segunda-feira, 21 de março de 2011

Crepúsculo - Capítulos 7 ao 12

7. PESADELO
 Eu disse a Charlie que tinha muito dever de casa para fazer e que não ia querer comer nada. Havia um jogo de basquete que o estava empolgando, embora, é claro, eu não fizesse a mínima idéia de que existia de especial nisso, então ele não percebeu nada incomum no meu rosto ou na minha voz. No meu quarto, tranquei a porta. Vasculhei minha mesa até encontrar meus folhos fones de ouvido e os conectei no pequeno CD player. Escolhi um CD que Phill me dera de Natal. Era de uma das bandas preferidas dele, mas havia baixo demais e muitos gritos para o meu gosto. Coloquei o CD no lugar e me deitei na cama. Pus os fones, apertei o Play e aumentei o volume até machucar meus ouvidos. Fechei os olhos, mas a luz ainda os invadia, então coloquei um travesseiro na cara. Eu me concentrei com muito cuidado na música, tentando entender a letra, desvendar o padrão complicado da bateria. Na terceira vez que ouvi todo o CD, eu sabia pelo menos toda a letra dos refrões. Fiquei surpresa em descobrir que eu afinal de contas gostava da banda, depois de conseguir passar pelo barulho ensurdecedor. Tive que agradecer a Phil novamente. E deu certo; graças à batida de rachar, foi impossível pensar – e era este o propósito do exercício. Ouvi o CD remetidas vezes, até que estava cantando todas as músicas e até que, finalmente, dormi. Abri os olhos para um lugar familiar. Percebia em algum canto de minha consciência que estava sonhando, reconheci a luz verde da floresta. Eu podia ouvir as ondas quebrando nas pedras em alguma lugar por perto. Sabia que, se achasse o mar, poderia ver o sol. Tentava seguir o som, mas então Jacob Black estava ali, dando puxões na minha cabeça, arrastando-me para a parte mais escura da floresta. "Jacob? Qual é o problema?", perguntei. O rosto dele estava assustado enquanto ele me puxava com toda a força e eu resistia. Eu não queria ir para a escuridão. "Corre, Bella, você tem que correr!", sussurrou ele, apavorado. "Por aqui, Bella!" Reconheci a voz de Mike gritando do meio sombrio das árvores, mas não conseguia vê-lo. "Por quê?", perguntei, ainda tentando me libertar de Jacob, desesperada para encontrar o sol.
Mas Jacob soltou minha mão e gritou, tremendo de repente, caindo no chão escuro da floresta. Ele se contorceu no chão enquanto eu olhava com pavor. "Jacob!?", gritei. Mas ele se fora. No lugar dele havia um lobo grande e castanho-avermelhado de olhos negros. O lobo desviou os olhos de mim, apontando o focinho para a praia, o pêlo eriçado nos ombros, emitindo grunhidos baixos por entre as presas à mostra. "Corre, Bella!", gritou Mike novamente de trás de mim. Mas não me virei. Estava vendo uma luz que vinha da praia na minha direção. E depois Edward saiu das árvores, a pele brilhando um pouco, os olhos escuros e perigosos. Ergueu uma das mãos e acenou para que eu fosse com ele. O lobo grunhiu a meus pés. Dei um passo à frente, para Edward. Ele sorriu e seus dentes eram afiados e pontudos. "Confie em mim", sussurrou ele. Dei outro passo. O lobo se atirou no espaço entre mim e o vampiro, as presas mirando a jugular dele. "Não!", gritei, erguendo-me estabanada da cama. Devia a meu movimento súbito, os fones puxaram o CD player da mesa de cabeceira e ele caiu no chão de madeira. Minha luz ainda estava acesa e eu estava sentada toda vestida na cama, ainda de sapatos. Olhei, desorientada, o relógio na cômoda. Eram cinco e meia da manhã. Gemi, caí de costas e me virei de bruços, tirando as botas nos chutes. Mas estava desconfortável demais para conseguir dormir. Rolei na cama e desabotoei o jeans, arrancando-os desajeitadamente ao tentar continuar na horizontal. Pude sentir a trança em meu cabelo, uma crista desagradável atrás de meu crânio. Virei-me de lado e tirei o elástico, penteando as mechas rapidamente com os dedos. Puxei o travesseiro para cima dos olhos. É claro que foi inútil. Meu subconsciente procurava exatamente as imagens que eu tentava evitar com tanto desespero. Teria que encará-las agora.
Eu me sentei e minha cabeça girou por um minuto enquanto o sangue fluía para baixo. Vamos começar pelo início, pensei comigo
mesma, feliz por poder adiar tudo pelo tempo que fosse possível. Peguei minha nécessaire. Mas o banho não durou tanto quanto eu esperava. Mesmo demorando para secar o cabelo, eu logo havia me livrado das coisas que tinha que fazer no banheiro. Enrolada numa toalha, fui para o meu quarto. Não sabia se Charlie ainda estava dormindo ou se já tinha saído. Fui olhar pela janela e a radiopatrulha não estava lá. Pescaria de novo. Vesti-me lentamente com meu moletom mais confortável e depois fiz minha cama – uma coisa que eu nunca fazia. Não consegui protelar mais. Fui para minha escrivaninha e liguei o velho computador. Eu odiava usar a Internet aqui. Meu modem era tristemente obsoleto, meu provador gratuito estava abaixo dos padrões; só a discagem levava tanto tempo que decidi preparar uma tigela de cereais enquanto esperava. Comi devagar, mastigando cada porção com cuidado. Quando terminei, lavei a tigela e a colher, enxuguei-as e as guardei. Meus pés se arrastavam ao subir a escada. Fui primeiro para meu CD player, pegando-o no chão e colocando-o precisamente no meio da mesa. Tirei meus fones e os guardei na gaveta da cômoda. Depois toquei o mesmo CD, diminuindo o volume a um ruído de fundo. Com outro suspiro, liguei o computador. Naturalmente, a tela estava cheia de pop-ups. Sentei em minha dura cadeira dobrável e comecei a fechar todas as pequenas janelas. Por fim entrei na minha ferramenta de busca preferida. Fechei mais algumas pop-ups e digitei uma palavra. Vampiro. É claro que levou um tempo exasperadamente longo. Quando os resultados apareceram, havia muita coisa para ver – tudo, de filmes a programas de TV a RPG, underground metal e empresas de cosméticos góticos. E então encontrei um site promissor – Vampiros de A-Z. Esperei impaciente que carregasse, clicando rapidamente para fechar cada propaganda que aparecia na tela. Por fim a tela estava concluída – um fundo branco simples com o texto em preto, de aparência acadêmica. Duas citações me receberam na home page:
Em todo o vasto mundo das sombras de fantasmas e demônios, não há figura tão terrível, nenhum personagem tão medonho e abominado, e
no entanto transvertido de tal fascínio temeroso, como o vampiro, que não é nem fantasma nem demônio, mas participa da natureza das sombras e possui as qualidades misteriosas e terríveis de ambos. -Rev. Montague Summers Se há neste mundo um relato bem documentado é o dos vampiros. Nada falta ali: relatórios oficiais, atestados de pessoas reputadas, de médicos, de padres, de magistrados; a prova judicial é a mais completa. E com tudo isso, quem há que acredite em vampiros? -Rousseau O resto do site era uma lista em ordem alfabética de todos os diferentes mitos de vampiros que existem em todo o mundo. O primeiro em que cliquei, o Danag, era um vampiro filipino supostamente responsável pelo cultivo de inhame nas ilhas há muito tempo. Dizia o mito que o Danag trabalhou com seres humanos por muitos anos, mas um dia a parceria terminou, quando uma mulher cortou o dedo e um Danag chupou a ferida, desfrutando tanto do sabor que drenou totalmente o sangue de seu corpo. Li atentamente as descrições, procurando por alguma coisa que parecesse familiar, sem mencionar plausível. Parecia que a maioria dos mitos de vampiros tinha mulheres bonitas como demônios e crianças como vítimas; também pareciam criados para explicar o alto índice de mortalidade de crianças novas e dar aos homens uma desculpa para a infidelidade. Muitas histórias envolviam espíritos incorpóreos e alertas contra enterros inadequados. Não havia muito que se parecesse com os filmes que eu vira, e só alguns, como o Estrie hebraico e o Upier polonês, ainda se preocupavam em beber sangue. Só três entradas realmente prendem minha atenção: o romeno Veracolaci, um morto-vivo poderoso que podia aparecer como um ser humano bonito de pele clara; o eslovaco Nelapsi, uma criatura tão forte e tão rápida que podia massacrar uma aldeia inteira na primeira hora depois da meia-noite; e outro, chamado Stregoni benefici. Sobre este último, só havia uma frase curta. Strangoni benefici: vampiro italiano que diz-se estar do lado do bem e é inimigo mortal de todos os vampiros do mal.
Foi um alívio que nesta pequena entrada, existisse centenas de mitos, um que afirmava a existência de vampiros do bem. Entretanto, no geral, pouco havia que coincidisse com as histórias de Jacob ou minhas próprias observações. Fiz um pequeno catálogo em minha mente enquanto lia e o comparei cuidadosamente com cada mito. Velocidade, força, beleza, pele clara, olhos que mudam de cor; e depois os critérios de Jacob: bebedores de sangue, inimigos do lobisomem, pele fria, e imortais. Havia poucos mitos que combinassem ao menos com um dos fatores. E depois outro problema, uma questão de que eu me lembrava do pequeno número de filmes de terror que vira e era sustentada pela leitura de hoje – os vampiros não podia sair à luz do dia, o sol os queimava até que virassem cinzas. Eles dormiam em caixões o dia todo e só saíam à noite. Exasperada, puxei a tomada do computador, sem esperar para desligar tudo adequadamente. Em minha irritação, senti um constrangimento dominador. Era tudo tão idiota. Eu estava sentada no meu quarto, pesquisando vampiros. O que havia de errado comigo? Conclui que metade de culpa cabia à cidade de Forks – aliás, a toda a encharcada península de Olympic. Precisava sair de casa, mas não havia aonde eu quisesse ir que não envolvesse uma viagem de três dias. Calcei as botas assim mesmo, sem ter certeza de para onde ir, e desci o primeiro andar. Vesti a capa de chuva sem olhar o tempo e disparei porta afora. Estava nublado, mas ainda não chovia. Ignorei meu carro e parti para o leste a pé, atravessando na diagonal o jardim de Charlie em direção à floresta que invadia o terreno continuamente. Pouco tempo depois eu havia avançado bastante, a casa e a rua estavam invisíveis e os únicos sons eram o esmagar da terra molhada debaixo de meus pés e o grito súbito dos gaios.
Havia ali uma trilha estreita que levava para o interior da floresta, ou eu não me arriscaria a vagar sozinha desse jeito. Meu senso de orientação era um desastre; eu podia me perder em ambientes poucos salubres. A trilha entrava cada vez mais fundo na floresta, principalmente para o leste, pelo que eu podia perceber. Serpenteava pelos espruces e as cicutas, os teixos e bordos. Só conhecia vagamente os nomes das árvores em volta de mim, e tudo o que eu sabia se devia ao fato de Charlie apontá-
las da janela da viatura na minha infância. Havia muitas que eu não conhecia e outras sobre as quais não podia ter certeza porque estavam cobertas demais de parasitas verdes. Segui a trilha pelo tempo que a raiva que sentia por mim mesma me impeliu. Quando a raiva começou a amainar, diminuí o passo. Algumas gotas de água escorriam do dossel verde acima de mim, mas eu não podia ter certeza se estava começando a chover ou se eram simplesmente gotas que restaram de ontem, presas nas folhas no alto, caindo devagar na terra. Uma árvore recém-caída – eu sabia que era recente porque não estava totalmente atapetada de musgo – pousava no tronco de uma de suas irmãs, criando um pequeno banco abrigado e uma distância segura da trilha. Passei por cima das samambaias e me sentei com cuidado, assegurando-me de que meu casaco estivesse entre o assento molhado e minhas roupas onde quer que se tocassem, e encostei a cabeça na árvore viva. Este era o lugar errado para ir. Eu devia saber disso, mas para onde mais iria? A floresta era de um verde imenso e parecida demais com a cena sonho da noite passada para que eu tivesse paz de espírito. Agora que não havia mais o som de meus passos ensopados, o silêncio era penetrante. As aves também estavam quietas, a freqüência das gotas aumentava, então devia estar chovendo no alto. Agora que eu estava sentada as samambaias eram mais altas que minha cabeça, e eu sabia que alguém podia andar pela trilha a um metro de distância, e não me ver. Aqui, nas árvores, era muito mais fácil acreditar nos absurdos que me constrangiam entre quatro paredes. Nada mudara nesta floresta há milhares de anos e todos os mitos e lendas de cem terras diferentes pareciam muito mais prováveis neste névoa verde do que me meu quarto claro. Obriguei a mim mesma a me concentrar nas duas questões mais fundamentais que eu precisa responder, mas o fiz sem muita vontade. Primeira, eu tinha de decidir se era possível que o que Jacob dissera sobre os Cullen fosse verdade.
Minha mente reagiu imediatamente com uma negativa retumbante. Era tolice e morbidez acolher essas idéias ridículas. Mas o quê, então?, perguntei a mim mesma. Não havia explicação racional para eu estar viva neste momento. Relacionei novamente me minha cabeça as coisas que observei: a velocidade e a força impossíveis, a cor dos olhos mudando de preto para o dourado e voltando ao preto, a beleza inumana, a pele branca e
gélida. E mais – coisinhas que entraram na minha cabeça aos poucos –, eles nunca pareciam comer, e havia a elegância perturbadora com que cada um deles se movimentava. E o modo como ele falava às vezes, com uma cadência desconhecida e expressões do século XXI. Ele tinha matado aula naquele dia em que fizemos tipagem sangüínea. Ele não disse não para a viagem à praia até saber aonde iríamos. Ele parecia saber o que todos por perto dele pensavam… A não ser eu. Ele me dissera que era o vilão, perigoso… Será que os Cullen eram vampiros? Bom, eles eram alguma coisa. Algo fora da possibilidade de justificativa racional acontecia diante de meus olhos incrédulos. Fossem os frios de Jacob ou minha teoria de super-herói, Edward Cullen não era… humano. Era algo mais. Então – talvez. Esta teria que ser minha resposta por enquanto. E havia a questão mais importante de todas. O que eu ia fazer se fosse verdade? Se Edward fosse um vampiro – eu mal conseguia me obrigar a pensar nas palavras –, então, o que eu deveria fazer? Definitivamente estava fora de cogitação envolver outra pessoa. Eu nem conseguia acreditar em mim mesma; qualquer um me internaria. Apenas duas opções pareciam práticas. A primeira era aceitar o conselho dele: ser inteligente e evitá-lo ao máximo. Cancelar nossos planos, voltar a ignorá-lo da melhor maneira que eu pudesse. Fingir que havia um vidro grosso e impenetrável entre nós em uma aula onde éramos obrigados a sentar juntos. Dizer a ele para me deixar em paz – e falar sério desta vez. Fui tomada por uma angústia repentina e desesperada ao considerar essa alternativa. Minha mente rejeitou a dor, pulando rapidamente para a opção seguinte. Eu não podia fazer nada diferente. Afinal, se ele era uma coisa… sinistra, até agora não tinha feito nada para me machucar. Na verdade, eu seria um vestígio da pancada no pára-lama do cerro de Tyler se ele não tivesse agido com tanta rapidez. Tão rápido, argumentei comigo mesma, que podia ter sido por mero reflexo. Mas se foi um reflexo para salvar uma vida, como ele poderia ser mau?, retruquei. Minha cabeça girava sem respostas.
Havia algo de que eu tenha certeza, se é que tinha certeza de alguma coisa. O Edward sombrio de meu sonho da noite passada era um reflexo do medo que senti pelo que Jacob havia dito, e não do próprio Edward. Mesmo assim, quando gritei de pavor com o ataque do lobisomem, não foi o medo do lobisomem que levou o grito "não" a meus lábios. Foi o medo de que ele fosse ferido – mesmo que ele tivesse me chamado com suas presas afiadas, eu temia por ele. E eu sabia que havia uma resposta aí. Não sabia se havia uma alternativa. Eu já mergulhara fundo demais. Agora que eu sabia – se é que sabia –, nada podia fazer com meu segredo assustador. Porque, ao pensar nele, na voz dele, em seus olhos hipnóticos, na força magnética de sua personalidade, o que eu mais queria era estar com ele agora. Mesmo que… Mas eu não podia pensar nisso. Não aqui, sozinha na floresta que escurecia. Não enquanto a chuva a tornava sombria como um crepúsculo sob as árvores e tamborilava como passos no chão de terra emaranhado. Eu tremi e me levantei rapidamente de meu esconderijo, preocupada que de algum modo a trilha sumisse com a chuva. Mas estava ali, segura e lúcida, sinuosa no labirinto verde gotejante. Eu a segui apressada, o capuz puxado para o rosto, surpreendendo-me, à medida que quase corria pelas árvores, como o ponto a que cheguei. Comecei a me perguntar se ia conseguir sair dali, ou se seguiria a trilha ainda mais para os confins da floresta. Mas antes que o pânico fosse demasiado, comecei a vislumbrar alguns espaços abertos pela teia de galhos. Depois pude ouvir um carro passando na rua, e eu estava livre, o gramado de Charlie estendendo-se na minha frente, a casa me chamando, prometendo-me calor e meias secas. Era quase meio-dia quando voltei para dentro. Fui para o segundo andar e me troquei, jeans e uma camiseta, uma vez que ia ficar em casa. Não precisei de muito esforço para me concentrar na tarefa do dia, um trabalho sobre MacBeth que devia entregar na quarta. Comecei a escrever um rascunho satisfeita, mais serena do que me sentia desde… Bom, desde a tarde de quinta-feira, para ser franca.
Mas este sempre foi o meu jeito. Tomar decisões era a parte dolorosa para mim, a parte que me angustiava. Mas depois que a decisão era tomada, eu simplesmente seguia – em geral com alívio por ter decidido o que fazer. Às vezes o alívio era tingido de desespero, como minha resolução de vir para Forks. Mas ainda era melhor do que lutar com as alternativas. Era ridiculamente fácil conviver com esta decisão. Perigosamente fácil. E assim o dia foi tranqüilo e produtivo – terminei o trabalho antes das oito. Charlie chegou em casa com um bom resultado da pescaria e tomei nota mentalmente para comprar um livro de receitas de peixe quando estivesse em Seattle na semana seguinte. Os arrepios que seguiam em minha espinha sempre que pensava nesta viagem não eram diferentes daqueles que senti antes de dar o passeio com Jacob Black. Deviam ser diferentes, pensei. Eu devia estar com medo – sabia que devia, mas não conseguia sentir esse tipo de medo. Naquela noite, dormi um sono sem sonhos, exausta por ter começado o dia tão cedo depois de dormir tão mal na noite anterior. Acordei, pela segunda vez desde que cheguei a Forks, com a luz amarela de um dia de sol. Pulei para a janela, atordoada ao ver que quase não havia uma nuvem no céu e que aquelas que havia eram só floquinhos felpudos e brancos que não podiam trazer chuva nenhuma. Abri a janela – surpresa quando ela se moveu em silêncio, sem agarrar, pois não a abria há quem sabe quantos anos – e respirei o ar relativamente seco. Estava quase quente e praticamente não ventava. Meu sangue se eletrizou nas veias. Charlie estava terminando o café-da-manhã quando eu desci e ele percebeu meu estado de espírito de imediato. – Está um lindo dia – comentou. – É – concordei com um sorriso. Ele também sorriu, os olhos enrugando-se nos cantos. Quando Charlie sorria, era mais fácil entender por que ele e minha mãe tinham decidido se casar tão rapidamente. A maior parte do romantismo da juventude dele naquela época desaparecera antes que eu o conhecesse, à medida que seu cabelo castanho e ondulado – a mesma cor, se não a mesma textura, do meu – tinha encolhido, aos poucos revelando cada vez mais a pele brilhante da testa. Mas quando ele sorria, eu podia ver um pouco do homem que fugira com Renée quando ela era só dois anos mais velha do que eu.
Tomei meu café-da-manhã animada, vendo a poeira se agitar na luz do sol que jorrava pela janela dos fundos. Charlie gritou um até logo e ouvi a radiopatrulha sair da casa. Hesitei a caminho da porta, a mão na capa de chuva. Seria uma provocação com o destino deixá-la em casa. Com um suspiro, dobrei-a em meu braço e saí para a luz mais brilhante que eu via em meses. Depois de muito esforço, consegui que as duas janelas da picape ficassem quase completamente abertas. Fui uma das primeiras a chegar na escola, tem bancos de piquenique quase sem uso no lado sul do refeitório. Os bancos ainda estavam meio molhados, então eu me sentei em cima da capa de chuva, feliz por encontrar utilidade para ela. Meu dever de casa estava pronto – o produto de uma vida social pachorrenta –, mas havia alguns problemas de trigonometria que eu não tinha certeza se estavam certos. Abri o livro com vontade, mas na metade da revisão do primeiro problema fiquei devaneando, vendo o sol brilhar nas árvores de casca vermelha. Rabisquei desatenta nas margens de meu dever de casa. Depois de alguns minutos, de repente percebi que tinha desenhado cinco pares de olhos escuros me encarando da página. Passei a borracha neles. – Bella! – ouvi alguém gritar, e parecia Mike. Olhei em volta e percebi que a escola tinha se povoado enquanto eu estava sentada ali, distraída. Todos estavam de camiseta, alguns até de short, mas a temperatura não podia ser mais de 15 graus. Mike vinha na minha direção de short cáqui e uma camiseta de rúgbi rasgada, acenando. – Oi, Mike – respondi, acenando também, incapaz de ser indiferente numa manhã dessas. Ele veio se sentar ao meu lado, o cabelo meticulosamente arrepiado brilhando dourado na luz, o sorriso se espalhando pelo rosto. Estava tão contente em me ver, que não consegui deixar de ficar satisfeita. – Eu não havia notado… Seu cabelo é meio ruivo – comentou ele, pegando entre os dedos uma mecha que tremulava na brisa leve. – Só no sol. Fiquei pouco à vontade enquanto ele colocava a mecha atrás da minha orelha. – Um ótimo dia, né? – Do jeito que eu gosto – concordei. – O que você fez ontem? – O tom de voz dele era um tanto possessivo. – Trabalhei no dever sobre MacBeth, principalmente. – Não acrescentei que tinha concluído; não precisava parecer presunçosa. Ele bateu a mão na testa
– Ah, é… É para quinta, não é? – Hmmm, para quarta, eu acho. – Quarta? – Ele franziu o cenho. – Isso não é bom… O que está escrevendo no seu? – Se o tratamento de Shakespeare das personagens femininas é misógino. Ele me olhou como se eu tivesse acabado de falar em um latim capenga. – Acho que vou ter que trabalhar nisso hoje à noite – disse ele, murcho. – Eu ia convidar você para sair. – Ah. – Fui apanhada de guarda baixa. Por que eu não podia ter uma conversa agradável com Mike sem que ficasse estranho? – Bom, a gente podia sair para jantar ou coisa assim… E eu podia fazer o trabalho depois. – Ele sorriu para mim, cheio de esperança. – Mike… – Eu odiava deixar alguém numa saia justa. – Não acho que seria uma boa idéia. Ele ficou com a cara no chão. – Por quê? – perguntou, os olhos na defensiva. Meus pensamentos vacilara para Edward, perguntando-me se era o que Mike também estava pensando. – É que eu acho… e, se um dia contar a alguém o que vou dizer agora, eu mato você com todo o prazer – ameacei –, mas acho que isso ia magoar Jessica. Ele ficou confuso, obviamente sem ter pensado neste sentido. – Jessica? – Francamente, Mike, você é cego? – Ah – ele suspirou, claramente confuso. Tirei proveito disso para conseguir fugir. – Está na hora da aula e não posso me atrasar de novo. – Peguei meus livros e os enfiei na bolsa. Andamos em silêncio para o prédio três e ele tinha uma expressão desligada. Eu esperava que os pensamentos em que estivesse imerso o levassem na direção correta.
Quando vi Jessica na aula de trigonometria, ela estava borbulhando de entusiasmo. Ela, Angela e Lauren iam a Port Angeles à noite para comprar roupas para o baile, e ela queria que eu fosse também, embora eu não precisasse de roupa nenhuma. Fiquei indecisa. Seria legal sair da
cidade com umas amigas, mas Lauren estaria lá. E quem sabia o que eu podia estar fazendo à noite… Mas esse era definitivamente o caminho errado para deixar que minha mente vagasse. É claro que eu estava feliz com a luz do sol. Mas isso não era totalmente responsável pelo estado de espírito eufórico que eu sentia, nem chegava perto. Então respondi-lhe com um talvez, dizendo-lhe que eu teria que falar com Charlie primeiro. Ela só falava no baile a caminho da aula de espanhol continuando como se não tivesse interrompido quando a aula finalmente terminou e nós fomos almoçar. Eu estava perdida demais em meu frenesi de expectativa para perceber a maior parte do que ela dizia. Fiquei dolorosamente ansiosa para ver não só ele, mas todos os Cullen – para compará-los com as novas suspeitas que infestavam minha mente. Assim que passei pela soleira da porta do refeitório senti a primeira verdadeira pontada de medo descer por minha espinha e acomodar-se em meu estômago. Será que eles conseguiriam saber o que eu estava pensando? E depois uma sensação diferente me sacudiu – será que Edward estaria esperando para se sentar comigo de novo? Como era minha rotina, olhei primeiro para a mesa dos Cullen. Um tremor de pânico atingiu meu estômago quando percebi que estava vazia. Com uma esperança que encolhia, meus olhos varreram o resto do refeitório, querendo encontrá-lo sozinho, aguardando por mim. Esta quase lotado – a aula de espanhol nos atrasara –, mas não havia sinal de Edward e de ninguém da família dele. A desolação me tomou com uma força incapacitante. Caminhei sem firmeza atrás de Jessica, sem me dar ao trabalho de fingir que ainda a ouvia. Estávamos atrasadas o bastante para que todos já estivessem em nossa mesa. Evitei a cadeira vazia ao lado de Mike e fui para outra perto de Angela. Percebi vagamente que Mike afastou a cadeira educadamente para Jessica e que a cara dela se iluminou com isso. Angela fez algumas perguntas em voz baixa sobre o trabalho de MacBeth, que respondi com a maior naturalidade possível enquanto caía numa espiral de infelicidade. Ela também me convidou para ir com elas esta noite e então eu concordei, prendendo-me a qualquer coisa que pudesse me distrair.
Percebi que me agarrava ao último fiapo de esperança quando entrei na aula de biologia, vi o lugar dele vazio e senti uma nova onda de decepção. O resto do dia se passou lenta e melancolicamente. Na educação física, tivemos uma aula sobre as regras do badminton, a tortura seguinte que preparavam para mim. Mas pelo menos isso significava que eu ia ficar sentada ouvindo, em vez de tropeçar pela quadra. A melhor parte foi que o treinador não terminou, então eu teria outro dia de folga amanhã. Pouco importava que no dia seguinte me armariam com uma raquete antes de me libertar pelo resto da aula. Fiquei feliz por sair do campus, assim eu estaria livre para fazer meus beicinhos e me lamentar antes de sair à noite com Jessica e companhia. Mas logo depois de entrar pela porta da casa de Charlie, Jessica ligou para cancelar nossos planos. Tentei ficar feliz com o fato de Mike tê-la convidado para jantar – eu estava mesmo aliviada por ele finalmente ter entendido –, mas meu entusiasmo parecia falso a meus próprios ouvidos. Ela reprogramou nossa viagem de compras para amanhã à noite. Isso me deixou com poucas distrações. Temperei o peixe para o jantar, fiz uma salada e preparei um pão que sobrara da noite anterior, então não havia nada a fazer ali. Passei uma meia hora concentrada no dever de casa, mas depois também o terminei. Chequei meu e-mail, lendo as mensagens de minha mãe, que ficavam mais mal-humoradas à medida que se acumulavam. Eu suspirei e digitei uma resposta rápida. Mãe, Desculpe, estive fora. Fui à praia com alguns amigos. E preciso escrever um trabalho. Minhas desculpas eram muito patéticas, então desisti delas. Hoje fez sol – eu sei, estou chocada também –, então vou ficar lá fora e me encharcar do máximo de vitamina D que eu puder. Eu te amo.
Decidi matar uma hora com leituras não relacionadas à escola. Eu tinha uma coleção de livros que vieram comigo para Forks, e o volume Bella.
mais esfrangalhado era uma compilação da obras de Jane Austen. Escolhi esse e fui para o quintal, pegando uma manta velha e puída no armário do alto da escada ao descer. No quintal pequeno e quadrado de Charlie, dobrei a manta ao meio e a coloquei nas sombras das árvores no gramado espesso, sempre meio úmido, independentemente de o quanto o sol brilhasse. Deitei de bruços, cruzando os tornozelos no ar, folheando os diferentes romances do livro, tentando decidir qual deles ocuparia mais a minha mente. Meus preferidos eram Orgulho e Preconceito e Razão e Sensibilidade. Li o primeiro mais recentemente então comecei por Razão e Sensibilidade, só para me lembrar, depois que comecei o capítulo três, que o herói da história por acaso se chamava Edward. Irritada, passei para Mansfield Park, mas o herói do romance se chamava Edmund, e isso era parecido demais. Será que não havia nenhum outro nome disponível no século XVIII? Fechei o livro ruidosamente, irritada, e rolei de costas. Puxei as mangas o mais alto que pude e fechei os olhos. Só ia pensar no calor em minha pele, disse a mim mesma severamente. A brisa ainda era leve, mas soprava uns fios de meu cabelo no rosto e isso me fez cócegas. Puxei todo o cabelo para trás, deixando que caísse em leque na manta embaixo de mim, e me concentrei novamente no calor que tocava minhas pálpebras, as maçãs do rosto, meu nariz. Quando dei por mim, percebi o som da viatura de Charlie virando no piso da entrada de carros. Sentei-me surpresa, notando que a luz se fora, atrás das árvores, e eu tinha dormido. Olhei em volta, desnorteada, com a sensação repentina de que não estava só. – Charlie? – perguntei, mas eu podia ouvir a porta batendo na frente da casa. Fiquei de pé num pulo, tensa sem nenhum motivo, pegando a manta agora molhada e meu livro. Corri para dentro a fim de colocar o óleo para esquentar no fogão, percebendo que o jantar sairia atrasado. Charlie estava pendurando o cinto da arma e tirando as botas quando eu entrei. – Desculpe, pai, o jantar ainda não está pronto… Eu dormi lá fora. – Reprimi um bocejo. – Não se preocupe com isso – disse ele. – Eu queria pegar o placar do jogo, de qualquer forma.
Para ter alguma coisa para fazer, vi TV com Charlie depois do jantar. Não havia nada que eu quisesse assistir, mas ele sabia que eu não
gostava de basquete, então colocou numa sitcom estúpida de que nenhum de nós gostou. Mas ele parecia feliz por fazermos alguma coisa juntos. E foi bom, apesar de minha depressão, fazê-lo feliz. – Pai – eu disse durante um intervalo –, Jessica e Angela vão procurar vestidos para o baile amanhã à noite em Port Angeles, e elas queriam que eu ajudasse a escolher… Se importa se eu for com elas? – Jessica Stanley? – perguntou ele. – E Angela Weber. – Suspirei ao lhe dar os detalhes. Ele ficou confuso. – Mas você não vai ao baile, não é? – Não, pai, mas vou ajudar umas meninas a encontrar vestidos… Sabe como é, para fazer uma crítica construtiva. – Eu não teria que explicar isso a uma mulher. – Bom, tudo bem. – Ele pareceu perceber que essas coisas de mulherzinha estavam além de sua compreensão. – Mas no dia seguinte tem aula. – Vamos sair logo depois da escola, então podemos voltar cedo. Não vai ter problemas com o jantar, não é? – Bells, eu me alimentava sozinho há dezessete anos antes de você vir para cá – ele me lembrou. – Não sei como sobreviveu – murmurei, depois acrescentei com mais clareza –, vou deixar algumas coisas para um sanduíche frio na geladeira, está bem? Na prateleira de cima. A manhã foi ensolarada de novo. Acordei com uma esperança renovada que tentei reprimir com rigor. Me vesti para o clima mais quente com uma blusa azul-escura com decote em V – uma coisa que eu vestia no auge do inverno em Phoenix. Eu tinha planejado minha chegada à escola de modo que mal tivesse tempo para entrar na sala. Com o coração aos pulos, contornei o estacionamento cheio, procurando por uma vaga, ao mesmo tempo que também procurava pelo Volvo que claramente não estava ali. Estacionei na última fila e corri para a aula de inglês, chegando sem fôlego, mas controlada, antes que o sinal tocasse. Foi igual a ontem – eu simplesmente não conseguia evitar que as sementes de esperanças brotassem na minha mente, para depois vê-las sendo esmagadas sem dó enquanto eu procurava em vão pelo refeitório e me sentava no lugar vazio na carteira de biologia.
O esquema de Port Angeles mudou de novo esta noite e ficou mais interessante pelo fato de que Lauren tinha outros compromissos. Fiquei ansiosa para sair da cidade, para que pudesse parar de olhar sobre o ombro, na esperança de vê-lo aparecer do nada, como ele sempre fazia. Jurei a mim mesma que estaria de bom humor à noite e não estragaria a diversão de Angela e Jessica na caça ao vestido. Talvez eu pudesse comprar algumas roupas também. Recusei-me a pensar que podia fazer compras sozinha em Seattle neste fim de semana, sem ter mais interesse no que foi combinado antes. Certamente ele não cancelaria sem me avisar. Depois da aula, Jessica me acompanhou até em casa com seu velho Mercury branco para que eu pudesse deixar meus livros e a picape. Escovei o cabelo rapidamente quando estava lá dentro, sentindo uma leve empolgação, ao pensar em sair de Forks. Deixei um bilhete para Charlie na mesa, explicando de novo onde estava o jantar, tirei a carteira surrada da bolsa da escola, coloquei numa bolsa que eu raras vezes usava e corri para encontrar Jessica. Em seguida fomos à casa de Angela e ela estava nos esperando. Minha empolgação aumentava exponencialmente à medida que saíamos dos limites da cidade.

8. PORT ANGELES 
Jess dirigia mais rápido do que um ás do volante, então partimos para Port Angeles às quatro horas. Havia algum tempo que eu não saía à noite com amigas minhas e o afluxo de estrogênio era revigorante. Ouvimos as baladas lamentosas de rock enquanto Jessica tagarelava sobre os meninos com quem saíamos. O jantar de Jessica com Mike tinha sido ótimo e ela esperava que no sábado à noite eles tivessem avançado para a fase do primeiro beijo. Sorri para mim mesma, satisfeita. Angela estava passivamente feliz por ir ao baile, mas na verdade não estava interessada em Eric. Jess tentou fazê-la confessar quem era o tipo dela, mas depois de um tempinho eu interrompi com uma pergunta sobre os vestidos, para poupá-la. Angela me lançou um olhar de gratidão. Port Angeles era uma linda armadilha para turistas, muito mais refinada e singular do que Forks. Mas Jessica e Angela conheciam muito bem a cidade, então não pretendiam perder tempo no pitoresco calçadão junto à baia. Jess dirigiu direto para uma das grandes lojas de departamento da cidade, que ficava a algumas ruas da área da baía que agradava os visitantes. O traje do baile foi anunciado como passeio completo e não tínhamos muita certeza do que isso significava. Jessica e Angela demonstraram surpresa e quase descrença quando lhes contei que nunca fora a um baile em Phoenix. – Você nunca saiu com um namorado, nem nada disso? – perguntou Jess desconfiada enquanto passávamos pelas portas da loja. – É verdade – tentei convencê-la, sem querer confessar meus problemas com a dança. – Nunca tive namorado nem nada parecido. Eu não saía muito. – E por que não? – quis saber Jessica. – Ninguém me convidava – respondi com sinceridade. Ela me olhou cética. – As pessoas te convidam para sair aqui – lembrou-me ela – e você diz não a elas. – Agora estávamos na seção juvenil, olhando as araras em busca de roupas de noite. – Bom, a não ser pelo Tyler – corrigiu Angela em voz baixa. – Como é? – eu arfei. – O que foi que você disse?
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– O Tyler contou a todo mundo que vai levar você ao baile dos alunos – informou-me Jessica com os olhos desconfiados. – Ele disse isso? – Tive a impressão de que ia sufocar. – Eu te falei que não era verdade – murmurou Angela para Jessica. Fiquei em silêncio, ainda completamente em uma espécie de choque, que rapidamente estava virando irritação. Mas tínhamos achado as araras de vestidos e agora havia um trabalho a fazer. – É por isso que Lauren não gosta de você – disse Jessica entre risos enquanto manuseávamos as roupas. Trinquei os dentes. – Você acha que se eu o atropelasse com a minha picape ele pararia de se sentir culpado pelo acidente? Que ele podia desistir de tentar compensar e nós estaríamos quites? – Talvez – Jessica riu baixinho. – Se for por isso mesmo que ele está agindo assim. As opções de vestidos não eram muitas, mas as duas acharam algumas coisas para experimentar. Fiquei sentada em uma cadeira baixa do lado de fora das cabines de prova, perto do espelho triplo, tentando controlar minha fúria. Jess ficou dividida entre dois – um tomara-que-caia longo e preto bem básico e um azul elétrico na altura dos joelhos com alças finas. Eu a estimulei a ficar com o azul; por que não realçar os olhos? Angela escolheu um vestido rosa-claro que caiu muito bem em seu corpo alto e destacou os tons de mel do cabelo castanho-claro. Não economizei elogios e as ajudei a recolocar nas araras as roupas rejeitadas. Todo o processo foi muito mais curto e mais fácil do que as viagens semelhantes que eu fazia com Renée na minha cidade. Acho que havia vantagens nas opções limitadas. Fomos procurar sapatos e acessórios. Enquanto elas experimentavam as coisas, eu apenas observava e criticava, sem humor nenhum para comprar algo para mim, embora precisasse de sapatos novos. O ponto alto da saída com as amigas desaparecia na esteira de minha irritação com Tyler, deixando espaço para a volta das trevas. – Angela? – comecei, hesitante, enquanto ela experimentava um par de sapatos de salto rosa com tiras – ela estava super feliz por sair com um cara com uma altura que lhe permitia usar salto alto. Jessica vagava na direção do balcão de bijuterias e estávamos sozinhas.
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– Sim? – Ela levantou a perna, girando o tornozelo para ter uma visão melhor do sapato. Eu me acovardei. – Gostei desse. – Acho que vou levar… Apesar de eles só combinarem com aquele vestido, e mais nada – refletiu ela. – Ah, compre sim… Estão em liquidação – estimulei. Ela sorriu, recolocando a tampa na caixa que continha sapatos brancos de aparência mais prática. Tentei novamente. – Hmmm, Angela… – Ela olhou para mim, curiosa. – É normal para os… Cullen – falei sem tirar os olhos do sapatos – faltar muito às aulas? – Fracassei miseravelmente em minha tentativa de parecer indiferente. – É, quando o clima está bom, eles acampam o tempo todo… Até o médico. Todos são loucos pela vida ao ar livre – disse-me ela baixinho, examinando os sapatos também. Ela não fez nenhuma pergunta, em lugar das centenas que Jessica teria desatado a fazer. Eu estava começando a gostar de verdade de Angela. – Ah. – Abandonei o assunto enquanto Jessica voltava para mostrar a bijuteria de strass que encontrara para combinar com os sapatos prateados. Pretendíamos jantar em um restaurantezinho italiano no calçadão da orla, mas a compra dos vestidos não levou o tempo que esperávamos. Jess e Angela foram levar as roupas para o carro e depois desceram para a baía. Eu lhes disse que ia encontrá-las no restaurante em uma hora – queria procurar uma livraria. Elas estavam dispostas a ir comigo, mas eu as estimulei a se divertirem – elas não sabia como eu podia ficar pensativa quando estava cercada de livros; era uma coisa que eu preferia fazer sozinha. Elas se afastaram para o carro conversando animadas e eu fui na direção que Jess me apontara.
Não tive problemas para encontrar a livraria, mas não era o que eu procurava. As vitrines estavam cheias de cristais, filtros de sonho e livros sobre cura espiritual. Nem entrei. Pelo vidro, pude ver uma mulher de uns 50 anos com cabelo grisalho até as costas, metida num vestido dos anos 60, dando um sorriso de boas-vindas detrás do balcão. Concluí que era uma
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conversa que eu podia dispensar. Devia haver uma livraria mais normal na cidade. Andei pelas ruas, repletas com o tráfego do final do dia de trabalho, e esperei estar seguindo para o centro. Não prestei muita atenção, como devia, na direção que tomava; eu lutava com meu desespero. Tentava fortemente não pensar nele e no que Angela dissera… E, mais do que qualquer outra coisa, tentava aquietar minhas esperanças para o sábado, temendo uma decepção mais dolorosa do que o resto, quando olhei para cima e vi um Volvo prata estacionado na rua. De repente a ficha caiu. Vampiro idiota e insuportável, pensei comigo mesma. Segui para o sul a passos pesados, na direção de algumas lojas com fachada de vidro que pareciam promissoras. Mas quando cheguei lá, eram só uma loja de conserto de roupas e um espaço vago. Ainda tinha muito tempo para procurar por Jess e Angela, e precisava controlar meu estado de espírito antes de encontrar com elas. Passei os dedos pelos cabelos e respirei fundo algumas vezes antes de virar a esquina. Ao atravessar outra rua, comecei a perceber que ia na direção errada. O tráfego reduzido de pedestres que eu vira ia para o norte e parecia que os prédios aqui eram principalmente armazéns. Decidi voltar para o leste na esquina seguinte, depois contornar após algumas quadras e tentar minha sorte numa rua diferente ao voltar para o calçadão. Um grupo de quatro homens virava a esquina para onde eu ia, vestidos muito informalmente para estarem saindo do trabalho, mas sujos demais para serem turistas. À medida que se aproximavam de mim, percebi que não eram muitos anos mais velhos do que eu. Brincavam ruidosamente, rindo de forma estridente e empurrando o braço dos outros. Afastei-me mais para o canto da calçada a fim de lhes dar espaço, andando rapidamente, olhando para a esquina depois deles. – Ei, e aí? – gritou um deles enquanto passavam, e ele tinha de estar falando comigo, uma vez que não havia mais ninguém na rua. Olhei automaticamente para ele. Dois tinham parado, os outros dois reduziam o passo. O mais próximo, um homem troncudo, de cabelo escuro, de vinte e poucos anos, parecia ser o cara que falou. Usava uma camisa de flanela aberta por cima de uma camiseta suja, bermuda jeans rasgada e sandálias. Ele deu um passo na minha direção.
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– Oi – murmurei, uma reação reflexa. Depois rapidamente desviei os olhos e andei mais rápido para a esquina. Pude ouvi-los rindo a todo volume atrás de mim. – Ei, espera! – gritou um deles de novo, mas mantive a cabeça baixa e virei a esquina com um suspiro de alívio. Podia ouvi-los rindo lá atrás. Eu me vi numa calçada nos fundos de vários armazéns de cores sombrias, cada um deles com portas largas para caminhões de carga, trancados a cadeado para a noite. O lado sul da rua não tinha calçada, só uma cerca de tela encimada por um arame farpado protegendo uma espécie de depósito de peças de motor. Eu vagava pela parte de Port Angeles que eu, como visitante, não devia ver. Estava escurecendo, percebi, as nuvens finalmente voltavam, acumulando-se no horizonte a oeste e criando um pôr-do-sol prematuro. O céu a leste ainda era claro, mas se acinzentava, tomado de faixas de rosa e laranja. Eu tinha deixado meu casaco no carro e um tremor súbito me fez cruzar os braços com força no peito. Uma van passou por mim e depois a rua ficou vazia. O céu de repente escureceu ainda mais e, enquanto eu olhava por sobre o ombro para a nuvem degradante, percebi chocada que dois homens andavam em silêncio uns cinco metros atrás de mim. Eram do mesmo grupo pelo qual eu havia passado na esquina, mas nenhum deles era o de cabelo escuro que falara comigo. Virei imediatamente a cabeça para a frente, acelerando meu passo. Um arrepio que não tinha nada a ver com o clima me fez tremer de novo. Minha bolsa pendurada no ombro e atravessada pelo meu corpo, como usamos para não sermos surpreendidas. Eu sabia exatamente onde estava meu spray de pimenta – na mochila embaixo da cama, a embalagem ainda fechada. Não tinha muito dinheiro agora, só uns vinte e poucos dólares, e pensei em deixar cair minha bolsa “por acidente” e correr. Mas uma vozinha assustada no fundo de minha mente me alertou que eles podiam ser coisa pior do que ladrões.
Tentei escutar atentamente seus passos silenciosos, que eram muito mais silenciosos quando comparados com o barulho tumultuado que fizeram antes, e não parecia que tinham acelerado, nem chegado mais perto de mim. Respire, lembrei a mim mesma. Você não sabe se estão te seguindo. Continuei a andar com a maior rapidez que pude sem correr, concentrando-me na curva à direita, que agora só estava a alguns metros de
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mim. Eu podia ouvi-los, ficando para trás, como antes. Um carro azul entrou na rua, vindo do sul, e passou rapidamente. Pensei em pular na frente, mas hesitei, inibida, sem saber se estavam mesmo me perseguindo, e aí era tarde demais. Cheguei à esquina, mas um olhar rápido revelou que era só um beco sem saída nos fundos de outro prédio. Dei meia-volta, cheia de expectativa; tinha que corrigir esse erro apressadamente e disparar pelo caminho estreito, de volta à calçada. A rua terminava na esquina seguinte, onde havia uma placa de Pare. Concentrei-me nos passos fracos atrás de mim, decidindo se correria ou não. Mas eles pareciam mais distantes e eu sabia que, de qualquer forma, não podiam me alcançar. Eu tropeçaria e cairia estatelada se tentasse ir mais rápido. Os passos certamente estavam mais distantes. Arrisquei uma olhada rápida por sobre o ombro e agora talvez eles estivessem a uns dez metros de mim, como vi com alívio. mas os dois me encaravam. Parecia que eu ia levar uma eternidade para chegar à esquina. Mantive o ritmo constante, os homens atrás de mim ficando um pouquinho mais para trás a cada passo. Talvez eles tivessem percebido que me assustaram e lamentassem por isso. Vi dois carros indo para o norte, passando pelo cruzamento para onde eu me dirigia, e respirei com alívio. Haveria mais gente lá quando eu saísse dessa rua deserta. Virei a esquina rapidamente com um suspiro de gratidão. E fiquei paralisada. A rua era cercada dos dois lados por paredes sem portas nem janelas. Eu podia ver a distância dois cruzamentos, postes, carros e mais pedestres, mas estavam todos longe demais. Porque encostados no prédio a oeste, a meio caminho para a rua, estavam outros dois homens do grupo, os dois olhando com sorrisos excitados enquanto eu ficava paralisada feito morta na calçada. Percebi então que não estava sendo seguida. Estava sendo conduzida. Parei por um segundo, mas me pareceu muito tempo. Depois virei e disparei para o outro lado da rua. Tive a sensação desanimadora de que era perda de tempo. Os passos atrás de mim agora estavam mais altos. – Você aí! – O estrondo da voz do homem atarracado de cabelo escuro abalou a quietude intensa e me fez pular. Na escuridão que aumentava, ele parecia olhar através de mim.
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– É – gritou uma voz de trás, fazendo-me pular novamente enquanto eu tentava correr pela rua. – Pegamos um atalhozinho. Meus passos agora tinham que se reduzir. Eu estava encurtando muito rapidamente a distância entre mim e o par que ria. Precisava dar um belo grito e puxei o ar, preparando-me para usá-lo, mas minha garganta estava tão seca que eu não sabia que volume poderia alcançar. Com um movimento rápido, passei a bolsa pela cabeça, pegando a alça com uma das mãos, pronta para me render ou usá-la como arma, o que a necessidade mandasse. O homem atarracado se afastou do muro enquanto eu cautelosamente parava, e andou devagar pela rua. – Fiquei longe de mim – alertei numa voz que devia parecer forte e destemida. Mas eu tinha razão sobre a garganta seca, sem volume nenhum. – Não fique assim, docinho – gritou ele, e o riso rouco recomeçou atrás. Eu me abracei e separei os pés, tentando me lembrar, em meu pânico, do pouco de defesa pessoal que conhecia. Vire a face externa da mão para cima, na esperança de quebrar o nariz ou enfiá-lo para dentro do cérebro. O dedo no globo ocular – tente enganchar e arrancar o olho. E a joelhada padrão na virilha, é claro. E aí a mesma voz pessimista falou em minha mente, lembrando-me de que eu provavelmente não teria chance contra um deles, e eles eram quatro. Cale a boca!, exigi da voz antes que o pavor me incapacitasse. Eu não ia cair sem levar alguém comigo. Tentei engolir para poder formar um grito decente. De repente faróis apareceram na esquina, o carro quase batendo no atarrancado, obrigando-o a pular para a calçada. Mergulhei na rua – este carro ia parar ou me atropelaria. Mas o carro inesperadamente deu uma guinada, cantando pneu, e parou com a porta do carona aberta a pouca distância de mim. – Entra – ordenou uma voz furiosa. Fiquei surpresa ao ver como o medo sufocante desapareceu subitamente, surpresa pela sensação de segurança me inundar de repente – mesmo antes que eu saísse da rua – assim que ouvi a voz dele. Pulei para dentro do carro, batendo a porta depois de entrar.
Estava escuro no carro, nenhuma luz entrara com a abertura da porta e eu mal conseguia ver o rosto dele no brilho do painel. Os pneus cantaram enquanto ele virava para o norte, acelerando rápido demais,
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desviando para os homens atordoados na rua. Vislumbrei um deles mergulhando na calçado enquanto o carro se alinhava e acelerava para o porto. – Coloque o cinto de segurança – ordenou ele, e percebi que eu estava agarrada ao banco com as duas mãos. Rapidamente obedeci; o estalo do fecho do cinto foi alto no escuro. Ele virou à esquerda, correndo, voando por várias placas de Pare sem se deter. Mas eu me senti completamente segura e, no momento, totalmente despreocupada com nosso destino. Olhei o rosto dele com um profundo alívio, um alívio que ia além de minha libertação repentina. Analisei seus traços perfeitos na luz limitada, querendo que minha respiração voltasse ao normal, até que me ocorreu que a expressão dele era de uma raiva homicida. – Você está bem? – perguntei, surpresa ao constatar como minha voz estava rouca. – Não – disse ele rispidamente, e seu tom de voz era furioso. Fiquei sentada ali em silêncio, observando seu rosto enquanto os olhos em brasa olhavam para a frente, até que o carro subitamente parou. Olhei em volta, mas estava escuro demais para ver alguma coisa além do contorno vago de árvores negras na lateral da rua. Não estávamos mais na cidade. – Bella? – perguntou ele, a voz dura e controlada. – Sim? – Minha voz ainda estava rouca. Tentei dar um pigarro baixo. – Você está bem? – Ele ainda não olhava para mim, mas a fúria tomava todo o seu rosto. – Estou – resmunguei suavemente. – Me distraia, por favor – ordenou ele. – Desculpe, como é? Ele suspirou com força. – Tagarele sobre alguma coisa insignificante até que eu me acalme – esclareceu ele, fechando os olhos e apertando a ponte do nariz com o polegar e o indicador. – Hmmm. – Revirei meu cérebro em busca de alguma coisa banal. – Vou atropelar Tyler Crowley amanhã antes da aula. Ele ainda estava de olhos bem fechados, mas o canto da boca se retorceu.
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– Por quê? – Ele está dizendo a todo mundo que vai me levar ao baile dos alunos… Ou ele é maluco, ou ainda está tentando compensar o fato de quase ter me matado na… Bem, você se lembra disso, e ele acha que o baile dos alunos é a forma correta de fazer isso. Então imagino que, se eu colocar a vida dele em risco, depois vamos ficar quites e ele pode parar de tentar compensar isso. Não preciso de inimigo nenhum e talvez Lauren recue se ele me deixar em paz. Mas pode ser que o Sentra dele tenha perda total. Se ele não tiver carona, não vai poder levar ninguém a baile nenhum… – tagarelei. – Eu soube disso. – Ele parecia um pouco mais composto. – Você soube? – perguntei, descrente, minha irritação anterior cintilando. – Se ele ficar paralítico do pescoço para baixo, não vai poder ir ao baile dos alunos também – murmurei, refinando meus planos. Edward suspirou e por fim abriu os olhos. – Melhor? – Na verdade, não. Esperei, mas ele não voltou a falar. Ele encostou a cabeça no banco, olhando o teto do carro. Seu rosto estava rígido. – Qual é o problema? – Minha voz saiu em um sussurro. – Às vezes tenho problemas com meu gênio, Bella. – Ele também estava sussurrando e, enquanto olhava pela janela, seus olhos estreitaram em fendas. – Mas não seria de utilidade nenhuma para mim voltar e caçar aqueles… – Ele não terminou a frase, desviando os olhos, lutando por um momento para controlar a raiva de novo. – Pelo menos – continuou ele – é do que estou tentando me convencer. – Ah. – A palavra parecia inadequada, mas eu não conseguia pensar numa resposta melhor. Ficamos sentados em silêncio de novo. Olhei o relógio do painel. Eram seis e meia. – Jessica e Angela vão ficar preocupadas – murmurei. – Eu devia me encontrar com elas.
Ele ligou o motor sem dizer nada, virou silenciosamente e acelerou de volta à cidade. De repente estávamos debaixo dos postes de rua, ainda seguindo rápido de mais, costurando com facilidade os carros que passeavam lentamente junto ao calçadão. Estacionou paralelamente ao
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meio-fio em uma vaga que eu teria achado pequena demais para o Volvo, mas ele deslizou para o local sem esforço na primeira tentativa. Olhei pela janela e vi as luzes de La Bella Itália, e Jess e Angela acabavam de sair, andando ansiosas até nós. – Como você sabia onde…? – comecei a dizer, mas depois só sacudi a cabeça. Ouvi a porta se abrir, virei-me e o vi saindo. – O que está fazendo? – perguntei. – Vou levar você para jantar. – Ele sorriu de leve, mas seus olhos eram duros. Ele saiu do carro e bateu a porta. Eu me atrapalhei com o cinto de segurança, depois corri para sair do carro também. Ele esperava por mim na calçada. Ele falou antes que eu pudesse. – Detenha Jessica e Angela antes que eu tenha que segui-las também. Não acho que vou poder me controlar se me deparar com seus outros amigos de novo. Eu estremeci com a ameaça em sua voz. – Jess! Angela! – gritei para elas, acenando quando se viraram. Elas correram para mim, o alívio acentuado no rosto das duas passando para a surpresa ao verem quem estava parado ao meu lado. Elas hesitaram a pouca distância de nós. – Aonde você foi? – A voz de Jessica era desconfiada. – Eu me perdi – admiti timidamente. – E depois encontrei o Edward – gesticulei para ele. – Tudo bem se eu ficar com vocês? – perguntou ele com sua irresistível voz sedosa. Eu podia ver, pela expressão vacilante das duas, que ele nunca havia lançado seus talentos para elas. – É… claro – sussurrou Jessica. – Hmmm, na verdade, Bella, já comemos enquanto estávamos esperando… Desculpe – confessou Angela. – Está tudo bem… Eu não estou com fome. – Dei de ombros. – Acho que devia comer alguma coisa. – A voz de Edward era baixa, mas cheia de autoridade. Ele olhou para Jessica e falou um pouco mais alto. – Importa-se se eu levar a Bella para casa esta noite? Assim vocês não terão que esperar enquanto ela come.
– Hmmm, tudo bem, eu acho… – Ela mordeu o lábio, tentando deduzir, pela minha expressão, se era o que eu queria. Dei uma piscadela para ela. Só o que eu queria era ficar sozinha com meu eterno salvador.
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Havia muitas perguntas que eu só podia despejar para cima dele quando estivéssemos sozinhos. – Tudo bem. – Angela foi mais rápida do que Jessica. – A gente se vê amanhã, Bella… Edward. – Ela pegou a mão de Jessica e a puxou para o carro, que eu pude ver pouco além dali, estacionado do outro lado da First Street. Enquanto elas se afastavam, Jess se virou e acenou, o rosto cheio de curiosidade. Retribuí o aceno, esperando que elas saíssem com o carro antes de me virar para encará-lo. – Com toda a sinceridade,não estou com fome – insisti, tentando analisar seu rosto. A expressão dele era ilegível. – Divirta-me. Ele foi até a porta do restaurante e a manteve aberta com uma expressão obstinada. Obviamente, não haveria nenhuma discussão. Passei por ele e entrei no restaurante com um suspiro resignado. O restaurante não estava lotado – era a baixa temporada em Port Angeles. Fomos recebidos por uma mulher e entendi o olhar dela enquanto avaliava Edward. Ela o recebeu um pouco mais calorosamente do que o necessário. Fiquei surpresa por isso ter me incomodado tanto. Ela era vários centímetros mais alta do que eu e seu louro era artificial. – Mesa para dois? – Sua voz era sedutora, quer fosse intencional ou não. Vi os olhos dela faiscarem para mim e depois se desviarem, satisfeitos com minha evidente banalidade e com o espaço cauteloso e sem contato que Edward mantinha entre nós. Ela nos levou a uma mesa suficiente para quatro no meio da área mais apinhada do salão. Eu estava prestes a me sentar, mas Edward sacudiu a cabeça para mim. – Quem sabe um lugar mais reservado? – insistiu ele em voz baixa para a hostess. Eu não tinha certeza, mas tive a impressão de que ele lhe passou furtivamente uma gorjeta. Nunca vi ninguém recusar uma mesa, a não ser nos filmes antigos. – Claro. – Ela parecia tão surpresa quanto eu. Virou-se e nos levou por uma divisória a um pequeno círculo de bancos – todos eles vazios. – Que tal aqui? – Hmmm – ela sacudiu a cabeça, piscando – Vocês serão atendidos logo. – Ela se afastou, meio desequilibrada. – Não devia fazer isso com as pessoas – critiquei. – É muito injusto. – Fazer o quê?
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– Deixá-las tonta desse jeito… Ela pode estar ofegando na cozinha agora mesmo. Ele pareceu confuso. – Ah, sem essa – disse eu, desconfiada. – Você deve saber o efeito que tem sobre as pessoas. Ele inclinou a cabeça de lado e seus olhos eram curiosos. – Eu deixo as pessoas tontas? – Não percebeu? Acha que todo mundo faz o que você quer com essa facilidade toda? Ele ignorou minhas perguntas. – Eu deixo você tonta? – Com muita freqüência – admiti. E depois nossa garçonete chegou, a cara cheia de expectativa. A hostess com certeza tinha fofocado nos bastidores e esta garota nova não parecia decepcionada. Ela colocou uma mecha de cabelo preto atrás da orelha e sorriu com uma cortesia desnecessária. – Oi. Meu nome é Amber e serei sua garçonete esta noite. O que posso trazer para beberem? – Não deixei de notar que ela falava só com ele. Ele olhou para mim. – Vou tomar uma Coca. – Pareceu mais uma pergunta. – Duas Cocas – disse ele. – Voltarei logo com elas – ela lhe assegurou com outro sorriso desnecessário. Mas ele não viu. Estava olhando para mim. – Que foi? – perguntei quando ela saiu. Seus olhos estavam fixos no meu rosto. – Como está se sentindo? – Bem – respondi, surpresa com a intensidade dele. – Não está tonta, enjoada, gelada…? – Deveria? Ele riu de meu tom enigmático. – Bom, na verdade estou esperando que você entre em choque. – Seu rosto se enrugou naquele sorriso torto perfeito. – Não acho que vá acontecer – eu disse depois de recuperar o fôlego. – Sempre fui muito boa para reprimir coisas desagradáveis. – Mesmo assim, vou me sentir melhor quando você colocar algum açúcar e comida para dentro.
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Bem na deixa, a garçonete apareceu com nossas bebidas e um cesto de pãezinhos. Ela ficou de costas para mim enquanto os colocava na mesa. – Está pronta para pedir? – perguntou ela a Edward. – Bella? – perguntou ele. Ela se virou sem a menor vontade para mim. Escolhi a primeira coisa que vi no cardápio. – Hmmm… Vou querer ravióli de cogumelos. – E você? – Ela se virou para ele com um sorriso. – Para mim, nada – disse ele. É claro que não. – Me avise se mudar de idéia. – O sorriso tímido ainda estava ali, mas ele não a olhou e ela saiu insatisfeita. – Beba – ordenou ele. Beberiquei obediente o refrigerante e depois tomei um gole maior, surpresa com a sede que sentia. Percebi que tinha terminado tudo quando ele empurrou o copo dele para mim. – Obrigada – murmurei, ainda com sede. O frio do refrigerante gelado irradiou por meu peito e eu tremi. – Está com frio? – É só a Coca – expliquei, tremendo de novo. – Não trouxe casaco? – A voz dele era desaprovadora. – Trouxe. – Olhei o banco vazio ao lado do meu. – Ah… deixei no carro da Jessica – percebi. Edward estava tirando o casaco. De repente percebi que eu não via o que ele estava vestindo – não hoje à noite, mas sempre. Eu simplesmente não conseguia deixar de olhar para seu rosto. Agora me obriguei a olhar, concentrada. Ele estava tirando uma jaqueta de couro bege; por baixo, tinha um suéter marfim de gola rulê. Caía com perfeição nele, destacando seu peito musculoso. Edward me passou a jaqueta, interrompendo meu olhar cheio de cobiça. – Obrigada – eu disse novamente, passando o braço pela jaqueta. Estava fria, como meu casaco quando o peguei de manhã, pendurado no hall de entrada com suas correntes de ar. Tremi de novo. O cheiro era maravilhoso. Inspirei, tentando identificar o aroma delicioso. Não tinha cheiro de colônia. As mangas eram compridas demais; puxei-as para trás para poder liberar minhas mãos.
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– O azul fica ótimo em sua pele – disse ele, me olhando. Fiquei surpresa. Olhei para baixo, corando, é claro. Ele empurrou o cesto de pão para mim. – Na verdade, não vou entrar em choque – protestei. – Devia… Uma pessoa normal entraria. Você nem parece abalada. – Ele parecia inquieto. Olhou nos meus olhos e vi como os olhos dele estavam claros, mais claros do que já vira, de um caramelo dourado. – Eu me sinto muito segura com você – confessei, hipnotizada a dizer a verdade novamente. Isso o desagradou; sua fisionomia de alabastro se franziu. Ele sacudiu a cabeça, carrancudo. – Isto é mais complicado do que eu planejei – murmurou ele para si mesmo. Peguei um pãozinho e comecei a mordiscar a ponta, avaliando a expressão dele. Perguntei-me quando seria uma boa hora para começar interrogá-lo. – Em geral você está num humor melhor quando seus olhos estão claros assim – comentei, tentando distraí-lo de qualquer pensamento que o tivesse feito ficar carrancudo e sombrio. Ele me olhou, atônito. – Como é? – Você sempre fica mais azedo quando seus olhos estão escuros… É o que eu espero então – continuei. – Tenho uma teoria para isso. Ele semicerrou os olhos. – Mais teorias? – Arrã. – Dei uma pequena dentada de pão, tentando parecer indiferente. – Espero que desta vez seja mais criativa… Ou ainda está se inspirando nos quadrinhos? – Seu sorriso fraco era de zombaria; os olhos ainda estavam apertados. – Bom, não, não tirei nada de quadrinho nenhum, mas também não inventei nada sozinha – confessei. – E? – incitou ele.
Mas então a garçonete passou pela divisória com meu prato. Percebi que, inconscientemente, tínhamos nos inclinado na direção um do outro sobre a mesa, porque nós dois nos endireitamos quando ela se
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aproximou. Ela baixou o prato diante de mim – parecia muito bom – e se virou rapidamente para Edward. – Mudou de idéia? – perguntou ela. – Não há nada que eu possa trazer para você? – Eu podia muito bem imaginar o duplo sentido das palavras dela. – Não, obrigado, mas outro refrigerante seria bom. – Ele gesticulou com a mão longa e branca para os copos vazios na minha frente. – Claro. – Ela retirou os copos e se afastou. – O que estava dizendo? – perguntou ele. – Vou falar sobre isso no carro. Se… – eu parei. – Há alguma condição? – Ele erguei uma sobrancelha, a voz agourenta. – Tenho algumas perguntas, é claro. – É claro. A garçonete voltou com mais duas Cocas. Desta vez colocou-as na mesa sem dizer nada e saiu novamente. Tomei um gole. – Bem, vá em frente – pressionou ele, a voz ainda dura. Comecei do jeito menos exigente. Ou assim pensei eu. – Por que está em Port Angeles? Ele olhou para baixo, cruzando as mãos grandes lentamente sobre a mesa. Seus olhos lampejaram para mim por baixo das pestanas, uma sugestão de sorriso de escárnio no rosto. – Próxima. – Mas essa foi a mais fácil – objetei. – Próxima. – repetiu ele. Olhei para baixo, frustrada. Tirei os talheres do guardanapo, peguei o garfo e espetei com cuidado um ravióli. Coloquei-o na boca devagar, ainda de olhos baixos, mastigando enquanto pensava. Os cogumelos estavam bons. Engoli e tomei outro gole da Coca antes de olhar para ele. – Tudo bem, então. – Eu o fitei e continuei devagar. – Digamos, é claro que hipoteticamente, que… alguém… pode saber o que as pessoas estão pensando, ler a mente delas, sabe como é… com algumas exceções. – Só uma exceção – corrigiu ele –, hipoteticamente.
– Tudo bem, com uma exceção, então. – Fiquei emocionada que ele estivesse cooperando, mas tentei parecer despreocupada. – Como é que isso funciona? Quais são as limitações? Como… esse alguém… acharia
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outra pessoa exatamente na hora certa? Como ele saberia que ela estava numa encrenca? – Eu me perguntei se minhas perguntas convolutas faziam algum sentido. – Hipoteticamente? – perguntou ele. – Claro. – Bom, se… esse alguém… – Vamos chamá-lo de “Joe” – sugeri. Ele deu um sorriso torto. – Joe, que seja. Se Joe estivesse prestando atenção, o senso de oportunidade não precisaria ser tão preciso. – Ele sacudiu a cabeça, revirando os olhos. – Só você pode se meter em encrenca em uma cidade tão pequena. Você teria acabado com as estatísticas de criminalidade por uma década, sabe disso. – Estávamos falando de um caso hipotético – lembrei-lhe friamente. Ele riu para mim, os olhos calorosos. – Sim, estávamos – concordou ele. – Devo chamá-la de “Jane”? – Como você sabia? – perguntei, incapaz de reprimir minha intensidade. Percebi que estava me inclinando para ele de novo. Ele pareceu oscilar, dividido por algum dilema íntimo. Seus olhos pararam nos meus e achei que, naquele momento, ele estava decidindo se simplesmente me contaria a verdade ou não. – Sabe que pode confiar em mim – murmurei. Estendi a mão, sem pensar, para pegar suas mãos cruzadas, mas ele as afastou rapidamente e eu recuei. – Não sei se ainda tenho alternativa. – A voz dele era quase um sussurro. – Eu estava errado… Você é muito mais observadora do que eu julgava. – Achei que você sempre tivesse razão. – Antigamente era assim. – Ele sacudiu a cabeça de novo. – Eu estava errado sobre você em outra coisa também. Você não é um imã para acidentes… Esta não é uma classificação muito ampla. Você é um imã para problemas. Se houver alguma coisa perigosa num raio de dez quilômetros, invariavelmente vai encontrar você. – E você se coloca nesta categoria? – conjeturei. Seu rosto ficou frio, sem expressão. – Sem dúvida.
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Estiquei a mão pela mesa de novo – ignorando-o quando ele puxou a dele mais uma vez – para tocar timidamente as costas de sua mão com a ponta dos dedos. Sua pele era fria e dura, como uma pedra. – Obrigada. – Minha voz fervia de gratidão. – Agora são duas vezes. Seu rosto se suavizou. – Vamos tentar não ter a terceira, concorda?Fiz uma careta, mas assenti. Ele tirou a mão de baixo da minha, colocando as duas sob a mesa. Mas se inclinou para mim. – Eu a segui a Port Angeles – admitiu ele, falando num jato. – Nunca tentei manter uma determinada pessoa viva, e é muito mais problemático do que eu acreditava. Mas deve ser assim porque é você. As pessoas comuns parecem passar o dia todo sem muitas catástrofes. – Ele parou. Eu me perguntei se devia me aborrecer por ele estar me seguindo; em vez disso, senti um surto estranho de prazer. Ele me encarava, talvez se indagando por que meus lábios se curvavam em um sorriso involuntário. – Já pensou que talvez minha hora tivesse chegado naquela primeira vez, com a van, e você esteja interferindo no meu destino? – especulei, distraindo-me. – Não foi a primeira vez – disse ele, e mal se ouvia sua voz. Eu o encarei, surpresa, mas ele olhava para baixo. – Sua hora chegou quando eu a conheci. Senti um espasmo de medo com as palavras dele, e a lembrança abrupta de seu olhar sombrio e violento naquele primeiro dia… Mas a sensação dominadora de segurança que eu tinha em sua presença sufocou isso. Quando ele olhou para cima para ler meus olhos, não havia vestígio de medo neles. – Você lembra? – perguntou ele, o rosto angelical grave. – Lembro. – Eu estava calma. – E no entanto aqui está você. – Havia um toque de descrença em sua voz; ele ergueu uma sobrancelha. – É, aqui estou eu… graças a você. – Eu parei. – Porque de algum modo você sabia como me achar hoje…? – incitei. Ele apertou os lábios, encarando-me pelos olhos estreitos, decidindo novamente. Seus olhos faiscaram para meu prato e depois para mim. – Você come, eu falo – ele propôs a barganha. Rapidamente garfei outro ravióli e o coloquei na boca.
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– É mais difícil do que deveria… rastrear você. Em geral posso encontrar uma pessoa com muita facilidade, depois de ter lido sua mente. Ele olhou para mim com ansiedade e percebi que eu tinha me paralisado. Obriguei-me a engolir, depois espetei outro ravióli e o coloquei para dentro. – Eu estava vigiando Jessica, sem cuidado nenhum… Como eu disse, só você pode encontrar problemas em Port Angeles… E no início não percebi quando você saiu sozinha. Depois, quando notei que você não estava mais com ela, fui procurar por você na livraria que vi em sua cabeça. Eu sabia que você não tinha entrado e que não foi para o sul… E sabia que teria que voltar logo. Então eu só estava esperando você, procurando ao acaso pelos pensamentos das pessoas na rua… Para ver se alguém a notara e eu poderia saber onde você estava. Não tinha motivos para ficar preocupado… Mas estava estranhamente ansioso… Ele estava perdido em pensamentos, olhando através de mim, vendo coisas que eu nem podia imaginar. – Comecei a dirigir em círculos, ainda… escutando. O sol finalmente se punha e eu estava prestes a sair do carro e seguir você a pé. E então… – Ele parou, trincando os dentes numa fúria súbita. Fez um esforço para se acalmar. – Então o quê? – sussurrei. Ele continuou a olhar por cima de minha cabeça. – Ouvi o que eles estavam pensando – grunhiu ele, o lábio superior se virando um pouco para baixo por cima dos dentes. – Vi seu rosto na mente deles. Ele de repente se recostou, um cotovelo aparecendo na mesa, a mão cobrindo os olhos. O movimento foi tão rápido que me sobressaltou. – Para mim, foi muito… difícil… nem pode imaginar como foi difícil… simplesmente tirar você dali e deixá-los… vivos. – Sua voz era abafada pelo braço. – Eu podia deixar você ir com Jessica e Angela, mas temia procurar por eles se você me deixasse sozinho – admitiu num sussurro. Fiquei sentada em silêncio, meus pensamentos incoerentes. Minhas mãos estavam cruzadas no colo, e eu mal me recostava na cadeira. Ele ainda estava com o rosto nas mãos e tão imóvel que era como se tivesse sido entalhado na mesma pedra de sua mão.
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Por fim ele olhou para cima, os olhos procurando os meus, cheios de suas próprias perguntas. – Pronta para ir para casa? – perguntou ele. – Estou pronta para ir embora – habilitei-me abertamente grata por termos uma viagem de uma hora juntos. Não estava preparada para me despedir dele. A garçonete apareceu como se tivesse sido chamada. Ou estivesse olhando. – Como estamos? – perguntou ela a Edward. – Estamos prontos para a conta, obrigado. – Sua voz era grave, mais rude, ainda refletindo a tensão de nossa conversa. Isso pareceu confundi-la. Ele olhou para ela, esperando. – C-claro – gaguejou ela. – Aqui está. – Ela pegou uma pastinha de couro no bolso da frente do avental preto e entregou a ele. Já havia uma nota na mão dele. Ele a colocou dentro da pasta e a devolveu à garçonete. – Não precisa de troco. – Ele sorriu. Depois se levantou e eu me coloquei de pé, desajeitada. Ela sorriu convidativamente para ele de novo. – Tenha uma boa noite. Ele não tirou os olhos de mim enquanto agradecia a ela. Eu reprimi um sorriso. Ele andou ao meu lado até a porta, ainda com o cuidado de não tocar em mim. Lembrei-me do que Jessica dissera sobre a relação dela com Mike, como eles quase chegaram à fase do primeiro beijo. Suspirei. Edward parecia me ouvir e olhava para baixo curiosamente. Olhei para a calçada, grata por ele aparentemente não ser capaz de saber o que eu estava pensando. Ele abriu a porta do carona, segurando-a para mim enquanto eu entrava, fechando-a suavemente depois que entrei. Eu o observei andar pela frente do carro, maravilhada, novamente, com sua elegância. Eu devia ter me acostumado com isso agora – mas não me acostumara. Tinha a sensação de que Edward não era o tipo de pessoa com quem podemos nos acostumar.
Dentro do carro, ele deu a partida no motor e ligou o aquecedor no máximo. Tinha ficado muito frio e achei que o clima bom estava no fim.
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Mas estava aquecida com a jaqueta dele, respirando aquele aroma quando eu achava que ele não podia ver. Edward entrou no trânsito, aparentemente sem olhar, virando para pegar a via expressa. – Agora – disse ele sugestivamente – é a sua vez.
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9. TEORIA 
– Posso fazer só mais uma pergunta? – pedi enquanto Edward acelerava rápido demais. Não parecia estar prestando atenção na estrada. Ele suspirou. – Uma – concordou. Seus lábios se apertaram em uma linha cautelosa. – Bom… Você disse que sabia que eu não tinha entrado na livraria e que fui para o sul. Estou aqui me perguntando como sabia disso. Ele desviou os olhos, refletindo. – Pensei que tínhamos deixado as evasivas para trás – murmurei. Ele quase sorriu. – Tudo bem, então. Eu segui o seu cheiro. – Ele olhou a estrada, dando-me tempo para recompor minha expressão. Não conseguia pensar em uma resposta aceitável a isso, mas arquivei a questão cuidadosamente para análise posterior. Tentei me concentrar novamente. Não estava pronta para deixar que ele encerrasse o assunto, agora que ele finalmente explicava as coisas. – E você não respondeu a uma de minhas perguntas… – protelei. Ele olhou para mim com desaprovação. – Qual delas? – Como é que isso funciona… O negócio de ler a mente? Pode ler a mente de qualquer um, em qualquer lugar? Como você faz isso? Toda a sua família pode…? – Eu me senti boba, fingindo querer esclarecimentos. – É mais de uma – assinalou ele. Eu simplesmente cruzei os dedos e olhei para ele, esperando. – Não, só eu. E não posso ouvir todo mundo, em qualquer lugar. Tenho que estar bem perto. Quanto mais conhecida for a… “voz” da pessoa, maior a distância em que posso ouvi-la. Mas ainda assim, só a poucos quilômetros. – Ele parou pensativamente. – É meio como estar em uma sala enorme cheia de gente, todos falando ao mesmo tempo. É como um zumbido… Uma buzina de vozes ao fundo. Até que me concentro em uma só voz, e depois o que ela está pensando fica claro. Ele continuou:
– Na maior parte do tempo, fico fora de sintonia… Isso pode me distrair muito. E depois, assim é mais fácil parecer normal – ele franziu a
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testa quando disse a palavra –, quando não estou respondendo por acidente aos pensamentos de alguém, em vez de às palavras. – Por que acha que não pode me ouvir? – perguntei, curiosa. Ele olhou para mim, os olhos enigmáticos. – Não sei – murmurou. – A única suposição que eu tenho é que talvez sua mente não funcione da mesma maneira que a mente dos outros. Como se seus pensamentos estivessem na freqüência AM e eu só pegasse FM. – Ele deu um sorriso duro para mim, divertindo-se de repente. – Minha mente não funciona bem? Eu sou alguma aberração? – As palavras me incomodavam mais do que deviam, provavelmente porque a especulação dele acertara na mosca. Eu sempre suspeitei disso e me constrangia ver tudo confirmado. – Ouço vozes em minha mente e está preocupada que você seja a aberração – ele riu. – Não se preocupe, é só uma teoria… – Sua face se enrijeceu. – O que nos leva de volta a você. Suspirei. Como começar. – Já não deixamos as evasivas para trás agora? – ele me lembrou delicadamente. Desviei os olhos de seu rosto pela primeira vez, tentando encontrar as palavras. Foi por acaso que vi o velocímetro. – Mas que droga! – gritei. – Reduza! – Qual é o problema? – Ele ficou sobressaltado. Mas o carro não desacelerou. – Está indo a 150 por hora! – eu ainda gritava. Lancei um olhar de pânico pela janela, mas estava escuro demais para ver grande coisa. O caminho só era visível no longo trecho de luz azulada dos faróis. A floresta junto às margens da estrada era como um muro preto: duro feito uma barreira de aço se derrapássemos na estrada nesta velocidade. – Relaxe, Bella. – Ele revirou os olhos, ainda sem reduzir. – Está tentando nos matar? – perguntei. – Não vamos bater. Tentei modular minha voz. – Por que está com tanta pressa? – Sempre dirijo assim. – Ele se virou para me dar um sorriso torto. – Não tire os olhos da estrada! – Nunca sofri um acidente, Bella… Nunca, nem mesmo uma multa. – Ele sorriu e deu um tapinha na testa. – Detector embutido de radar.
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– Muito engraçado. – Eu me enfureci. – Charlie é policial, lembra? Fui criada para respeitar as leis de trânsito. Além disso, se nos transformar numa pizza de Volvo em um tronco de árvore, você vai conseguir escapar. – Provavelmente – concordou ele com um riso curto e duro. – Mas você não vai. – Ele suspirou, e eu vi com alívio o ponteiro aos poucos cair para os 120. – Satisfeita? – Quase. – Odeio dirigir devagar – resmungou ele. – Isso é devagar? – Chega de comentários sobre como eu dirijo – rebateu ele. – Ainda estou esperando por sua teoria mais recente. Mordi o lábio. Ele olhou para mim, os olhos de mel inesperadamente gentis. – Eu não vou rir – prometeu ele. – Meu maior medo é que você fique com raiva de mim. – É tão ruim assim? – Muito ruim, sim. Ele esperou. Eu olhava minhas mãos, então pude ver sua expressão. – Continue. – Sua voz era calma. – Não sei por onde começar – admiti. – Por que não começa do início… Você disse que não inventou isso sozinha. – Não. – De onde tirou… De um livro? Um filme? – sondou ele. – Não… Foi no sábado, na praia. – Arrisquei uma olhada para a cara dele. Ele parecia confuso. – Eu estive com um velho amigo da família… Jacob Black – continuei. – O pai dele e Charlie são amigos desde que eu era bebê. Ele ainda parecia confuso. – O pai dele é um dos anciãos quileutes. – Eu o observava com cuidado. Sua expressão confusa congelou ali. – Fomos dar uma caminhada… – Eu editava todo o meu esquema da história -… e ele me contou algumas lendas antigas… Acho que tentando me assustar. Ele me contou uma… – Eu hesitei. – Continue – disse ele.
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– Sobre vampiros. – Percebi que eu estava sussurrando. Não conseguia olhar a cara dele agora. Mas vi os nós de seus dedos se apertarem convulsivamente no volante. – E imediatamente pensou em mim? – Ainda calmo. – Não. Ele… falou na sua família Ele ficou em silêncio, encarando a estrada. De repente fiquei alarmada, preocupada em proteger Jacob. – Ele só achava que era uma superstição tola – eu disse rapidamente. – Não esperava que eu acreditasse nela. – Isso não parecia o suficiente; eu tinha que confessar. – A culpa foi minha, eu o obriguei a me contar. – Por quê? – Lauren disse uma coisa sobre você… Ela tentava me provocar. E um garoto mais velho da tribo disse que sua família não podia ir à reserva, só que deu a impressão de que queria dizer uma coisa diferente. Então consegui ficar sozinha com Jacob e arranquei dele – admiti, inclinando a cabeça. Ele me surpreendeu, rindo. Olhei para ele. Estava rindo, mas os olhos eram ferozes, olhando direto para a frente. – Arrancou dele? – perguntou Edward. – Tentei paquerar… Saiu melhor do que eu esperava. – A descrença tingiu minha voz enquanto eu me lembrava. – Gostaria de ter visto isso. – Ele deu uma risadinha sombria. – E você me acusou de deixar as pessoas tontas… Coitado do Jacob Black. Eu corei e olhei para a noite pela minha janela. – O que você fez depois? – perguntou ele após um minuto. – Pesquisei um pouco na Internet. – E isso a convenceu? – Sua voz não demonstrava interesse. Mas as mãos estavam agarradas no volante. – Não. Nada se encaixava. A maior parte era meio boba. E então… – eu parei. – O quê? – Concluí que não importava – sussurrei. – Não importava? – Seu tom de voz me fez olhar – eu finalmente tinha rompido sua máscara cuidadosamente composta. A expressão dele era incrédula, com um toque de raiva que eu temia.
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– Não – eu disse suavemente. – Não importa para mim o que você é. Um tom ríspido de escárnio penetrou sua voz. – Você não liga que eu seja um monstro? Que eu não seja humano? – Não. Ele ficou em silêncio, olhando para a frente de novo. Seu rosto era vazio e frio. – Você está com raiva – suspirei. – Eu não devia ter dito nada. – Não – disse ele, mas sua voz era tão dura quanto o rosto. – Queria mesmo saber o que você estava pensando… Mesmo que o que pense seja loucura. – Então estou errada de novo? – eu o desafiei. – Não é a isso que estou me referindo. “Não importa”! – citou ele, trincando os dentes. – Eu estou certa? – ofeguei. – Isso importa? Respirei fundo. – Na verdade, não – parei. – Mas estou curiosa. – Minha voz, enfim, estava composta. Ele de repente se resignou. – Está curiosa com o quê? – Quantos anos você tem? – Dezessete – respondeu ele prontamente. – E há quanto tempo tem 17 anos? Seus lábios se retorceram enquanto ele olhava a estrada. – Há algum tempo – admitiu ele por fim. – Tudo bem. – Eu sorri, satisfeita que ele ainda estivesse sendo sincero comigo. Ele me olhou de um jeito cauteloso, como fizera antes, quando se preocupou que eu entrasse em choque. Dei um sorriso largo de estímulo e ele franziu a testa. – Não ria… Mas como pode sair durante o dia? Ele riu mesmo assim. – Mito. – Queimado pelo sol? – Mito. – Dormir em caixões?
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– Mito. – Ele hesitou por um momento em um tom peculiar entrou em sua voz. – Não posso dormir. Levei um minuto para absorver essa. – Nunca? – Nunca – disse ele, a voz quase inaudível. Ele se virou para me olhar com uma expressão pensativa. Os olhos douradas sustentaram os meus, e perdi o fio da meada. Eu o encarei até que ele desviasse os olhos. – Ainda não me fez a pergunta mais importante. – Sua voz agora era ríspida e, quando ele se virou para mim, de novo os olhos eram frios. Eu pestanejei, ainda tonta. – Qual? – Não está preocupada com a minha dieta? – perguntou ele sarcasticamente. – Ah – murmurei –, isso. – É, isso. – Sua voz era fria. – Quer saber se bebo sangue? Eu vacilei. – Bom, o Jacob disse alguma coisa sobre isso. – O que o Jacob disse? – perguntou ele categoricamente. – Disse que vocês não… caçam pessoas. Disse que sua família não devia ser perigosa porque vocês só caçavam animais. – Ele disse que não éramos perigosos? – A voz dele era profundamente cética. – Não exatamente. Ele disse que vocês não deviam ser perigosos. Mas os quileutes ainda não querem vocês nas terras deles, por segurança. Ele olhou para a frente, mas eu não sabia se estava vendo a estrada. – E aí, ele tem razão? Sobre não caçar pessoas? – Tentei manter minha voz o mais estável possível. – Os quileutes têm boa memória – sussurrou ele. Tomei isto como uma confirmação. – Mas não permita que isso a deixe complacente – ele me alertou. – Eles têm razão em manter distância de nós. Ainda somos perigosos. – Não entendi. – Nós tentamos – explicou ele lentamente. – Em geral somos muito bons no que fazemos. Às vezes cometemos erros. Eu, por exemplo, me permitindo ficar sozinho com você. – Isso é um erro? – Ouvi a tristeza em minha voz, mas não sabia se ele também tinha percebido.
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– Um erro muito perigoso – murmurou ele. Então nós dois ficamos em silêncio. Olhei os faróis girando com as curvas da estrada. Andavam rápido demais; não parecia real, parecia um videogame. Eu estava ciente de que o tempo passava rapidamente, como a estrada escura diante de nós, e tinha um medo pavoroso de nunca ter outra oportunidade diante de estar com ele assim de novo – abertamente, sem os muros entre nós, pelo menos uma vez. Suas palavras apontavam para o fim e eu rejeitei a idéia. Não podia perder um minuto que fosse com ele. – Me conte mais – pedi desesperadamente, sem me importar com o que ele disse, só para ouvir sua voz outra vez. Ele me olhou rapidamente, sobressaltado com a mudança em meu tom de voz. – O que mais quer saber? – Me conte por que vocês caçam animais em vez de gente – sugeri, a voz ainda tingida de desespero. Percebi que meus olhos estavam úmidos e lutei contra a tristeza que tentava me dominar. – Eu não quero ser um monstro. – Sua voz era muito baixa. – Mas os animais não bastam? Ele parou. – É claro que não posso ter certeza, mas comparo isso a viver de tofu e leite de soja; nós nos dizemos vegetarianos, nossa piadinha particular. Não sacia completamente a fome… ou melhor, a sede. Mas isso nos mantém fortes o suficiente para resistir. Na maior parte do tempo. – Sua voz ficou agourenta. – Algumas vezes é mais difícil do que em outras. – Está muito difícil para você agora? – perguntei. Ele suspirou. – Sim. – Mas agora não está com fome – disse eu com confiança; era uma afirmação, e não uma pergunta. – Por que pensa assim? – Seus olhos. Eu disse que tinha uma teoria. Percebi que as pessoas, em particular os homens, ficam mais rabugentos quando estão com fome. Ele riu. – Você é bem observadora, não é? Não respondi; só fiquei ouvindo o som de seu riso, confiando-o à memória.
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– Foi caçar no fim de semana, com Emmett? – perguntei quando ele ficou em silêncio de novo. – Fui. – Ele parou por um segundo, como se decidisse se diria ou não alguma coisa. – Eu não queria ir, mas era necessário. É muito mais fácil ficar perto de você quando não estou com sede. – Por que não queria ir? – Me deixa… angustiado… ficar longe de você. – Seus olhos eram gentis mas intensos, e pareciam amolecer meus ossos. – Eu não estava brincando quando lhe pedi para tentar não cair no mar nem ser atropelada na quinta passada. Fiquei disperso o fim de semana todo, preocupado com você. E depois do que aconteceu esta noite, é uma surpresa que você tenha passado por todo o fim de semana incólume. – Ele sacudiu a cabeça, depois pareceu se lembrar de alguma coisa. – Bom, não totalmente incólume. – Como é? – Suas mãos – ele me lembrou. Olhei para a palma de minhas mãos, para os arranhões quase curados. Seus olhos não perdiam nada. – Eu caí – suspirei. – Foi o que pensei. – Seus lábios se curvaram nos cantos. – Imagino que, sendo você, podia ter sido muito pior… E essa possibilidade me atormentou o tempo todo em que estive fora. Foram três dias muito longos. Eu dei nos nervos de Emmett. – Ele sorriu pesaroso para mim. – Três dias? Não voltou hoje? – Não, voltamos no sábado. – Então por que nenhum de vocês foi à escola? – Eu estava frustrada, quase com raiva ao pensar em quanta decepção tinha sofrido por causa da ausência dele. – Bom, você perguntou se o sol me machucava, e não machuca. Mas não posso sair na luz do sol… Pelo menos, não onde todo mundo possa ver. – E por quê? – Um dia eu mostro – prometeu ele. Pensei nisso por um momento. – Podia ter me telefonado – concluí. Ele ficou desnorteado. – Mas eu sabia que estava segura. – Mas eu não sabia onde você estava. Eu… – hesitei, baixando os olhos.
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– O quê? – A voz de veludo me compelia. – Não gosto disso. Não ver você. Me deixa angustiada também. – Eu corei ao dizer isso em voz alta. Ele ficou em silêncio. Olhei para ele, apreensiva, e vi que sua expressão era de dor. – Ah – gemeu ele baixinho. – Isso é um erro. Não consegui entender a resposta dele. – O que eu disse? – Não vê, Bella? Uma coisa é eu mesmo ficar infeliz, outra bem diferente é você se envolver tanto. – Ele virou os olhos angustiados para a estrada, suas palavras fluindo quase rápidas demais para que eu entendesse. – Não quero ouvir que você se sente assim. – Sua voz era baixa mas urgente. As palavras me açoitavam. – Está errado. Não é seguro. Eu sou perigoso, Bella… Por favor, entenda isso. – Não. – Tentei ao máximo não parecer uma criança rabugenta. – Estou falando sério – grunhiu ele. – Eu também. Eu disse, não importa o que você seja. É tarde demais. A voz dele açoitou, baixa e ríspida. – Nunca mais diga isso. Mordi o lábio e fiquei feliz por ele não poder saber o quanto isso me magoou. Olhei a estrada. Agora devíamos estar perto. Ele dirigia rápido demais. – No que está pensando? – perguntou ele, a voz ainda áspera. Eu só sacudi a cabeça, sem saber se conseguiria falar. Podia sentir o olhar dele em meu rosto, mas mantive os olhos na estrada. – Está chorando? – Ele pareceu apavorado. Eu não havia percebido que a umidade em meus olhos tinha transbordado. Rapidamente esfreguei a mão no rosto e é claro que as lágrimas traiçoeiras estavam ali, entregando-me. – Não – eu disse, mas minha voz falhava. Eu o vi estender a mão direita para mim, hesitante, mas depois ele parou e a recolocou devagar no volante. – Desculpe. – Sua voz ardia de arrependimento. Eu sabia que ele não estava se desculpando só pelas palavras que me entristeceram. A escuridão deslizava por nós em silêncio. – Me diga uma coisa – perguntou ele depois de outro minuto, e pude ouvir que ele lutava para usar um tom mais leve.
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– Sim? – O que estava pensando hoje à noite, pouco antes de eu aparecer na esquina? Não consegui entender a sua expressão… Você não parecia tão assustada, parecia que estava se concentrando muito em alguma coisa. – Tentava me lembrar de como incapacitar um agressor… Sabe como é, defesa pessoal. Eu ia esmagar o nariz dele no cérebro. – Pensei no homem de cabelo escuro com um surto de ódio. – Você ia lutar com eles? – Isto o aborreceu. – Não pensou em correr? – Eu caio muito quando corro – admiti. – E gritar por ajuda? – Eu ia chegar a essa parte. Ele sacudiu a cabeça. – Você tem razão… Definitivamente estou lutando contra o destino ao tentar manter você viva. Eu suspirei. Estávamos reduzindo, passando pelos limites de Forks. Levou menos de vinte minutos. – Vou ver você amanhã? – perguntei. – Vai… Também tenho que entregar um trabalho. – Ele sorriu. – Vou guardar um lugar para você no refeitório. Era uma idiotice, depois de tudo pelo que passamos esta noite, que essa pequena promessa tenha feito meu estômago palpitar e me deixado incapaz de falar. Estávamos diante da casa de Charlie. As luzes estavam acesas, minha picape no lugar dela, tudo completamente normal. Era como acordar de um sonho. Ele parou o carro, mas eu não me mexi. – Promete estar lá amanhã? – Prometo. Considerei isso por um momento, depois assenti. Tirei a jaqueta, dando uma última fungadela. – Pode ficar com ela… Não vai ter casaco para amanhã – lembrou-me ele. Eu a devolvi. – Não quero ter que explicar a Charlie. – Ah, sim. – Ele sorriu. Eu hesitei, minha mão na maçaneta da porta, tentando prolongar o momento.
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– Bella? – perguntou ele num tom diferente, sério, mas hesitante. – Sim? – Eu me virei para ele ansiosa demais. – Me promete uma coisa? – Prometo – eu disse, e de imediato me arrependi de minha aquiescência incondicional. E se ele me pedisse para ficar longe dele? Eu não ia poder manter a promessa. – Não vá à floresta sozinha. Eu o fitei, perplexa. – Por quê? Ele franziu o cenho, e seus olhos estavam semicerrados ao fitar pela janela. – Nem sempre eu sou a coisa mais perigosa por lá. E vamos parar por aqui. Estremeci um pouco com a súbita frieza na voz dele, mas fiquei aliviada. Pelo menos esta era uma promessa fácil de honrar. – Como quiser. – A gente se vê amanhã – ele suspirou, e eu sabia que agora ele queria que eu saísse. – Amanhã, então. – Abri a porta do carro sem vontade nenhuma. – Bella? – Eu me virei e ele se inclinou para mim, o rosto pálido e glorioso a centímetros do meu. Meu coração parou de bater. – Durma bem – disse. Seu hálito soprou em minha face, estonteando-me. Era o mesmo cheiro delicioso que havia em sua jaqueta, mas de uma forma mais concentrada. Pisquei, completamente tonta. Ele se afastou. Fui incapaz de me mexer até que meu cérebro de algum modo se regularizou. Depois saí do carro desajeitada, apoiando-me. Pensei ter ouvido Edward rir, mas o som era baixo demais para que eu tivesse certeza. Ele esperou até que eu cambaleasse para a porta da frente e depois ouvi o motor acelerar baixinho. Eu me virei e vi o carro prata desaparecer na esquina. Percebi que estava muito frio. Peguei a chave mecanicamente, destranquei a porta e entrei. Charlie chamou da sala de estar. – Bella? – É, pai, sou eu. – Fui até lá para vê-lo. Ele assistia a um jogo de beisebol. – Chegou cedo.
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– Cheguei? – Fiquei surpresa. – Ainda não são nem oito horas – ele me disse. – Vocês se divertiram? – É… Foi muito divertido. – Minha cabeça girava enquanto eu tentava me lembrar da noite que tinha planejado com as meninas. – As duas acharam vestidos. – Está tudo bem com você? – Só estou cansada. Eu andei muito. – Bom, talvez deva ir dormir agora. – Ele parecia preocupado. Eu me perguntei o que meu rosto revelava. – Só vou ligar para a Jessica primeiro. – Mas você não estava com ela? – perguntou ele, surpreso. – Estava… Mas deixei meu casaco no carro dela. Quero me certificar de que ela leve amanhã. – Bom, deixe que ela chegue em casa primeiro. – Tem razão – concordei. Fui para a cozinha e desabei, exausta, numa cadeira. Agora me sentia realmente tonta. Imaginei se afinal ia entrar em choque. Controle-se, disse a mim mesma. De repente o telefone tocou, assustando-me. Eu o peguei do gancho. – Alô? – perguntei sem fôlego. – Bella? – Oi, Jess. Eu ia ligar para você agora. – Já chegou em casa? – Sua voz era de alívio… e surpresa. – É. Deixei meu casaco no seu carro… Pode levar para mim amanhã? – Claro. Mas me conta o que aconteceu! – exigiu ela. – Hmmm, amanhã… Na aula de trigonometria, tá legal? Ela entendeu rapidamente. – Ah, o seu pai está aí? – É, é isso mesmo. – Tudo bem. A gente se fala amanhã, então. Tchau! – Pude ouvir a impaciência na voz dela. – Tchau, Jess.
Subi a escada devagar, um estupor pesado nublando minha mente. Executei os movimentos de me preparar para dormir sem prestar nenhuma
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atenção ao que estava fazendo. Foi só quando estava no banho – a água quente demais, minha pele ardia – que percebi que estava congelando. Estremeci violentamente por vários minutos antes de o jato de vapor finalmente relaxar meus músculos rígidos. Depois fiquei embaixo do chuveiro, cansada demais para me mexer, até que a água quente começou a acabar. Tropecei para fora do boxe, enrolando-me seguramente em uma toalha, tentando manter o calor da água para que os tremores dolorosos não voltassem. Vesti-me para dormir rapidamente e fui para debaixo de meu cobertor, enroscando-me como uma bola, abraçando-me para me aquecer. Alguns pequenos tremores me assaltaram. Minha mente ainda girava tonta, cheia de imagens que eu não conseguia entender e algumas que eu lutava para reprimir. No início, nada parecia claro, mas, à medida que me aproximava aos poucos da inconsciência, algumas certezas tornaram-se evidentes. De três coisas eu estava convicta. Primeira, Edward era um vampiro. Segunda, havia uma parte dele – e eu não sabia que poder essa parte teria – que tinha sede do meu sangue. E terceira, eu estava incondicional e irrevogavelmente apaixonada por ele.
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10. INTERROGAÇÕES 
Pela manhã, foi muito difícil debater com a parte de mim que tinha certeza de que a noite passada tinha sido um sonho. A lógica não estava do meu lado, nem o bom senso. Agarrei-me às partes que eu não podia ter imaginado – como o cheiro dele. Tinha certeza de que nunca teria inventado isso sozinha. Do lado de fora de minha janela, havia neblina e estava escuro, absolutamente perfeito. Ele não tinha motivos para não ir à escola hoje. Coloquei minhas roupas pesadas, lembrando-me de que não tinha casaco. Mais uma prova de que minhas lembranças eram reais. Quando desci, Charlie já havia saído novamente – eu ia me atrasar mais do que tinha percebido. Engoli uma barra de granola em três dentadas, empurrei para dentro com leite bebido direto da caixa, e corri porta afora. Por sorte, a chuva daria um tempo até eu poder encontrar Jessica. A neblina era incomum; o ar era quase fumarento. A bruma era gelada onde se grudava na pele exposta de meu rosto e meu pescoço. Eu estava louca para entrar no calor de minha picape. Era uma neblina tão densa que eu estava a pouca distância da entrada de veículos antes de perceber o carro; um carro prata. Meu coração disparou, tropeçou e recuperou o batimento no dobro da velocidade. Não vi de onde ele veio, mas de repente ele estava ali, abrindo a porta para mim. – Quer uma carona comigo hoje? – perguntou, divertindo-se com minha expressão ao me pegar de surpresa outra vez. Havia incerteza na voz dele. Ele realmente estava me dando alternativas – eu estava livre para recusar, e parte dele esperava por isso. Era uma esperança vã. – Quero, obrigada – eu disse, tentando manter a voz calma. Enquanto entrava no carro quente, percebi uma jaqueta caramelo pendurada no banco do carona. A porta se fechou atrás de mim e, antes que eu pensasse ser possível, ele estava sentado ao meu lado, dando a partida no carro.
– Trouxe o casaco para você. Não quero que adoeça nem nada disso. – Sua voz era cautelosa. Percebi que ele mesmo não estava de casaco, só com um blusão de tricô cinza com gola em V e mangas
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compridas. Novamente, o tecido colava em seu peito perfeitamente musculoso. Era um tributo colossal a seu rosto que meus olhos se afastassem daquele corpo. – Não sou tão frágil assim – eu disse, mas puxei o casaco para o colo, passando os braços pelas mangas compridas demais, curiosa para ver se o cheiro podia ser tão bom quanto minha lembrança dele. Era melhor ainda. – Não é? – ele me contradisse numa voz tão baixa que não tive certeza se queria que eu ouvisse. Seguimos pelas ruas envoltas de névoa, sempre rápido demais, com uma estranha sensação. Minha sensação, pelo menos. Na noite passada, todos os muros ruíram… Quase todos. Não sei se ainda seríamos tão francos hoje. Isso me travou a língua. Esperei que ele falasse. Ele se virou para sorrir com malícia para mim. – Que foi, hoje não tem vinte perguntas? – Minhas perguntas o incomodam? – indaguei, aliviada. – Não tanto quanto suas reações. – Ele parecia estar brincando, mas eu não podia ter certeza. Franzi o cenho. – Eu reajo tão mal assim? – Não, e é esse o problema. Você leva tudo com tanta frieza… Não é natural. Fico me perguntando o que realmente está pensando. – Sempre digo a você o que estou pensando. – Você edita – acusou ele. – Não muito. – O bastante para me deixar louco. – Você não quer ouvir – murmurei, quase sussurrando. Assim as palavras saíram, me arrependi delas. A dor em minha voz era muito fraca; só podia esperar que ele não a tivesse percebido. Ele não respondeu e me perguntei se eu tinha estragado o clima. Seu rosto era ilegível enquanto seguíamos no carro para o estacionamento da escola. Algo me ocorreu, tardiamente. – Onde está sua família? – perguntei, muito contente por estar sozinha com ele, mas lembrando que o carro dele em geral estava cheio. – Eles usaram o carro de Rosalie. – Ele deu de ombros ao estacionar ao lado de um conversível vermelho com a capota suspensa. – Chamativo, não é?
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– Hmmm, caramba – disse à meia voz. – Se ela tem isso, por que pega carona com você? – Como eu disse, é chamativo. Nós tentamos nos misturar. – E não conseguem. – Eu ri e sacudi a cabeça enquanto saíamos do carro. Não estava mais atrasada; a direção lunática de Edward me levou à escola com tempo de folga. – Então por que Rosalie dirigiu hoje se ele é mais visível? – Não percebeu? Agora estou quebrando todas as regras. – Ele se juntou a mim na frente do carro, ficando bem perto, ao meu lado, ao andarmos para o campus. Eu queria estreitar a pequena distância, estender a mão e tocar nele, mas tinha medo de que ele não gostasse. – Por que vocês têm carros assim, então? – perguntei-me em voz alta. – Se procuram ter privacidade? – Um prazer – admitiu ele com um sorriso diabólico. – Todos gostamos de correr. – Imagino – murmurei. Sob o abrigo da marquise do refeitório, Jessica me esperava, os olhos quase saltando da cara. No braço, Deus a abençoe, estava meu casaco. – Oi, Jessica – eu disse quando estávamos a alguns metros de distância. – Obrigada por lembrar. – Ela me passou o casaco sem dizer nada. – Bom dia, Jessica – disse Edward educadamente. Não era culpa dele que sua voz fosse tão irresistível. Ou do que seus olhos eram capazes. – É… oi. – Ela levou os olhos arregalados para mim, tentando organizar os pensamentos confusos. – Acho que vejo você na trigonometria. – Ela me lançou um olhar sugestivo e eu reprimi um suspiro. Que diabos ia dizer a ela? – É, a gente se vê lá. Ela se afastou, parando duas vezes para nos espiar por sobre o ombro. – O que vai dizer a ela? – murmurou Edward. – Ei, pensei que você não podia ler minha mente! – sibilei. – Não posso – disse ele, sobressaltado. Depois a compreensão iluminou seus olhos. – Mas posso ler a dela… Ela vai pegar você de surpresa na sala.
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Eu gemi ao tirar o casaco dele e entregá-lo, substituindo-o pelo meu. Ele dobrou o casaco no braço. – Então, o que vai dizer a ela? – Que tal uma mãozinha? – pedi. – O que ela quer saber? Ele sacudiu a cabeça, sorrindo com malícia. – Isso não é justo. – Não, você não está partilhando o que sabe… Isso é que não é justo. Ele deliberou por um momento enquanto andávamos. Paramos do lado de fora da porta de minha primeira aula. – Ela quer saber se estamos namorando escondido. E ela quer saber como se sente em relação a mim – disse ele por fim. – Caramba. O que devo dizer? – Tentei manter minha expressão muito inocente. As pessoas passavam diante de nós a caminho da sala, provavelmente encarando, mas eu mal percebia a presença delas. – Hmmm. – Ele parou para pegar uma mecha solta de cabelo que estava escapando do rabo em meu pescoço e a colocou no lugar. Meu coração crepitou de hiperatividade. – Acho que pode dizer sim à primeira pergunta… Se não se importa… É mais fácil do que qualquer outra explicação. – Não me importo – eu disse numa voz fraquinha. – E quanto à outra pergunta de Jessica… Bom, eu estarei ouvindo para saber eu mesmo a resposta. Um lado de sua boca se repuxou em meu sorriso torto preferido. Não consegui recuperar meu fôlego com rapidez suficiente para responder a esta observação. Ele se virou e foi embora. – A gente se vê no almoço – disse ele sobre o ombro. Três pessoas que passavam pela porta pararam para olhar para mim. Corri para dentro da sala, corada e irritada. Ele era um trapaceiro e tanto. Agora eu estava ainda mais preocupada com o que ia dizer a Jessica. Sentei em meu lugar de sempre, batendo a bolsa no chão de tão aborrecida. – Bom dia, Bella – disse Mike da carteira ao meu lado. Olhei para cima e vi uma cara estranha e quase resignada. – Como foi em Port Angeles? – Foi… – Não havia um jeito honesto de contar tudo. – Ótimo – concluí, pouco convincente. – A Jessica conseguiu um vestido lindo.
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– Ela disse alguma coisa sobre a noite de segunda? – perguntou ele, os olhos brilhando. Eu sorri com o rumo que a conversa tomava. – Disse que se divertiu muito – garanti a ele. – Se divertiu, é? – disse ele, ansioso. – Com certeza. O Sr. Mason chamou a atenção da turma, pedindo-nos para entregar nossos trabalhos. As aulas de inglês e depois educação cívica passaram indistintas, enquanto eu me preocupava em como explicar as coisas a Jessica e me afligia se Edward realmente estaria ouvindo o que eu dissesse por meio dos pensamentos de Jess. Como esse talentozinho dele podia ser inconveniente – quando não estava salvando minha vida. A neblina quase tinha se dissolvido no final do segundo tempo, mas o dia ainda estava escuro, com nuvens baixas e opressivas. Eu sorri para o céu. Edward tinha razão, é claro. Quando entrei na aula de trigonometria, Jessica estava sentada na fila de trás, quase quicando na cadeira de tão agitada. Com relutância, fui me sentar ao lado dela, tentando me convencer de que seria melhor acabar com tudo assim que fosse possível. – Me conta tudo! – exigiu ela antes que eu me sentasse. – O que quer saber? – tentei escapar. – O que aconteceu ontem à noite? – Ele me levou para jantar e depois me levou em casa. Ela me encarou, com sua expressão rija de ceticismo. – Como chegou em casa tão rápido? – Ele dirige como um louco. Foi apavorante. – Esperei que ele tivesse ouvido isso. – Foi tipo um encontro, disse a ele para encontrar você lá? Não precisei pensar nisso. – Não… Eu fiquei muito surpresa em vê-lo lá. Os lábios dela se contraíram de decepção com a sinceridade transparente em minha voz. – Mas ele pegou você para vir à escola hoje? – sondou ela. – Foi… Isso também foi uma surpresa. Ele percebeu que eu não estava com o casaco ontem à noite – expliquei. – E vocês vão sair de novo?
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– Ele se ofereceu para me levar a Seattle no sábado porque acha que minha picape não agüenta… Isso conta? – Conta. – Ela assentiu. – Bom, então, sim. – Ca-ram-ba. – Ela exagerou as três sílabas da palavra. – Edward Cullen. – Eu sei. – concordei. “Caramba” era pouco. – Peraí! – As mãos dela voaram para cima, as palmas viradas para mim com se estivesse parando o trânsito. – Ele beijou você? – Não – murmurei. – Não foi nada disso. Ela parecia decepcionada. Eu certamente também estava. – Acha que no sábado…? – Ela ergueu as sobrancelhas. – Duvido muito. – A insatisfação em minha voz foi mal disfarçada. – Sobre o que vocês conversaram? – Ela pressionou para ter mais informações aos cochichos. A aula tinha começado, mas o Sr. Varner não prestava atenção e não éramos as únicas que ainda conversavam. – Sei lá, Jess, um monte de coisas – cochichei também. – Falamos um pouco do trabalho de inglês. – Um pouquinho de nada. Acho que ele mencionou isso de passagem. – Por favor, Bella – implorou ela. – Me dê alguns detalhes. – Bom… Tudo bem, tenho um. Devia ter visto a garçonete paquerando ele… Foi um exagero. Mas ele não deu nenhuma atenção a ela. – Ele que faça o que puder disso. – É um bom sinal – assentiu ela. – Ela era bonita? – Muito… E devia ter uns 19 ou 20 anos. – Melhor ainda. Ele deve gostar de você. – Eu acho que sim, mas é difícil saber. Ele é sempre tão enigmático. – Lancei essa para persuadi-lo, suspirando. – Não sei como você tem coragem de ficar sozinha com ele – cochichou ela. – Por quê? – Eu estava chocada, mas ela não entendeu minha reação. – Ele é tão… intimidador. Eu não saberia o que dizer a ele. – Ela fez uma careta, provavelmente se lembrando desta manhã ou de ontem à noite, quando ele lançou toda a força dominadora de seus olhos. – Tenho uns problemas de incoerência quando estou perto dele – admiti.
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– Ah, sim. Ele é mesmo incrivelmente bonito. – Jessica deu de ombros como se isso desculpasse qualquer defeito. O que, de acordo com as regras dela, desculpava mesmo. – Há muito mais nele do que isso. – É mesmo? Tipo o quê? Eu queria deixar essa passar. Quase tanto quanto esperava que ele estivesse brincando quando disse que ia ouvir. – Não posso explicar muito bem… Mas ele é ainda mais inacreditável por trás daquele rosto. – O vampiro que queria ser bom, que corria para salvar a vida das pessoas para que não fosse um monstro… Fiquei olhando a frente da sala. – Será possível? – ela riu. Eu a ignorei, tentando dar a impressão de que prestava atenção ao Sr. Varner. – Então gosta dele, né? – Ela não ia desistir. – Gosto – disse eu rapidamente. – Quer dizer, você realmente gosta dele? – insistiu ela. – Gosto – eu disse de novo, corando. Esperava que esse detalhe não fosse registrado nos pensamentos dela. Ela não se contentaria com uma resposta tão curta. –O quanto você gosta dele? – Demais – cochichei. – Mais do que ele gosta de mim. Mas não vejo como evitar isso. – Eu suspirei, com um rubor se misturando ao outro. Depois, felizmente, o Sr. Varner fez uma pergunta a Jessica. Ela não teve chance de recomeçar o assunto durante a aula e, assim que o sinal tocou, dei um jeito de escapar. – Na aula de inglês, o Mike perguntou se você disse alguma coisa sobre a noite de segunda – contei a ela. – Tá brincando! O que você disse? – ela arfou, completamente desviada. – Disse a ele que você falou que se divertiu muito… Ele pareceu satisfeito. – Me conta exatamente o que ele disse, e sua resposta exata!
Passamos o resto da caminhada dissecando as estruturas frasais e a maior parte da aula de espanhol era uma descrição minuciosa das expressões faciais de Mike. Eu não teria me importado de estender o
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assunto por tanto tempo se não estivesse preocupada que a conversa voltasse para mim. E então tocou o sinal do almoço. Enquanto eu pulava de minha cadeira, jogando os livros de qualquer jeito na bolsa, minha expressão exaltada deve ter dado a dica a Jessica. – Não vai se sentar com a gente hoje, não é? – adivinhou ela. – Acho que não. – Não podia ter certeza se ele ia desaparecer daquele jeito inconveniente de novo. Mas do lado de fora de nossa sala de espanhol, encostado na parede – parecendo mais um deus grego do que qualquer um teria direito – Edward esperava por mim. Jessica deu uma olhada, revirou os olhos e partiu. – A gente se vê, Bella. – A voz dela estava cheia de subentendidos. Eu talvez tivesse que desligar a campainha do telefone. – Oi. – A voz dele era divertida e irritada ao mesmo tempo. Ele esteve ouvindo, isso era evidente. – Oi. Não consegui pensar em mais nada para dizer e ele não falou – esperando pela oportunidade, eu imaginei –, então foi uma caminhada silenciosa até o refeitório. Andar com Edward durante o movimentado horário de almoço foi quase como meu primeiro dia de aula aqui; todo mundo me olhava. Ele foi na frente indicando o lugar na fila, ainda sem dizer nada, mas seus olhos se viravam para meu rosto a cada poucos segundos, sua expressão especulativa. Parecia que a irritação estava cedendo espaço para a diversão como emoção predominante no rosto dele. Remexi nervosa no zíper de meu casaco. Ele foi até o balcão e encheu uma bandeja de comida. – O que está fazendo? – contestei. – Não está pegando tudo isso para mim, não é? Ele sacudiu a cabeça, avançando um passo para pagar pela comida. – Metade é para mim, é claro. Ergui uma sobrancelha. Ele seguiu na frente para o mesmo lugar em que nos sentamos antes. Do outro lado da mesa comprida, um grupo de veteranos nos olhava surpreso enquanto nos sentávamos um de frente para o outro. Edward parecia distraído.
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– Pegue o que quiser – disse ele, empurrando a bandeja para mim. – Estou curiosa – eu disse enquanto pegava uma maça, virando-a nas mãos –, o que você faria se alguém te desafiasse a comer comida? – Você é sempre curiosa. – Fez uma careta, sacudindo a cabeça. Ele olhou para mim, sustentando meu olhar enquanto levantava a fatia de pizza da bandeja, e deliberadamente mordeu um pedaço, mastigou rapidamente e engoliu. Eu observei, de olhos arregalados. – Se alguém desafiasse você a comer terra, você poderia, não é? – perguntou ele com condescendência. Franzi o nariz. – Eu comi uma vez… num desafio – admiti. – Não foi tão ruim. Ele riu. – Eu não devia me surpreender. – Algo por sobre meu ombro parecia atrair a atenção dele. – Jessica está analisando tudo o que eu faço… Ela vai cair em cima de você depois. – Ele empurrou o resto da pizza para mim. A menção a Jessica devolveu uma pontada de irritação a suas feições. Baixei a maçã e dei uma dentada na pizza, desviando os olhos, sabendo que ele estava prestes a começar. – Então a garçonete era bonita, é? – perguntou ele casualmente. – Você não percebeu mesmo? – Não. Não estava prestando atenção. Tinha muita coisa em mente. – Coitada. – Agora eu podia ser generosa. – Teve uma coisa que você disse a Jessica que… bom, me incomodou. – Ele se recusava a se distrair. Sua voz era rouca e ele olhava de soslaio com olhos perturbados. – Não me surpreende que tenha ouvido alguma coisa de que não gostou. Você sabe o que dizem sobre ouvir a conversa dos outros – lembrei a ele. – Eu avisei que estaria ouvindo. – E eu avisei que você não ia querer saber tudo o que eu estava pensando. – Avisou mesmo – concordou ele, mas sua voz ainda era áspera. – Mas você não está exatamente correta. Quero saber o que está pensando… Tudo. É só que preferia… que você não ficasse pensando em certas coisas. Dei um olhar zangado. – É uma honraria e tanto.
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– Mas não é o que interessa no momento. – Então o que é? – Agora estávamos inclinados um para o outro sobre a mesa. Ele estava com as mãos brancas e grandes cruzadas sob o queixo; eu me inclinei para a frente, a mão direita envolvendo meu pescoço. Tive que lembrar a mim mesma que estávamos em um refeitório lotado, com provavelmente muitos olhares curiosos em nós. Era fácil demais ficarmos presos em nossa própria bolha particular e tensa. – Acredita sinceramente que gosta mais de mim do que eu de você? – murmurou ele, aproximando-se mais ao falar, com os olhos dourados-escuros penetrantes. Tentei me lembrar de como soltar o ar. Tive que desviar os olhos para recuperar a respiração. – Está fazendo aquilo de novo – murmurei. Os olhos dele se arregalaram de surpresa. – O quê? – Me deixando tonta – admiti, tentando me concentrar ao voltar a olhar para ele. – Ah. – Ele franziu o cenho. – Não é culpa sua – suspirei. – Você não consegue evitar. – Vai responder à pergunta? Olhei para baixo. – Sim. – Sim, você vai responder, ou sim, você realmente pensa isso? – Ele estava irritado de novo. – Sim, eu realmente penso isso. – Mantive os olhos baixos na mesa, acompanhando o padrão dos veios falsos de madeira estampados no laminado. O silêncio se arrastava. Desta vez, por teimosia, eu me recusei a ser a primeira a rompê-lo, lutando com todas as minhas forças contra a tentação de olhar a expressão dele. Por fim ele falou, a voz suave de veludo. – Está errada. Olhei para ele e vi que seus olhos eram gentis. – Não pode saber disso – discordei num sussurro. Sacudi a cabeça em dúvida, mas meu coração afundou com as palavras dele e eu queria muito acreditar nelas.
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– O que a faz pensar assim? – Seus olhos de topázio fluido eram penetrantes – tentando inutilmente, pressupus, levantar a verdade direto de minha mente. Sustentei o olhar dele, lutando para pensar com clareza, apesar da cara de Edward, buscando uma maneira de explicar. Enquanto procurava pelas palavras, pude ver que ele ficava impaciente; frustrado com o meu silêncio. Ele começava a fechar a cara. Tirei a mão do pescoço e ergui um dedo. – Me deixe pensar – insisti. Sua expressão clareou, agora que ele estava satisfeito que eu pretendesse responder. Deixei minha mão cair na mesa, movendo a mão esquerda para que as palmas se juntassem. Olhei minha mãos, girando os dedos, enquanto finalmente eu falava. – Bom, além do óbvio, às vezes… – hesitei. – Não posso ter certeza… eu não sei ler a mente de ninguém… mas às vezes parece que você está tentando dizer adeus quando diz outra coisa. – Era o melhor que eu podia fazer para exprimir a sensação de angústia provocada em mim pelas palavras dele de vez em quando. – Perceptiva – sussurrou ele. E lá estava a angústia de novo, vindo à tona com a confirmação dele de meu medo. – Mas é exatamente por isso que está errada – ele começou a explicar, mas seus olhos se estreitaram. – O que quer dizer com “o óbvio”? – Bom, olhe para mim – eu disse, desnecessariamente, pois ele já me encarava. – Sou absolutamente comum… Bom, a não ser pelas coisas ruins, como todas as experiências de quase-morte e por ser tão desastrada, o que me torna praticamente incapaz. E olhe para você. – Acenei para ele e toda a sua perfeição desconcertante. Por um momento sua testa se crispou de irritação, depois suavizou-se enquanto seus olhos assumiam uma expressão maliciosa. – Você não se vê com muita clareza, sabia? Vou admitir que você é terrível com as coisas ruins – ele riu sombriamente –, mas você não sabia o que todo macho desta escola estava pensando no seu primeiro dia aqui. Eu pisquei, atônita. – Não acredito… – murmurei para mim mesma. – Confie em mim só desta vez… Você é o contrário do comum. Meu constrangimento foi muito mais forte do que meu prazer com o olhar que ele me deu ao dizer isso. Rapidamente lembrei-o de meu argumento original.
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– Mas não estou dizendo adeus – assinalei. – Não entende? Isso prova que estou certo. Eu é que gosto mais, porque se eu puder fazer isso – ele sacudiu a cabeça, parecendo lutar com a idéia –, se partir é a coisa certa a fazer, então vou me magoar por continuar magoando você, para manter você segura. Olhei para ele. – E não acha que eu faria o mesmo? – Você nunca precisou tomar esta decisão. Seu humor imprevisível mudou de novo, abruptamente; um sorriso arrasador e maligno rearrumou suas feições. – É claro que para manter você segura está começando a parecer uma ocupação de tempo integral que requer minha presença constante. – Ninguém tentou me assassinar hoje – lembrei a ele, grata pelo tema mais leve. Não queria que ele falasse novamente em despedidas. Se fosse preciso, acho que eu podia me colocar em perigo de propósito só para que ele estivesse perto… Bani este pensamento antes que seus olhos rápidos o lessem em meu rosto. Esta idéia definitivamente me colocaria em problemas. – Ainda – acrescentou ele. – Ainda – concordei; eu teria discutido, mas agora queria que ele esperasse por desastres. – Tenho outra pergunta para você. – Seu rosto ainda estava despreocupado. – Manda. – Você realmente precisa ir a Seattle neste sábado, ou era só uma desculpa para dizer não a todos os seus admiradores? Fiz uma careta com a lembrança. – Sabe de uma coisa, ainda não perdoei você pela historia do Tyler – alertei-o. – É por sua culpa que ele se iludiu em pensar que vou ao baile dos alunos com ele. – Ah, ele teria encontrado uma oportunidade de convidar você sem mim… Eu só queria ver a sua cara – ele riu. Eu teria ficado mais irritada se o riso dele não fosse tão fascinante. – Se eu a convidasse, você teria rejeitado a mim? – perguntou ele, ainda rindo consigo mesmo. – Provavelmente não – admiti. – Mas eu teria cancelado depois… Fingindo doença ou um tornozelo torcido. Ele ficou confuso.
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– Por que faria isso? Sacudi a cabeça com tristeza. – Pelo visto, você nunca me viu na educação física, mas achava que iria entender. ¬– Está se referindo ao fato de que você não consegue andar numa superfície plana e estável sem encontrar alguma coisa em que tropeçar? – É óbvio. – Isso não seria um problema. – Ele era muito confiante. – Tudo depende de quem conduz. – Ele podia ver que eu estava prestes a protestar e me interrompeu. – Mas você não me disse… Está decidida a ir a Seattle ou não se importa se fizermos uma coisa diferente? Como a parte do “nós” ainda estava ali, não me importei com mais nada. – Estou aberta a alternativas – cedi. – Mas tenho um favor a pedir. Ele me olhou cauteloso, como sempre acontecia quando eu fazia uma pergunta pela metade. – O que é? – Posso dirigir? Ele franziu a testa. – E por quê? – Bom, principalmente porque quando eu disse a Charlie que ia a Seattle, ele me perguntou especificamente se eu ia sozinha e, na hora, eu ia mesmo. Se ele me perguntasse novamente, eu provavelmente não ia mentir, mas não acho que ele vá perguntar de novo, e deixar minha picape em casa só levantaria o assunto sem nenhuma necessidade. E, além disso, porque você dirige de um jeito que me dá medo. Ele revirou os olhos. – De todas as coisas sobre mim que podem te dar medo, você se preocupa com a minha direção. – Ele sacudiu a cabeça de desgosto, mas depois seus olhos estavam sérios de novo. – Não quer contar a seu pai que vai passar o dia comigo? – Havia alguma coisa por trás da pergunta dele que eu não entendi. – Ah, ele teria encontrado uma oportunidade de convidar você sem mim… Eu só queria ver a sua cara – ele riu. Eu teria ficado mais irritada se o riso dele não fosse tão fascinante. – Se eu a convidasse, você teria rejeitado a mim? – perguntou ele, ainda rindo consigo mesmo.
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– Provavelmente não – admiti. – Mas eu teria cancelado depois… Fingindo doença ou um tornozelo torcido. Ele ficou confuso. – Por que faria isso? Sacudi a cabeça com tristeza. – Pelo visto, você nunca me viu na educação física, mas achava que iria entender. – Está se referindo ao fato de que você não consegue andar numa superfície plana e estável sem encontrar alguma coisa em que tropeçar? – É óbvio. – Isso não seria um problema. – Ele era muito confiante. – Tudo depende de quem conduz. – Ele podia ver que eu estava prestes a protestar e me interrompeu. – Mas você não me disse… Está decidida a ir a Seattle ou não se importa se fizermos uma coisa diferente? Como a parte do “nós” ainda estava ali, não me importei com mais nada. – Estou aberta a alternativas – cedi. – Mas tenho um favor a pedir. Ele me olhou cauteloso, como sempre acontecia quando eu fazia uma pergunta pela metade. – O que é? – Posso dirigir? Ele franziu a testa. – E por quê? – Bom, principalmente porque quando eu disse a Charlie que ia a Seattle, ele me perguntou especificamente se eu ia sozinha e, na hora, eu ia mesmo. Se ele me perguntasse novamente, eu provavelmente não ia mentir, mas não acho que ele vá perguntar de novo, e deixar minha picape em casa só levantaria o assunto sem nenhuma necessidade. E, além disso, porque você dirige de um jeito que me dá medo. Ele revirou os olhos. – De todas as coisas sobre mim que podem te dar medo, você se preocupa com a minha direção. – Ele sacudiu a cabeça de desgosto, mas depois seus olhos estavam sérios de novo. – Não quer contar a seu pai que vai passar o dia comigo? – Havia alguma coisa por trás da pergunta dele que eu não entendi. – Com Charlie é melhor não pecar pelo excesso. – Eu sabia muito bem disso. – Aonde vamos, aliás?
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– O tempo está bom, então vou ficar longe dos olhares públicos… E você pode ficar comigo, se quiser. – Novamente, ele estava deixando a decisão em minhas mãos. – E vai me mostrar o que quis dizer sobre o sol? – perguntei, animada com a idéia de revelar outro de seus aspectos desconhecidos. – Vou. – Ele sorriu e depois parou. – Mas se não quiser ficar… só comigo, ainda prefiro que não vá a Seattle sozinha. Eu tremo só de pensar nos problemas que você pode arranjar numa cidade daquele tamanho. Fiquei aborrecida. – Phoenix é três vezes maior do que Seattle… só em termos de população. Em tamanho… – Mas ao que parece – ele me interrompeu – sua hora não ia chegar em Phoenix. Então é melhor ficar perto de mim. – Seus olhos assumiram aquele ardor injusto de novo. Eu não podia argumentar, nem com os olhos nem com a motivação, e de qualquer modo era uma questão discutível. – Por acaso, eu não me preocupo de ficar sozinha com você. – Eu sei – ele suspirou, meditando. – Mas devia contar ao Charlie. – Por que diabos eu faria isso? Seus olhos ficaram de repente ameaçadores. – Para me dar um pequeno incentivo para levá-la de volta. Engoli em seco. Mas, depois de pensar um momento, eu tive certeza. – Acho que vou correr o risco. Ele suspirou com raiva e desviou os olhos. – Vamos falar de outra coisa? – sugeri. – Do que você quer falar? – perguntou ele. Ainda estava irritado. Olhei em volta de nós, certificando-me de que estávamos fora do alcance de ouvidos alheios. Ao passar os olhos pelo salão, captei o olhar da irmã dele, Alice, me encarando. Os outros olhavam para Edward. Virei a cara rapidamente, de volta a ele, e fiz a primeira pergunta que me veio à mente. – Por que foi àquele lugar nas Great Rocks no fim de semana passado… para caçar? Charlie disse que não era um bom lugar para caminhadas, por causa dos ursos. Ele me encarou como se eu tivesse deixado escapar alguma coisa muito óbvia.
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– Ursos? – arfei e ele sorriu com malícia. – Sabe de uma coisa, não é temporada de ursos – acrescentei austera, para esconder meu espanto. – Se ler com cuidado, a lei só diz respeito a caça com armas – ele me informou. Ele olhou para minha cara com prazer enquanto a ficha caía. – Ursos? – repeti com dificuldade. – Os pardos são os preferidos de Emmett. – Sua voz ainda era descuidada, mas os olhos analisavam minha reação. Tentei me recompor. – Hmmm. – eu disse, dando outra dentada na pizza como desculpa para olhar para baixo. Mastiguei devagar e depois tomei um longo gole de Coca sem olhar para ele. – E aí – eu disse depois de um momento, encontrando por fim seu olhar, agora ansioso. – Qual é o seu preferido? Ele ergueu uma sobrancelha e os cantos de sua boca se viraram para baixo em desaprovação. – O leão da montanha. – Ah – eu disse num tom educadamente desinteressado, procurando por meu refrigerante novamente. – É claro que – disse ele, e seu tom espelhava o meu – precisamos ter o cuidado de não causar impacto ambiental com uma caçada imprudente. Tentamos nos concentrar em áreas com uma superpopulação de predadores… na maior extensão que precisarmos. Sempre há muitos cervos e veados por aqui, e eles vão servir, mas que diversão há nisso? – Ele sorriu, me provocando. – Que diversão? – murmurei com outra dentada na pizza. – O início da primavera é a temporada de ursos preferida de Emmett… Eles estão saindo da hibernação, então são mais irritadiços. – Ele sorriu de alguma piada que lembrou. – Não há nada mais divertido do que um urso pardo irritado – concordei, assentindo. Ele riu baixinho, sacudindo a cabeça. – Me diga o que realmente está pensando, por favor. – Estou tentando imaginar… mas não consigo – admiti. – Como vocês caçam um urso sem armas?
– Ah, nós temos armas. – Ele faiscou os dentes brilhantes em um sorriso breve e ameaçador, lutei para não tremer antes que isso pudesse me expor. – Mas não do tipo que consideram quando redigem as leis de caça.
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Se já viu um ataque de urso pela televisão, deve poder visualizar Emmett caçando. Não consegui impedir o tremor seguinte que reverberou por minha coluna. Espiei pelo refeitório para Emmett, grata por ele não estar olhando na minha direção. As faixas largas de músculos que envolviam seus braços e o torso agora eram ainda mais ameaçadoras. Edward acompanhou meu olhar e riu. Eu olhei para ele, enervada. – Você também é como um urso? – perguntei em voz baixa. – Mais como o leão, ou é o que me dizem – disse ele levemente. – Talvez nossas preferências sejam indicativas. Tentei sorrir. – Talvez – repeti. Mas minha mente estava cheia de imagens contraditórias que eu não conseguia fundir. É uma coisa que eu poderia ver? – Claro que não! – Seu rosto ficou ainda mais branco do que o de costume e seus olhos de repente estavam furiosos. Eu me recostei, atordoada e, embora nunca admitisse isso a ele, assustada com sua reação. Ele também recostou, cruzando os braços. – É assustador demais para mim? – perguntei quando consegui controlar minha voz de novo. – Se fosse assim, eu levaria você esta noite – disse ele, a voz cortante. – Você precisa de uma dose saudável de medo. Nada pode ser mais benéfico para você. – Então por quê? – pressionei, tentando ignorar sua expressão irritada. Ele me olhou por um longo minuto. – Depois – disse ele por fim. Ele ficou de pé em um movimento leve. – Vamos nos atrasar. Olhei em volta, sobressaltada ao ver que ele tinha razão e o refeitório estava quase vazio. Quando eu estava com ele, o tempo e o lugar eram uma coisa tão obscena e desordenada que eu perdia completamente a percepção dos dois. Pulei de pé, pegando minha bolsa do encosto da cadeira. – Depois, então – concordei. Eu não ia me esquecer.
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11. COMPLICAÇÕES 
Todo mundo nos viu andando juntos para nosso lugar do laboratório. Percebi que ele não virou mais a cadeira para se sentar o mais distante possível de mim. Em vez disso, sentou-se bem ao meu lado, nossos braços quase se tocando. O Sr. Banner entrou na sala naquele momento – que senso de oportunidade soberbo tinha aquele homem – empurrando um rack alto de metal, sobre rodas, que sustentava uma TV pesadona e obsoleta e um videocassete. Dia de filme – a melhora do astral da sala era quase tangível. O Sr. Banner enfiou a fita no relutante videocassete e foi até a parede para apagar a luz. E então, assim que a sala escureceu, de repente fiquei hiperconsciente e que Edward estava sentado a menos de três centímetros de mim. Fiquei pasma com a eletricidade inesperada que fluía por meu corpo, maravilhada que fosse possível ter mais consciência dele do que eu já tinha. Quase fui dominada por um impulso louco de estender a mão e tocá-lo, afagar seu rosto perfeito pelo menos uma vez no escuro. Cruzei os braços bem firmes no peito, os punhos bem apertados. Eu estava perdendo o juízo. Começaram os créditos de abertura, iluminando a sala um pouquinho. Meus olhos, por vontade própria, vagaram para ele. Sorri timidamente ao notar que sua postura era idêntica à minha, os punhos cerrados sob os braços, olhando-me de lado. Ele também sorriu, os olhos de certo modo conseguindo arder, mesmo no escuro. Virei o rosto antes que começasse a ofegar. Era absolutamente ridículo que eu ficasse tonta. A hora pareceu muito comprida. Eu não conseguia me concentrar no filme – nem sabia qual era o tema. Tentei sem sucesso relaxar, mas a corrente elétrica que parecia se originar de algum lugar no corpo dele não se atenuou. De vez em quando eu me permitia uma olhada rápida na direção dele, que também não parecia relaxar. O intenso desejo de tocá-lo também se recusava a diminuir, e eu apertei os punhos nas costelas até que meus dedos doeram do esforço. Soltei um suspiro de alívio quando o Sr. Banner acendeu a luz no fundo da sala e estiquei os braços diante de mim flexionando os dedos enrijecidos. Edward riu ao meu lado.
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– Bom, isso foi interessante – murmurou ele. Sua voz era sombria e os olhos, cautelosos. – Hmmm – foi só o que consegui responder. – Vamos? – perguntou ele, levantando-se facilmente. Eu quase gemi. Hora da educação física. Levantei-me com cuidado, preocupado que meu equilíbrio pudesse ter sido afetado pela nova e estranha intensidade entre nós. Ele me acompanhou em silêncio até minha aula seguinte e parou na porta. Virei-me para me despedir. Seu rosto me assustou – a expressão era dilacerada, quase de dor, e tão terrivelmente linda que o desejo de tocá-lo voltou a cintilar com a mesma força. Minha despedida ficou presa na garganta. Ele ergueu a mão, hesitante, o conflito assolando seu olhar, e afagou rapidamente meu rosto com a ponta dos dedos. Sua pele estava gelada, como sempre, mas o rastro de seus dedos em minha pele era alarmantemente quente – como se eu tivesse queimado, mas sem sentir a dor. Ele se virou sem dizer nada e se afastou depressa de mim. Entrei no ginásio, alegre e trêmula. Vaguei para o vestiário, trocando de roupa em transe, apenas vagamente ciente de que havia outras pessoas em volta de mim. Só caí na realidade quando me deram uma raquete. Não era pesada, e no entanto eu a sentia pouco segura em minha mão. Pude ver alguns dos outros alunos da turma me olhando furtivamente. O treinador Clapp nos mandou formar duplas. Graças aos céus, alguns vestígios do cavalheirismo de Mike ainda estavam vivos; ele veio se postar ao meu lado. – Quer fazer dupla comigo? – Obrigada, Mike… Sabe que não precisa fazer isso. – Fiz uma careta à guisa de desculpas. – Não se preocupe, vou me manter fora de seu alcance. – Ele sorriu. Às vezes era tão fácil gostar de Mike.
Não foi assim tão tranqüilo. De algum jeito eu consegui bater a raquete na minha própria cabeça e golpear o ombro de Mike num mesmo movimento. Passei o resto do tempo no fundo da quadra, a raquete colocada com segurança às minhas costas. Apesar de levar desvantagem por minha causa, Mike era muito bom; venceu três games de quatro
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jogando sozinho. Ele me cumprimentou com uma batida de mãos não merecida quando o treinador finalmente tocou o apito, encerrando a aula. – E aí – disse ele enquanto saíamos da quadra. – E aí o quê? – Você e o Cullen, hein? – perguntou ele num tom meio revoltado. Minha sensação anterior de afeto desapareceu. – Isso não é da sua conta, Mike – alertei, xingando Jessica por dentro, amaldiçoando-a a arder nos abismos do Inferno. – Não gosto disso – murmurou ele de qualquer forma. – Não tem que gostar ou não – rebati. – Ele olha para você como se… Como se você fosse uma coisa de comer – continuou ele, ignorando-me. Sufoquei a histeria que ameaçava explodir, mas uma risadinha conseguiu sair apesar de meus esforços. Ele me fitou. Acenei e disparei para o vestiário. Vesti-me rapidamente, algo mais estranho do que borboletas batendo as asas sem parar nas paredes de meu estômago, e minha discussão com Mike já uma lembrança distante. Eu me perguntava se Edward estaria esperando, ou se deveria encontrar com ele no carro. E se a família dele estivesse ali? Senti uma onda de puro terror. Será que eles sabiam que eu sabia? Deveria eu saber que eles sabiam que eu sabia, ou não? Quando saí do ginásio, tinha simplesmente decidido ir a pé direto para casa sem sequer olhar o estacionamento. Mas minhas preocupações eram desnecessárias. Edward me esperava, encostado despreocupadamente na lateral do ginásio, o rosto de tirar o fôlego agora tranqüilo. Enquanto ia para o lado dele, senti um alívio peculiar. – Oi – sussurrei, com um sorriso enorme. – Olá. – Seu sorriso de resposta era reluzente. – Como foi a educação física? Meu rosto desmoronou um pouquinho. – Legal – menti. – É mesmo? – Ele não estava convencido. Seus olhos mudaram um pouco de foco, olhando por sobre meu ombro e se estreitando. Olhei para trás e vi as costas de Mike se afastando. – Que foi? – perguntei. Os olhos dele voltaram para mim, ainda estreitos. – O Newton está me dando nos nervos.
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– Não estava ouvindo de novo, estava? – Fiquei apavorada. Todos os vestígios de meu súbito bom humor desapareceram. – Como está a sua cabeça? – perguntou ele, inocente. – Você é inacreditável! – Eu me virei, marchando na direção do estacionamento, embora eu não pretendesse andar a essa altura. Ele me acompanhou com facilidade. – Foi você quem disse que eu nunca a vira na educação física… Isso me deixou curioso. – Ele não parecia arrependido, então o ignorei. Andamos em silêncio – um silêncio furioso e constrangido de minha parte – até o carro dele. Mas tive que parar a alguns passos – uma multidão, todos meninos, cercavam o Volvo. Depois percebi que eles não estavam em volta do Volvo, na verdade estavam em volta do conversível vermelho de Rosalie, o desejo inconfundível em seus olhos. Nenhum deles sequer olhou quando Edward passou entre eles para abrir a porta do carro. Eu subi rapidamente no banco do carona, quase despercebida. – Chamativo – murmurou ele. – Que carro é esse? – perguntei. – Um M3. – Eu não falo a língua da Car and Drive. – É um BMW. – Ele revirou os olhos, sem olhar para mim, tentando dar a ré sem atropelar os entusiastas de automóveis. Eu assenti – já ouvira alguma coisa sobre isso. – Ainda está com raiva? – perguntou enquanto manobrava cuidadosamente para sair dali. – Com certeza. Ele suspirou. – Pode me perdoar se eu pedir desculpas? – Talvez… Se for sincero. E se me prometer que não vai fazer isso de novo – insisti. Seus olhos de repente ficaram perspicazes. – E se eu for sincero e concordar em dar uma carona no sábado? – contra-atacou ele. Pensei no assunto e decidi que esta devia ser a melhor oferta que eu conseguiria. – Feito – concordei.
– Então me desculpe por tê-la aborrecido. – Seus olhos arderam de sinceridade por um momento prolongado, acabando com o ritmo de meu
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coração, e depois ficaram brincalhões. – E estarei na sua porta na brilhante manhã de sábado, bem cedo. – Hmmm, não vai me ajudar nos problemas com o Charlie se um Volvo desconhecido estiver na entrada de carros. O sorriso dele agora era condescendente. – Não era minha intenção aparecer de carro. – Como… Ele me interrompeu. – Não se preocupe com isso. Eu estarei lá, sem carro. Deixei essa passar. Tinha uma pergunta mais premente. – Já é depois? – perguntei, sugestivamente. Ele franziu o cenho. – Acho que já é depois. Mantive a expressão educada enquanto esperava. Ele parou o carro. Olhei para ele, surpresa – é claro que já estávamos na casa de Charlie, estacionados atrás da picape. Era mais fácil andar de carro com ele se eu só olhasse quando acabasse. Quando voltei a olhar para ele, Edward me encarava, medindo-me com os olhos. – E você ainda quer saber por que não pode me ver caçar? – Ele parecia solene, mas pensei ter visto um traço de humor no fundo de seus olhos. – Bom – esclareci –, eu estava me perguntando sobre sua reação. – Eu não a assustei? – Sim, sem dúvida havia humor ali. – Não – menti. Ele não caiu nessa. – Desculpa por assustá-la – insistiu ele com um sorriso leve, mas depois todas as evidências de deboche desapareceram. – Foi a idéia de que você estivesse lá… enquanto nós caçávamos. – Seu queixo se apertou. – Seria tão ruim assim? Ele falou entredentes. – Extremamente. – Por quê…? Ele respirou fundo e olhou pela janela para as nuvens carregadas que rolavam e pareciam pesar, quase ao alcance da mão.
– Quando caçamos – disse ele lentamente, sem nenhuma vontade –, nós nos entregamos aos nossos sentidos… que governam menos com nossa mente aberta. Em especial o olfato. Se você estivesse perto de mim quando
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eu perdesse o controle desse jeito… – Ele sacudiu a cabeça, ainda encarando sombriamente as nuvens pesadas. Mantive a expressão firmemente sob controle, esperando pelo rápido lampejo em seus olhos para avaliar minha reação, que logo se seguiu. Meu rosto não transpareceu nada. Mas sustentamos o olhar e o silêncio se aprofundou – e mudou. As ondas de eletricidade que senti naquela tarde começaram a carregar a atmosfera enquanto ele fitava insistentemente meus olhos. Foi só quando minha cabeça começou a girar que percebi que eu não estava respirando. Quando puxei o ar numa respiração entrecortada, quebrando o silêncio, ele fechou os olhos. – Bella, acho que devia entrar agora. – Sua voz baixa era áspera, os olhos nas nuvens de novo. Abri a porta e a lufada ártica que irrompeu para dentro do carro ajudou a clarear minha mente. Com medo de tropeçar com minha vertigem, saí do carro com cuidado e fechei a porta sem olhar para trás. O zumbido do vidro elétrico baixando fez com que eu me virasse. – Ah, Bella? – ele me chamou, a voz mais controlada. Ele se inclinou para a janela aberta com um sorriso fraco nos lábios. – Sim? – Amanhã é a minha vez. – Sua vez de quê? Ele abriu um sorriso largo, os dentes reluzentes faiscando. – De fazer as perguntas. E depois ele se foi, o carro veloz na rua, desaparecendo na esquina antes que eu pudesse organizar os pensamentos. Eu sorri ao andar até em casa. Estava claro que ele pretendia me ver amanhã, simplesmente. Naquela noite Edward apareceu em meus sonhos, como sempre. Mas o clima de minha inconsciência mudara. Fiquei arrepiada com a mesma eletricidade que se descarregara naquela tarde e me virei na cama sem parar, acordando com freqüência. Eram as primeiras horas da manhã quando finalmente afundei em um sono exausto e sem sonhos.
Quando despertei ainda estava cansada, mas também irritada. Vesti o suéter marrom de gola rulê e a inseparável calça jeans, suspirando ao devanear com alças finas e shorts. O café-da-manhã foi o de sempre, silencioso, como eu esperava. Charlie fritou ovos para ele; eu comi uma tigela de cereais. Perguntei-me se ele tinha se esquecido deste sábado. Ele
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respondeu a minha pergunta muda enquanto se levantava para colocar o prato na pia. – Sobre este sábado… – começou ele, andando pela cozinha e abrindo a torneira. Eu me encolhi. – Sim, pai? – Ainda vai a Seattle? – perguntou ele. – O plano era esse. – Fiz uma careta, querendo que ele não tivesse levantado o assunto para eu não ter que compor cuidadosas meias verdades. Ele espremeu um pouco de detergente no prato e o esfregou com uma esponja. – E tem certeza de que não pode voltar a tempo para o baile? – Eu não vou ao baile, pai. – Olhei fixamente para ele. – Ninguém convidou você? – perguntou ele, tentando esconder a preocupação, concentrando-se em enxaguar o prato. Evitei o campo minado. – São as meninas que convidam. – Ah. – Ele franziu a testa enquanto secava o prato. Eu me solidarizei com ele. Deve ser difícil ser pai; viver com medo de que sua filha conheça o rapaz de quem goste, mas também se preocupar que ela não conheça. Seria horrível, pensei, tremendo, se Charlie tivesse a mais leve indicação do que eu gostava exatamente. Charlie então saiu, com um aceno de despedida, eu subi para escovar os dentes e pegar meus livros. Quando ouvi a radiopatrulha arrancar, só precisei esperar alguns segundos para olhar por minha janela. O carro prata já estava ali, esperando na vaga de Charlie, perguntando-me quanto tempo continuaria essa rotina estranha. Eu não queria que tivesse um fim. Ele esperava no carro e não pareceu ver quando fechei a porta sem me incomodar em passar a chave. Andei até o Volvo, parando timidamente antes de abrir a porta e entrar. Ele sorria, relaxado – e, como sempre, perfeito e lindo de um jeito aflitivo. – Bom dia. – Sua voz era sedosa. – Como está hoje? – Seus olhos vagaram por meu rosto, como se a pergunta fosse algo mais do que mera cortesia.
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– Bem, obrigada. – Eu estava sempre bem, muito mais do que bem, quando ele estava perto de mim. Seu olhar se demorou nas minhas olheiras. – Parece cansada. – Não consegui dormir – confessei, balançando automaticamente o cabelo em meus ombros para ter alguma cobertura. – Nem eu – brincou ele enquanto ligava o motor. Eu estava acostumando com o zumbido baixo. Tinha certeza de que o rugido de minha picape me assustaria se eu voltasse a dirigi-la. Eu ri. – Acho que tem razão. Imagino que eu tenha dormido um pouco mais do que você. – Posso apostar que dormiu. – Então o que fez na noite passada? – perguntei. Ele riu. – Sem chances. É meu dia de fazer perguntas. – Ah, é verdade. O que quer saber? – Minha testa se crispou. Não conseguia imaginar nada sobre mim que pudesse ser de algum interesse para ele. – Qual é sua cor preferida? – perguntou ele, a cara séria. Revirei os olhos. – Muda de um dia para o outro. – Qual é a sua cor preferida hoje? – Ele ainda era solene. – Talvez marrom. – Eu tendia a me vestir de acordo com meu humor. Ele bufou, deixando de lado a expressão séria. – Marrom? – perguntou ele, cético. – Claro. Marrom é quente. Eu sinto falta do marrom. Tudo o que deve ser marrom… Troncos de árvores, pedras, terra… Fica o tempo todo coberto por uma coisa verde e mole por aqui – reclamei. Ele pareceu fascinado com meu pequeno discurso extravagante. Pensou por um momento, olhando-me nos olhos. – Tem razão – concluiu, sério novamente. – Marrom é quente. – Ele estendeu a mão, rapidamente, mas ainda meio hesitante, para tirar o cabelo de meu ombro. Agora estávamos na escola. Ele se virou para mim enquanto parava na vaga.
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– Que música está em seu CD player agora? – perguntou ele, a expressão tão sombria que parecia ter pedido por uma confissão de homicídio. Percebi que nunca tirei o CD que Phil me dera. Quando disse o nome da banda, ele deu um sorriso torto, uma expressão peculiar nos olhos. Abriu um compartimento sob o CD player do carro, tirou um dos trinta e tantos CDs que se espremiam no pequeno espaço e passou a mim. – De Debussy a isto? – ele ergueu uma sobrancelha. Era o mesmo CD. Examinei a capa conhecida, mantendo os olhos baixos. Continuou assim pelo resto do dia. Enquanto me acompanhava até a aula de inglês, quando me encontrou depois da aula de espanhol, em toda a hora do almoço, ele me perguntou incansavelmente sobre cada detalhe insignificante da minha existência. Os filmes de que eu gostei e os que odiei, os poucos lugares em que estive e os muitos lugares aonde queria ir, e livros – livros incontáveis. Não conseguia me lembrar da última vez que falei tanto. Volta e meia me sentia constrangida, certa de que o entediava. Mas seu rosto totalmente absorto e o fluxo interminável de perguntas me compeliam a continuar. A maioria de suas perguntas era fácil, só algumas me fizeram corar um pouco. Mas quando eu corava, lá vinha outra rodada de perguntas. Como na vez em que ele perguntou por minha pedra preciosa preferida e eu soltei topázio antes sequer de pensar. Ele atirava perguntas para mim com tal velocidade que me pareceu que eu estava fazendo um daqueles testes psiquiátricos, quando você responde a primeira coisa que lhe vem à mente. Tinha certeza de que ele teria continuado por qualquer lista mental que estivesse seguindo, a não ser pelo rubor. Minha cara se avermelhou porque, até muito recentemente minha pedra preciosa preferida era a granada. Era impossível, enquanto fitava seus olhos cor de topázio, não me lembrar do motivo para a mudança. E naturalmente ele não parou até que eu admitisse por que estava constrangida. – Conte-me – exigiu ele por fim, depois que não conseguiu me convencer, e não conseguiu só porque eu mantinha os olhos seguramente longe de seu rosto.
– É a cor dos seus olhos hoje – suspirei, rendendo-me, fitando minhas mãos enquanto revirava uma mecha do cabelo. – Acho que se você
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me fizesse essa pergunta há duas semanas, eu diria ônix. – Dei mais informações do que o necessário em minha sinceridade relutante e fiquei preocupada em provocar a raiva estranha que ardia sempre que eu escorregava e revelava com demasiada clareza como era obsessiva. Mas a pausa dele foi muito curta. – Que tipo de flores prefere? – disparou ele. Suspirei de alívio e continuei com a psicanálise. A aula de biologia foi complicada novamente. Edward continuou com seu interrogatório até que o Sr. Banner entrou na sala, arrastando de novo um rack audiovisual. Enquanto o professor se aproximava do interruptor de luz, percebi que Edward deslizava na cadeira um pouco para longe de mim. Isso não ajudou. Assim que a sala ficou escura, houve as mesmas faíscas elétricas, o mesmo desejo impaciente de estender a mão pelo curto espaço e tocar sua pele fria, como ontem. Inclinei-me sobre a mesa, pousando o queixo nos braços cruzados, meus dedos escondidos agarrando a beira da mesa enquanto eu lutava para ignorar o desejo irracional que me perturbava. Não olhei para ele, com medo de que, se ele estivesse olhando para mim, fosse muito mais difícil manter o auto-controle. Sinceramente tentei ver o filme, mas no final da aula não fazia idéia do que vira. Suspirei de alívio novamente quando o Sr. Banner acendeu a luz, enfim olhando para Edward; ele me fitava, os olhos ambivalentes. Ele se levantou em silêncio e ficou parado ali, esperando por mim. Fomos para o ginásio em silêncio, como ontem. E, como ontem, ele tocou meu rosto sem dizer nada – desta vez com as costas da mão fria, de minha têmpora até o queixo – antes de se virar e se afastar. A aula de educação física passou rapidamente enquanto eu assistia ao show de badminton solitário de Mike. Ele não falou comigo hoje, em resposta a minha expressão vazia ou porque ainda estava irritado com nossa briga de ontem. Em algum lugar, em um canto de minha mente, eu me senti mal por isso. Mas não consegui me concentrar nele. Corri para me trocar depois da aula, apreensiva, sabendo que, quanto mais rápido andasse, mais cedo estaria com Edward. A pressão me deixou mais desajeitada do que de costume, mas por fim passe pela porta, sentindo o mesmo alívio quando o vi parado ali, um sorriso largo se espalhando automaticamente por meu rosto. Ele reagiu com um sorriso antes de se atirar a outro interrogatório.
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Mas agora suas perguntas eram diferentes, não eram de resposta tão fácil. Ele queria saber do que eu sentia falta em minha cidade, insistindo nas descrições de qualquer coisa que não conhecesse. Ficamos sentados em frente à casa de Charlie por horas, à medida que o céu escurecia e a chuva descia em volta de nós num dilúvio repentino. Tentei descrever coisas impossíveis, como o cheiro de creosoto – amargo, meio resinoso, mas ainda agradável –, o som alto e agudo das cigarras em julho, a esterilidade das árvores, o tamanho do céu, estendendo-se azul-esbranquiçado de um canto a outro do horizonte, sem ser interrompido pelas montanhas baixas cobertas de rocha vulcânica roxa. A coisa mais difícil de explicar era por que era tão bonito para mim – justificar a beleza que não dependia da vegetação esparsa e espinhosa que sempre parecia meio morta, uma beleza que tinha mais a ver com o formato exposto da terra, com as bacias rasas de vales entre as colinas escarpadas, e o modo como resistiam ao sol. Eu me vi usando as mãos ao tentar descrever isso para ele. Suas perguntas em voz baixa me mantiveram falando livremente, esquecendo-me, na luz baixa da tempestade, de ficar constrangida por monopolizar a conversa. Por fim, quando tinha terminado de detalhar meu quarto abarrotado em casa, ele parou, em vez de responder com outra pergunta. – Terminou? – perguntei com alívio. – Nem cheguei perto… Mas seu pai vai chegar logo. – Charlie! – De repente me lembrei da existência dele e suspirei. Olhei o céu escuro da chuva, mas não revelava nada. – Que horas são? – perguntei a mim mesma em voz alta ao olhar o relógio. Fiquei surpresa ao ver a hora; Charlie estaria vindo para casa agora. – É a hora do crepúsculo – murmurou Edward, olhando o horizonte a oeste, obscurecido pelas nuvens. Sua voz era pensativa, como se sua mente estivesse em um lugar distante. Olhei para ele enquanto ele fitava sem ver pelo pára-brisa. Eu ainda o estava encarando quando seus olhos de repente se voltaram para os meus. – É a hora do dia mais segura para nós – disse ele, respondendo à pergunta em meus olhos. – A hora mais fácil. Mas também a mais triste, de certa forma… O fim de outro dia, a volta da noite. A escuridão é tão previsível, não acha? – Ele sorriu tristonho.
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– Gosto da noite. Sem o escuro, nunca veríamos as estrelas. – Franzi a testa. – Não que a gente veja muitas por aqui. Ele riu e o clima ficou mais leve de repente. – Charlie chegará daqui a alguns minutos. Então, a não ser que queira dizer a ele que vai comigo no sábado… – Ele ergueu uma sobrancelha. – Ah, não, obrigada. – Peguei meus livros, percebendo que estava dura de ficar sentada por tanto tempo. – Então amanhã é a minha vez? – Claro que não! – sua expressão era de um falso ultraje. – Não lhe disse que não tinha acabado? – O que mais pode haver? – Vai descobrir amanhã. – Ele estendeu o braço para abrir a porta para mim e sua proximidade súbita provocou um frenesi de palpitações em meu coração. Mas a mão dele congelou na maçaneta. – Nada bom – murmurou ele. – Que foi? – Fiquei surpresa ao ver que seu queixo estava trincado, os olhos perturbados. Ele olhou para mim por um breve segundo. – Outra complicação – disse ele mal-humorado. Ele abriu a porta num movimento rápido e depois se afastou de mim, quase encolhido. O lampejo de faróis através da chuva atraiu minha atenção à medida que um carro escuro encostava no meio-fio a pouca distância, de frente para nós. – Charlie está chegando – alertou ele, encarando o outro veículo pelo aguaceiro. Saltei para fora rapidamente, apesar de minha confusão e curiosidade. A chuva era mais alta ao bater no meu casaco. Tentei distinguir as formas no banco da frente do outro carro, mas estava escuro demais. Pude ver Edward iluminado pelo brilho dos faróis do novo carro; ainda olhava à frente, seu olhar preso em alguma coisa ou alguém que eu não podia ver. Sua expressão era uma mistura estranha de frustração e desafio. Depois ele acelerou o motor e os pneus cantaram no asfalto molhado. O Volvo ficou fora de vista em segundos.
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– Ei, Bella! – gritou uma voz conhecida e rouca do lado do motorista no carro preto. – Jacob? – perguntei, semicerrando os olhos com a chuva. Neste exato momento a radiopatrulha de Charlie virou a esquina, os faróis iluminando os ocupantes do carro diante de mim. Jacob já estava saindo, o sorriso largo visível apesar da escuridão. No banco do carona havia um homem muito mais velho, um sujeito atarracado com um rosto memorável – um rosto que transbordava, as bochechas descansando nos ombros, com rugas que percorriam a pele curtida como uma velha jaqueta de couro. E os olhos surpreendentemente familiares, a cara larga em que se acomodavam. O pai de Jacob, Billy Black. Eu o reconheci de imediato, embora, nos mais de cinco anos em que não o via, tivesse esquecido seu nome quando Charlie falou dele em meu primeiro dia aqui. Ele me encarava, analisando meu rosto, então eu sorri, insegura. Seus olhos estavam arregalados, de choque ou medo, as narinas infladas. Meu sorriso esmaeceu. Outra complicação, dissera Edward. Billy ainda me fitava com olhos intensos e angustiados. Eu gemi por dentro. Será que Billy reconhecera Edward com tanta facilidade? Ele realmente poderia acreditar nas lendas impossíveis que o filho ridicularizava? A resposta estava clara nos olhos de Billy. Sim. Sim, ele acreditava.
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12. OSCILANDO 
– Billy! – Gritou Charlie assim que saiu do carro. Eu me virei para a casa, acenando para Jacob enquanto corria para a varanda. Ouvi Charlie cumprimentá-los ruidosamente atrás de mim. – Vou fingir que não o vi ao volante, Jake – disse ele num tom de censura. – Conseguimos a carteira mais cedo na reserva – disse Jacob enquanto eu destrancava a porta e acendia a luz da varanda. – Sei, claro que sim. – Charlie riu. – Eu tenho que me locomover de algum jeito. – Reconheci com facilidade a voz ressoante de Billy, apesar dos anos. Seu som fez com que eu me sentisse mais nova de repente, uma criança. Entrei, deixando a porta aberta e acendendo as luzes antes de pendurar o casaco. Depois fiquei parada à porta, olhando ansiosamente enquanto Charlie e Jacob ajudavam Billy a sair do carro e sentar em sua cadeira de rodas. Saí do caminho quando os três entraram às pressas, sacudindo a água da chuva. – Que surpresa – dizia Charlie. – Faz muito tempo – respondeu Billy. – Espero que não seja má hora. – Seus olhos escuros lampejaram para mim de novo, a expressão indecifrável. – Não, está tudo ótimo. Espero que possa ficar para o jogo. Jacob sorriu. – A idéia é essa… Nossa TV quebrou na semana passada. Billy fez uma careta para o filho. – E é claro que Jacob estava ansioso para ver Bella novamente – acrescentou ele. Jacob deu-lhe um olhar zangado e abaixou a cabeça enquanto eu lutava contra um surto de remorso. Talvez eu tivesse sido convincente demais na praia. – Estão com fome? – perguntei, virando-me para a cozinha. Estava ansiosa para escapar do olhar perscrutador de Billy. – Não, comemos antes de vir para cá – respondeu Jacob. – E você, Charlie? – gritei por sobre o ombro enquanto fugia para a bancada.
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– Claro – respondeu ele, a voz na direção da sala e da TV. Eu podia ouvir a cadeira de Billy seguindo-o. Os sanduíches de queijo grelhados estavam na frigideira e eu fatiava um tomate quando senti alguém atrás de mim. – E aí, como vão as coisas? – perguntou Jacob. – Muito bem. – Eu sorri. Era difícil resistir a seu entusiasmo. – E você? Terminou seu carro? – Não. – Ele franziu a testa. – Ainda preciso de peças. Pegamos esse emprestado. – Ele apontou com o polegar na direção do jardim. – Lamento. Não vi nenhum… O que estava procurando mesmo? – Um cilindro mestre. – Ele sorriu. – Alguma coisa errada com a picape? – perguntou ele de repente. – Não. – Ah, eu estranhei você não estar dirigindo. Encarei a frigideira, levantando a beirada de um sanduíche para verificar o lado de baixo. – Peguei uma carona com um amigo meu. – Carona legal. – A voz de Jacob era de admiração. – Mas não reconheci o motorista. Pensei que conhecia a maior parte do pessoal daqui. Assenti sem querer me comprometer, mantendo os olhos baixos ao virar os sanduíches. – Meu pai parecia conhecê-lo de algum lugar. – Jacob, pode me passar alguns pratos? Estão no armário embaixo da pia. – Claro. Ele pegou os pratos em silêncio. Eu esperava que ele agora desistisse do assunto. – E aí, quem era? – perguntou, colocando dois pratos na bancada ao meu lado. Suspirei, derrotada. – Edward Cullen. Para minha surpresa, ele riu. Olhei para ele. Jacob parecia meio constrangido. – Acho que isso explica, então – disse ele. – Estava me perguntando por que meu pai agir de um jeito tão estranho. – É verdade. – Fingi uma expressão inocente. – Ele não gosta dos Cullen.
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– Velho supersticioso – murmurou Jacob. – Acha que ele vai dizer alguma coisa a Charlie? – Não consegui deixar de perguntar, as palavras saíram num fluxo lento. Jacob olhou para mim por um momento e eu não consegui interpretar a expressão em seus olhos escuros. – Duvido – respondeu por fim. – Acho que o Charlie lhe passou um belo sermão da última vez. Eles não se falaram muito desde então… Hoje à noite é meio que um reencontro, pelo que sei. Não acredito que ele vá levantar o assunto novamente. – Ah – eu disse, tentando parecer indiferente. Fiquei na sala depois de levar a comida para Charlie, fingindo ver o jogo enquanto Jacob conversava comigo. Na verdade eu ouvia a conversa dos homens, procurando por qualquer sinal de que Billy ia me entregar, tentando pensar em maneira de impedi-lo se ele começasse. Foi uma longa noite. Eu tinha um monte de dever de casa que não fizera, mas tinha medo de deixar Billy sozinho com Charlie. Por fim, o jogo terminou. – Você e seus amigos vão voltar à praia logo? – perguntou Jacob enquanto empurrava o pai pela soleira da porta. – Não sei – tentei escapar. – Foi divertido, Charlie – disse Billy. – Venha para o próximo jogo – encorajou Charlie. – Claro, claro – respondeu Billy. – Nós viremos. Boa noite para vocês. – Seus olhos voltaram-se para os meus e seu sorriso desapareceu. – Cuide-se, Bella – acrescentou seriamente. – Obrigada – murmurei, desviando os olhos. Fui para a escada enquanto Charlie acenava da porta. – Espere, Bella – disse ele. Encolhi. Será que Billy conseguira de algum jeito falar antes que eu me juntasse a eles na sala? Mas Charlie estava relaxado, ainda sorrindo da visita inesperada. – Não tive a chance de conversar com você esta noite. Como foi seu dia? – Foi bom. – Hesitei com um pé no primeiro degrau, procurando por detalhes que pudesse partilhar com segurança. – Meu time de badminton venceu todos os jogos. – Puxa, não sabia que você jogava badminton.
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– Bom, na verdade não jogo, mas meu parceiro é muito bom – admiti. – Quem é ele? – perguntou Charlie, demonstrando preocupação. – Hmmm… Mike Newton – eu lhe disse com relutância. – Ah, sim… Você disse que era amiga do rapaz dos Newton. – Ele se animou. – Boa família. – Ele refletiu por um minuto. – Por que não o convida para o baile deste fim de semana? – Pai! – eu rosnei. – Ele está namorando minha amiga Jessica. E, além disso, você sabe que não sei dançar. – Ah, sim – murmurou ele. Depois ele sorriu para mim, desculpando-se. – Então acho que é bom que esteja fora no sábado… Marquei de pescar com os rapazes da delegacia. O clima deve estar bem quente. Mas se quiser adiar a viagem até que alguém possa ir com você, eu fico em casa. Sei que deixo você muito sozinha aqui. – Pai, você está se saindo muito bem. – Eu sorri, esperando que meu alívio não transparecesse. – Nunca me importei de ficar sozinha… Sou muito parecida com você. – Dei uma piscadela para ele e ele abriu o sorriso cheio de pés-de-galinha. Naquela noite eu dormi melhor, cansada demais para sonhar de novo. Quando acordei para a manhã cinza-pérola, meu estado de espírito era feliz. Agora a noite tensa com Billy e Jacob parecia bem inofensiva; decidi me esquecer completamente dela. Eu me peguei assoviando enquanto puxava a parte da frente de meu cabelo em um grampo, e de novo ao descer a escada aos saltos. Charlie percebeu. – Está animada esta manhã – comentou ele no café. Dei de ombros. – É sexta-feira. Corri para ficar pronta para sair logo depois de Charlie. Minha bolsa estava preparada, os sapatos calçados, os dentes escovados, mas embora eu corresse para a porta assim que tive certeza de Charlie estar fora de vista, Edward foi mais rápido. Ele esperava em seu carro reluzente, as janelas abertas, o motor desligado.
Desta vez não hesitei, subindo rapidamente no banco do carona, para ver seu rosto o quanto antes. Ele deu aquele sorriso torto para mim, detendo minha respiração e meu coração. Não conseguia imaginar como
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um anjo poderia ser mais glorioso. Não havia nada nele que pudesse ser melhorado. – Dormiu bem? – perguntou. Perguntei-me se ele tinha alguma idéia de como sua voz era linda. – Bem. Como foi sua noite? – Agradável. – Seu sorriso era de diversão; parecia que eu estava perdendo alguma piadinha pessoal. – Posso perguntar o que você fez? – indaguei. – Não. – Ele sorriu. – Ainda é a minha vez. Ele hoje queria saber das pessoas: mais sobre Renée, seus passatempos, o que fazíamos juntas em nosso tempo livre. E depois de uma avó que conheci, de minhas poucas amigas – constrangendo-me quando perguntou sobre os meninos que namorei. Fiquei aliviada que ele não tivesse namorado ninguém, então esta conversa específica não podia durar muito. Ele ficou tão surpreso quanto Jessica e Angela com minha falta de história romântica. – Então nunca conheceu ninguém que quisesse? – perguntou ele num tom sério que me fez indagar o que ele estava pensando. Fui relutantemente sincera. – Não em Phoenix. Seus lábios se comprimiram em traço duro. A essa altura, estávamos no refeitório. O dia voara indistinto e isso rapidamente se tornava uma rotina. Tirei vantagem desta breve pausa para dar uma mordida no meu bagel. – Eu devia deixar você dirigir hoje – anunciou ele, a propósito de nada, enquanto eu mastigava. – Por quê? – perguntei. – Vou sair com a Alice depois do almoço. – Ah – pestanejei, confusa e decepcionada. – Está tudo bem, não é uma caminhada tão longa. Ele franziu o cenho para mim com impaciência. – Não vou deixar você ir a pé para casa. Vamos lá pegar sua picape e deixar aqui para você. – Não trouxe a chave – suspirei. – Não me importo mesmo de ir andando. – O que me importava era não ter meu tempo com ele. Ele sacudiu a cabeça.
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– Seu carro estará aqui e a chave estará na ignição… A não ser que tenha medo que alguém possa roubar. – Ele riu da idéia. – Tudo bem – concordei, franzindo os lábios. Eu tinha certeza absoluta de que a chave estava no bolso de uma calça jeans que usara na quarta-feira, debaixo de uma pilha no cesto de roupa suja. Mesmo que ele invadisse minha casa, ou o que quer que estivesse planejando, nunca a encontraria. Ele parecia sentir o desafio em meu consentimento. Ele sorriu com malícia e um excesso de confiança. – E aí, aonde vocês vão? – perguntei com a maior despreocupação que pude. – Caçar – respondeu ele sombriamente. – Se vou ficar sozinho com você amanhã, preciso tomar as precauções. – Seu rosto ficou sombrio… E suplicante. – Sabe que pode cancelar a hora que quiser. Olhei para baixo, com medo do poder persuasivo de seus olhos. Eu me recusava a ser convencida a ter medo dele, mesmo que o perigo fosse real. Não importa, repeti em minha cabeça. – Não – sussurrei, olhando novamente seu rosto. – Não posso. – Talvez tenha razão – murmurou ele inexpressivamente. Seus olhos pareciam ter a cor mais escura que eu já vira. – Não, amanhã ele vai pescar. – Fiquei exultante ao lembrar como as coisas seriam convenientes. A voz dele ficou ríspida. – E se você não voltar para casa, o que ele vai pensar? – Não faço a menor idéia – respondi friamente. – Ele sabe que vou lavar roupa. Talvez pense que caí na máquina de lavar. Ele fechou a cara para mim e eu fiz o mesmo. A raiva dele era muito mais impressionante do que a minha. – E a sua noite de caça? – perguntei quando tive certeza de que tinha perdido a competição de olhar furioso. – Qualquer coisa que encontrarmos no parque. Não vamos muito longe. – Ele parecia pasmo com minha referência despreocupada a suas realidades secretas. – Por que vai sair com a Alice? – perguntei-lhe. – A Alice é mais… favorável. – Ele franziu a testa ao falar. – E os outros? – perguntei timidamente. – São o quê? Sua testa se enrugou por um breve momento. – Incrédulos, principalmente.
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Espiei a família dele rapidamente atrás de mim. Estavam sentados olhando em direções diferentes, exatamente como na primeira vez que os vi. Só que agora eram quatro; seu lindo irmão de cabelos cor de bronze sentava-se diante de mim, os olhos dourados perturbados. – Eles não gostam de mim – conjeturei. – Não é isso – discordou ele, mas seus olhos eram inocentes demais. – Eles não entendem por que não posso deixar você sozinha. Fiz uma careta. – Nem eu, aliás. Edward sacudiu a cabeça devagar, revirando os olhos para o teto antes de encontrar meu olhar de novo. – Eu lhe disse… Você não se vê com tanta clareza. Não é como ninguém que eu conheça. Você me fascina. Eu o fitei, certa de que agora ele estava brincando. Ele sorriu ao decifrar minha expressão. – Com minhas vantagens – murmurou ele, tocando a testa discretamente –, tenho uma apreensão da natureza humana maior do que a média. As pessoas são previsíveis. Mas você… Nunca faz o que espero. Sempre me pega de surpresa. Virei a cara, meus olhos vagando de novo para a família dele, constrangida e insatisfeita. Suas palavras fizeram com que eu me sentisse um experimento científico. Eu queria rir para mim mesma por esperar outra coisa. – Essa parte é bem fácil de explicar – continuou ele. Senti seus olhos em meu rosto, mas ainda não conseguia olhar para ele, com medo de que visse a tristeza em meus olhos. – Mas tem mais… E não é tão fácil de colocar em palavras… Eu ainda olhava os Cullen enquanto ele falava. De repente Rosalie, a irmã loura e linda, virou-se para me olhar. Não, olhar não – encarar, com os olhos escuros e frios. Quis virar a cara, mas seu olhar me prendeu até que Edward interrompeu o que dizia no meio de uma frase e soltou um murmúrio de raiva. Era quase um sibilar. Rosalie virou a cabeça e fiquei aliviada por estar livre. Olhei novamente para Edward – e entendi que ele podia ver a confusão e o medo que arregalavam meus olhos. Seu rosto estava tenso quando ele explicou.
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– Desculpe por isso. Ela só está preocupada. Entenda… Não é perigoso só para mim se, depois de passar tanto tempo com você tão publicamente… – ele olhou para baixo. – Se? – Se isto terminar… mal. – Ele baixou a cabeça nas mãos, como fizera na noite em Port Angeles. Sua angústia era patente; ansiei por reconfortá-lo, mas agora não sabia como. Minha mão se estendeu involuntariamente; mas com rapidez, tombei-a na mesa, temendo que meu toque só piorasse as coisas. Percebi aos poucos que as palavras dele deveriam me assustar, Esperei que o medo viesse, mas só o que pude sentir foi mágoa pela dor dele. E a frustração – frustração por Rosalie ter interrompido o que ele estava prestes a dizer. Eu não sabia como voltar ao assunto. Ele ainda estava com a cabeça entre as mãos. Tentei falar num tom de voz normal. – E agora tem que ir embora? – Sim. – Ele levantou o rosto; estava sério por um momento, e depois seu humor mudou e ele sorriu. – Provavelmente é melhor. Ainda teremos que suportar quinze minutos de um filme miserável na aula de biologia… Não acho que possa agüentar mais. Tomei um susto. Alice – o cabelo curto e escuro em um halo desfiado em torno do rosto incrível de elfo – de repente estava parada atrás dos ombros dele. Seu corpo magro era esbelto e gracioso até em sua absoluta imobilidade. Ele a cumprimentou sem tirar os olhos de mim. – Alice. – Edward – respondeu ela, a voz de soprano alto quase tão linda quanto a dele. – Alice, Bella… Bella, Alice – ele nos apresentou, gesticulando indiferente, um sorriso torto na cara. – Oi, Bella. – Seus olhos brilhantes como obsidiana eram indecifráveis, mas o sorriso era simpático. – Que bom finalmente conhecer você. Edward disparou um olhar sombrio para ela. – Oi, Alice – murmurei timidamente. – Está pronto? – ela lhe perguntou. A voz de Edward era indiferente.
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– Quase. Encontro você no carro. Ela saiu sem dizer mais nada; seu andar era tão leve, tão sinuoso, que senti uma pontada aguda de inveja. – Devo dizer “divirtam-se” ou este é o sentimento errado? – perguntei, virando-me para ele. – Não, “divirtam-se” é tão bom quanto qualquer outra coisa. – Ele sorriu. – Então, divirtam-se. – Tentei parecer sincera. É claro que não o enganei. – Vou tentar. – Ele ainda sorria. – E você procure ficar sã e salva, por favor. – Sã e salva em Forks… Mas que desafio. – Para você, é mesmo um desafio. – Seu queixo se endureceu. – Prometa. – Prometo tentar me manter sã e salva – recitei. – Vou lavar roupa hoje à noite… Deve ser muito perigoso. – Não caia – zombou ele. – Farei o máximo. Então ele se levantou e eu também. – A gente se vê amanhã – suspirei. – Parece muito tempo para você, não é? – refletiu ele. Balancei a cabeça, mal-humorada. – Estarei lá de manhã – prometeu, dando seu sorriso torto. Ele estendeu o braço pela mesa para tocar meu rosto, afagando de leve minha bochecha de novo. Depois se virou e foi embora. Olhei-o até desaparecer. Fiquei extremamente tentada a matar o restante do dia, em especial a educação física, mas um instinto de alerta me impediu. Eu sabia que, se desaparecesse agora, Mike e os outros iam imaginar que saíra com Edward. E Edward ficaria preocupado pelo tempo que passamos juntos publicamente… se as coisas dessem errado. Eu me recusei a me prender ao último pensamento, concentrando-me em tornar as coisas mais seguras para ele.
Intuitivamente, eu sabia – e sentia que ele também sabia – que o dia de amanhã seria fundamental. Nosso relacionamento não podia continuar se equilibrando, como estava, na ponta de uma faca. Cairíamos para um lado ou para o outro, dependendo inteiramente da decisão dele, ou de seus instintos. Minha decisão estava tomada antes mesmo que eu tivesse
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escolhido conscientemente, e eu me comprometera a ir até o fim. Porque não havia nada mais apavorante para mim, mais excruciante, do que a idéia de me afastar dele. Era uma impossibilidade. Fui para a aula, sentindo-me cumpridora dos deveres. Não podia dizer com sinceridade o que aconteceu na aula de biologia; minha mente estava preocupada demais com pensamentos sobre o dia de amanhã. Na educação física, Mike estava falando comigo de novo. Desejou que me divertisse em Seattle. Expliquei cuidadosamente que tinha cancelado minha viagem, preocupada com minha picape. – Vai ao baile com o Cullen? – perguntou ele, mal-humorado de repente. – Não, eu não vou a baile nenhum. – O que vai fazer então? – perguntou ele, interessado demais. Meu impulso natural foi dizer a ele para não se intrometer. Em vez disso, menti alegremente. – Lavar roupa, e depois tenho que estudar para a prova de trigonometria ou vou tomar bomba. – O Cullen está ajudando você nos estudos? – Edward – destaquei – não vai me ajudar a estudar. Ele foi passar o fim de semana em algum lugar. – As mentiras vinham com mais naturalidade do que de costume, percebi surpresa. – Ah. – Ele se recuperou. – Sabe de uma coisa, você podia ir ao baile com nosso grupo, assim mesmo… Seria legal. Vamos todos dançar com você – prometeu ele. A imagem mental da cara de Jessica deixou minha voz mais aguda do que o necessário. – Eu não vou ao baile, Mike, está bem? – Tudo bem. – Ele ficou carrancudo de novo. – Foi só uma proposta. Quando as aulas terminaram, fui para o estacionamento sem entusiasmo nenhum. Não queria especialmente ir a pé para casa, mas não conseguia imaginar como ele teria pegado minha picape. Mas eu estava começando a acreditar que nada era impossível para ele. Este último instinto se provou correto – minha picape estava na mesma vaga em que ele estacionara o Volvo hoje de manhã. Sacudi a cabeça, incrédula, enquanto abria a porta destrancada e via a chave na ignição.
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Havia uma folha de papel branco dobrada em meu banco. Eu a peguei e fechei a porta antes de ler. Duas palavras estavam escritas em sua caligrafia elegante.
– Posso dizer o mesmo de você – eu disse, rindo. Meu riso foi desanimado, mas ele não pareceu perceber. Senti-me tão culpada por
Tome cuidado. O rugido da picape me assustou. Eu ri comigo mesma. Quando cheguei em casa, a porta estava trancada, o cadeado aberto, como eu deixara pela manhã. Lá dentro, fui direto para a lavanderia. Parecia exatamente como eu a deixara também. Procurei meu jeans e, depois de encontrá-lo, verifiquei os bolsos. Vazios. Talvez afinal eu tenha pendurado a chave, pensei, sacudindo a cabeça. Seguindo o mesmo instinto que me incitara a mentir para Mike, liguei para Jessica com o pretexto de desejar-lhe sorte no baile. Quando ela desejou a mesma coisa com meu dia com Edward, falei do cancelamento. Ela ficou mais decepcionada do que era realmente necessário a um observador externo. Depois disso me despedi rapidamente. Charlie estava distraído no jantar, preocupado com alguma coisa do trabalho, imaginei, ou talvez com um jogo de basquete, ou talvez só estivesse curtindo a lasanha – era difícil adivinhar com o Charlie. – Sabe de uma coisa, pai… – comecei, interrompendo seus devaneios. – Que foi, Bella? – Acho que tem razão sobre Seattle. Acho que vou esperar até que Jessica ou outra pessoa possa ir comigo. – Ah – disse ele, surpreso. – Ah, tudo bem. Então, quer ficar em casa comigo? – Não, pai, não mude seus planos. Tenho um milhão de coisas para fazer… Dever de casa, lavar a roupa… Preciso ir à biblioteca e ao armazém. Vou entrar e sair o dia todo… Vá e divirta-se. – Tem certeza? – Absoluta, pai. Além disso, o freezer está ficando perigosamente sem peixe… Caímos a dois ou três anos de suprimento. – É fácil conviver com você, Bella. – Ele sorriu.
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enganá-lo que quase aceitei o conselho de Edward e disse a ele onde estaria. Quase. Depois do jantar, dobrei as roupas e coloquei outra leva na secadora. Infelizmente era o tipo de trabalho que mantém apenas as mãos ocupadas. Minha mente tinha tempo livre demais e estava saindo do controle. Flutuava entre uma expectativa tão intensa que era quase dolorosa e um medo insidioso que ameaçava minha firmeza. Precisei ficar me lembrando de que havia tomado minha decisão e não ia voltar atrás. Peguei o bilhete dele em meu bolso com uma freqüência muito maior do que a necessária para absorver as duas palavrinhas que ele escrevera. Ele queria que eu ficasse sã e salva, disse a mim mesma repetidas vezes. Simplesmente me prenderia à crença de que, no final das contas, esse desejo venceria os outros. E qual era minha alternativa – suprimi-lo de minha vida? Intolerável. Além disso, desde que vim para Forks, parecia realmente que minha vida acontecia em torno dele. Mas uma vozinha no fundo da minha mente se preocupava, perguntando se machucaria muito… se tudo acabasse mal. Fiquei aliviada quando ficou tarde o bastante para ser admissível ir para a cama. Eu sabia que estava estressada demais para dormir, então fiz uma coisa que nunca fizera. Deliberadamente tomei remédio para gripe, sem necessidade – do tipo que me nocauteava por umas boas oito horas. Normalmente eu não toleraria esse tipo de comportamento, mas amanhã já seria bem complicado sem que eu estivesse, antes de qualquer coisa, doida por não ter dormido. Enquanto eu esperava que o remédio fizesse efeito, sequei meu cabelo limpo até que ficou impecavelmente liso e fui escolher o que vestiria amanhã. Com tudo pronto, finalmente caí na cama. Estava agitada; não conseguia parar de me revirar. Levantei-me e mexi na caixa de CDs até encontrar uma coletânea de noturnos de Chopin. Coloquei um bem baixinho e deitei novamente, concentrando-me em relaxar partes isoladas de meu corpo. Em algum lugar no meio desse exercício os comprimidos para gripe fizeram efeito e afundei satisfeita na inconsciência.
Acordei cedo, tendo dormido profunda e perfeitamente graças a meu uso desnecessário de remédios. Embora estivesse descansada, voltei de imediato ao mesmo frenesi da noite anterior. Vesti-me a jato, alisando a gola no pescoço, puxando o suéter caramelo até que ele caísse sobre meu
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jeans. Dei uma olhada rápida pela janela e vi que Charlie já havia saído. Uma camada fina de nuvens, como algodão, cobria o céu. Não parecia que ia durar muito. Tomei o café-da-manhã sem sentir o gosto da comida e limpei tudo correndo depois que terminei. Olhei pela janela novamente, mas nada mudara. Eu tinha acabado de escovar os dentes e estava descendo a escada de novo quando uma batida baixinha fez meu coração martelar na caixa torácica. Voei para a entrada; tive um probleminha com a tranca simples, mas por fim escancarei a porta, e ali estava ele. Toda a agitação se dissolveu assim que vi seu rosto, a calma assumindo seu lugar. Soltei um suspiro de alívio – os temores da véspera pareciam muito tolos com ele aqui. Ele no início não sorriu – seu rosto era sombrio. Mas depois sua expressão iluminou ao me olhar de cima a baixo, e ele riu. – Bom dia – disse ele rindo. – Qual é o problema? – Olhei para baixo para me certificar de que não tinha esquecido de nada de importante, como os sapatos, ou as calças. – Nós combinamos. – Ele riu de novo. Percebi que ele estava com um suéter caramelo comprido, a gola aparecendo por baixo, e jeans azuis. Eu ri com ele, escondendo uma pontada secreta de mágoa – por que ele tinha que parecer um modelo de passarela quando eu não conseguia? Tranquei a porta de casa enquanto ele seguia para a picape. Ele esperou junto à porta do carona com uma expressão de martírio que era fácil de entender. – Fizemos um acordo – lembrei-lhe presunçosa, subindo ao banco do motorista e estendendo a mão para destrancar a porta dele. – Para onde? – perguntei. – Coloque o cinto… Eu já estou nervoso. Olhei longamente para ele enquanto obedecia. – Para onde? – repeti com um suspiro. – Pegue a um-zero-um norte – ordenou ele. Foi surpreendentemente difícil me concentrar na estrada ao sentir o olhar dele em meu rosto. Compensei dirigindo com mais cautela do que de costume pela cidade ainda adormecida. – Você pretende deixar Forks antes do anoitecer?
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– Esta picape é velha o bastante para ser o carro do seu avô… Tenha respeito – retorqui. Apesar do negativismo dele logo estávamos fora dos limites da cidade. Uma grossa vegetação rasteira e troncos cobertos de verde substituíram os gramados e casas. – Vire à direita na um-um-zero – instruiu ele assim que eu estava prestes a perguntar. Obedeci em silêncio. – Agora vamos seguir até o final do asfalto. Pude ouvir um sorriso em sua voz, mas estava com medo demais de sair da estrada e provar que ele tinha razão. – E o que tem lá, no final do asfalto? – perguntei. – Uma trilha. – Vamos andar? – Graças a Deus eu estava de tênis. – O problema é esse? – Ele deu a impressão de que esperava mais. – Não. – Tentei fazer com que a mentira parecesse confiante. Mas se ele achava que minha picape era lenta… – Não se preocupe, são só uns oito quilômetros e não vamos correr. Oito quilômetros. Não respondi, para que ele não tivesse que ouvir minha voz falhar de pânico. Oito quilômetros de raízes traiçoeiras e pedras soltas, tentando torcer meu tornozelo ou qualquer outra coisa que me incapacitasse. Isto ia ser humilhante. Seguimos em silêncio por algum tempo enquanto eu contemplava o horror que estava por vir. – No que está pensando? – perguntou ele com impaciência depois de alguns minutos. Menti de novo. – Só me perguntando aonde vamos. – É um lugar aonde gosto de ir quando o tempo está bom. – Nós dois olhamos pela janela para as nuvens finas depois que ele falou. – Charlie disse que hoje faria calor. – E você disse a Charlie que íamos sair? – perguntou ele. – Não. – Mas Jessica acha que vamos juntos a Seattle? – Ele parecia animado com a idéia. – Não, eu disse a ela que você cancelou… O que é verdade. – Ninguém sabe que você está comigo? – Agora com raiva. – Isso depende… Imagino que Alice saiba.
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– Isso é muito útil, Bella – rebateu ele. Fingi não ter ouvido essa. – Está tão deprimida com Forks que ficou suicida? – perguntou ele quando eu o ignorei. – Você disse que podia causar problemas para você… que nós estejamos juntos publicamente – lembrei a ele. – Então você estava preocupada com os problemas que podia causar a mim… se você não voltasse para sua casa? – A voz dele ainda estava irritada, com um sarcasmo amargo. Assenti, mantendo os olhos na estrada. Ele murmurou alguma coisa, falando tão baixo que não consegui entender. Ficamos em silêncio pelo resto da viagem. Eu podia sentir as ondas de censura furiosa vindo dele e não consegui pensar em nada para dizer. E depois a estrada terminou, restringindo-se a uma trilha estreita com uma pequena placa de madeira. Estacionei no pequeno acostamento e saí, com medo porque ele estava irritado comigo e eu não tinha dirigido como uma desculpa para não olhar para ele. Agora estava quente, mais quente do que vira em Forks desde que cheguei, quase mormacento sob as nuvens. Tirei o suéter e o amarrei na cintura, feliz por ter vestido a blusa leve e sem mangas – em especial se eu ainda tinha oito quilômetros de caminhada pela frente. Ouvi a porta dele bater e vi que ele também tinha tirado o suéter. Ele agora estava de frente para mim, na floresta cerrada ao lado da picape. – Por aqui – disse, olhando para mim por sobre o ombro, os olhos ainda irritados. Ele entrou na floresta escura. – A trilha? – O pânico era evidente em minha voz enquanto eu contornava correndo a picape para acompanhá-lo. – Eu disse que havia uma trilha no final da estrada, e não que íamos pegá-la. – Não tem trilha? – perguntei, desesperada.
– Não vou deixar você se perder. – Ele se virou então, com um sorriso de zombaria, e eu reprimi um suspiro. A camisa branca de Edward não tinha mangas e ele a usava desabotoada, de modo que a pele branca e macia de seu pescoço fluía ininterrupta pelos contornos de mármore de seu peito, a musculatura perfeita agora não só sugerida por baixo das roupas que a escondiam. Ele era perfeito demais, percebi com uma pontada
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penetrante de desespero. Não havia como esta criatura divina ser cruel comigo. Ele me encarou, confuso com minha expressão torturada. – Quer ir para casa? – disse ele em voz baixa, uma dor diferente da minha saturando sua voz. – Não. – Avancei até estar bem a seu lado, ansiosa para não perder um segundo sequer que podia ter com ele. – Qual é o problema? – perguntou ele, sua voz gentil. – Não sou boa andarilha – respondi. – Terá que ter muita paciência. – Posso ser paciente… Se me esforçar muito. – Ele sorriu, sustentando meu olhar, tentando me demover de meu abatimento súbito e inexplicado. Tentei sorrir também, mas o sorriso não foi convincente. Ele analisou meu rosto. – Vou levar você para casa – prometeu ele. Eu não sabia se a promessa era incondicional, ou restrita a uma partida imediata. Eu sabia que ele pensava que era o medo que incomodava e fiquei grata novamente por ser a única pessoa cuja mente ele não conseguia ouvir. – Se quiser que eu atravesse os oito quilômetros pela selva antes do pôr-do-sol, é melhor começar a andar – eu disse com azedume. Ele franziu o cenho para mim, lutando para entender meu tom e minha expressão. Edward desistiu depois de um momento e seguiu para a floresta. Não foi tão difícil quanto eu temia. A maior parte do caminho era plane e ele empurrou as samambaias e teias de musgo para o lado a fim de me dar passagem. Quando o caminho reto nos levava por árvores caídas e pedregulhos, ele me ajudava, erguendo-me pelo cotovelo e depois me soltando de imediato quando o caminho era limpo. Seu toque frio na minha pele não deixava de provocar um batimento errático em meu coração. Por duas vezes, quando isso aconteceu, captei uma expressão nele garantindo-me que ele podia ouvir alguma coisa. Tentei ao máximo desviar os olhos de sua perfeição, mas sempre escorregava. A cada vez, sua beleza penetrava em mim com tristeza.
Na maior parte do tempo, andamos em silêncio. De vez em quando ele me fazia uma pergunta qualquer que não incluíra nos dois últimos dias de interrogatório. Perguntou-me sobre meus aniversários, meus professores na escola, meus animais de estimação da infância – e eu tive que admitir que depois de matar três peixes seguidos, desisti de seus costumes. Ele riu
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disso, mais alto do que eu estava acostumada – o tinido do eco voltava para nós do bosque vazio. A caminhada me tomou a maior parte da manhã, mas ele não demonstrou nenhum sinal de impaciência. A floresta se espalhava à nossa volta em um labirinto ilimitado de árvores antigas e comecei a ficar nervosa, acreditando que nunca encontraríamos o caminho de volta. Ele estava perfeitamente à vontade, confortável no labirinto verde, sem jamais aparentar nenhuma dúvida quanto à direção que tomávamos. Depois de várias horas, a luz que se infiltrava pelas copas das árvores se transformou, o tom verde-oliva escuro passando para um jade claro. O dia ficara ensolarado, assim como ele previra. Pela primeira vez desde que entramos no bosque, senti um arrepio de excitação – que rapidamente se transformou em impaciência. – Ainda não chegamos? – brinquei, fingindo mau humor. – Quase. – Ele sorriu com a mudança no meu estado de espírito. – Está vendo aquela claridade ali? Olhei a floresta densa. – Hmmm, deveria ver? Ele deu um sorriso malicioso. – Talvez seja cedo demais para os seus olhos. – Hora de ir ao oftalmologista – murmurei.Seu sorriso se tornou mais pronunciado. Mas então, depois de mais uns cem metros, pude ver nitidamente um clarão nas árvores adiante, um brilho que era amarelo e não verde. Acelerei o ritmo, minha ansiedade aumentando a cada passo. Ele agora ia atrás de mim, seguindo sem fazer barulho.
Cheguei à beira da fonte de luz e passei por cima da última franja de samambaias, entrando no lugar mais lindo que já vira na vida. A campina era pequena, perfeitamente redonda e cheia de flores silvestres – violeta, amarela e de um branco delicado. Em algum lugar perto dali, pude ouvir a música borbulhante de um riacho. O sol estava a pino, enchendo o círculo de uma névoa de luz cor de manteiga. Andei devagar, assombrada, através da relva macia, agitando as flores, e do ar quente e encantador. Eu quase me virei, querendo partilhar isso com ele, mas ele não estava atrás de mim, onde pensei que estivesse. Girei o corpo, procurando com um súbito sobressalto. Por fim localizei Edward, ainda sob a sombra densa da floresta, na margem da clareira, observando-me com olhos cautelosos. Só
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então me lembrei do que a beleza da campina expulsara de minha mente – o enigma de Edward e o sol, que ele prometeu explicar para mim hoje. Dei um passo na direção dele, meus olhos brilhando de curiosidade. Os olhos dele eram cautelosos e relutantes. Sorri para encorajá-lo e acenei para ele, dando outro passo. Ele ergueu a mão num alerta e eu hesitei, girando em meus calcanhares. Edward pareceu respirar fundo e entrou no brilho intenso do sol de meio-dia.

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