena, e também alívio. Pena porque, apesar de lindos, eles eram de fora, e claramente não eram aceitos. Alívio por eu não ser a única recém-chegada por aqui, e certamente não ser a mais interessante, por qualquer padrão.
Enquanto eu os examinava, o mais novo, um dos Cullen, virou-se e encontrou meu olhar, desta vez com uma expressão de evidente
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curiosidade. Quando desviei os olhos rapidamente, me pareceu que o olhar dele trazia uma espécie de expectativa frustrada. – Quem é o garoto de cabelo ruivo? – perguntei. Eu o espiei pelo canto do olho e ele ainda estava me encarando, mas não aparvalhado como os outros alunos. Tinha uma expressão meio frustrada. Olhei para baixo novamente. – É o Edward. Ele é lindo, é claro, mas não perca seu tempo. Ele não namora. Ao que parece, nenhuma das meninas daqui é bonita o bastante para ele. – Ela fungou, um caso claro de dor-de-cotovelo. Eu me perguntei quando é que ele a tinha rejeitado. Mordi o lábio para esconder meu sorriso. Depois olhei para ele de novo. Seu rosto estava virado para o outro lado, mas achei que sua bochecha parecia erguida, como se ele também estivesse sorrindo. Depois de mais alguns minutos, os quatro saíram da mesa juntos. Todos eram muito elegantes – até o grandalhão de cabelo castanho. Era perturbador de ver. O garoto chamado Edward não olhou novamente para mim. Fiquei sentada à mesa com Jessica e os amigos dela por mais tempo do que teria ficado se eu estivesse sozinha. Estava ansiosa para não me atrasar para as aulas no meu primeiro dia. Uma das minhas novas conhecidas, que me lembrava repetidamente que seu nome era Angela, tinha biologia II comigo no próximo tempo. Seguimos juntas em silêncio para a sala. Ela também era tímida. Quando entramos na sala, Angela foi se sentar em uma carteira de tampo preto exatamente como aquelas que eu costumava usar. Ela já tinha uma vizinha. Na verdade, todas as carteiras estavam ocupadas, exceto uma. Ao lado do corredor central, reconheci Edward Cullen por seu cabelo incomum, sentado ao lado daquele lugar vago. Enquanto eu andava pelo corredor para me apresentar ao professor e conseguir que assinasse minha caderneta, eu o observava furtivamente. Assim que passei, ele de repente ficou rígido em seu lugar. Me encarou novamente, encontrando meus olhos com a expressão mais estranha do mundo – era hostil, furiosa. Desviei os olhos rapidamente, chocada, ruborizando de novo. Tropecei em um livro no caminho e tive que me apoiar na beira de uma mesa. A menina sentada ali riu. Percebi que os olhos dele eram pretos – pretos como carvão.
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O Sr. Banner assinou minha caderneta e me passou um livro, sem nenhum dos absurdos das apresentações. Eu podia dizer que íamos nos dar bem. É claro que ele não teve alternativa a não ser me mandar para o lugar vago no meio da sala. Mantive os olhos baixos enquanto fui me sentar ao lado dele, desconcertada pelo olhar hostil que ele me lançava. Não olhei para cima ao colocar os livros na carteira e tomar meu lugar, mas, pelo canto do olho, vi sua postura mudar. Ele estava inclinado para longe de mim, sentado na ponta da cadeira, e desviava o rosto como se sentisse algum fedor. Imperceptivelmente, cheirei meu cabelo. Tinha cheiro de morango, o aromo do meu xampu preferido. Parecia um odor bem inocente. Deixei meu cabelo cair sobre o ombro, criando uma cortina escura entre nós, e tentei prestar atenção ao professor. Infelizmente a aula era sobre anatomia celular, uma coisa que eu já estudara. De qualquer modo, tomei notas cuidadosamente, sempre olhando para baixo. A aula parecia se arrastar mais do que as outras. Seria porque o dia finalmente estava chegando ao fim, ou porque eu esperava que o punho dele relaxasse? Não aconteceu: ele continuou sentado tão imóvel que nem parecia respirar. Qual era o problema dele? Será que este era seu comportamento normal? Questionei a avaliação que fiz da amargura de Jessica no almoço de hoje. Talvez ela não fosse tão ressentida quanto eu pensava. Isso não podia ter nada a ver comigo. Até hoje ele nem me conhecia. Eu o espiei mais uma vez e me arrependi disso. Ele agora me encarava de cima, os olhos pretos cheios de repugnância. Enquanto eu me afastava, encolhendo-me na cadeira, de repente passou por minha cabeça a expressão como se pudesse matar. Naquele momento, o sinal tocou alto, fazendo-me pular, e Edward Cullen estava fora de sua carteira. Com fluidez, ele se levantou de costas para mim – era muito mais alto do que eu pensava – e estava do lado de fora da porta antes que qualquer outro tivesse saído da carteira.
Fiquei paralisada no meu lugar, encarando inexpressiva as costas dele. Era tão mesquinho. Não era justo. Comecei a pegar minhas coisas devagar, tentando bloquear a raiva que se espalhava em mim, com medo de que meus olhos se enchessem de lágrimas. Por algum motivo, minha ira
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era canalizada para meus dutos lacrimais. Normalmente, eu chorava quando estava com raiva, uma tendência humilhante. – Você não é Isabella Swan? – perguntou uma voz de homem. Olhei para cima e vi um rapaz bonitinho com cara de bebê, o cabelo louro-claro cuidadosamente penteado com gel em pontas arrumadinhas, sorrindo para mim de maneira simpática. Ele obviamente não achava que eu cheirava mal. – Bella – eu o corrigi, com um sorriso. – Meu nome é Mike. – Oi, Mike. – Precisa de ajuda para encontrar sua próxima aula? – Vou para a educação física. Acho que posso encontrar o caminho. – É minha próxima aula também. – Ele parecia impressionado, mas não era uma coincidência assim tão grande numa escola tão pequena. Fomos para a aula juntos. Ele era um grande tagarela – alimentou a maior parte da conversa, o que facilitou minha vida. Tinha morado na Califórnia até os 10 anos, então sabia como eu me sentia com relação ao sol. Por acaso também era meu colega na aula de inglês. Ele foi a pessoa mais legal que eu conheci hoje. Mas enquanto entrávamos no ginásio, ele perguntou: – E aí, você furou o Edward Cullen com um lápis ou o quê? Nunca o vi agir daquele jeito. Eu me encolhi. Então não fora a única a perceber. E ao que parecia aquele não era o comportamento habitual de Edward Cullen. Decidi me fazer de burra. – Era o garoto do meu lado na aula de biologia? – perguntei naturalmente. – Era – disse ele. – Parecia estar sentindo alguma dor ou coisa assim. – Não sei – respondi. – Nunca falei com ele. – Ele é um cara estranho. – Mike se demorou ao meu lado em vez de ir para ao vestiário. – Se eu tivesse a sorte de me sentar do seu lado, conversaria com você. Eu sorri para ele antes de ir para a porta do vestiário feminino. Ele era simpático e estava na cara que gostava de mim. Mas não foi o suficiente para atenuar minha irritação.
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O professor de educação física, treinador Clapp, encontrou um uniforme para mim mas não me fez vesti-lo para a aula de hoje. Em Phoenix, só existiam dois anos de educação física. Aqui, a matéria era obrigatória nos quatro anos. Forks literalmente era meu inferno particular na Terra. Fiquei assistindo a quatro partidas de vôlei que aconteciam simultaneamente. Lembrando quantas lesões eu sofri – e infligi – jogando vôlei, me senti meio nauseada. O ultimo sinal finalmente tocou. Andei devagar para a secretaria para entregar minha caderneta. A chuva tinha ido embora, mas o vento era forte e mais frio. Eu me abracei. Ao entrar no escritório aquecido, quase me virei e voltei para fora. Edward Cullen estava parado junto à mesa na minha frente. Reconheci de novo aquele cabelo bronze desgrenhado. Ele não pareceu ter ouvido a minha entrada. Fiquei encostada na parede de trás, torcendo para que a recepcionista ficasse livre. Ele estava discutindo com ela numa voz baixa e cativante. Rapidamente peguei a essência da discussão. Ele tentava trocar o horário de biologia por qualquer outro horário – qualquer outro. Não consegui acreditar que fosse por minha causa. Tinha de ser outra coisa, algo que acontecera antes de eu entrar na sala de aula. A expressão dele devia ter sido por outro aborrecimento totalmente diferente. Era impossível que este estranho pudesse ter uma repulsa tão súbita e intensa por mim. A porta abriu de novo e de repente uma rajada de vento frio entrou pela sala, espalhando os papéis na mesa, jogando meu cabelo na cara. A menina que entrava limitou-se a ir até a mesa, colocou um bilhete na cesta de arame e saiu novamente. Mas Edward Cullen se enrijeceu de novo e se virou lentamente para olhar para mim – o rosto era absurdamente lindo – com os olhos penetrantes e cheios de ódio. Por um momento, senti um arrepio de puro medo, que eriçou os pêlos de meus braços. O olhar só durou um segundo, mas me gelou mais do que o vento frio. Ele voltou a se virar para a recepcionista. – Então deixa para lá – disse asperamente numa voz de veludo. – Estou vendo que é impossível. Muito obrigado por sua ajuda. – Virou-se sem olhar para mim, desaparecendo porta afora.
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Fui humildemente até a mesa, minha cara branca de imediato ficando vermelha, e entreguei a caderneta assinada. – Como foi seu primeiro dia, querida? – perguntou a recepcionista em tom maternal. – Bom – menti, a voz fraca. Ela não pareceu se convencer. Quando fui para a picape, era quase o ultimo carro no estacionamento. Parecia um abrigo, a coisa mais próxima de uma casa que eu tinha neste buraco verde e úmido. Fiquei sentada lá dentro por um tempo, só olhando, sem enxergar pelo pára-brisa. Mas logo estava frio o suficiente para precisar do aquecedor, virei a chave e o motor rugiu. Voltei para a casa de Charlie, lutando contra as lágrimas por todo o caminho até lá.
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2. LIVRO ABERTO 
O dia seguinte foi melhor… e pior. Foi melhor porque ainda não estava chovendo, mas as nuvens eram densas e opacas. Era mais fácil porque eu sabia o que esperar do meu dia. Mike veio se sentar comigo na aula de inglês e me acompanhou até a aula seguinte, com o Eric Clube de Xadrez encarando-o o tempo todo; isso foi lisonjeiro. As pessoas não costumavam olhar tanto para mim como eles fizeram ontem. No almoço, fiquei com um grande grupo que incluía Mike, Jessica e várias outras pessoas cujos nomes e rostos agora eu me lembrava. Comecei a sentir que estava boiando na água, e não me afogando nela. Foi pior porque eu estava cansada; ainda não conseguia dormir com o vento ecoando pela casa. Foi pior porque o Sr. Varner chamou meu nome na aula de trigonometria quando não levantei minha mão, e acabei dando a resposta errada. Foi lamentável porque tive que jogar vôlei e, na única vez que não me abaixei para escapar da bola, atingi minha colega de equipe na cabeça. E foi pior porque Edward Cullen não foi à escola. Durante toda a manhã tive medo do almoço, temendo os olhares estranhos dele. Parte de mim queria confrontá-lo e exigir que me dissesse qual era o problema. Enquanto estava deitada insone na cama, cheguei a imaginar o que diria. Mas eu me conhecia bem demais para pensar que realmente teria coragem de fazer isso. Eu fazia o Leão Covarde de O Mágico de Oz parecer um exterminador do futuro. Mas quando entrei no refeitório com Jessica – tentando evitar que meus olhos vasculhassem o lugar à procura dele e fracassando completamente – vi que seus quatro irmãos estavam sentados juntos à mesma mesa, e ele não estava ali. Mike nos interceptou e nos conduziu à mesa dele. Jessica parecia inflada pela atenção e as amigas dela rapidamente se juntaram a nós. Mas ao tentar ouvir sua conversa tranquila, fiquei terrivelmente aflita, esperando nervosa pelo momento em que ele chegaria. Esperava que ele simplesmente me ignorasse, e provasse que minhas suspeitas eram falsas. Ele não apareceu e, à medida que o tempo passava, eu ficava cada vez mais tensa.
Fui para a aula de biologia mais confiante quando, lá pelo final do almoço, ele ainda não tinha aparecido. Mike, que estava falando das qualidades de um golden retriever, andou fielmente ao meu lado até a sala.
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Prendi a respiração na porta, mas Edward Cullen também não estava lá. Soltei o ar e fui para o meu lugar. Mike me seguiu, falando da futura viagem que faria à praia. Ele se demorou na minha carteira até que o sinal tocou. Depois sorriu para mim de um jeito tristonho e foi se sentar ao lado de uma menina cheia de pulseiras com um permanente malfeito. Eu teria que fazer alguma coisa a respeito de Mike, e não seria fácil. Em uma cidade dessas, onde todo mundo morava perto de todo mundo, era fundamental ter diplomacia. Nunca tive muito tato; não tinha prática em lidar com meninos abertamente amistosos. Fiquei aliviada por ter a carteira só para mim, por Edward estar ausente. Disse isso a mim mesma repetidamente. Mas não conseguia me livrar da suspeita irritante de que eu era o motivo para ele não estar ali. Era ridículo e egoísta pensar que eu podia afetar tanto uma pessoa. Era impossível. E, no entanto, eu não conseguia deixar de me preocupar com a idéia de que isso fosse verdade. Quando o dia de aula enfim terminou e o rubor pelo incidente no vôlei desaparecia do meu rosto, vesti rapidamente meus jeans e o suéter azul-marinho. Corri do vestiário das meninas, satisfeita por descobrir que tinha conseguido escapar de meu amigo cachorrinho por algum tempo. Andei rapidamente para o estacionamento. Agora estava abarrotado de alunos indo embora. Fui para minha picape e vasculhei minha bolsa para ter certeza de que tinha o que precisava. Na noite passada, descobri que Charlie não sabe cozinhar grande coisa além de ovos fritos e bacon. Então pedi para cuidar da cozinha enquanto estivesse ali. Ele estava bastante interessado em passar adiante as chaves do salão de banquete. Também descobri que ele não tinha comida em casa. Então fiz minha lista de compras, peguei o dinheiro no pote do armário rotulado de DINHEIRO DA COMIDA e estava a caminho do Thriftway.
Disparei meu motor ensurdecedor, ignorando as cabeças que se viravam na minha direção, e dei a ré cuidadosamente para um lugar na fila de carros que esperavam para sair do estacionamento. Enquanto aguardava, tentando fingir que o estrondo de furar os tímpanos vinha de outro carro, vi os dois Cullen e os gêmeos Hale entrando no carro deles. Era o Volvo novinho. É claro. Eu ainda não tinha percebido as roupas que usavam – fiquei hipnotizada demais com o rosto deles. Agora que eu olhava, ficou óbvio que todos se vestiam excepcionalmente bem; com simplicidade, mas
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com roupas que sugeriam sutilmente boas marcas. Com sua beleza extraordinária, o estilo com que se portavam, eles podiam vestir uns trapos rasgados e ainda assim se dar bem. Parecia um exagero que fossem bonitos e também tivessem dinheiro. Mas, pelo que eu sabia, na maior parte do tempo a vida era assim. E não parecia que isso lhes trouxesse aceitação por aqui. Não, eu não acreditava plenamente nisso. Eles devem querer se isolar; não conseguia imaginar nenhuma porta que não se abrisse para aquele grau de beleza. Eles olharam para minha picape barulhenta quando passei, como todo mundo fez. Continuei olhando para a frente e fiquei aliviada quando finalmente saí da área da escola. O Thriftway não ficava longe da escola, só a algumas ruas ao sul, junto à rodovia. Era bom estar dentro do supermercado. Parecia normal. Sempre fiz as compras da casa, e me entreguei com prazer à rotina do mercado. A loja era bem grande por dentro, e não consegui ouvir o bater da chuva no telhado para me lembrar de onde estava. Quando cheguei em casa, guardei todos os mantimentos, colocando-os onde houvesse espaço. Esperava que Charlie não se importasse. Embrulhei as batatas em papel de alumínio e pus no forno para assar, coloquei uns bifes para marinar e os equilibrei em cima de uma caixa de ovos na geladeira. Quando terminei com isso, levei minha mochila de livros para cima. Antes de começar o dever de casa, vesti um moletom seco, prendi o cabelo molhado num rabo-de-cavalo e verifiquei meu e-mail pela primeira vez. Tinha três mensagens. "Bella", escreveu minha mãe… “Escreva-me assim que puder. Conte como foi sua noite. Está chovendo? Já estou com saudade. Estou quase terminando as malas para a Flórida, mas não consigo encontrar minha blusa rosa. Sabe onde eu a coloquei? Phil manda lembranças. Mamãe.” Eu suspirei e passei à mensagem seguinte. Foi enviada oito horas depois da primeira. "Bella", escreveu ela…
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“Por que não me respondeu ainda? O que está esperando? Mamãe.” A última era desta manhã. “Isabella, Se eu não tiver notícias suas até as cinco e meia da tarde de hoje, vou ligar para o Charlie.” Olhei o relógio. Ainda tinha uma hora, mas minha mãe era famosa pela precipitação. “Mãe, Calma. Estou escrevendo agora. Não faça nenhuma bobagem. Bella.” Mandei essa e recomecei. “Mãe, Está tudo ótimo. É claro que está chovendo. Eu estava esperando ter alguma coisa para escrever. A escola não é ruim, só meio repetitiva. Conheci umas pessoas legais que almoçam comigo. Sua blusa está na lavanderia – você devia ter pego na sexta-feira. Charlie comprou uma picape para mim, dá para acreditar? Eu adorei. É velha, mas bem forte, o que é bom, sabe como é, para mim. Também estou com saudades. Vou escrever novamente logo, mas não fico verificando meus e-mails a cada cinco minutos. Relaxe, respire fundo. Eu te amo. Bella.” Eu tinha decidido reler O morro dos ventos uivantes – o romance que estávamos estudando no curso de inglês – só por prazer, e era o que eu estava fazendo quando Charlie chegou em casa. Eu tinha perdido a hora, e corri para baixo para tirar as batatas e colocar os bifes para grelhar. – Bella? – chamou meu pai quando me ouviu na escada. Quem mais seria?, pensei comigo mesma. – Oi, pai, bem-vindo.
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– Obrigado. – Ele pendurou o cinturão da arma e tirou as botas enquanto eu estava atarefada na cozinha. Pelo que eu sabia, ele nunca disparou a arma no trabalho. Mas a mantinha preparada. Quando eu era criança e vinha aqui, ele sempre retirava as balas assim que passava pela porta. Acho que agora me considerava velha o bastante para não atirar em mim mesma por acidente, nem deprimida o bastante para atirar em mim mesma de propósito. – O que temos para o jantar? – perguntou ele cheio de cautela. Minha mãe era uma cozinheira com muita imaginação e as experiências dela nem sempre eram comestíveis. Fiquei surpresa, e triste, que ele parecesse se lembrar de um fato tão remoto. – Bife com batata – respondi, e ele pareceu aliviado. Ele deu a impressão de que se sentia estranho, parado ali na cozinha sem fazer nada; arrastou-se para ver TV na sala enquanto eu trabalhava. Nós dois ficávamos mais à vontade desse jeito. Fiz uma salada enquanto os bifes grelhavam e pus a mesa. Eu o chamei quando o jantar estava pronto e ele gostou do cheiro ao passar pela porta. – Que cheiro bom, Bella. – Obrigada. Comemos sem dizer nada por alguns minutos. Não foi desagradável. Nenhum de nós se incomodava com o silêncio. De certa forma, éramos bem adequados para morar juntos. – E então, como foi na escola? Fez algum amigo? – perguntou ele ao se servir pela segunda vez. – Bom, tive algumas aulas com uma menina chamada Jessica. Sentei para almoçar com os amigos dela. E tem um garoto, Mike, que é muito simpático. Todo mundo parece bem legal. – Com uma notável exceção. – Deve ser Mike Newton. Garoto bom… uma boa família. O pai é dono da loja de produtos esportivos perto do centro. Ele ganha um bom dinheiro com todos os mochileiros que vêm aqui. – Conhece a família Cullen? – perguntei, hesitante. – A família do Dr. Cullen? Claro. O Dr. Cullen é um grande homem. – Eles… os filhos… são meio diferentes. Não parecem se adaptar muito bem na escola.
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Charlie me surpreendeu ao aparentar raiva. – As pessoas desta cidade – murmurou ele. – O Dr. Cullen é um cirurgião brilhante que provavelmente podia trabalhar em qualquer hospital do mundo, ganhando dez vezes o salário que ganha aqui – continuou ele, falando mais alto. – Temos sorte por tê-lo aqui… Sorte pela esposa dele aceitar morar numa cidade pequena. Ele é um trunfo para a comunidade, e todos os filhos são bem-comportados e educados. Tive minhas dúvidas quando se mudaram para cá, com todos aqueles adolescentes adotivos. Pensei que podíamos ter alguns problemas com eles. Mas todos são muito maduros… Não tive um pingo de problema com nenhum deles. Não posso dizer o mesmo dos filhos de algumas pessoas que moram nesta cidade há gerações. E eles são unidos, como deve ser uma família… Viagens de camping em fins de semana alternados… Só porque são novos aqui, as pessoas ficam falando. Foi o discurso mais longo que já ouvi de Charlie. Ele devia se aborrecer muito com o que as pessoas diziam. Recuei um pouco. – Eles parecem legais para mim. Só percebi que são muito reservados. Todos são muito bonitos – acrescentei, tentando ser mais elogiosa. – Devia ver o médico – disse Charlie, rindo. – Ainda bem que é bem casado. Muitas enfermeiras do hospital têm dificuldade para se concentrar no trabalho quando ele está por perto. Terminamos de comer em silêncio. Ele tirou a mesa enquanto eu começava a lavar os pratos. Ele voltou à TV, e eu, depois de terminar com os pratos – lavados à mão, e não na máquina –, subi sem nenhuma vontade de fazer o dever de matemática. Podia sentir um costume se formando. Enfim aquela noite foi silenciosa. Dormi rapidamente, exausta. O resto da semana foi calmo. Eu me acostumei com a rotina de minhas aulas. Na sexta-feira, conseguia reconhecer, se não pelo nome, quase todos os alunos da escola. Na educação física, as meninas da minha turma aprenderam a não me passar a bola e a sair rapidamente da minha frente se o outro time tentava se aproveitar da minha fraqueza. Eu saía de seu caminho feliz. Edward Cullen não voltou à escola.
Todo dia eu observava ansiosa até os demais Cullen entrarem no refeitório sem ele. Depois eu podia relaxar e participar da conversa do
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almoço. Centrava-se principalmente numa viagem ao La Push Ocean Park dali a duas semanas, que Mike estava organizando. Fui convidada e tive que concordar em ir, mais por educação do que por desejo. As praias devem ser quentes e secas. Na sexta-feira eu estava perfeitamente à vontade entrando na minha aula de biologia; sem me preocupar mais se Edward estava ali ou não. Pelo que sabia, ele tinha saído da escola. Tentei não pensar nele, mas não conseguia reprimir completamente a preocupação de que eu fosse responsável por sua ausência contínua, embora isso fosse ridículo. Meu primeiro fim de semana em Forks foi tranquilo. Charlie, desabituado a ficar na casa normalmente vazia, trabalhou na maior parte do fim de semana. Eu limpei a casa, adiantei o dever e escrevi à minha mãe um e-mail mais falsamente animado. Fui à biblioteca no sábado, mas era tão mal abastecida que não me dei ao trabalho de fazer um cartão de inscrição; eu teria que marcar logo uma data para ir a Olympia ou Seattle e encontrar uma boa livraria. Imaginei inutilmente qual seria o consumo de combustível da picape… e estremeci ao pensar nisso. A chuva continuou branda pelo fim de semana, tranqüila, então eu pude dormir bem. As pessoas me cumprimentaram no estacionamento na segunda-feira de manhã. Eu não sabia o nome de todos, mas retribuí os acenos e sorri para todos. Estava mais frio nesta manhã, mas felizmente não chovia. Na aula de inglês, Mike assumiu seu lugar de costume ao meu lado. Teve um teste-relâmpago sobre O morro dos ventos uivantes.. Era simples, muito fácil. No todo, eu estava me sentindo muito mais à vontade do que pensava que estaria a essa altura. Mais à vontade do que esperava me sentir aqui um dia. Quando saímos da sala de aula, o ar estava cheio de pontinhos brancos rodopiando. Eu podia ouvir as pessoas gritando animadas umas com as outras. O vento mordia meu rosto, meu nariz. – Puxa – disse Mike. – Está nevando. Olhei para os pequenos tufos de algodão que se acumulavam pelas calçadas e giravam erraticamente por meu rosto. – Eca! – Neve. Lá se foi meu dia bom. Ele pareceu surpreso. – Não gosta da neve?
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– Não. Significa que está frio demais para chover. – E óbvio. – Além disso, pensei que devia cair em flocos… Sabe como é, cada um é único e essas coisas. Isso aqui só parece ponta de cotonete. – Nunca viu a neve cair? – perguntou ele, incrédulo. – Claro que vi. – Eu parei. – Na TV. Mike riu. E aí uma bola grande e macia de neve gotejante bateu na cabeça dele. Nós dois nos viramos para ver de onde veio. Eu tinha minhas desconfianças de Eric, que estava se afastando, de costas para nós – na direção errada para a primeira aula dele. Ao que parecia, Mike teve a mesma idéia. Ele se curvou e começou a formar um morro de papa branca. – A gente se vê no almoço, está bem? – continuei andando enquanto falava. – Quando as pessoas começam a atirar coisas molhadas nas outras, eu entro. Ele só assentiu, os olhos em Eric, que se distanciava. Por toda a manhã, todos bateram papo animadamente sobre a neve; ao que parecia, era a primeira vez que nevava no ano novo. Fiquei de boca fechada. E claro que era mais seco do que quando chovia – até a neve derreter nas meias da gente. Segui em estado de alerta para o refeitório com Jessica depois da aula de espanhol. Voavam bolas empapadas por todo lado. Mantive uma pasta na mão, pronta para usá-la como escudo, se necessário. Jessica me achou hilária, mas alguma coisa na minha expressão impediu que ela me lançasse uma bola de neve. Mike nos encontrou quando passávamos pela porta, rindo, com gelo desmanchando seu cabelo espetado. Ele e Jessica conversaram animadamente sobre a guerra de neve enquanto entrávamos na fila para comprar comida. Olhei a mesa do canto, mais por hábito. E depois gelei. Havia cinco pessoas à mesa. Jessica puxou meu braço. – Ei! Bella? O que você quer? Baixei a cabeça; minhas orelhas estavam quentes. Eu não tinha motivo para me sentir constrangida, lembrei a mim mesma. Não tinha feito nada de errado. – O que há com a Bella? – Mike perguntou a Jessica. – Nada – respondi. – Só vou querer refrigerante hoje. – Emparelhei com o último da fila. – Não está com fome? – perguntou Jessica.
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– Na verdade, estou meio enjoada – eu disse, meus olhos ainda no chão. Esperei que eles pegassem a comida e os segui até a mesa, meus olhos nos pés. Bebi o refrigerante lentamente, o estômago agitado. Por duas vezes Mike perguntou, com uma preocupação desnecessária, como eu estava me sentindo. Disse a ele que não era nada, mas fiquei me perguntando se eu devia fingir e escapulir para a enfermaria pela próxima hora. Ridículo. Eu não precisava fugir. Decidi me permitir dar uma olhada na mesa da família Cullen. Se ele estivesse olhando para mim, eu mataria a aula de biologia, como a covarde que era. Mantive a cabeça baixa e espiei de rabo de olho. Nenhum deles olhava na minha direção. Ergui um pouco a cabeça. Eles estavam rindo. Edward, Jasper e Emmett estavam com os cabelos totalmente encharcados de neve derretendo. Alice e Rosalie se curvavam, tentando se afastar, enquanto Emmett sacudia o cabelo molhado para elas. Estavam curtindo o dia de neve, como todos os outros – só que pareciam estar numa cena de filme, mais do que o resto de nós. Além dos risos e das brincadeiras, havia algo diferente e eu não conseguia perceber o que era. Examinei Edward com mais cuidado. A pele estava menos pálida, concluí – corada da guerra de neve, talvez –, os círculos em torno dos olhos, bem menos perceptíveis. Mas havia mais alguma coisa. Eu refleti, encarando, tentando isolar a mudança. – Bella, o que você está olhando? – intrometeu-se Jessica, os olhos seguindo meu olhar. Naquele exato momento, os olhos dele lampejaram e encontraram os meus. Virei a cabeça, deixando o cabelo cair para esconder minha cara. Mas eu tinha certeza de que, no instante em que nossos olhos se encontraram, ele não parecia rude nem antipático como na última vez que o vi. Só parecia curioso novamente, e de certa forma insatisfeito. – Edward Cullen está olhando para você – Jessica riu na minha orelha. – Ele não parece estar com raiva, parece? – Não pude deixar de perguntar.
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– Não – disse ela, meio confusa com a minha pergunta. – Deveria estar? – Acho que ele não gosta de mim – confidenciei. Ainda me sentia nauseada. Baixei a cabeça no braço. – Os Cullen não gostam de ninguém… Bom, eles não percebem a presença de ninguém para gostar. Mas ele ainda está olhando para você. – Pare de olhar para ele – sibilei. Ela deu uma risadinha, mas desviou os olhos. Levantei a cabeça o bastante para ter certeza de que ela fizera isso, pensando em usar de violência se ela resistisse. Mike nos interrompeu – estava planejando uma épica batalha de neve no estacionamento depois da aula e queria que fôssemos também. Jessica concordou com entusiasmo. Pelo modo como Jessica olhou para Mike, havia poucas dúvidas de que ela concordaria com qualquer coisa que ele sugerisse. Eu me mantive calada. Teria que me esconder no ginásio até que o estacionamento estivesse vazio. Pelo resto da hora de almoço, mantive muito cuidadosamente os olhos em minha própria mesa. Decidi cumprir o trato que fizera comigo mesma. Como ele não parecia ter raiva, eu iria para a aula de biologia. Meu estômago deu pulos de medo com a idéia de sentar ao lado dele de novo. Eu na verdade não queria ir para a aula com Mike, como sempre fazia – ele parecia ser um alvo popular dos atiradores de bola de neve –, mas quando chegamos à porta, todo mundo do meu lado gemeu em uníssono. Estava chovendo, e a água lavava todos os vestígios de neve em faixas claras e geladas pelo canto do meio-fio. Puxei o capuz para cima, secretamente satisfeita. Eu estava livre para ir direto para casa depois da educação física. Mike desfiou um rosário de queixas no caminho para o prédio quatro. Depois de entrar na sala de aula, vi com alívio que minha carteira ainda estava vazia. O Sr. Banner andava pela sala, distribuindo um microscópio e uma caixa de lâminas para cada carteira. A aula só começaria alguns minutos depois e a sala zumbia com as conversas. Mantive os olhos afastados da porta, rabiscando preguiçosamente na capa de meu caderno.
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Ouvi com muita clareza quando a cadeira ao lado da minha se mexeu, mas meus olhos continuaram cuidadosamente focalizados no que eu desenhava. – Oi – disse uma voz baixa e musical. Olhei para cima, atordoada por ele estar falando comigo. Estava sentado a maior distância de mim que a carteira permitia, mas sua cadeira voltava-se para mim. O cabelo gotejava, despenteado – mesmo assim, ele parecia ter acabado de gravar um comercial de gel. Seu rosto deslumbrante era simpático, franco, um leve sorriso nos lábios impecáveis. Mas os olhos eram cautelosos. – Meu nome é Edward Cullen – continuou ele. – Não tive a oportunidade de me apresentar na semana passada. Você deve ser Bella Swan. Minha mente girava de tanta confusão. Será que eu tinha inventado tudo aquilo? Ele agora estava sendo perfeitamente educado. Eu precisava falar; ele estava esperando. Mas não conseguia pensar em nada de convencional para dizer. – Co-como você sabe meu nome? – gaguejei. Ele deu um sorriso suave e encantador. – Ah, acho que todo mundo sabe seu nome. A cidade toda estava esperando você chegar. Dei um sorriso duro. Eu sabia que era algo desse tipo. – Não – insisti, feito uma idiota. – Quer dizer, por que me chamou de Bella? Ele pareceu confuso. – Prefere Isabella? – Não, gosto de Bella – eu disse. – Mas acho que Charlie… quer dizer, meu pai… deve me chamar de Isabella nas minhas costas… é como todo mundo aqui parece me conhecer – tentei explicar, sentindo-me uma completa idiota. – Ah. – Ele deixou passar essa. Eu desviei os olhos, sem graça. Felizmente, o Sr. Banner começou a aula naquele momento. Tentei me
concentrar enquanto ele explicava a prática de laboratório que íamos fazer hoje. As lâminas na caixa estavam fora de ordem. Trabalhando como parceiros, teríamos que separar as lâminas de células de ponta de raiz de cebola nas fases de mitose que representavam e rotulá-las corretamente.
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Não devíamos usar os livros. Em vinte minutos, ele voltaria para ver o que tínhamos conseguido. – Podem começar – ordenou ele. – Primeiro as damas, parceira? – perguntou Edward. Olhei para ele e o vi dando um sorriso torto tão bonito que só pude ficar olhando como uma idiota. – Ou eu posso começar, se preferir. – O sorriso sumiu; ele obviamente se perguntava se eu era mentalmente competente. – Não – eu disse, corando. – Eu começo. Eu estava me exibindo, só um pouco. Já tinha feito essa experiência e sabia o que procurar. Deveria ser fácil. Coloquei a primeira lâmina no lugar sob o microscópio e ajustei-o rapidamente para a objetiva de 40X. Estudei a lâmina por alguns instantes. Minha avaliação foi confiante. – Prófase. – Importa-se se eu olhar? – perguntou ele enquanto eu começava a retirar a lâmina. Sua mão pegou a minha, para me deter, quando fez a pergunta. Seus dedos eram frios como gelo, como se ele os tivesse enfiado numa bola de neve antes da aula. Mas não foi por isso que puxei a mão rapidamente. Quando ele me tocou, minha mão foi atingida como se uma corrente elétrica tivesse passado entre nós. – Desculpe – murmurou ele, recuando a mão de imediato. Mas continuou a pegar o microscópio. Eu o observei, ainda meio tonta, enquanto ele examinava a lâmina por um tempo ainda mais curto do que eu fizera. – Prófase – concordou, escrevendo numa letra elegante no primeiro espaço de nossa folha de respostas. Ele trocou rapidamente a primeira lâmina pela segunda, depois a observou com curiosidade. – Anáfase – murmurou, escrevendo enquanto falava. Meu tom de voz foi indiferente. – Posso? Ele deu um sorriso malicioso e empurrou o microscópio para mim. Olhei ansiosamente pela ocular, só para ficar decepcionada. Mas que droga, ele tinha razão. – Lâmina três? – Estendi a mão sem olhar para ele. Ele me passou a lâmina; parecia que estava tendo o cuidado de não tocar a minha pele de novo.
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Dei a olhada mais fugaz que pude. – Intérfase. – Passei-lhe o microscópio antes que ele pudesse pedir. Ele deu uma espiada rápida e depois escreveu. Eu teria escrito enquanto ele olhava, mas a letra clara e elegante dele me intimidava. Não queria estragar a página com meu garrancho malfeito. Nós terminamos antes que qualquer um chegasse perto disso. Eu podia ver Mike e o parceiro dele comparando sem parar duas lâminas, e outro grupo tinha o livro aberto sob a carteira. Assim, não me restava nada a fazer a não ser tentar não olhar para ele… Sem sucesso. Olhei para cima. E ele estava me encarando, com aquela mesma expressão inexplicável de frustração nos olhos. De repente identifiquei aquela diferença sutil em seu rosto. – Você usa lentes de contato? – soltei sem pensar. Ele pareceu confuso com minha pergunta inesperada. – Não. – Ah – murmurei. – Pensei ver alguma coisa diferente nos seus olhos. Ele deu de ombros e desviou o rosto. Na verdade, eu tinha certeza de que havia algo diferente. Lembrava-me nitidamente da cor preta dos olhos dele na última vez em que ele olhou para mim – a cor se destacava contra o fundo de sua pele clara e o cabelo castanho-avermelhado. Hoje, os olhos dele eram de uma cor completamente diferente: um ocre estranho, mais escuro do que caramelo, mas com o mesmo tom dourado. Eu não entendia como podia ser assim, a não ser que, por algum motivo, ele estivesse mentindo sobre as lentes de contato. Ou talvez Forks estivesse me deixando louca, no sentido literal do termo. Olhei para baixo. As mãos dele estavam fechadas com força de novo. O Sr. Banner veio à nossa mesa, para ver por que não estávamos trabalhando. Olhou por sobre nossos ombros e viu o trabalho concluído, e depois olhou mais intensamente para verificar as respostas. – Então, Edward, não acha que Isabella devia ter a chance de usar o microscópio? – perguntou o Sr. Banner. – Bella – corrigiu Edward automaticamente. – Na verdade, ela identificou três das cinco lâminas. O Sr. Banner agora olhava para mim; sua expressão era cética.
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– Já fez essa experiência de laboratório antes? – perguntou ele. Eu sorri, timidamente. – Não com raiz de cebola. – Blástula de linguado? – Foi. O Sr. Banner assentiu. – Você estava em algum curso avançado em Phoenix? – Estava. – Bem – disse ele depois de um momento. – Acho que é bom que os dois sejam parceiros de laboratório. – Ele murmurou mais alguma coisa ao se afastar. Depois que saiu, comecei a rabiscar de novo no meu caderno. – Que chato aquela neve, não é? – perguntou Edward. Tive a sensação de que ele estava se obrigando a bater um papinho comigo. A paranóia me dominou de novo. Era como se ele tivesse ouvido minha conversa com Jessica no almoço e tentasse provar que eu estava errada. – Na verdade não – respondi com sinceridade, em vez de fingir ser normal como todos os outros. Eu ainda tentava me livrar da sensação idiota de desconfiança e não conseguia me concentrar. – Você não gosta do frio. – Não era uma pergunta. – Nem da umidade. – Forks deve ser um lugar difícil para você morar – refletiu ele. – Nem faz idéia – murmurei melancolicamente. Ele pareceu fascinado com o que eu disse, por algum motivo que eu não conseguia entender. Seu rosto era uma distração tal que tentei não olhar para ele mais do que a cortesia me exigia. – Então por que veio para cá? Ninguém tinha me perguntado isso – não da forma direta como ele fez, exigente. – É… complicado. – Acho que posso aguentar – pressionou ele. Fiquei muda por um longo momento, e depois cometi o erro de encontrar o olhar dele. Seus olhos dourado-escuros me confundiam e respondi sem pensar. – Minha mãe se casou de novo – eu disse. – Isso não parece tão complexo – discordou ele, mas de repente ficou simpático. – Quando foi que aconteceu? – Em setembro. – Minha voz parecia triste, até para mim.
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– E você não gosta dele – supôs Edward, o tom de voz ainda gentil. – Não, o Phil é legal. Novo demais, talvez, mas é bem legal. – Por que não ficou com eles? Eu não conseguia entender o interesse dele, mas Edward continuava a me fitar com os olhos penetrantes, como se a história insípida de minha vida fosse algo de importância crucial. – Phil viaja muito. Ganha a vida jogando bola. – Dei um meio sorriso. – Eu conheço? – perguntou ele, sorrindo em resposta. – Provavelmente não. Ele não joga bem.. É da segunda divisão. Ele se muda muito. – E sua mãe mandou você para cá para poder viajar com ele. – Ele disse isso como uma suposição de novo, e não como uma pergunta. Meu queixo se elevou um pouquinho. – Não, ela não me mandou para cá. Eu quis vir. As sobrancelhas dele se uniram. – Não entendo – admitiu ele, e parecia desnecessariamente frustrado com este fato. Suspirei. Por que estava explicando isso? Ele continuava a me encarar com uma curiosidade evidente. – Ela ficou comigo no começo, mas sentia falta dele. Isso a deixava infeliz… Então cheguei à conclusão de que estava na hora de passar algum tempo de verdade com Charlie. – Minha voz estava mal-humorada quando terminei. – Mas agora é você que está infeliz – assinalou ele. – E? – eu o desafiei. – Isso não parece justo. – Ele deu de ombros, mas seus olhos ainda eram intensos. Eu ri sem nenhum humor. – Ninguém te contou ainda? A vida não é justa. – Acho que já ouvi isso em algum lugar – concordou ele secamente. – E então é isso – insisti, perguntando-me por que ele ainda me encarava daquele jeito. Ele passou a me olhar como quem me avaliava. – Está fazendo um belo papel – disse ele devagar. – Mas aposto que está sofrendo mais do que deixa transparecer.
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Dei um sorriso duro para ele, resistindo ao impulso de dar a língua como uma menina de 5 anos, e desviei os olhos. – Estou errado? Tentei ignorá-lo. – Acho que não – murmurou ele, presunçoso. – Por que isso interessa a você? – perguntei, irritada. Mantive os olhos longe dele, observando o professor fazer sua ronda. – Boa pergunta – murmurou ele, tão baixinho que me perguntei se estava falando consigo mesmo. Mas depois de alguns segundos de silêncio, concluí que era a única resposta que eu teria. Eu suspirei, fechando a cara para o quadro-negro. – Estou irritando você? – perguntou ele. Parecia cismado. Olhei para ele sem pensar… e disse a verdade novamente. – Não exatamente. Estou mais irritada é comigo mesma. É tão fácil ler minha expressão… Minha mãe sempre me chama de livro aberto. – Franzi a testa. – Pelo contrário, acho você muito difícil de ler. – Apesar de tudo o que eu falei e tudo o que ele adivinhou, Edward parecia sincero ao dizer isso. – Então você deve ser um bom leitor – respondi. – Em geral sou. – Ele deu um sorriso largo, mostrando dentes perfeitos e ultrabrancos. O Sr. Banner então chamou a turma e eu me virei aliviada para ouvir. Nem acreditava que tinha acabado de explicar minha triste vida a esse garoto esquisito e lindo que podia ou não me desprezar. Ele parecia absorto em nossa conversa, mas agora eu podia ver, pelo canto do olho, que ele estava se afastando de mim de novo, as mãos agarradas na beira da mesa com uma tensão evidente. Tentei parecer atenta enquanto o Sr. Banner ilustrava, com transparências do projetor do alto, o que eu vira sem nenhuma dificuldade ao microscópio. Mas meus pensamentos eram incontroláveis. Quando o sinal finalmente tocou, Edward correu com a maior rapidez e elegância da sala, como fizera na segunda-feira anterior. E, como naquela segunda, fiquei olhando para ele, atônita. Mike pulou rapidamente para o meu lado e pegou meus livros. Eu o imaginei com um rabo abanando. – Foi horrível – resmungou ele. – Todas elas pareciam exatamente as mesmas. Você tem sorte por ter o Cullen como parceiro.
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– Não tive nenhum problema com elas – eu disse, magoada com o que ele supunha de mim. E me arrependi imediatamente da reprimenda. – Mas já fiz essa experiência de laboratório – acrescentei antes que ele pudesse se magoar. – O Cullen pareceu bem simpático hoje – comentou ele enquanto vestíamos as capas de chuva. Mike não parecia satisfeito com isso. Tentei aparentar indiferença. – Nem imagino o que aconteceu com ele na segunda passada. Eu não conseguia me concentrar na tagarelice de Mike enquanto íamos para o ginásio, e a aula de educação física também não conseguiu prender minha atenção. Mike hoje era do meu time. Ele cobriu minhas posições como um cavalheiro, além das dele mesmo, então minha desatenção só foi interrompida quando era minha vez de sacar. Meu time se abaixava cautelosamente sempre que eu dava o saque. A chuva era apenas uma névoa quando fui para o estacionamento, mas eu estava mais feliz ao entrar na cabine seca do carro. Coloquei o aquecedor para funcionar, pela primeira vez sem me importar com o rugido enlouquecedor do motor. Abri o casaco, baixei o capuz e afofei o cabelo molhado para que o aquecedor pudesse secá-lo a caminho de casa. Olhei em volta para me certificar de que podia sair. Foi aí que percebi a figura imóvel e branca. Edward Cullen estava encostado na porta da frente do Volvo, a três carros de mim, e olhava intensamente na minha direção. Desviei os olhos rapidamente e engatei a ré, quase batendo num Toyota Corolla enferrujado na minha pressa. Para sorte do Toyota, pisei no freio a tempo. Era o tipo de carro que minha picape transformaria em sucata. Respirei fundo, ainda olhando para o outro lado, e cautelosamente dei a ré de novo, com maior sucesso. Fiquei olhando para a frente ao passar pelo Volvo mas, pela visão periférica, eu podia jurar que ele estava sorrindo.
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3. FENÔMENO 
Quando abri os olhos de manhã, havia algo diferente. Era a luz. Ainda era a luz verde-acinzentada de um dia nublado na floresta, mas de certa forma estava mais clara. Percebi que não havia um véu de neblina na minha janela. Pulei da cama para olhar para fora e gemi de pavor. Uma fina camada de neve cobria o jardim, acumulava-se no alto de minha picape e deixava a rua branca. Mas essa não era a pior parte. Toda a chuva da véspera havia se solidificado – cobrindo as agulhas das árvores em fantásticas formas e fazendo da entrada de carros uma pista de gelo liso e mortal. Para mim, já era difícil não cair quando o chão estava seco; agora devia ser mais seguro voltar para a cama. Charlie saíra para o trabalho antes que eu descesse ao primeiro andar. De muitas maneiras, morar com ele era como ter minha própria casa, e eu percebi que me divertia com a solidão, em vez de me sentir solitária. Engoli rápido uma tigela de cereais e um pouco de suco de laranja direto da caixa. Sentia-me empolgada para ir para a escola e isso me assustava. Eu sabia que minha expectativa não vinha do ambiente estimulante de aprendizado, nem de ver meu novo grupo de amigos. Para ser sincera comigo mesma, eu sabia que estava ansiosa para ir para a escola porque veria Edward Cullen. E isso era uma grande estupidez. Eu devia evitá-lo inteiramente depois de meu tagarelar desmiolado e constrangedor de ontem. E eu estava desconfiada; por que ele mentiria sobre os olhos? Eu ainda tinha medo da hostilidade que às vezes sentia emanar dele, e ainda ficava sem fala sempre que imaginava seu rosto perfeito. Estava bastante consciente de que minha praia e a praia de Edward eram universos que não se tocavam. Então eu não devia estar com essa ansiedade toda para vê-lo hoje. Precisei de toda a minha concentração para descer viva a entrada de carros de tijolos congelados. Quase perdi o equilíbrio quando finalmente cheguei à picape, mas consegui segurar no retrovisor e me salvar. Estava claro que o dia de hoje seria um pesadelo.
Dirigindo para a escola, me distraí d medo de cair e das especulações indesejadas sobre Edward Cullen pensando em Mike e Eric, e
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na diferença evidente no modo como os adolescentes daqui reagiam a mim. Tinha certeza de que estava com a mesmíssima aparência que tinha em Phoenix. Talvez fosse só porque os meninos de minha cidade tivessem me visto passar lentamente por todas as fases desajeitadas da adolescência e ainda me vissem dessa forma. Talvez fosse porque eu era nova por aqui, onde as novidades eram poucas e raras vezes aconteciam. É possível que minha falta de jeito incapacitante fosse considerada simpática, e não ridícula, tornando-me uma donzela em perigo. Qualquer que fosse o motivo, o comportamento de cachorrinho de Mike e a aparente rivalidade de Eric com ele eram desconcertantes. Eu não tinha certeza se preferiria ser ignorada. Minha picape não parecia ter problemas com o gelo escuro que cobria as ruas. Mas dirigi bem devagar, sem querer traçar uma rota de destruição pela rua principal. Na escola, quando saí do carro, vi por que tive tão poucos problemas. Uma coisa prateada atraiu meus olhos e andei até a traseira da picape – apoiando-me com cuidado na lateral – para examinar os pneus. Havia neles correntes finas formando losangos. Charlie se levantara cedo, sabe-se lá a que horas, para colocar correntes de neve na minha picape. Minha garganta de repente se apertou. Eu não estava acostumada com alguém cuidando de mim e a preocupação muda de Charlie me pegou de surpresa. Estava parada junto ao canto traseiro da picape, lutando para reprimir a onda de emoção que as correntes de neve me provocaram, quando ouvi um som estranho. Foi um guincho agudo e estava se tornando rápida e dolorosamente alto. Olhei para cima, sobressaltada. Vi várias coisas ao mesmo tempo. Nada estava se movendo em câmera lenta, como acontece nos filmes. Em vez disso, o jato de adrenalina parecia fazer com que meu cérebro trabalhasse muito mais rápido, e eu pude absorver simultaneamente várias coisas em detalhes nítidos.
Edward Cullen estava parado a quatro carros de mim, olhando-me apavorado. Sua face se destacava do mar de rostos, todos paralisados na mesma máscara de choque. Mas de importância mais imediata foi a van azul-escura que tinha derrapado, travado os pneus e guinchado com os freios, rodando como louca pelo gelo do estacionamento. Ia bater na
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traseira da minha picape e eu estava parada entre os dois carros. Não tinha tempo nem de fechar os olhos. Pouco antes de ouvir o esmagar da van sendo amassada na caçamba da picape, alguma coisa me atingiu, mas não da direção que eu esperava. Minha cabeça bateu no asfalto gelado e senti uma coisa sólida e fria me prendendo no chão. Eu estava deitada atrás do carro caramelo estacionado ao lado do meu. Mas não tive oportunidade de perceber mais nada, porque a van ainda vinha. Raspara com um rangido na traseira da picape e, ainda girando e derrapando, estava prestes a bater em mim de novo. Um palavrão baixo me deixou ciente de que alguém estava comigo e era impossível não reconhecer a voz. Duas mãos longas e brancas se estenderam protetoras na minha frente e a van estremeceu até parar a trinta centímetros do meu rosto, as mãos grandes criando um providencial amassado na lateral da van. Depois as mãos mexeram-se com tal rapidez que pareciam um vulto. Uma estava repentinamente agarrada sob a van, e alguma coisa me arrastava, balançando minhas pernas como as de uma boneca de trapos, até que elas atingiram o pneu do carro caramelo. Um gemido metálico feriu meus ouvidos e a van parou, estourando o vidro, no asfalto – exatamente onde, um segundo antes, minhas pernas estiveram. Por um segundo o silêncio foi absoluto, antes que começasse a gritaria. No tumulto repentino, eu podia ouvir mais de uma gritando meu nome. Mas com mais clareza ainda, podia ouvir a voz baixa e frenética de Edward Cullen no meu ouvido. – Bella? Está tudo bem? – Eu estou bem. – Minha voz parecia estranha. Tentei me sentar e percebi que ele me segurava junto à lateral de seu corpo num aperto de aço. – Cuidado – alertou ele enquanto eu me esforçava. – Acho que você bateu a cabeça com força. Percebi uma dor latejante acima da orelha esquerda. – Ai – eu disse, surpresa. – Foi o que eu pensei. – Pela voz dele, tive a surpreendente impressão de que ele reprimia o riso. – Como foi que… – gaguejei, tentando clarear a mente, tentando me orientar. – Como foi que chegou aqui tão rápido? – Eu estava bem do seu lado, Bella – disse ele, o tom sério novamente.
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Eu me virei para me sentar e desta vez ele deixou, afroxando o abraço em minha cintura e deslizando para longe de mim, o máximo que permitia o espaço limitado. Olhei para a expressão preocupada e inocente dele e de novo fiquei desorientada com a intensidade de seus olhos cor de ouro. O que foi que perguntei a ele mesmo? E depois eles nos acharam, uma multidão de gente com lágrimas descendo pelo rosto, gritando uns com os outros, gritando para nós. – Não se mexa – instruiu alguém. – Tirem o Tyler da van! – gritou outra pessoa. Houve um alvoroço com a atividade em nossa volta. Tentei me levantar, mas a mão fria de Edward puxou meus ombros para baixo. – Fique quieta por enquanto. – Mas está frio. – reclamei. Fiquei surpresa quando ele riu baixinho. Havia uma aspereza naquele som. – Você estava lá – lembrei-me de repente, e o riso dele paro num instante. – Você estava perto do seu carro. A expressão dele ficou séria. – Não estava não. – Vi você. – Tudo em nossa volta era um caos. Eu podia ouvir as vozes mais rudes de adultos que chegavam na cena. Mas, obstinadamente, me prendi a nossa discussão; eu estava certa e ele tinha que admitir isso. – Bella, eu estava parado do seu lado e tirei você do caminho. – Ele libertou todo o poder devastador de seus olhos em mim, como se tentasse comunicar alguma coisa crucial. – Não. – Finquei pé. O ouro em seus olhos inflamou. – Por favor, Bella. – Por quê? – perguntei. – Confie em mim – pediu ele, a voz suave e dominadora. Agora eu podia ouvir as sirenes. – Tudo bem – rebateu ele, repentinamente exasperado. – Tudo bem – repeti com raiva.
– Foram necessários seis paramédicos e dois professores – o Sr. Varner e o treinador Clapp – para afastar a van de nós o bastante para que as macas entrassem. Edward recusou veemente a dele e eu tentei fazer o mesmo, mas o traidor lhes disse que eu tinha batido a cabeça e devia ter uma concussão. Quase morri de humilhação quando me colocaram o protetor de pescoço. Parecia que toda a escola estava ali, olhando
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sobriamente enquanto me levavam para a traseira da ambulância. Edward andava na frente. Foi enlouquecedor. Para piorar as coisas, o chefe Swan chegou antes que pudessem me tirar dali em segurança. – Bella! – gritou ele em pânico quando me reconheceu na maca. – Eu estou bem, Char… pai – eu suspirei. – Não há nada de errado comigo. Ele se virou para o paramédico mais próximo, pedindo uma segunda opinião. Desliguei-me dele para refletir sobre a confusão de imagens inexplicáveis que se agitavam caoticamente em minha cabeça. Quando me levantaram do carro, eu vi o amassado fundo no pára-choque do carro caramelo – um amassado muito distinto, que combinava com os contornos dos ombros de Edward… Como se ele tivesse se jogado no carro com força suficiente para amassar a estrutura de metal… E depois havia a família dele, olhando à distância, com expressões que iam da censura à fúria, mas sem a menor sugestão de preocupação pela segurança do irmão. Tentei pensar numa solução lógica que explicasse o que acabara de ver – uma solução que excluísse o pressuposto de que eu estava louca. Naturalmente, a ambulância teve escolta policial até o hospital do condado. Eu me senti ridícula o tempo todo em que me levaram. O que piorava tudo era que Edward simplesmente passou pelas portas do hospital andando com os próprios pés. Trinquei os dentes. Eles me colocaram na emergência, uma sala comprida com uma fila de leitos separados por cortinas em tom pastel. Uma enfermeira pôs um aparelho de pressão no meu braço e um termômetro debaixo da minha língua. Como ninguém se incomodou em puxar a cortina para me dar alguma privacidade, decidi que não era mais obrigada a usar o protetor de pescoço de aparência idiota. Quando a enfermeira se afastou, abri o velcro rapidamente e o atirei debaixo da cama. Houve outra agitação do pessoal do hospital, outra maca trazida para o leito ao lado do meu. Reconheci Tyler Crowley, de minha turma de educação cívica, atrás das ataduras sujas de sangue que envolviam firmemente sua cabeça. Tyler parecia cem vezes pior do que eu. Mas olhava angustiado para mim. – Bella me desculpe!
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– Eu estou bem, Tyler… Você parece péssimo, está tudo bem com você? – Enquanto falávamos, enfermeiras começaram a desfazer sua atadura encharcada, expondo uma miríade de cortes superficiais em toda a testa e na bochecha de Tyler. Ele me ignorou. – Achei que ia matar você! Eu estava indo rápido demais e derrapei no gelo… – Ele gemeu quando uma das enfermeiras começou a limpar seu rosto. – Não se preocupe com isso; você não me acertou. – Como foi que saiu do caminho tão rápido? Você estava lá e de repente tinha sumido… – Hmmm… Edward me puxou de lá. Ele parecia confuso. – Quem? – Edward Cullen… Ele estava do meu lado. – Eu sempre menti muito mal, não parecia nada convincente. – Cullen? Não o vi… Caramba, acho que foi tudo tão rápido. Ele está bem? – Acho que sim. Está em algum lugar por aqui, mas ninguém o obrigou a usar uma maca. Eu sabia que não era louca. O que será que aconteceu? Não havia como explicar o que eu vira. Eles me levaram de novo na maca, para uma radiografia da cabeça. Eu lhes disse que não havia nada de errado e tinha razão. Nem uma concussão. Perguntei se podia sair, mas a enfermeira disse que primeiro teria que falar com o médico. Então fiquei presa na emergência, esperando, atazanada pelas desculpas constantes de Tyler e suas promessas de que iria me compensar. Não importava quantas vezes eu tentasse convencê-lo de que estava bem, ele continuava a se atormentar. Por fim, fechei os olhos e o ignorei. Ele continuou num murmúrio cheio de remorsos. – Ela está dormindo? – perguntou uma voz musical. Meus olhos se abriram. Edward estava parado ao pé do meu leito, com um sorriso malicioso. Olhei para ele. Não foi fácil – teria sido mais natural comer com os olhos. – Aí, Edward, me desculpe… – começou Tyler. Edward ergueu a mão para detê-lo.
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– Sem sangue, sem crime – disse ele, lampejando os dentes brilhantes. Ele foi se sentar na beira do leito de Tyler, virado para mim. Sorriu novamente com malícia. – E então, qual é o veredicto? – perguntou-me. – Não há nada de errado comigo, mas não me deixam ir embora – reclamei. – Por que é que você não foi amarrado a uma maca como nós? – Tem a ver com quem você conhece – respondeu ele. – Mas não se preocupe, eu vim libertá-la. Depois um médico apareceu e minha boca se abriu. Ele era jovem, era louro… e era mais lindo do que qualquer astro de cinema que eu já vira. Mas era pálido e parecia cansado, com olheiras. Pela descrição de Charlie, este tinha que ser o pai de Edward. – Então, Srta. Swan – disse o Dr. Cullen numa voz extraordinariamente agradável –, como está se sentindo? – Estou bem – disse. Esperava que pela última vez. Ele foi até o quadro de luz na parede acima de minha cabeça e o ligou. – Sua radiografia parece boa – disse ele. – Está com dor de cabeça? Edward disse que bateu com muita força. – Eu estou bem – repeti com um suspiro, lançando um breve olhar zangado para Edward. Os dedos frios do médico sondaram de leve meu crânio. Ele percebeu quando estremeci. – Dolorido? – perguntou ele. – Na verdade não. – Já senti coisas piores. Ouvi uma risadinha, olhei e vi o sorriso complacente de Edward. Meus olhos se estreitaram. – Bem, seu pai está na sala de espera… Pode ir para casa com ele agora. Mas volte se sentir vertigem ou tiver qualquer problema de visão. – Posso voltar para a escola? – perguntei, imaginando que Charlie tentaria ser atencioso. – Talvez devesse descansar hoje. Olhei para Edward. – Ele vai para a escola? – Alguém tem que espalhar a boa notícia de que sobrevivemos – disse Edward, presunçoso.
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– Na verdade – corrigiu o Dr. Cullen –, a maior parte da escola parece estar na sala de espera. – Ah, não – eu gemi, cobrindo o rosto com as mão. O Dr. Cullen ergueu as sobrancelhas. – Quer ficar aqui? – Não, não! – insisti, atirando as pernas pelo lado do leito e pulando para baixo rapidamente. Rápido demais. Eu cambaleei e o Dr. Cullen me segurou. Ele pareceu preocupado – Estou bem – garanti de novo. Não havia necessidade de dizer a ele que meus problemas de equilíbrio não tinham nada a ver com a pancada na cabeça. – Tome um Tylenol para a dor – sugeriu ele enquanto me equilibrava. – Não está doendo tanto assim – insisti. – Parece que vocês tiveram muita sorte – disse o Dr. Cullen, sorrindo ao assinar meu prontuário com um floreio. – A sorte foi Edward por acaso estar parado do meu lado – corrigi com um olhar duro para o objeto de minha declaração. – Ah, bem, sim – concordou o Dr. Cullen, repentinamente ocupado com a papelada diante dele. Depois desviou os olhos para Tyler e foi até o leito seguinte. Minha intuição vacilou; o médico deve ter percebido. – Mas acho que você terá que ficar conosco por mais um tempinho – disse ele a Tyler e começou a examinar os cortes. Assim que o médico se virou, fui para o lado de Edward. – Posso conversar com você um minuto? – sibilei baixinho. Ele recuou um passo, o queixo de repente trincado. – Seu pai está esperando você – disse ele entredentes. Eu olhei para o Dr. Cullen e para Tyler. – Gostaria de falar com você a sós, se não se importa – pressionei. Ele olhou, depois deu as costas e andou pela sala comprida. Quase tive que correr para acompanhá-lo. Assim que viramos para um corredor pequeno, ele girou o corpo e me encarou. – O que você quer? – perguntou, parecendo irritado. Seus olhos eram frios. A animosidade dele me intimidou. Minhas palavras saíram com menos severidade do que eu pretendia. – Você me deve uma explicação – lembrei a ele.
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– Eu salvei a sua vida… Não lhe devo nada. Eu vacilei com o ressentimento na voz dele. – Você prometeu. – Bella, você bateu a cabeça, não sabe do que está falando. – O tom de voz era cortante. Então perdi a calma e olhei para ele desafiadoramente. – Não há nada de errado com a minha cabeça. Ele sustentou o olhar. – O que quer de mim, Bella? – Quero saber a verdade – eu disse. – Quero saber por que estou mentindo por você. – O que você acha que aconteceu? – rebateu ele. A resposta saiu num jato. – Só o que sei é que você não estava em nenhum lugar perto de mim… O Tyler também não o viu, então não venha me dizer que bati a cabeça com força. Aquela van ia atropelar nós dois… E não aconteceu, e suas mãos pareceram amassar a lateral dela… E você deixou um amassado no outro carro e não está nada machucado… E a van devia ter esmagado minhas pernas, mas você a levantou… – Pude perceber como aquilo soava como maluquice e não consegui continuar. Estava tão irritada que podia sentir as lágrimas saindo; tentei obrigá-las a voltar, trincando os dentes. Ele me encarava incrédulo. Mas seu rosto estava tenso, na defensiva. – Acha que eu levantei a van? – O tom de voz questionava minha sanidade, mas só o que conseguiu foi me deixar mais desconfiada. Era como uma fala dita com perfeição por um ator habilidoso. Eu apenas concordei uma vez, as mandíbulas contraídas. Sabe que ninguém vai acreditar nisso. – Agora a voz dele tinha um tom de desdém. – Não vou contar a ninguém. – Eu disse cada palavra devagar, controlando cuidadosamente minha raiva. A surpresa passou rapidamente pelo rosto dele. – Então por que isso importa? – Importa para mim – insisti. – Não gosto de mentir… Então é melhor haver uma boa razão para que eu faça isso. – Não pode simplesmente me agradecer e acabar com isso? – Obrigada. – Eu esperei, furiosa e esperançosa.
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– Você não vai deixar passar em branco, não é? – Não. – Neste caso… Espero que goste de se decepcionar. Trocamos um olhar zangado em silêncio. Fui a primeira a falar, tentando me manter concentrada. Corria o risco de me distrair com o rosto lívido e glorioso de Edward. Era como tentar encarar um anjo exterminador. – Por que se deu ao trabalho, então? – perguntei friamente. Ele estancou e por um breve momento seu rosto pasmo ficou inesperadamente vulnerável. – Não sei – sussurrou ele. E depois ele me deu as costas e se afastou. Eu estava tão furiosa que precisei de alguns minutos para poder me mexer. Quando consegui andar, segui lentamente para a saída no final do corredor. A sala de espera foi mais desagradável do que eu temia. Parecia que cada rosto que eu conhecia em Forks estava lá, me encarando. Charlie correu para mim; eu levantei as mãos. – Não há nada de errado comigo – garanti a ele, carrancuda. Ainda estava exasperada, não estava com humor para conversinhas. – O que o médico disse? – O Dr. Cullen me examinou e disse que eu estava bem e que podia ir para casa. – Eu suspirei. Mike, Jessica e Eric estavam todos ali, começando a convergir para nós. – Vamos – instei com meu pai. Charlie pôs um braço pelas minhas costas, sem me tocar realmente, e me levou até as portas de vidro da saída. Acenei timidamente para meus amigos, esperando dar a entender que eles não precisavam se preocupar mais. Foi um enorme alívio – a primeira vez que senti isso – entrar na viatura. Seguimos no carro em silêncio. Eu estava tão imersa em meus pensamentos que mal dava pela presença de Charlie. Tinha certeza absoluta de que o comportamento defensivo de Edward no corredor fora uma confirmação das coisas estranhas que eu ainda não conseguia acreditar ter testemunhado. Quando chegamos em casa, Charlie finalmente falou. – Hmmm… Vai precisar ligar para a Renée. – Ele inclinou a cabeça, sentindo-se culpado.
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Fiquei apavorada. – Você contou à mamãe! – Desculpe. Bati a porta da viatura com uma força um pouco maior do que a necessária ao sair do carro. É claro que a minha mãe estava histérica. Tive que dizer a ela que eu me sentia bem pelo menos umas trinta vezes antes de ela se acalmar. Ela me implorou para ir para casa – esquecendo-se do fato de a casa neste momento estava vazia –, mas foi mais fácil resistir a suas súplicas do que eu teria imaginado. Eu estava consumida pelo mistério representado por Edward. E um pouco mais do que obcecada pelo próprio Edward. Idiota, idiota, idiota. Não estava tão ansiosa assim para escapar de Forks como deveria, como qualquer pessoa normal e sã teria feito. Decidi que podia muito bem ir para a cama mais cedo naquela noite. Charlie continuou a me observar ansiosamente e aquilo estava me dando nos nervos. Parei a caminho do quarto para pegar três comprimidos de Tylenol no banheiro. Eles ajudaram e, à medida que a dor cedia, eu caí no sono. Essa foi a primeira noite que sonhei com Edward Cullen.

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