quinta-feira, 10 de março de 2011

Harry Potter e a Pedra Filosofal - Capítulos 5 e 6

CAPÍTULO CINCO
O Beco Diagonal

Harry acordou cedo na manhã seguinte. Embora soubesse que já era dia,
continuou com os olhos bem fechados.
"Foi um sonho", disse a si mesmo com firmeza. “Sonhei que um gigante
chamado Rúbeo Hagrid veio me dizer que eu ia para uma escola de magia.
Quando abrir os olhos estarei em casa no meu armário.”
De repente ouviu um ruído alto de batidas.
"É a tia Petúnia batendo na porta", pensou Harry, desanimando. Mas,
ainda assim, não abriu os olhos. Tinha sido um sonho tão bom.
Bum. Bum. Bum.
— Está bem — resmungou Harry — já estou levantando.
Sentou-se e o pesado casaco de Hagrid escorregou de seu corpo. O
casebre estava inundado de sol, a tempestade passara, o próprio Hagrid estava
dormindo no sofá desmontado e havia uma coruja batendo com a garra na janela,
trazendo um jornal no bico.
Harry ergueu-se de um pulo, sentia-se feliz como se houvesse um grande
balão crescendo dentro dele. Foi direto à janela e abriu-a com um puxão. A coruja
entrou voando e deixou cair o jornal em cima de Hagrid, que nem acordou. A
coruja então voou pelo chão e começou a atacar o casaco do gigante Hagrid.
— Não faça isso.
Harry tentou espantar a coruja, mas ela o ameaçou com o bico e
continuou a atacar ferozmente o casaco.
— Rúbeo! — chamou Harry alto. — Tem uma coruja...
— Pague a ela — resmungou Hagrid dentro do sofá.
— Quê?
— Ela quer receber o pagamento pela entrega do jornal. Procure nos
bolsos
O casaco de Hagrid parecia ser feito só de bolsos, molhos de chaves,
fichas de metal, rolinhos de barbante, balas de hortelã, saquinhos de chá... E
finalmente, Harry puxou um punhado de moedas estranhas.
— Dê a ela cinco Nuques — disse Hagrid sonolento.
— Nuques?
— As moedinhas de bronze.
Harry contou cinco moedinhas de bronze e a coruja esticou a perna para
ele enfiar o dinheiro numa carteirinha de couro que trazia presa. Em seguida saiu
voando pela janela aberta.
Hagrid bocejou alto, sentou-se, espreguiçou-se.
— É melhor nos despacharmos, Harry, temos muito que fazer hoje, temos
que ir a Londres comprar todo o seu material escolar.
Harry revirava as moedas mágicas para examiná-las. Acabara de pensar
em uma coisa que o fez se sentir como se o balão da felicidade que havia dentro
dele tivesse furado.
— Hum... Hagrid?
— Hum? — respondeu Rúbeo, calçando as enormes botas.
— Não tenho dinheiro nenhum, e você ouviu tio Válter à noite passada, ele
não vai pagar para eu aprender magia.
— Não se preocupe com isso — disse Hagrid, coçando a
cabeça enquanto se levantava. — Você acha que seus pais não lhe
deixaram nada?
— Mas se a casa foi destruída...
— Eles não guardavam o ouro que tinham em casa, garoto! Não, nossa
primeira parada vai ser em Gringotes. O banco dos bruxos. Coma uma salsicha,
elas não são ruins frias, e eu não deixaria de comer uma fatia do seu bolo de
aniversário.
— Bruxos têm bancos?
— Só este. Gringotes. É administrado por duendes.
Harry deixou cair o pedaço de salsicha que tinha na mão.
— Duendes?
— É, e por isso que só um louco tentaria roubar o banco, é o que lhe digo.
Nunca se meta com duendes, Harry, Gringotes é o lugar mais seguro do mundo
para qualquer coisa que você queira guardar bem, com exceção de Hogwarts,
talvez. Aliás, preciso mesmo ir a Gringotes. Para Dumbledore. Negócios de
Hogwarts. — Hagrid se endireitou, orgulhoso. — Ele sempre me manda tratar de
assuntos que acha importante. Buscar você, pegar coisas em Gringotes, sabe que
pode confiar em mim, entende? Apanhou tudo? Vamos, então.
Harry seguiu Hagrid em direção ao rochedo. O céu estava bem claro
agora e o mar cintilava ao sol. O barco que o Válter alugara continuava lá, com
muita água no fundo depois da tempestade.
— Como foi que você chegou aqui? — perguntou Harry, procurando um
segundo barco.
— Voando — respondeu Hagrid.
— Voando?
— É... Mas vamos voltar nisso ai. Não tenho permissão de usar mágica
depois de apanhar você.
Eles se acomodaram no barco, Harry ainda de olhos arregalados para
Hagrid, tentando imaginá-lo voando.
— Mas parece um desperdício remar — disse Hagrid, lançando a Harry
um dos seus olhares de esguelha. — Se eu quisesse... Hum... Apressar um pouco
as coisas, você se importaria de não dizer nada em Hogwarts?
— Claro que não — falou Harry ansioso para ver mais mágicas.
Hagrid puxou outra vez o guarda-chuva cor-de-rosa, deu
duas pancadinhas no lado do barco e eles dispararam em direção ao continente.
— Por que só um louco tentaria roubar Gringotes? — perguntou Harry.
— Feitiços... Encantamentos — disse Hagrid desdobrando o seu jornal. —
Dizem que há dragões guardando os cofres de segurança. E depois é preciso
conhecer o caminho. Gringotes fica embaixo de Londres, centenas de quilômetros
abaixo, entenda. Mais fundo que o metrô. Você morreria de fome tentando sair de
lá, mesmo que conseguisse pôr as mãos em alguma coisa.
Harry ficou sentado pensando no que ouvira enquanto Hagrid lia o jornal,
O Profeta Diário. Harry aprendera com o tio Válter que as pessoas gostavam de
ser deixadas em paz quando faziam isso, mas era muito difícil, nunca tivera tantas
perguntas para fazer na vida.
— O Ministério da Magia anda aprontando as trapalhadas de sempre —
resmungou Hagrid, virando a página.
— Tem um ministro da Magia? — perguntou Harry antes que conseguisse
se conter.
— Claro. Queriam nomear Dumbledore ministro, é claro, mas ele nunca ia
largar Hogwarts, então o velho Cornelius Fudge ficou com o cargo. Trapalhão
como ele só. Por isso ele bombardeia Dumbledore com corujas, toda manhã,
pedindo conselhos.
— Mas o que é que o Ministério da Magia faz?
— Bom, a principal tarefa é esconder dos trouxas que ainda existem
bruxas e bruxos andando pelo país.
— Por quê?
— Por quê? Ora, Harry, todo o mundo ia querer solucionar os problemas
com mágicas. Não, é melhor que nos deixem em paz.
Nesse instante o barco bateu suavemente na parede do cais.
Hagrid dobrou o jornal e eles subiram os degraus de pedra que levavam a
rua.
As pessoas que passavam olhavam muito para Hagrid enquanto os dois
atravessaram a cidadezinha até a estação. Harry não podia culpá-los. Não só
Hagrid era duas vezes mais alto do que todo o mundo, como também não parava
de apontar para coisas absolutamente comuns como parquímetros e comentar
em voz alta:
— Está vendo isso, Harry? As coisas que esses trouxas inventam, hein?
— Rúbeo — isso Harry, meio ofegante de correr para acompanhar o
passo dele. — Você disse que há dragões em Gringotes?
— Bem, é o que dizem — Calou Hagrid. — Maneiro, eu gostaria de ter um
dragão.
— Você gostaria de ter um?
— Sempre quis ter um desde pequeno, é aqui que vamos.
Tinham chegado à estação. Havia um trem para Londres dali a cinco
minutos. Hagrid, que não entendia o dinheiro dos trouxas, como o chamava,
entregou as notas a Harry para comprar as passagens.
No trem as pessoas ficaram olhando ainda mais Hagrid quando
ocupou dois lugares e se pós a tricotar uma coisa amarelo-canário que lembrava
uma lona de circo.
— Você guardou sua carta, Harry? — perguntou enquanto contava as
malhas do tricô.
Harry tirou o envelope de pergaminho do bolso.
— Ótimo. Aí tem uma lista de tudo que você vai precisar.
Harry desdobrou um segundo pedaço de papel em que não reparara na
noite anterior e leu:

ESCOLA DE MAGIA E BRUXARIA DE HOGWARTS
Uniforme:
Os estudantes do primeiro ano precisam de:
1. Três conjuntos de vestes comuns de trabalho (pretas)
2. Um chapéu pontudo simples (preto) para uso diário
5
3. Um par de luvas protetoras (couro de dragão ou similar)
4. Uma capa de inverno (preta com fechos prateados)
As roupas do aluno devem ter etiquetas com seu nome.
Livros:
Os alunos devem comprar um exemplar de cada um
dos seguintes:
• Livro padrão de feitiços (1ª série) de Miranda
Goshawk
• História da magia de Batilda Bagshot
• Teoria da magia de Adalberto Waffing
• Guia de transfiguração para iniciantes de
Emerico Ewitch
• Mil ervas e Fungos mágicos de Fílida Spore
• Bebidas e poções mágicas de Arsênio Jigger.
• Animais fantásticos e seu habitat de Newton
Scamander
• As Corças das trevas: Um guia de autoproteção
de Quintino Trimble.
Outros Equipamentos:
• 1 varinha mágica
• 1 caldeirão (estanho, tamanho padrão 2)
• 1 conjunto de frascos
• 1 telescópio
• 1 balança de latão
Os alunos podem ainda trazer uma coruja ou um gato ou
um sapo.
LEMBREMOS AOS PAIS QUE OS ALUNOS DO PRIMEIRO
ANO NÃO PODEM USAR VASSOURAS PESSOAIS.

— Podemos comprar tudo isso em Londres? — perguntou-se Harry em
voz alta.
— Se você souber aonde ir — respondeu Hagrid.
Harry nunca estivera em Londres antes, Hagrid, embora parecesse saber
aonde ia, obviamente não estava acostumado a chegar lá pelos meios comuns.
Ficou entalado na roleta do metrô e queixou-se em voz alta que os assentos eram
demasiado pequenos e os trens demasiado lentos.
— Não sei como os trouxas conseguem se arranjar sem mágica — disse,
quando subiam uma escada rolante gasta que levava a uma rua movimentada
com saídas dos dois lados.
Hagrid era tão grande que abria caminho pela multidão sem esforço, Harry
só precisava segui-lo de perto. Passaram por livrarias e lojas de musica,
lanchonetes e cinemas, mas nenhuma loja parecia vender varinhas mágicas.
Aquela era apenas uma rua comum cheia de gente comum. Seria realmente
possível que houvesse montes de ouro dos bruxos enterrados quilômetros abaixo
dali? Haveria realmente lojas que vendessem livros de feitiços e vassouras? Não
seria talvez uma grande peça que os Dursley tinham pregado? Se Harry não
soubesse que os Dursley não tinham senso de humor, poderia ter tirado uma
dessas conclusões, mas, por alguma razão, embora tudo que Hagrid tivesse dito
até ali fosse inacreditável, Harry não podia deixar de confiar nele.
— É aqui — disse Hagrid parando. — O Caldeirão Furado. É um
lugar famoso.
Era um barzinho sujo. Se Hagrid não o tivesse apontado, Harry nem teria
reparado que existia. As pessoas que passavam apressadas nem olhavam para
aquele lado. Os olhos delas corriam da grande livraria a um lado a loja de discos
no outro como se nem conseguissem ver O Caldeirão Furado. Na verdade Harry
teve a sensação muito estranha de que somente ele e Hagrid eram capazes de
vê-lo. Antes que pudesse comentar isto, Hagrid o empurrou para dentro.
Para um lugar famoso, o Caldeirão era muito escuro e miserável. Havia
umas velhas sentadas a um canto, bebendo pequenos cálices de xerez. Uma
delas fumava um longo cachimbo.
Um homenzinho de cartola conversava com o velho garçom do bar, que
era bem careca e parecia uma noz viscosa. O zunzum das conversas parou
quando eles entraram. Todos pareciam conhecer Hagrid, acenaram e sorriram
para ele, e o garçom apanhou um copo, perguntando:
— O de sempre, Hagrid?
— Não posso, Tom, estou a serviço de Hogwarts — disse Hagrid, dando
uma palmada com a manzorra no ombro de Harry, o que fez joelhos do garoto
dobrarem.
— Meu Deus — exclamou o garçom, fitando Harry. — É... Será possível?
O Caldeirão Furado repentinamente parou e fez-se um silêncio total.
— Valha-me Deus — murmurou o velho garçom. — Harry Potter... Que
honra.
E saiu correndo de trás do balcão, precipitou-se para Harry e agarrou suas
mãos, as lágrimas nos olhos.
— Seja bem-vindo, Sr. Potter, seja bem-vindo.
Harry não sabia o que dizer. Todos tinham os olhos nele. A velha com o
cachimbo puxava o fumo sem se dar conta de que o cachimbo apagara. Hagrid
sorria radiante.
Logo houve um grande arrastar de cadeiras e no momento seguinte Harry
se viu apertando as mãos de todos no Caldeirão Furado.
— Dóris Crockford, Sr. Potter não acredito que finalmente posso conhecêlo.
— Estou tão orgulhosa, Sr. Potter, tão orgulhosa.
— Sempre quis apertar sua mão estou nas nuvens. Encantado, Sr. Potter,
nem sei lhe dizer o quanto, Diggle é o meu nome, Dédalo Diggle.
— Já o vi senhor antes! — disse Harry, e a cartola de Diggle caiu de tanta
excitação. — O senhor se curvou para mim uma vez numa loja.
— Ele se lembra! — exclamou Dédalo Diggle, olhando todos à volta. —
Vocês ouviram isso? Ele se lembra de mim!
Harry apertou muitas mãos. Dóris Crockford não parava de voltar para um
novo aperto.
Um rapaz pálido adiantou-se, muito nervoso. Um olho trêmulo.
— Professor Quirrell! — disse Hagrid. — Harry, o Professor Quirrell vai
ser um dos seus professores em Hogwarts.
— P... P... Potter. — gaguejou o Professor Quirrell, apertando a mão
de Harry — N... N... Nem sei o que d... D... Dizer que p... P... P... Prazer enorme é
c... C... Conhecê-lo.
— Que tipo de mágica o senhor ensina, Professor Quirrell?
— D... Defesa c... C... Contra as a... Artes das t... Trevas — murmurou
o Professor Quirrell, como se preferisse não pensar no assunto. — não que você
p... P... Precise, hein, Potter? — Ele riu nervoso. – V... Você veio c... Comprar o
material, suponho? Tenho que c... Comprar um livro n... Novo sobre vampiros —
Parecia aterrorizado só de pensar.
Mas os outros não queriam deixar o Professor Quirrell ficar com Harry só
para ele. Levou bem uns dez minutos para o menino se livrar de todos.
Finalmente, Hagrid conseguiu se fazer ouvir naquela balbúrdia.
— Precisamos nos apressar. Temos muitas compras a fazer. Vamos,
Harry.
Dóris Crockford apertou a mão de Harry uma última vez e eles passaram
pelo bar e saíram num pequeno pátio murado, onde não havia nada exceto uma
lata de lixo e um pouco de mato.
Hagrid sorriu para Harry.
— Eu lhe falei, não foi? Falei que você era famoso. Até o professor Cessar
Quirrell ficou tremendo de emoção de o conhecer, mas, em geral, ele está sempre
tremendo.
— Ele é sempre tão nervoso?
— Ah, é, coitado. Uma cabeça brilhante. Foi bem enquanto estudou em
livros, mas quando tirou um ano para aprender na prática... Dizem que encontrou
vampiros na Floresta Negra e teve um problema feio com uma feiticeira, nunca
mais foi o mesmo. Tem pavor dos alunos, tem pavor da matéria que ensina,
agora, cadê o meu guarda-chuva?
Vampiros? Feiticeiras? A cabeça de Harry estava girando.
Entrementes, Hagrid contava tijolos na parede por cima da lata de lixo.
— Três para cima... Dois para o lado... — murmurou. — Certo, chegue
para trás, Harry.
Ele bateu na parede três vezes com a ponta do guarda-chuva. E o tijolo
que tocou estremeceu, torceu-se. No meio apareceu um buraquinho, que se foi
alargando cada vez mais. Um segundo depois se viram diante de um arco
bastante grande até para Hagrid, um arco que abria para uma rua de pedras
irregulares, serpeava e desaparecia de vista.
— Bem-vindo — disse Hagrid — ao Beco Diagonal.
Ele riu do espanto de Harry. Atravessaram o arco. Harry deu uma espiada
rápida por cima do ombro e viu o arco encolher instantaneamente e virar uma
parede sólida.
O sol refulgia numa pilha de caldeirões à porta da loja mais, próxima.
Caldeirões — Todos os Tamanhos — Cobre, Latão, Estanho, Prata — todos os
tamanhos, dizia um letreiro acima.
— É você vai precisar de um — disse Hagrid —, mas temos de apanhar o
seu dinheiro primeiro.
Harry desejou ter oito olhos. Virava a cabeça para todo o lado enquanto
caminhavam pela rua, tentando ver tudo ao mesmo tempo: as lojas, as coisas as
portas, as pessoas fazendo compras.
Uma mulher gorducha do lado de fora de uma farmácia abanou a cabeça
quando passaram por ela e disse:
— Fígado de dragão, dezessete sicles trinta gramas, eles endoidaram...
Um pio baixo e suave veio de uma loja escura com um letreiro onde se lia
"Empório de Corujas — douradas, das torres, do campo, marrons e brancas".
Vários garotos mais ou menos da idade de Harry espremiam os narizes
contra a vitrine que tinha vassouras.
— Olhe — Harry, ouviu um deles dizer — a nova Nimbus 2000, mais veloz
que nunca.
Havia lojas que vendiam vestes, lojas que vendiam telescópios e
estranhos instrumentos de prata que Harry nunca vira antes, janelas com pilhas de
barris contendo baços de morcegos e olhos de enguias, pilhas mal equilibradas de
livros de feitiços, penas de aves para escrever e rolos de pergaminhos, vidros de
poções, globos de...
— Gringotes — anunciou Hagrid.
Tinham chegado a um edifício muito branco que se erguia acima das
lojinhas. Parado diante das portas de bronze polido, usando um uniforme
vermelho e dourado, havia...
— É, é um duende — disse Hagrid baixinho, enquanto subiam os degraus
de pedra branca até o duende. Ele era uma cabeça mais baixa do que Harry.
Tinha uma cara escura e inteligente, uma barba em ponta e, Harry reparou, mãos
e pés muito compridos. O duende os cumprimentou com uma reverência quando
entraram.
Em seguida depararam com um segundo par de portas, desta vez de
prata, onde havia gravado o seguinte:

Entrem, estranhos, mas prestem atenção,
Ao que espera o pecado da ambição,
Porque os que tiram o que não ganharam
Terão é que pagar muito caro,
Assim, se procuram sob o nosso chão,
Um tesouro que nunca enterraram,
Ladrão, você foi avisado,
Cuidado, pois vai encontrar mais do que procurou.


— Não te disse? Só um louco tentaria roubar o banco — lembrou Hagrid.
Dois duendes se curvaram quando eles passaram pelas portas de prata e
desembocaram em um grande saguão de mármore.
Havia mais de cem duendes sentados em banquinhos altos atrás de um
longo balcão, escrevendo em grandes livros-caixas, pesando moedas em
balanças de latão, examinando pedras preciosas com óculos de joalheira. Havia
ao redor do saguão portas demais para contar, e outros tantos duendes
acompanhavam as pessoas que entravam e saiam por elas. Hagrid e Harry se
dirigiram ao balcão.
— Bom dia — disse Hagrid a um duende desocupado. Viemos sacar
algum dinheiro do cofre do Sr. Harry Potter.
— O senhor tem a chave?
— Tenho em algum lugar — disse Hagrid e começou a esvaziar os bolsos
em cima do balcão, espalhando um punhado de biscoitos de cachorro mofados
em cima do livro-caixa do duende. O duende franziu o nariz. Harry observou o
duende do lado direito pesar um monte de rubis do tamanho de carvões em brasa.
— Achei — exclamou Hagrid finalmente, mostrando uma chavinha de
ouro.
O duende examinou-a cuidadosamente.
— Parece estar em ordem.
— E tenho aqui também uma carta do professor Dumbledore — falou
Hagrid com ar importante, tirando-a do bolso do casaco.
— É sobre Você-Sabe-O-Quê que está no cofre setecentos e treze.
O duende leu a carta com atenção.
— Muito bem! — Calou, devolvendo a carta a Hagrid. — Vou mandar
alguém levá-lo aos dois cofres. Grampo!
Grampo era outro duende. Depois que Hagrid enfiou todos os biscoitos de
cachorro de volta nos bolsos, ele e Harry acompanharam Grampo a uma das
portas que havia no saguão.
— O que é o Você-Sabe-O-Quê no cofre setecentos e treze — perguntou
Harry.
— Não posso lhe contar — respondeu Hagrid misterioso — Muito secreto.
Negócios de Hogwarts. Dumbledore me confiou. Meu emprego vale mais do que à
vontade de lhe contar.
Grampo segurou a porta aberta para eles passarem. Harry, que esperara
mais mármore, surpreendeu-se. Encontravam-se em uma passagem estreita de
pedra, iluminada por archotes chamejantes.
Era uma descida íngreme, em que havia pequenos trilhos.
Grampo assobiou e um vagonete disparou pelos trilhos em sua direção.
Eles embarcaram Hagrid com alguma dificuldade e partiram.
A princípio eles apenas viajaram em alta velocidade por um labirinto de
passagens cheias de curvas. Harry tentou memorizar, esquerda, direita, direita,
esquerda, em frente no entroncamento, direita, esquerda, mas era impossível. O
vagonete barulhento parecia conhecer o caminho, porque Grampo não o
estava dirigindo.
Os olhos de Harry ardiam no ar frio que passava rápido por eles, mas
mantinha-os bem abertos. Uma vez, ele pensou ter visto uma labareda no fim da
passagem e se virou para conferir se era um dragão, mas foi tarde demais, eles
mergulharam ainda mais fundo, passaram por um lago subterrâneo onde se
acumulavam no teto e no chão enormes estalactites e estalagmites.
— Eu nunca sei — gritou Harry para Hagrid poder ouvi-lo — qual é a
diferença entre uma estalactite e uma estalagmite.
— Estalagmite tem um "m" — disse Hagrid — E não me faça perguntas
agora acho que vou enjoar.
Ele realmente estava muito verde e quando o vagonete afinal parou ao
lado de uma portinhola na passagem, Hagrid saltou e precisou se apoiar na
parede para os joelhos pararem de tremer.
Grampo destrancou a porta. Saiu uma grande nuvem de fumaça verde e
enquanto ela se dissipava, Harry ficou sem respirar. Dentro havia montes de
moedas de ouro. Colunas de prata. Pilhas de pequenos nuques de bronze.
— É tudo seu — sorriu Hagrid.
Tudo de Harry — era inacreditável. Os Dursley com certeza não sabiam
da existência daquilo ou teriam tirado tudo mais rápido do que uma piscadela.
Quantas vezes tinham se queixado do quanto lhes custava criar Harry? E durante
todo aquele tempo havia uma pequena fortuna que lhe pertencia, enterrada no
subsolo de Londres.
Hagrid ajudou Harry a guardar um pouco do dinheiro em uma saca.
— As moedas de ouro são galeões — explicou ele. — Dezessete sicles de
prata fazem um galeão e vinte e nove nuques fazem um sicle, é bem simples.
Certo, isto deverá ser suficiente para uns dois períodos letivos, guardaremos o
resto bem guardado para você. — Hagrid virou-se para Grampo. — O cofre
setecentos e treze agora, por favor, e será que podemos ir mais devagar.
— Só tem uma velocidade — calou Grampo.
Viajaram mais para o fundo agora e ganharam velocidade. O ar foi se
tornando cada vez mais frio enquanto disparavam pelas curvas fechadas.
Sacolejavam por uma ravina subterrânea e Harry debruçou-se para um
lado para tentar ver o que havia no fundo, mas Hagrid gemeu e o puxou para trás
pelo cangote.
O cofre setecentos e treze não tinha fechadura.
— Para trás disse Grampo com ar de importância. Alisou a
porta devagarinho com o seu dedo comprido e ela simplesmente se dissolveu.
— Se alguém que não fosse um duende de Gringotes tentasse o mesmo,
seria engolido pela porta e ficaria preso lá dentro — explicou Grampo.
— Com que freqüência você vem ver se tem alguém lá dentro? —
perguntou Harry.
— Uma vez a cada dez anos — disse Grampo, com um sorriso maldoso.
Devia haver alguma coisa realmente extraordinária nesse cofre de
segurança máxima, Harry tinha certeza, e se curvou para frente pressuroso,
esperando ver no mínimo jóias fabulosas, mas no primeiro momento achou
que estava vazio. Depois notou um embrulhinho encardido no chão. Hagrid
apanhou-o e o guardou muito bem no casaco.
Harry tinha muita vontade de saber o que era, mas sentia que era melhor
não perguntar.
— Vamos voltar para esse vagonete infernal, e não fale no caminho de
volta é melhor eu ficar de boca fechada comentou Hagrid.
Depois de mais uma viagem no vagonete descontrolado, eles chegaram à
claridade do sol do lado de fora de Gringotes. Harry não sabia aonde correr
primeiro agora que tinha uma saca cheia de dinheiro. Não precisava saber
quantos galeões perfaziam uma libra para saber que estava carregando mais
dinheiro do que jamais tivera na vida inteira mais dinheiro até do que Duda jamais
tivera.
— Vamos comprar logo o seu uniforme — falou Hagrid, indicando com a
cabeça a loja Madame Malkin — Roupas para Todas as Ocasiões.
— Escute aqui, Harry, você se importa se eu der uma corrida no Caldeirão
Furado para tomar um tônico? Detesto esses vagonetes de Gringotes. — Ele
realmente parecia meio enjoado, por isso Harry entrou na loja Madame Malkin
sozinho, um pouco nervoso.
Madame Malkin era uma bruxa baixa, gorda e sorridente, toda vestida de
lilás.
— Hogwarts, querido? — perguntou quando Harry começou a falar. —
Tenho tudo aqui. Para falar a verdade, tem outro rapazinho agora ajustando uma
roupa.
Nos fundos da loja, um garoto de rosto pálido e pontudo estava em pé em
cima de um banquinho enquanto uma segunda bruxa encurtava suas compridas
vestes pretas. Madame Malkin colocou Harry num banquinho ao lado do outro,
enfiou-lhe uma veste comprida pela cabeça e começou a marcar a bainha na
altura certa.
— Alô — cumprimentou o garoto. — Hogwarts também?
— É — confirmou Harry.
— Meu pai está na loja ao lado comprando meus livros e minha mãe está
mais adiante procurando varinhas — disse o garoto. Tinha uma voz de tédio
arrastada. — Depois vou levar os dois para dar uma olhada nas vassouras de
corridas. Não vejo por que os alunos de primeira serie não podem ter vassouras
individuais. Acho que vou obrigar papai a me comprar uma e vou contrabandeá-la
para a escola às escondidas.
O garoto lhe lembrou muito o Duda.
— Você tem vassoura? — perguntou o garoto.
— Não.
— Sabe jogar Quadribol?
— Não — respondeu novamente Harry, perguntando-se que diabo seria
esse tal de Quadribol.
— Eu sei, meu pai falou que vai ser um crime se não me escolherem para
jogar pela minha casa, e sou obrigado a dizer que concordo. Já sabe em que casa
você vai ficar?
— Não — respondeu Harry, sentindo-se a cada minuto mais idiota.
— Bom ninguém sabe mesmo até chegar lá, não é, mas sei que vou ficar
na Sonserina, toda a nossa família ficou lá, imagine ficar na Lufa-Lufa, acho que
eu saia da escola, você não?
— Hum-hum — concordou Harry, desejando que pudesse responder algo
um pouquinho mais interessante.
— Caramba, olha aquele homem! — falou o garoto de repente indicando
com a cabeça a vitrine. Rúbeo estava parado diante dela, rindo para Harry e
apontando para dois grandes sorvetes para explicar que não podia entrar.
— É o Rúbeo — disse Harry, contente por saber alguma coisa que o
garoto não sabia. — Ele trabalha em Hogwarts.
— Ah ouvi falar dele. E uma espécie de empregado, não é?
— É o guarda-caça — explicou Harry. A cada segundo gostava menos do
garoto.
— É, isso mesmo. Ouvi falar que é uma espécie de selvagem. Mora num
barraco no terreno da escola e de vez em quando toma um pileque, tenta fazer
mágicas e acaba tocando fogo na cama.
— Acho que ele é brilhante — retorquiu Harry com frieza.
— Ah, é? — disse o garoto com um leve desdém. — Porque é que ele
está acompanhando você? Onde estão os seus pais?
— Estão mortos — respondeu Harry secamente. Não tinha muita vontade
de alongar o assunto com esse garoto.
— Ah, lamento — disse o outro, sem parecer lamentar nada.
— Mas eram do nosso povo, não eram?
— Eram bruxos, se é isso que você está perguntando.
— Eu realmente acho que não deviam deixar outro tipo de gente entrar, e
você? Não são iguais a nós, nunca foram educados para conhecer o nosso modo
de viver. Alguns nunca sequer ouviram falar de Hogwarts até receberem a carta,
imagine. Acho que deviam manter a coisa entre as famílias de bruxos. Por falar
nisso, como é o seu sobrenome?
Mas antes que Harry pudesse responder, Madame Malkin anunciou:
— Terminei com você, querido. E, Harry, nada frustrado com a desculpa
para interromper a conversa com o garoto, pulou do banquinho para o chão.
— Bom, vejo você em Hogwarts, suponho — disse o garoto de voz
arrastada.
Harry ficou muito quieto enquanto comia o sorvete que Hagrid trouxera
(chocolate e amora com nozes picadas).
— Que foi? — perguntou Hagrid.
— Nada — mentiu Harry.
Eles pararam para comprar pergaminho e penas. Harry se animou um
pouco quando descobriu um vidro de tinta que mudava de cor enquanto a pessoa
escrevia. Quando saíram da loja, perguntou:
— Rúbeo, o que é Quadribol?
— Caramba, Harry, vivo me esquecendo que você não sabe quase nada,
raios, não saber o que é Quadribol!
— Não faça eu me sentir pior, — E contou a Hagrid sobre o garoto pálido
na loja de Madame Malkin.
—... E ele disse que nem deviam permitir a gente que pertence à família
de trouxas...
— Você não pertence a uma família de trouxas. Se ele soubesse quem
você é... Ele cresceu sabendo o seu nome se os pais dele forem bruxos. Você viu
o pessoal do Caldeirão Furado. Em todo o caso, o que é que ele sabe das coisas,
alguns dos melhores bruxos que já conheci vinham de uma longa linhagem de
trouxas. Veja a sua mãe! Veja só quem é irmã dela!
— Então, o que é Quadribol.
— É o nosso esporte. Esporte de bruxos. É como o futebol no mundo dos
trouxas. Todos praticam Quadribol. A gente joga no ar montado em vassouras
com quatro bolas. É meio difícil explicar as regras.
— E o que são Sonserina e Lufa-Lufa?
— Casas na escola. São quatro. Todo mundo diz que Lufa-Lufa só tem
panacas, mas..
— Aposto que estou na Lufa-Lufa — disse Harry — deprimido.
— É melhor a Lufa-Lufa do que a Sonserina — sentenciou
Hagrid, misterioso. — Não tem um único bruxo nem uma única
bruxa desencaminhados que não tenham passado por Sonserina. Você-Sabe-
Quem foi um deles.
— Vol ... Desculpe... Você-Sabe-Quem esteve em Hogwarts?
— Há muitos e muitos anos.
Eles compraram os livros escolares de Harry em uma loja chamada
Floreios e Borrões, onde as prateleiras estavam abarrotadas até o teto com livros
do tamanho de paralelepípedos encadernados em couro, livros do tamanho de
selos postais com capas de seda, livros cobertos de símbolos curiosos e alguns
livros sem nada. Até Duda, que nunca lia nada, teria ficado doído para pôr as
mãos em alguns desses livros. Hagrid quase teve de arrastar Harry para longe do
Pragas e Contrapragas (Encante os seus amigos e confunda os seus inimigos
com as últimas vinganças: perda de cabelos, pernas bambas, língua presa e
muitas, muitas mais) do Professor Vindicto Viridiano.
— Eu estava tentando descobrir como rogar uma praga para o Duda.
— Não vou dizer que não é uma boa idéia, mas você não pode usar
mágica no mundo dos trouxas a não ser em situações muito especiais — disse
Hagrid — De qualquer modo, você ainda não poderia lançar nenhuma dessas
pragas, vai precisar de muito estudo antes de chegar a esse nível.
Hagrid não deixou Harry comprar um caldeirão de ouro maciço tampouco
("Diz estanho na sua lista”),mas compraram uma balança bonita para pesar os
ingredientes das poções e um telescópio desmontável de latão. Visitaram a
farmácia, que era bem fascinante para compensar seu cheiro horrível, uma
mistura de ovo estragado e repolho podre. Havia no chão barricas de coisas
viscosas, frascos com ervas, raízes secas e pós coloridos cobriam as paredes,
feixes de penas, fieiras de dentes e garras retorcidas pendiam do teto. Enquanto
Hagrid pedia ao homem atrás do balcão um conjunto de ingredientes básicos para
preparar poções para Harry, o próprio Harry examinava chifres de prata
de unicórnios, a vinte e um galeões cada, e minúsculos olhos faiscantes de
besouros (cinco nuques uma concha).
Ao saírem da farmácia, Hagrid verificou a lista de Harry mais uma vez.
— Só falta a varinha. Ah é, e ainda não comprei o seu presente de
aniversário.
Harry sentiu o rosto corar.
— Você não precisa..
— Eu sei que não preciso. Vamos fazer o seguinte, vou comprar um bicho
para você. Não vai ser sapo, os sapos saíram de moda há muitos anos, todo
mundo ia rir de você, e não gosto de gatos, eles me fazem espirrar. Vou-lhe
comprar uma coruja. Todos os garotos querem corujas, são muito úteis, levam
cartas e tudo o mais.
Vinte minutos depois, eles saíram do Empório de Corujas, que era escuro
e cheio de ruídos e brilhos e olhos que cintilavam como jóias. Harry agora
carregava uma grande gaiola com uma bela coruja branca como a neve, que
dormia profundamente, a cabeça debaixo da asa. Ele não parava de agradecer,
parecia até o Professor Quirrell.
— Não tem do quê — respondia Hagrid rouco. — Acho que você nunca
ganhou muitos presentes dos Dursley. Agora só falta Olivaras, a única loja de
varinhas, Olivaras, e você precisa ter a melhor varinha do mundo.
Uma varinha mágica... Era realmente o que Harry andara desejando.
A última loja era estreita e feiosa. Letras de ouro descascadas sobre a
porta diziam Olivaras Artesãos de Varinhas de Qualidade desde 382 A.C. Havia
uma única varinha sobre uma almofada púrpura desbotada, na vitrine empoeirada.
Um sininho tocou em algum lugar no fundo da loja quando eles entraram.
Era uma lojinha mínima, vazia, exceto por uma única cadeira alta e estreita em
que Hagrid se sentou para esperar.
Harry teve uma sensação esquisita como se tivesse entrado em uma
biblioteca muito exclusiva, engoliu um monte de perguntas novas que tinham
acabado de lhe ocorrer e ficou espiando os milhares de caixas estreitas
arrumadas com cuidado até o teto. Por alguma razão, sentiu um arrepio na nuca.
A própria poeira e o silêncio ali pareciam retinir com uma magia secreta.
— Boa tarde — disse uma voz suave. Harry se assustou. Hagrid devia terse
assustado também, porque se ouviu um rangido alto e ele se levantou
rapidamente da cadeira alta e estreita.
Havia um velho parado diante deles, os olhos grandes e muito claros
brilhando como duas luas na penumbra da loja.
— Alô — disse Harry sem jeito.
— Ah, sim — disse o homem. — Sim, sim. Achei que ia vê-lo em breve.
Harry Potter. — Não era uma pergunta. — Você tem os olhos de sua mãe. Parece
que foi ontem que ela esteve aqui, comprando a primeira varinha. Vinte e seis
centímetros de comprimento, farfalhante, feita de salgueiro. Uma boa varinha
para encantamentos.
O Sr. Olivaras chegou mais perto de Harry. Harry desejou que ele
piscasse. Aqueles olhos prateados lhe davam um pouco de medo.
— Já o seu pai, deu preferência a uma varinha de mogno. Vinte e oito
centímetros. Flexível. Um pouco mais de poder e excelente para transformações.
Bom, digo que seu pai deu preferência, na realidade é a varinha que escolhe o
bruxo, é claro.
O Sr. Olivaras chegara tão perto que ele e Harry estavam
quase encostando os narizes. Harry viu-se refletido naqueles olhos.
— E foi aí que....
O Sr. Olivaras tocou a cicatriz feita pelo relâmpago na testa de Harry com
um dedo branco e longo.
— Lamento dizer que vendi a varinha que fez isso — disse
ele suavemente. — Trinta e cinco centímetros. Nossa. Uma varinha poderosa,
muito poderosa nas mãos erradas... Bom, se eu tivesse sabido o que a varinha ia
sair por aí fazendo..
Ele sacudiu a cabeça e então, para alivio de Harry, viu Hagrid.
— Hagrid! Hagrid, Hagrid! Que bom ver você de novo... Carvalho,
quarenta centímetros, meio mole, não era?
— Era, sim senhor.
— Boa varinha, aquela. Mas suponho que a tenham partido ao meio
quando o expulsaram? — disse o Sr. Olivaras repentinamente sério.
— Hum... Partiram, é verdade — disse Hagrid, arrastando os pés. — Mas
ainda guardo os pedaços — acrescentou animado.
— Mas você não os usa? — perguntou o Sr. Olivaras severo.
— Ah, não senhor — respondeu depressa Hagrid. Harry reparou que ele
apertou o guarda-chuva cor-de-rosa com força ao responder — Hum —
resmungou o Sr. Olivaras, lançando um olhar penetrante a Hagrid. — Bom agora,
Sr. Potter vamos ver. — E tirou uma longa fita métrica com números prateados
do bolso. — Qual é o braço da varinha?
— Hum... Bom, sou destro — respondeu Harry.
— Estique o braço. Isso. — Ele mediu Harry do ombro ao dedo, depois do
pulso ao cotovelo, do ombro ao chão, do joelho à axila e ao redor da cabeça.
Enquanto media, disse, — Toda varinha Olivaras tem o miolo feito de uma
poderosa substância mágica, Sr. Potter. Usamos pêlos de unicórnio, penas de
cauda de fênix e cordas de coração de dragão. Não há duas varinhas Olivaras
como não há unicórnios, dragões nem fênix iguais. E é claro, o senhor jamais
conseguirá resultados tão bons com a varinha de outro bruxo.
Harry de repente percebeu que a fita métrica, que o media entre as
narinas, estava medindo sozinha. O Sr. Olivaras andava rapidamente em volta das
prateleiras, descendo caixas.
— Já chega — falou, e a fita métrica afrouxou e caiu formando um
montinho no chão. — Certo, então, Sr. Potter. Experimente esta. Faia e corda de
coração de dragão. Vinte e três centímetros. Boa e flexível. Apanhe e
experimente.
Harry apanhou a varinha e (sentindo-se bobo) fez alguns movimentos com
ela, mas o Sr. Olivaras a tirou de sua mão quase imediatamente.
— Bordo e pena de fénix. Dezoito centímetros. Bem elástica. Experimente.
Harry experimentou, mas mal erguera a varinha quando, mais uma vez, o
Sr. Olivaras a tirou de sua mão.
— Não, não. Tome, ébano e pêlo de unicórnio, vinte e dois centímetros,
flexíveis. Vamos, vamos, experimente.
Harry experimentou. E experimentou. Não fazia idéia do que é que o Sr.
Olivaras estava esperando. A pilha de varinhas experimentadas estava cada vez
maior em cima da cadeira alta e estreita, mas, quanto mais varinhas o Sr. Olivaras
tirava das prateleiras, mais feliz parecia ficar.
— Freguês difícil, hein? Não se preocupe, vamos encontrar a varinha
perfeita para o senhor em algum lugar, estou em duvida, agora... É, por que não?
Uma combinação incomum, azevinho e pena de fênix, vinte e oito centímetros,
boa e maleável.
Harry apanhou a varinha. Sentiu um repentino calor nos dedos. Ergueu a
varinha acima da cabeça, baixou-a cortando o ar empoeirado com um zunido, e
uma torrente de faíscas douradas e vermelhas saíram da ponta como um fogo de
artifício, atirando fagulhas luminosas que dançavam nas paredes. Hagrid
gritou entusiasmado e bateu palmas e o Sr. Olivaras exclamou:
— Bravo! Mesmo, ah, muito bom. Ora, ora, ora... Que curioso...
Curiosíssimo...
Repôs a varinha de Harry na caixa e embrulhou-a em papel pardo, ainda
resmungando:
— Curioso... Curioso...
— O senhor me desculpe — disse Harry —, mas o que é curioso?
O Sr. Olivaras encarou Harry com aqueles olhos claros.
— Lembro-me de cada varinha que vendi, Sr. Potter. De cada uma.
Acontece que a fênix cuja pena está na sua varinha produziu mais uma pena,
apenas mais uma. É muito curioso que o senhor tenha sido destinado para esta
varinha porque a irmã dela, ora, a irmã dela produziu a sua cicatriz.
Harry engoliu em seco.
— E, tinha trinta e quatro centímetros. Puxa. É realmente curioso como
essas coisas acontecem. A varinha escolhe o bruxo, lembre-se... Acho que
podemos esperar grandes feitos do senhor, Sr. Potter. Afinal, Aquele-Que-Não-
Se-Deve-Nomear realizou grandes feitos, terríveis, sim, mas grandes.
Harry estremeceu. Não tinha muita certeza se gostava do Sr. Olivaras.
Pagou sete galeões pela varinha e o Sr. Olivaras curvou-se à saída deles.
O sol de fim de tarde quase chegara ao horizonte quando Harry e Hagrid
refizeram o caminho para sair do Beco Diagonal, atravessar a parede e passar
novamente pelo Caldeirão Furado, agora vazio. Harry não disse uma palavra
enquanto caminhavam pela rua, nem ao menos reparou quantas pessoas se
boquiabriam para eles no metrô, carregados que estavam com todos aqueles
pacotes de formatos esquisitos, a coruja branca adormecida no colo de Harry.
Subiram a escada rolante para a estação de Paddington, Harry só percebeu onde
estavam quando Hagrid bateu em seu ombro.
— Temos tempo para comer alguma coisa antes do trem sair — falou.
Comprou um hambúrguer para Harry e se sentaram em bancos de
plástico para comê-los. Harry não parava de olhar a toda volta. Por alguma razão
tudo parecia tão estranho.
— Você está bem, Harry? Está muito calado — comentou Hagrid.
Harry não tinha muita certeza de poder explicar. Tivera o melhor
aniversário de sua vida, porém... E mastigava o hambúrguer, tentando encontrar
as palavras.
— Todo o mundo acha que sou especial — disse finalmente. — Todas
aquelas pessoas no Caldeirão Furado, o Professor Quirrell, o Sr. Olivaras... Mas
eu não conheço nadinha de mágica. Como podem esperar grandes feitos de mim?
Sou famoso e nem ao menos me lembro o porquê. Não sei o que aconteceu
quando Vol... Desculpe... Quero dizer, na noite que meus pais morreram.
Hagrid se debruçou sobre a mesa. Por trás da barba e das sobrancelhas
desgrenhadas tinha um sorriso bondoso.
— Não se preocupe, Harry. Você vai aprender bem depressa. Todos
começaram pelo começo em Hogwarts, você vai se dar bem. Seja você mesmo.
Sei que é difícil. Você vai ser discriminado e isso é muito duro. Mas vai se divertir
a valer em Hogwarts. Eu me diverti: e ainda me divirto, para dizer a verdade.
Hagrid ajudou Harry a embarcar no trem que o levaria de volta aos
Dursley, então lhe entregou um envelope.
— A sua passagem para Hogwarts. Primeiro de setembro, na estação de
Kong's Cross, está tudo na passagem. Qualquer problema com os Dursley me
mande uma carta pela coruja, ela saberá onde me encontrar... Vejo você
em breve, Harry.
O trem parou na estação. Harry queria ficar espiando Hagrid até ele
desaparecer de vista, levantou-se, espremeu o nariz contra o vidro da janela, mas
quando piscou os olhos Hagrid tinha desaparecido.

CAPÍTULO SEIS
O Embarque na Plataforma Nove e Meia

O último mês de Harry na casa dos Dursley não foi nada divertido. É
verdade que Duda agora estava tão apavorado com Harry que não queria nem
ficar no mesmo aposento com ele, e tia Petúnia e tio Válter não trancaram Harry
no armário nem o obrigaram a fazer nada, tampouco gritaram com ele, na
verdade, sequer falaram com ele. Meio aterrorizados, meio furiosos, agiam como
se a cadeira em que Harry se sentasse estivesse vazia.
Embora isso fosse sob muitos aspectos um progresso, tornou-se um tanto
deprimente depois de algum tempo.
Harry ficava em seu quarto, com a nova coruja por companhia.
Decidira chamá-la Edwiges, um nome que encontrara na História da
Magia. Seus livros de escola eram muito interessantes. Deitava-se na cama e lia
até tarde da noite. Edwiges voava para dentro e para fora da janela, quando
queria. Era uma sorte que tia Petúnia não aparecesse mais para passar o
aspirador de pó, porque Edwiges não parava de trazer ratos mortos para o quarto.
Toda noite, antes de se deitar para dormir, Harry riscava mais um dia no pedaço
de papel que pregara na parede, para contar os dias que faltavam até primeiro de
setembro.
No último dia de agosto ele achou melhor falar com os tios sobre a ida à
estação no dia seguinte, por isso desceu à sala de estar onde eles estavam
assistindo a um programa de auditório na televisão. Pigarreou para avisar que
estava ali e Duda deu um berro e saiu correndo da sala.
— Hum... Tio Válter?
Tio Válter resmungou para indicar que estava escutando.
— Hum... Preciso estar amanhã na estação para... Embarcar
para Hogwarts.
Tio Válter resmungou outra vez.
— Será que o senhor podia me dar uma carona?
Resmungo. Harry supôs que quisesse dizer sim.
— Muito obrigado.
E já ia voltando para cima quando tio Válter falou de verdade.
— Que modo engraçado de ir para a escola de magia, de trem. Os tapetes
mágicos furaram todos?
Harry não respondeu.
— Onde fica essa escola afinal?
— Não sei — disse Harry pensando nisso pela primeira vez. Tirou do
bolso o bilhete de passagem que Hagrid lhe dera.
— Vou tomar o trem na plataforma 9 e ½ às onze horas — leu.
A tia e o tio arregalam os olhos.
— Plataforma o quê?
— Nove e meia.
— Não diga bobagens — repreendeu tio Válter — Não existe plataforma
nove e meia.
— Está no meu bilhete.
— Loucos — disse tio Válter — de pedra, todos eles. Você vai ver. É só
esperar. Está bem, levaremos você até a estação. De qualquer maneira tínhamos
de ir a Londres amanhã ou nem me daria ao trabalho.
— Por que o senhor vai a Londres? — perguntou Harry, tentando manter a
conversa cordial.
— Vamos levar Duda ao hospital — rosnou tio Válter — Precisamos
mandar cortar aquele rabo vermelho antes de mandá-lo para Smeltings.
Harry acordou às cinco horas na manhã seguinte e estava demasiado
excitado e nervoso para voltar a dormir.
Levantou-se e vestiu o jeans porque não queria entrar na estação com as
vestes de bruxo, mudaria de roupa no trem.
Verificou novamente a lista de Hogwarts para se certificar de que tinha
tudo de que precisava, viu se Edwiges estava bem trancada na gaiola e então
ficou andando pelo quarto à espera que os Dursley se levantassem. Duas horas
mais tarde, a mala enorme e pesada de Harry fora colocada no carro dos Dursley.
Tia Petúnia convencera Duda a se sentar ao lado do primo e eles partiram.
Chegaram à estação de King's Cross às 10:30h. Válter jogou a mala de
Harry num carrinho e empurrou-o até a estação, com um gesto curiosamente
bondoso até tio Válter parar diante das plataformas com um sorriso maldoso.
— Bom, aqui estamos, moleque. Plataforma nove, plataforma dez. A sua
plataforma devia estar aí no meio, mas parece que ainda não a construíram, não é
mesmo.
Ele tinha razão, é claro. Havia um grande número nove de plástico no alto
de uma plataforma e um grande número dez no alto da plataforma seguinte, mas
no meio, não havia nada.
— Tenha um bom período letivo — disse tio Válter com um sorriso ainda
mais maldoso. E foi-se embora sem dizer mais nada.
Harry se virou e viu o carro dos Dursley partir. Os três estavam rindo,
Harry sentiu a boca seca. Que diabo iria fazer? Estava começando a atrair uma
porção de olhares curiosos por causa da Edwiges. Teria que perguntar a alguém.
Parou um guarda que ia passando, mas não mencionou a plataforma nove
e meia. O guarda nunca ouvira falar em Hogwarts e quando Harry não soube lhe
dizer em que parte do país a escola ficava, ele começou a mostrar aborrecimento,
como se Harry estivesse se fazendo de burro de propósito. Desesperado,
Harry perguntou pelo trem que partia às onze horas, mas o guarda disse que não
havia nenhum. Ao fim, o guarda se afastou, resmungando contra pessoas que o
faziam perder tempo. Harry tentou por tudo no mundo não entrar em pânico. Pelo
grande relógio em cima do quadro que anunciava os trens que chegavam, só lhe
restavam mais dez minutos para embarcar no trem de Hogwarts e ele não tinha
idéia de como ia fazer isso, estava perdido no meio da estação com uma mala que
mal podia levantar, o bolso cheio de dinheiro de bruxo e uma corujona.
Hagrid devia ter esquecido de lhe dizer alguma coisa que tinha de fazer,
como bater no terceiro tijolo à esquerda para entrar no Beco Diagonal. Perguntouse
se deveria tirar a varinha da mala e começar a bater no coletor de bilhetes
entre as plataformas nove e dez.
Naquele instante um grupo de pessoas passou as suas costas e ele
entreouviu algumas palavras que diziam..
— ... Cheio de trouxas, é claro...
Harry deu meia-volta. Era uma mulher gorda que falava com quatro
meninos, todos de cabelos cor de fogo. Cada um deles estava empurrando à
frente uma mala como a de Harry e levavam uma coruja. O coração aos saltos,
Harry os seguiu empurrando o carrinho. Eles pararam e ele também, bem
próximo para ouvir o que diziam.
— Agora, qual é o número da plataforma? — perguntou a mãe dos
meninos.
— Nove e meia — ouviu-se a voz fina de uma menininha, também de
cabelos ruivos que estava segurando a mão da mulher.
— Mamãe, não posso ir...
— Você ainda não tem idade, Gina, agora fique quieta. Está bem, Percy,
você vai primeiro.
O que parecia o menino mais velho marchou em direção às plataformas
nove e dez. Harry observou-o, tomando o cuidado de não piscar para não perder
nada, mas assim que o menino chegou à linha divisória entre as duas plataformas,
um grande grupo de turistas invadiu a plataforma à frente dele e quando uma
mochila acabou de passar, o menino havia desaparecido.
— Fred , você agora — mandou a mulher gorda.
— Eu não sou Fred, sou Jorge — retrucou o menino. — Francamente,
mulher, você diz que é nossa mãe? Não consegue ver que sou o Jorge?
— Desculpe, Jorge, querido.
— É brincadeira, eu sou o Fred — disse o menino, e foi. O irmão gêmeo
gritou para ele se apressar, e ele deve ter atendido, porque um segundo depois,
sumiu, mas como fizera aquilo?
Agora o terceiro irmão estava se encaminhando rapidamente para a
barreira, estava quase lá e, então, de repente, não estava mais em parte alguma.
E foi só.
— Com licença — dirigiu-se Harry à mulher gorda.
— Olá, querido. É a primeira vez que vai a Hogwarts? O Rony é novo
também.
Ela apontou o último filho, o mais moço. Era alto, magro e desengonçado,
com sardas, mãos e pés grandes e um nariz comprido.
— É — respondeu Harry, — A coisa é, a coisa é que não sei como...
— Como chegar à plataforma? — disse ela com bondade, e
Harry concordou com a cabeça.
— Não se preocupe. Basta caminhar diretamente para a barreira entre as
plataformas nove e dez. Não pare e não tenha medo de bater nela, isto é muito
importante. Melhor fazer isso meio correndo se estiver nervoso. Vá, vá antes de
Rony.
— Hum... Ok.
E Harry virou o carrinho e encarou a barreira. Parecia muito sólida.
Ele começou a andar em direção a ela. As pessoas a caminho das
plataformas nove e dez o empurravam. Harry apressou o passo. Ia bater direto no
coletor de bilhetes e então ia se complicar, curvando-se para o caminho ele
desatou a correr, a barreira estava cada vez mais próxima. Não poderia parar, o
carrinho estava descontrolado, ele estava a um passo de distância, fechou os
olhos se preparando para a colisão..
E ela não aconteceu... Ele continuou correndo. Abriu os olhos.
Uma locomotiva vermelha a vapor estava parada à plataforma apinhada
de gente. Um letreiro no alto informava “Expresso de Hogwarts 11 horas”. Harry
olhou para trás e viu um arco de ferro forjado no lugar onde estivera o coletor de
bilhetes com os dizeres “Plataforma 9 e ½”. Conseguira.
A fumaça da locomotiva se dispersava sobre as cabeças das pessoas que
conversavam, enquanto gatos de todas as cores trançavam por entre as pernas
delas. Corujas piavam umas para as outras, descontentes, sobrepondo-se à
balbúrdia e ao barulho das malas pesadas que eram arrastadas.
Os primeiros vagões já estavam cheios de estudantes, uns debruçados às
janelas conversando com as famílias, outros brigando por causa dos lugares.
Harry, empurrou o carrinho pela plataforma procurando um lugar vago. Passou por
um garoto de rosto redondo que estava dizendo:
— Vó, perdi meu sapo outra vez.
— Ah, Neville — ele ouviu a senhora suspirar.
Um garoto com cabelos rastafari estava cercado por um pequeno grupo
de meninos.
— Deixe a gente espiar, Lino, vamos.
O menino levantou a tampa de uma caixa que carregava nos braços e as
pessoas em volta deram gritos e berros quando uma coisa dentro da caixa esticou
para fora uma perna comprida e peluda.
Harry continuou andando pela aglomeração até que encontrou um
compartimento vago no final do trem. Primeiro pôs Edwiges para dentro e
começou a empurrar e a forçar com a mala em direção à porta do trem. Tentou
erguê-la pelos degraus acima, mas mal conseguiu suspender uma ponta e duas
vezes deixou-a cair dolorosamente em cima do pé.
— Quer uma ajuda? — Era um dos gêmeos ruivos que ele seguira para
atravessar a barreira.
— Por favor — Harry ofegou.
— Fred! Vem dar uma ajuda aqui!
Com a ajuda dos gêmeos a mala de Harry, finalmente foi colocada a um
canto do compartimento.
— Obrigado — disse Harry, afastando os cabelos suados dos olhos.
— Que é isso — perguntou de repente um dos gêmeos apontando para a
cicatriz de Harry.
— Caramba — disse o outro gêmeo. — Você é...?
— Ele é — disse o outro gêmeo. — Não é? — acrescentou para Harry.
— O quê? — indagou Harry.
— Harry Potter — disseram os gêmeos em coro.
— Ah, ele — disse Harry — Quero dizer, é, sou.
Os dois garotos olharam boquiabertos e Harry sentiu que estava corando.
Então, para seu alivio, ouviram uma voz pela porta aberta do trem.
— Fred? Jorge? Vocês estão ai?
— Estamos indo, mamãe.
Dando uma última espiada em Harry, os gêmeos saltaram para fora do
trem.
Harry sentou-se à janela onde, meio escondido, podia observar a família
de cabelos ruivos na plataforma e ouvir o que diziam. A mãe tinha acabado de
puxar o lenço.
— Rony, você está com uma crosta no nariz.
O menino mais novo tentou fugir, mas ela o agarrou e começou a limpar
aponta do nariz dele.
— Mamãe, sai para lá — Desvencilhou-se.
— Aaaah, o Roniquinho está com uma coisa no nariz? — caçoou um dos
gêmeos.
— Cale a boca — disse Rony.
— Onde está o Percy? — perguntou a mãe.
— Está vindo aí.
O garoto mais velho vinha vindo. Já vestira as vestes largas e pretas de
Hogwarts e Harry reparou que tinha um distintivo de prata reluzente com a letra
“M”.
— Não posso demorar, mãe — falou ele. — Estou lá na frente,
os monitores têm dois vagões separados...
— Ah, você é monitor, Percy? — perguntou um dos gêmeos, com ar de
grande surpresa. — Devia ter avisado, não fazíamos idéia.
— Espere ai, acho que me lembro de ter ouvido ele dizer alguma coisa —
disse o outro gêmeo. — Uma vez...
— Ou duas..
— Um minuto...
— O verão todo.
— Ah, calem a boca — disse Percy, o monitor.
— Afinal por que foi que o Percy ganhou vestes novas? — disse um dos
gêmeos.
— Porque é monitor — disse a mãe com carinho — Está bem, querido,
tenha um bom ano letivo — mande-me uma coruja quando chegar.
Ela beijou Percy no rosto e ele foi embora. Então. Virou-se para os
gêmeos.
— Agora, vocês dois, este ano, se comportem. Se receber mais uma
coruja dizendo que vocês... Vocês explodiram um banheiro ou...
— Explodiram um banheiro? Nunca explodimos um banheiro.
— Mas é uma grande idéia, obrigado, mamãe.
— Não tem graça. E cuidem do Rony.
— Não se preocupe, Roniquinho está seguro com a gente.
— Cale a boca — mandou Rony outra vez. Já era quase tão alto quanto
os gêmeos e seu nariz continuava vermelho onde a mãe o esfregara.
— Ei, mãe, advinha? Adivinha quem acabamos de encontrar no trem?
Harry recuou o corpo rápido para que eles não o vissem olhando.
— Sabe aquele menino de cabelos pretos que estava perto da gente na
estação? Sabe quem ele é?
— Quem?
— Harry Potter!
Harry ouviu a vozinha da garotinha.
— Ah, mamãe, posso subir no trem para ver ele, mamãe, ali, por favor...
— Você já o viu, Gina, e o coitado não e um bicho de zoológico para você
ficar olhando. É ele mesmo, Fred? Como é que você sabe?
— Perguntei a ele. Vi a cicatriz. Está lá mesmo, parece um raio.
— Coitadinho. Não admira que estivesse sozinho. Foi tão educado quando
me perguntou como entrar na plataforma.
— Deixa para lá, você acha que ele se lembra como era o Você-Sabe-
Quem?
De repente a mãe ficou muito séria.
— Proíbo-lhe de perguntar a ele, Fred. Não, não se atreva. Como se ele
precisasse de alguém para lhe lembrar uma coisa dessas no primeiro dia de
escola.
— Está bem, não precisa ficar nervosa.
Ouviu-se um apito.
— Depressa! — disse a mãe, e os três garotos subiram no trem.
Debruçaram-se na janela para a mãe lhes dar um beijo de despedida e a
irmãzinha começou a chorar.
— Não chore, Gina, vamos lhe mandar um monte de corujas.
— Vamos lhe mandar uma tampa de vaso de Hogwarts.
— Jorge!
— Estou só brincando, mamãe.
O trem começou a andar. Harry viu a mãe dos garotos acenando e a irmã,
meio risonha, meio chorosa, correndo para acompanhar o trem até ele ganhar
velocidade e ela ficar para trás acenando.
Harry observou a menina e a mãe desaparecerem quando o trem fez a
curva. As casas passaram num relâmpago pela janela.
Harry sentiu uma grande excitação. Não sabia onde estava indo, mas
tinha de ser melhor do que o lugar que estava deixando para trás.
A porta da cabine se abriu e o ruivinho mais moço entrou.
— Tem alguém sentado aqui? — perguntou, apontando para o assento
em frente ao de Harry — O resto do trem está cheio.
Harry respondeu que não, com um aceno de cabeça, e o garoto se
sentou. Olhou para Harry e em seguida olhou depressa para fora, fingindo que
não tinha olhado. Harry reparou que ele ainda tinha uma mancha preta no nariz.
— Oi, Rony, Os gêmeos estavam de volta.
— Escuta aqui, vamos para o meio do trem. Lino Jordan trouxe uma
tarântula gigante.
— Certo — resmungou Rony.
— Harry — disse o outro gêmeo —, nós já nos apresentamos? Fred e
Jorge Weasley. E este é o Rony, nosso irmão. Vejo vocês mais tarde, então.
— Tchau — disseram Harry e Rony. Os gêmeos fecharam a porta da
cabine ao passar.
— Você é Harry Potter mesmo? — Rony deixou escapar.
Harry confirmou com a cabeça.
— Ah, bom, pensei que fosse uma brincadeira do Fred e do Jorge e você
tem mesmo... Sabe...
Apontou para a testa de Harry. Harry afastou a franja para mostrar a
cicatriz em forma de raio. Rony olhou.
— Então foi aí que Você-Sabe-Quem...?
— Foi, mas não me lembro.
— De nada? — perguntou Rony ansioso.
— Bom... Lembro de muita luz verde, mas nada mais.
— Uau! — Ele ficou parado uns minutos olhando para Harry, depois, como
se de repente tivesse se dado conta do que estava fazendo, olhou depressa para
fora da janela outra vez.
— Todos na sua família são bruxos? — perguntou Harry que achava Rony
tão interessante quanto Rony o achava.
— Hum... São, acho que sim. Acho que mamãe tem um primo em
segundo grau que é contador, mas ninguém nunca fala nele.
— Então você já deve saber muitas mágicas.
Os Weasley aparentemente eram uma dessas antigas famílias de bruxos
de que o menino pálido no Beco Diagonal falara.
— Ouvi dizer que você foi viver com os trouxas. Como é que eles são?
— Horríveis... Bom, nem todos. Mas minha tia e meu tio e meu primo são,
eu gostaria de ter tido três irmãos bruxos.
— Cinco. — Por alguma razão, ele pareceu triste. — Sou o sexto
de minha família a ir para Hogwarts. Pode-se dizer que tenho de fazer justiça ao
nosso nome. Gui e Carlinhos já terminaram a escola. Gui foi chefe dos monitores
e Carlinhos foi capitão do time de Quadribol. Agora Percy é monitor. Fred e Jorge
fazem muita bagunça, mas tiram notas muito boas e todo mundo acha que
eles são realmente engraçados. Todos esperam que eu me saia tão bem quanto
os outros, mas se eu me sair bem, não será nada de mais, porque eles fizeram
isso primeiro. E também não se ganha nada novo quando se tem cinco irmãos.
Uso as vestes velhas de Gui, a varinha velha de Carlinhos e o rato velho do
Percy..
Rony meteu a mão no bolso interno do paletó e tirou um rato cinzento e
gordo que estava dormindo.
— O nome dele é Perebas e ele é inútil, quase nunca acorda. Percy
ganhou uma coruja de meu pai por ter sido escolhido monitor, mas eles não
podiam ter...quero dizer, em vez disso ganhei Perebas.
As orelhas de Rony ficaram vermelhas. Parecia estar achando que falara
demais, porque voltou a olhar para fora pela janela.
Harry não achava nada de mais que alguém não tivesse dinheiro para
comprar uma coruja. Afinal, ele nunca tivera dinheiro algum na vida até um mês
atrás, e disse isso ao Rony, e disse também o que sentira quando usava as
roupas velhas de Duda e jamais ganhara um presente de aniversário decente.
Isto pareceu animar Rony um pouco.
— ... E até Rúbeo me contar, eu não sabia o que era ser bruxo nem quem
eram meus pais nem o Voldemort.
Rony ficou pasmo.
— Que foi?
— Você disse o nome do Você-Sabe-Quem! — exclamou Rony parecendo
ao mesmo tempo chocado e impressionado — Eu achava que de todas as
pessoas você...
— Não estou tentando ser corajoso nem nada dizendo o nome dele. É que
nunca soube que não se podia dizer. Está vendo o que quero dizer? Tenho muito
que aprender... Aposto — acrescentou, pondo pela primeira vez em palavras algo
que o andava preocupando muito ultimamente — Aposto que vou ser o pior
da classe.
— Não vai ser não. Tem uma porção de gente que vem de famílias de
trouxas e aprende bem depressa.
Enquanto conversavam, o trem saiu de Londres. Agora corriam por
campos cheios de vacas e carneiros. Ficaram calados por um tempo,
contemplando os campos e as estradinhas passarem num lampejo.
Por volta do meio-dia e meia ouviram um grande barulho no corredor e
uma mulher toda sorrisos e covinhas abriu a porta e perguntou:
— Querem alguma coisa do carrinho, queridos?
Harry, que não tomara café da manhã ergueu-se de um salto, mas as
orelhas de Rony ficaram vermelhas outra vez e ele murmurou que trouxera
sanduíches. Harry foi até o corredor.
Nunca tivera dinheiro para doces na casa dos Dursley e agora que seus
bolsos retiniam com moedas de ouro e prata, estava disposto a comprar quantas
barrinhas de chocolate pudesse carregar, mas a mulher não tinha barrinhas. Tinha
feijoezinhos de todos os sabores, balas de goma, chicles de bola, sapos de
chocolate, tortinhas de abóbora, bolos de caldeirão, varinhas de alcaçuz e
várias outras coisas estranhas que Harry nunca vira na sua vida.
Não querendo perder nada, ele comprou uma de cada e pagou à mulher
onze sicles de prata e sete nuques.
Rony arregalou os olhos quando Harry trouxe tudo para a cabine e
despejou no assento vazio.
— Que fome, hein?
— Morrendo de fome — respondeu Harry, dando uma grande dentada na
tortinha de abóbora.
Rony tirara um embrulho encaroçado e abriu-o. Havia quatro sanduíches
dentro. Abriu um e disse:
— Ela sempre se esquece que não gosto de carne enlatada.
— Troco com você por um desses — propôs Harry, oferecendo um
pastelão de carne. — Tome...
— Você não vai querer isso, é muito seco. Ela não tem muito tempo —
acrescentou depressa. — Você sabe, somos cinco.
— Come... Coma um pastelão — disse Harry, que nunca tivera nada para
dividir com alguém antes, aliás, nem ninguém com quem dividir. Era uma
sensação gostosa, sentar-se ali com Rony, acabar com todas as tortas e bolos de
Harry (os sanduíches ficaram esquecidos).
— Que é isso? — perguntou Harry a Rony, mostrando um pacote de
sapos de chocolate. — Eles não são sapos de verdade, são? — Estava
começando a achar que nada o surpreenderia.
— Não. Mas vê qual é a figurinha, está me faltando a Agripa.
— O quê?
— Claro que você não sabe, os sapos de chocolate têm figurinhas dentro,
sabe, para colecionar, bruxas e bruxos famosos. Tenho umas quinhentas, mas
não tenho a Agripa nem o Ptolomeu.
Harry abriu o sapo de chocolate e puxou a figurinha. Era a cara de um
homem. Usava óculos de meia-lua, tinha um nariz comprido e torto, cabelos
esvoaçantes cor de prata, barba e bigode. Sob o retrato havia o nome Alvo
Dumbledore.
— Então este é Dumbledore! — exclamou Harry.
— Não me diga que nunca ouviu falar de Dumbledore! Quer me dar um
sapo? Quem sabe eu tiro a Agripa. Obrigado.
Harry virou o verso da figurinha e leu:
Alvo Dumbledore, atualmente diretor Hogwarts.
Considerado por muitos o maior bruxo dos
tempos modernos. Dumbledore é particularmente famoso por
ter derrotado Grindelwald, o bruxo das Trevas, em 1945, por
ter descoberto os doze usos do sangue de dragão e por desenvolver
um trabalho em alquimia em parceria com Nicolau Flamel. O
Professor Dumbledore gosta de música de câmara e boliche.
Harry virou de novo o cartão e viu, para seu espanto, que o rosto de
Dumbledore havia desaparecido.
— Ele desapareceu!
— Ora, você não pode esperar que ele fique aí o dia todo. Depois ele
volta. Não, tirei a Morgana outra vez e já tenho umas seis... Você quer? Pode
começar a colecionar.
Os olhos de Rony se desviaram para a pilha de sapos de chocolate que
continuavam fechados.
— Sirva-se — disse Harry. — Mas, sabe, no mundo dos trouxas,
as pessoas ficam paradas nas fotos.
— Ficam? O que, eles não se mexem? — Rony parecia surpreso. — Que
coisa esquisita!
Harry arregalou os olhos quando Dumbledore voltou para a figurinha e lhe
deu um sorrisinho. Rony estava mais interessado em comer os sapos do que em
olhar os bruxos e bruxas famosas, mas Harry não conseguia despregar os olhos
deles. Logo não tinha só Dumbledore e Morgana, como também Hengisto de
Woodcroft, Alberico Grunnion, Circe, Paraceko e Merlim. Por fim ele despregou os
olhos da druida Cliodna que estava coçando o nariz, para abrir o saquinho de
feijõezinhos de todos os sabores.
— Você vai ter que tomar cuidado com essas aí — alertou Rony. —
Quando dizem todos os sabores eles querem dizer TODOS OS SABORES. Sabe,
todos os sabores comuns como chocolate, hortelã e laranja, mas também.
Espinafre, fígado e bucho. Jorge achou que sentiu gosto de bicho-papão uma vez.
Rony apanhou uma balinha verde, examinou-a atentamente e mordeu
uma ponta.
— Eca! Está vendo? Couve-de-bruxelas.
Eles se divertiram comendo as balas. Harry tirou torrada, coco, feijão
cozido, morango, caril, capim, café, sardinha e chegou a reunir coragem para
morder a ponta de uma bala cinzenta meio gozada que Rony não queria pegar, e
que era pimenta.
Os campos que passavam agora pela janela estavam ficando mais
silvestres. As plantações tinham desaparecido. Agora havia matas, rios
serpeantes e morros verde-escuros.
Ouviram uma batida à porta da cabine e o menino de rosto redondo, por
quem Harry passara na plataforma 9 e ½, entrou. Parecia choroso.
— Desculpem, mas vocês viram um sapo?
Quando os dois sacudiram a cabeça, ele chorou.
— Perdi ele! Está sempre fugindo de mim!
— Ele vai aparecer — consolou Harry.
— Vai — disse o menino infeliz. — Se você vir ele...
E saiu.
— Não sei por que ele está tão chateado — disse Rony. — Se eu tivesse
trazido um sapo ia querer perder ele o mais depressa que pudesse. Mas, trouxe
Perebas, por isso nem posso falar nada.
O rato continuava a tirar sua soneca no colo de Rony.
— Ele podia estar morto e ninguém ia saber a diferença — disse Rony
desgostoso. — Tentei mudar a cor dele para amarelo para deixar ele mais
interessante, mas o feitiço não deu certo. Vou-lhe mostrar. Olhe...
Remexeu na mala e tirou uma varinha muito gasta. Estava lascada em
alguns pontos e havia uma coisa branca brilhando na ponta.
— O pêlo do unicórnio está quase saindo. Em todo o caso...
Tinha acabado de erguer a varinha quando a porta da cabine abriu outra
vez. O menino sem o sapo estava de volta, mas desta vez tinha uma garota em
sua companhia. Ela já estava usando as vestes novas de Hogwarts.
— Ninguém viu um sapo? Neville perdeu o dele.
Tinha um tom de voz mandão, os cabelos castanhos muito cheios e os
dentes da frente meio grandes.
— Já dissemos a ele que não vimos o sapo — respondeu Rony, mas a
menina não estava escutando, olhava para a varinha na mão dele.
— Você está fazendo mágicas? Quero ver.
Sentou-se. Rony pareceu desconcertado.
— Hum... Está bem.
Pigarreou.
— Sol margaridas, amarelo maduro, muda para amarelo esse rato velho e
burro.
Ele agitou a varinha, mas nada aconteceu. Perebas continuou cinzento e
completamente adormecido.
— Você tem certeza de que esse feitiço está certo? — perguntou
a menina. — Bem, não é muito bom, né? Experimentei uns feitiços simples só
para praticar e deram certo. Ninguém na família é bruxo, foi uma surpresa enorme
quando recebi a carta, mas fiquei tão contente, é claro, quero dizer, é a melhor
escola de bruxaria que existe, me disseram. Já sei de cor todos os livros que nos
mandaram comprar, é claro, só espero que seja suficiente, aliás, sou Hermione
Granger, e vocês quem são?
Ela disse tudo isso muito depressa.
Harry olhou para Rony e sentiu um grande alivio ao ver, por sua cara
espantada, que ele não aprendera todos os livros de cor tampouco.
— Sou Rony Weasley.
— Harry Potter.
— Verdade? Já ouvi falar de você, é claro. Tenho outros
livros recomendados, e você está na História da magia moderna e em Ascensão e
queda das artes das trevas e em Grandes acontecimentos do século XX.
— Estou? — admirou-se Harry sentindo-se confuso.
— Nossa, você não sabia, eu teria procurado saber tudo que pudesse se
fosse comigo — disse Hermione. — já sabem em que casa vão ficar? Andei
perguntando e espero ficar na Grifinória, me parece a melhor, ouvi dizer que o
próprio Dumbledore foi de lá, mas imagino que a Corvinal não seja muito ruim..
Em todo o caso, acho melhor irmos procurar o sapo de Neville. E é melhor
vocês se trocarem, sabe, vamos chegar daqui a pouco.
E foi-se embora, levando o menino sem sapo.
— Seja qual for a minha casa, espero que ela não esteja lá — comentou
Rony e jogou a varinha de volta na mala. — Feitiço besta. Foi o Jorge que me
ensinou, aposto que sabia que não prestava.
— Em que casa estão os seus irmãos? — perguntou Harry.
— Grifinória. — A tristeza parecia estar se apoderando dele outra vez. —
Mamãe e papai estiveram lá também. Não sei o que vão dizer se eu não estiver.
Acho que a Corvinal não seria muito ruim, mas imagine se me puserem na
Sonserina.
— É a casa em que Vol... Quero dizer Você-Sabe-Quem esteve?
— É. — E afundou novamente no assento, parecendo deprimido.
— Sabe, acho que as pontas dos bigodes de Perebas ficaram
um pouquinho mais claras — disse Harry, tentando distrair o pensamento de Rony
das casas. — Então, o que é que os seus irmãos mais velhos fazem agora que já
terminaram?
Harry estava imaginando o que fazia um bruxo depois que terminava a
escola.
— Carlinhos está na Romênia estudando dragões e Gui está na África
fazendo um serviço para o Gringotes. Você soube o que aconteceu com o
Gringotes? O Profeta Diário só fala nisso, mas acho que morando com os trouxas
você não recebe o jornal. Uns caras tentaram roubar um cofre de segurança
máxima.
Harry arregalou os olhos.
— Verdade? E o que aconteceu com eles?
— Nada, é por isso que é uma noticia tão importante. Não foram pegos.
Papai disse que deve ter sido um bruxo das trevas poderoso para enganar
Gringotes, mas estão achando que eles não levaram nada, isso é que é esquisito.
É claro que todo o mundo fica apavorado quando uma coisa dessas acontece
porque Você-Sabe-Quem pode estar por trás da coisa.
Harry repassou as noticias mentalmente. Estava começando a sentir um
arrepio de medo toda vez que Você-Sabe-Quem era mencionado. Supunha que
isso fazia parte do ingresso no mundo da magia, mas tinha sido muito mais
confortável dizer Voldemort sem se preocupar.
— Qual é o seu time de Quadribol — perguntou Rony.
— Hum... Não conheço nenhum — confessou Harry.
— O quê? — Rony parecia pasmo. — Ah, espere ai, é o melhor jogo do
mundo — E saiu explicando tudo sobre as quatro bolas e as posições dos sete
jogadores, descreveu jogos famosos a que fora com os irmãos e a vassoura que
gostaria de comprar se tivesse dinheiro. Estava mostrando a Harry as qualidades
do jogo quando a porta da cabine se abriu mais uma vez, mas agora não
era Neville, o menino sem sapo, nem Hermione Granger.
Três garotos entraram e Harry reconheceu o do meio na hora: era o garoto
pálido da loja de vestes de Madame Malkin. Olhou para Harry com um interesse
muito maior do que revelara no Beco Diagonal.
— É verdade? — perguntou — Estão dizendo no trem que Harry Potter
está nesta cabine. Então é você?
— Sou — respondeu Harry. Observava os outros garotos. Os dois eram
fortes e pareciam muito maus. Postados dos lados do menino pálido eles
pareciam guarda-costas.
— Ah, este é Crabbe e este outro, Goyle — apresentou o garoto pálido
displicentemente, notando o interesse de Harry — E meu nome é Draco Malfoy.
Rony tossiu de leve, o que poderia estar escondendo uma risadinha.
Malfoy olhou para ele.
— Acha o meu nome engraçado, é? Nem preciso perguntar quem você é.
Meu pai me contou que na família Weasley todos têm cabelos ruivos e sardas e
mais filhos do que podem sustentar. — Virou-se para Harry — Você não vai
demorar a descobrir que algumas famílias de bruxos são bem melhores do que
outras, Harry. Você não vai querer fazer amizade com as ruins. E eu posso ajudálo
nisso.
Ele estendeu a mão para apertar a de Harry, mas Harry não a apertou.
— Acho que sei dizer qual é o tipo ruim sozinho, obrigado. — disse com
frieza.
Draco não ficou vermelho, mas um ligeiro rosado coloriu seu rosto pálido.
— Eu teria mais cuidado se fosse você, Harry. — disse lentamente. — A
não ser que seja mais educado, vai acabar como os seus pais. Eles também não
tinham juízo. Você se mistura com gentinha como os Weasley e aquele Rúbeo e
vai acabar se contaminando.
Harry e Rony se levantaram. O rosto de Rony estava vermelho como os
cabelos.
— Repete isso.
— Ah, você vai brigar com a gente, vai? — Draco caçoou.
— A não ser que você se retire agora — disse Harry com uma coragem
maior do que sentia, porque Crabbe e Goyle eram bem maiores do que ele ou
Rony.
— Mas não estamos com vontade de nos retirar, estamos, garotos? Já
comemos toda a nossa comida e parece que vocês ainda têm alguma coisa.
Goyle fez menção de apanhar os sapos de chocolate ao lado de Rony.
Rony deu um pulo para frente, mas antes que encostasse em Goyle, este soltou
um berro terrível.
Perebas, o rato, estava pendurado em seu dedo, os dentinhos afiados
enterrados na junta de Goyle. Crabbe e Draco recuaram enquanto Goyle rodava e
rodava o braço, urrando, e quando Perebas finalmente se soltou e bateu na janela,
os três desapareceram na mesma hora. Talvez achassem que havia mais ratos
escondidos nos doces, ou talvez tivessem ouvido passos, porque um segundo
depois, Hermione Granger entrou.
— Que foi que aconteceu? — perguntou, vendo os doces espalhados no
chão e Rony apanhando Perebas pela cauda.
— Acho que apagaram ele — disse Rony a Harry. E examinou Perebas
mais atentamente. — Não... Não acredito... Ele voltou a dormir.
E dormira mesmo.
— Você já conhecia Draco Malfoy?
Harry contou o encontro deles no Beco Diagonal.
— Já ouvi falar na família dele — disse Rony sombrio. — Foram
os primeiros a voltar para o nosso lado depois que Você-Sabe-
Quem desapareceu. Disseram que tinha sido enfeitiçado. Papai não acredita
nisso. Diz que o pai de Draco não precisou de desculpa para se bandear para o
lado das Trevas. — E virou-se para Hermione. — Podemos fazer alguma coisa por
você.
— É melhor vocês se apressarem e trocarem de roupa. Acabei de ir lá na
frente perguntar ao maquinista e ele me disse que estamos quase chegando.
Vocês andaram brigando? Vão se meter em encrenca antes mesmo de
chegarmos lá!
— Perebas andou brigando, nós não — disse Rony, fazendo
cara zangada. — Você se importa de sair para podermos nos trocar.
— Está bem. Só vim para cá porque as pessoas nas outras cabines estão
se comportando feito crianças, correndo pelos corredores — disse Hermione em
tom choroso. — E você está com o nariz sujo, sabia?
Rony amarrou a cara quando ela se retirou. Harry espiou pela janela.
Estava escurecendo. Viu montanhas e matas sob um céu arroxeado. O trem
parecia estar diminuindo a velocidade. Ele e Rony tiraram os paletós e puseram as
vestes longas e pretas. A de Rony estava um pouco curta, dava para ver as
calças. Uma voz ecoou pelo trem.
— Vamos chegar a Hogwarts dentro de cinco minutos. Por favor, deixem a
bagagem no trem, ela será levada para a escola.
O estômago de Harry revirou de nervoso e ele reparou que Rony parecia
pálido sob as sardas. Os dois encheram os bolsos com o resto dos doces e se
reuniram à garotada que apinhava os corredores.
O trem foi diminuindo a velocidade e finalmente parou. As pessoas se
empurraram para chegar à porta e descer na pequena plataforma escura. Harry
estremeceu ao ar frio da noite. Então apareceu uma lâmpada balançando sobre as
cabeças dos estudantes e Harry ouviu uma voz conhecida.
— Alunos do primeiro ano! Primeiro ano aqui! Tudo bem Harry?
O rosto grande e peludo de Rúbeo Hagrid sorria por cima de um mar de
cabeças.
— Vamos, venham comigo. Mais alguém do primeiro ano?
Aos escorregões e tropeços, eles seguiram Hagrid por um caminho de
aparência íngreme e estreita. Estava tão escuro em volta que Harry achou que
devia haver grandes árvores ali.
Ninguém falou muito. Neville, o menino que vivia perdendo o sapo, fungou
umas duas vezes.
— Vocês vão ter a primeira visão de Hogwarts em um segundo. — Hagrid
gritou por cima do ombro —, logo depois dessa curva.
Ouviu-se um ooooh muito alto.
O caminho estreito se abrira de repente ate a margem de um grande lago
escuro. Encarrapitado no alto de um penhasco na margem oposta, as janelas
cintilando no céu estrelado, havia um imenso castelo com muitas torres e
torrinhas.
— Só quatro em cada barco! — gritou Hagrid, apontando para uma flotilha
de barquinhos parados na água junto à margem. Harry e Rony foram seguidos até
o barco por Neville e Hermione.
— Todos acomodados? — gritou Hagrid, que tinha um barco só para si. —
Então... VAMOS!
E a flotilha de barquinhos largou toda ao mesmo tempo, deslizando pelo
lago que era liso como um vidro. Todos estavam silenciosos, os olhos fixos no
grande castelo no alto. A construção se agigantava à medida que se aproximavam
do penhasco em que estava situado.
— Abaixem as cabeças! — berrou Hagrid quando os primeiros barcos
chegaram ao penhasco, todos abaixaram as cabeças e os barquinhos
atravessaram uma cortina de hera que ocultava uma larga abertura na face do
penhasco. Foram impelidos por um túnel escuro, que parecia levá-los para
debaixo do castelo, até uma espécie de cais subterrâneo, onde desembarcaram
subindo em pedras e seixos.
— Ei, você ai! É o seu sapo? — perguntou Hagrid, que verificava os
barcos à medida que as pessoas desembarcavam.
— Trevo! — gritou Neville feliz, estendendo as mãos.
Então eles subiram por uma passagem aberta na rocha, acompanhando a
lanterna de Hagrid e desembocaram finalmente em um gramado fofinho e úmido à
sombra do castelo.
Galgaram uma escada de pedra e se aglomeraram em torno da enorme
porta de carvalho.
— Estão todos aqui? Você aí, ainda está com o seu sapo?
Hagrid ergueu um punho gigantesco e bateu três vezes na porta do
castelo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário