terça-feira, 15 de março de 2011

Harry Potter e a Pedra Filosofal - Capítulo 15

CAPÍTULO QUINZE
A Floresta Proibida

As coisas não poderiam estar piores.
Filch levou-os à sala da Professora Minerva no primeiro andar, onde eles
ficaram sentados esperando, sem trocar uma palavra entre si. Hermione tremia.
Desculpas, álibis e justificativas fantásticas substituíam-se umas as outras na
cabeça de Harry, cada qual mais capenga do que a anterior. Ele não conseguia
ver como iam se livrar desta encrenca. Estavam encurralados. Como podiam ter
sido burros a ponto de se esquecerem da capa? Não havia nenhuma razão no
mundo para a Professora Minerva aceitar que estivessem fora da cama,
esgueirando-se pela escola a altas horas da noite, e muito menos que estivessem
na alta torre de astronomia, que era proibida aos alunos a não ser durante as
aulas.
Some-se a isso Norberto e a capa da invisibilidade e seria
melhor começarem a fazer as malas.
Harry achou que as coisas não poderiam ficar piores. Estava enganado.
Quando a Professora Minerva apareceu, vinha trazendo Neville.
— Harry! — exclamou ele, no instante em que viu os outros dois. — Eu
estava tentando encontrar vocês para avisar que ouvi Malfoy dizer que ia pegar
vocês, disse que vocês tinham um drag...
Harry sacudiu com força a cabeça para fazer Neville calar a boca, mas a
Professora Minerva viu. Parecia mais provável que ela cuspisse fogo pelas narinas
do que Norberto, ali a olhar os três de cima para baixo.
— Eu jamais teria acreditado que vocês fossem capazes disso. O Sr. Filch
diz que vocês estavam no alto da torre de astronomia. É uma hora da madrugada.
Expliquem-se...
Era a primeira vez que Hermione deixava de responder à uma pergunta de
uma professora. Olhava para os sapatos, imóvel como uma estátua.
— Acho que tenho uma boa idéia do que anda acontecendo — disse a
Professora Minerva. — Não é preciso ser gênio para somar dois mais dois. Vocês
contaram a Draco Malfoy uma história da carochinha sobre um dragão, tentando
tirá-lo da cama e metê-lo em apuros. Eu já o apanhei. Suponho que achem
engraçado que o Neville tenha ouvido a história e acreditado nela também.
Harry surpreendeu o olhar de Neville e tentou lhe dizer, sem falar, que
aquilo não era verdade, porque Neville tinha uma expressão de espanto e mágoa.
Pobre Neville trapalhão. Harry sabia o que deveria ter-lhe custado tentar encontrálos
no escuro para avisar.
— Estou desapontada — disse a Professora Minerva. — Quatro
alunos fora da cama em uma noite! Nunca ouvi falar numa coisa dessas antes!
Você, Hermione Granger, achei que tinha mais juízo. Quanto a você, Harry Potter,
achei que Grifinória significava mais para você do que parece. Os três vão pegar
uma detenção, sim e você também, Neville Longbottom, não há nada que lhe dê
o direito de andar pela escola à noite, principalmente nos dias que correm, é muito
perigoso, e vou descontar cinqüenta pontos da Grifinória.
— Cinqüenta?— Harry ofegou. Perderiam a dianteira, a dianteira que ele
conquistara na última partida de Quadribol.
— Cinqüenta pontos de cada um — acrescentou a Professora
Minerva, respirando com esforço pelo nariz longo e pontudo.
— Professora... Por favor... A senhora não pode...
— Não venha me dizer o que eu posso e o que eu não posso, Harry
Potter. Agora voltem para a cama, todos vocês. Nunca senti tanta vergonha de
alunos da Grifinória antes.
Cento e cinqüenta pontos perdidos. Isto deixava a Grifinória em último
lugar. Em uma noite, tinham estragado as chances de Grifinória conquistar a taça
das casas. Harry teve a sensação de que o fundo do seu estômago se soltara.
Como iriam poder compensar a perda?
Harry não dormiu a noite inteira. Ouviu Neville soluçar com a cara no
travesseiro durante o que lhe pareceram horas. Harry não conseguia pensar em
nenhuma palavra para consolá-lo. Sabia que Neville, como ele mesmo, estava
com medo do amanhecer.
O que aconteceria quando o resto de Grifinória descobrisse o que tinham
feito?
A princípio, os alunos de Grifinória que passavam pelas gigantescas
ampulhetas que marcavam o placar das casas, no dia seguinte, acharam que
tinha havido um engano. Como podiam de repente ter cento e cinqüenta pontos
menos do que no dia anterior?
E então a história começou a se espalhar. Harry Potter, o famoso Harry
Potter, seu herói dos jogos de Quadribol, fora o responsável pela perda de todos
aqueles pontos, ele e mais uns dois panacas do primeiro ano.
Da posição de aluno mais popular e admirado na escola, Harry passou a
de mais odiado. Até os alunos da Corvinal e Lufa-Lufa se voltaram contra ele,
porque todos desejavam há muito tempo ver a Sonserina perder a Taça das
Casas. Para todo lado que Harry ia, as pessoas o apontavam e não se davam ao
trabalho de baixar as vozes para xingá-lo. Os de Sonserina, por outro lado,
batiam palmas quando ele passava, assobiavam e davam vivas.
"Obrigado, Potter, ficamos lhe devendo essa!”
Somente Rony continuou do seu lado.
— Eles vão esquecer dentro de umas semanas. Fred e Jorge já perderam
montes de pontos desde que chegaram aqui e as pessoas continuam a gostar
deles.
— Eles nunca perderam cento e cinqüenta pontos de uma tacada, ou
perderam? — retrucou Harry, infeliz.
— Bom... Não — admitiu Rony.
Era um pouco tarde para consertar o estrago, mas Harry jurou nunca mais
se meter em coisas que não eram de sua conta. Bastava de espiar e espionar.
Sentia tanta vergonha que foi procurar Olívio para oferecer sua demissão do time
de Quadribol.
— Se demitir? — trovejou Olívio. — Que bem faria isso? Como vamos
poder recuperar os pontos se não conseguirmos vencer no Quadribol?
Mas até mesmo o Quadribol perdera a graça. O resto do time não queria
falar com Harry durante os treinos e quando precisavam se referir a ele
chamavam-no de "o apanhador".
Hermione e Neville estavam sofrendo também. Não estavam apanhando
tanto quanto Harry, porque não eram tão conhecidos, mas ninguém falava com
eles, tampouco. Hermione parara de chamar atenção nas aulas, mantinha a
cabeça baixa e trabalhava em silêncio.
Harry quase se alegrava que os exames não estivessem muito distantes.
Todas as revisões que precisava fazer o distraiam de sua infelicidade. Ele, Rony e
Hermione ficavam sozinhos, trabalhavam até tarde da noite, tentando lembrar os
ingredientes das complicadas poções, aprender os feitiços e encantamentos
de cor, decorar as datas das descobertas mágicas e das revoltas dos duendes...
Então, uma semana antes de começarem os exames, a nova resolução de
Harry de não se meter em nada que não fosse de sua conta, foi submetida a um
teste inesperado. Ao voltar da biblioteca, sozinho certa tarde, ouviu alguém
choramingando numa sala de aulas mais à frente. Ao se aproximar, ouviu a voz
de Quirrell.
— Não... Não... Outra vez não, por favor..
Parecia que alguém o estava ameaçando. Harry se aproximou um pouco
mais.
— Está bem... Está bem — ouviu Quirrell soluçar.
No segundo seguinte, Quirrell saiu correndo da sala de aulas ajeitando o
turbante. Estava pálido e parecia prestes a chorar E desapareceu de vista, Harry
achou que Quirrell nem sequer reparara nele. Esperou até que o ruído dos passos
de Quirrell desaparecesse e, então, espiou para dentro da sala. Estava vazia, mas
havia uma porta entreaberta na outra extremidade. Harry já ia em direção à porta,
quando se lembrou de que prometera a si mesmo não se meter em nada.
Assim mesmo, teria apostado doze pedras Filosofais que Snape acabara
de deixar a sala, e pelo que Harry acabara de ouvir ganhara uma nova agilidade
nos passos. Quirrell parecia ter finalmente cedido.
Harry voltou à biblioteca, onde Hermione estava tomando os pontos de
astronomia de Rony. Contou-lhes o que ouvira.
— Snape então conseguiu — exclamou Rony, — Se Quirrell contou a ele
como quebrar o feitiço antimagia negra...
— Mas ainda temos Fofo — lembrou Hermione.
— Talvez Snape tenha descoberto como passar pelo cachorro sem
perguntar ao Rúbeo — disse Rony, correndo os olhos pelos milhares de livros que
os rodeavam — Aposto como tem um livro por aqui que ensina como se passar
por um cachorrão de três cabeças. Então, o que vamos fazer Harry?
O brilho de aventura voltava a iluminar os olhos de Rony, mas Hermione
respondeu, antes que Harry pudesse fazê-lo.
— Vamos procurar Dumbledore. Isto é o que deveríamos ter feito há
séculos. Se tentarmos alguma coisa por conta própria, com certeza vamos ser
expulsos.
— Mas não temos provas — disse Harry. — Quirrell está apavorado
demais para nos apoiar. Snape só precisa dizer que não sabe como foi que o
trasgo entrou no Dia das Bruxas e que nem chegou perto do terceiro andar. Em
quem vocês acham que eles vão acreditar, nele ou em nós? Não é bem segredo
que nós o detestamos, Dumbledore vai pensar que inventamos isso para ele ser
despedido. Filch não nos ajudaria nem que a vida dele dependesse disso, é muito
amigo de Snape, e quanto mais alunos forem expulsos, tanto melhor, é o que ele
pensa. E não se esqueçam nós nem devíamos saber da Pedra nem de Fofo. O
que vai exigir muita explicação.
Hermione pareceu convencida, mas não Rony.
— Se déssemos só uma espiadinha...
— Não — respondeu Harry decidido —, já demos muitas espiadinhas.
E, dizendo isso, puxou um mapa de júpiter para perto e começou a
aprender os nomes das luas.
Na manhã seguinte, Harry Hermione e Neville receberam bilhetes à mesa
do café da manhã. Diziam a mesma coisa:
“Sua detenção começará às vinte e três horas.
Aguardem o Sr. Filch no saguão de entrada.
Professora Minerva”.
No furor provocado pela perda de pontos, Harry esquecera que ainda
tinham detenções a cumprir. Esperou que Hermione reclamasse que aquilo
representava perder uma noite inteira de revisões, mas não disse uma palavra.
Achava, como Harry, que teriam o que tinham merecido.
Ás onze horas da noite eles se despediram de Rony na sala comunal e
desceram com Neville para o saguão de entrada. Filch já se encontrava lá e
também Malfoy. Harry esquecera que Malfoy pegara uma detenção também.
— Sigam-me — disse Filch, acendendo uma lanterna e levando-os para
fora.
— Aposto que vão pensar duas vezes antes de desobedecer novamente
ao regulamento da escola, não é mesmo? — disse caçoando — Ah, sim, trabalho
pesado e dor são os melhores mestres, se querem saber. É uma pena que
tenham suspendido os castigos antigos, pendurar o aluno no teto pelos pulsos
durante alguns dias, ainda tenho as correntes na minha sala, conservoas
azeitadas para o caso de precisarem. Muito bem, lá vamos nós, e nem pensem
em fugir agora, será pior para vocês se fizerem isso.
Eles caminharam pela propriedade às escuras. Neville não parava de
fungar. Harry ficou imaginando qual seria o castigo.
Devia ser alguma coisa realmente horrível, ou Filch não pareceria tão
contente.
A lua brilhava, mas as nuvens que passavam por ela lançava-os na
escuridão. À frente, Harry via as janelas iluminadas da cabana de Hagrid. Então,
ouviram um grito distante.
— É você, Filch? Ande logo, quero começar de uma vez.
O ânimo de Harry melhorou, se eles iam trabalhar com Hagrid então não
seria tão ruim. Seu alivio deve ter transparecido no rosto, porque Filch falou:
— Acho que você está pensando que vai se divertir com aquele panaca?
Pois pode pensar outra vez, menino. É para a floresta que você vai e estarei muito
enganado se voltar inteiro.
Ao ouvir isso, Neville deixou escapar um gemido e Malfoy ficou paralisado.
— A floresta? — repetiu e não pareceu tão tranqüilo como de costume. —
Não podemos entrar lá à noite... Tem todo tipo de coisa lá... Lobisomens, ouvi
falar.
Neville agarrou a manga das vestes de Harry e pareceu se engasgar.
— Isto é o que pensa, não é? — disse Filch, a voz esganiçando-se de
satisfação. — Devia ter pensado nos lobisomens antes de se meterem encrencas,
não acha?
Hagrid saiu do escuro caminhando em direção a eles, com Canino nos
calcanhares. Carregava um grande arco e uma aljava com flechas pendurada ao
ombro.
— Até que enfim. Já estou esperando há meia hora. Tudo bem, Harry,
Hermione?
— Eu não seria tão simpático com eles, Hagrid — disse Filch com frieza
— afinal eles estão aqui para serem castigados.
— E por isso que você está atrasado, não é? — disse Hagrid, amarrando
a cara. — Andou passando carão neles, não é? Isso não e sua função. Você fez a
sua parte, eu pego daqui para frente.
— Volto ao amanhecer para recolher o que sobrar deles — disse Filch
maldoso, deu meia-volta e retornou ao castelo, balançando a lanterna na
escuridão.
Malfoy virou-se então para Hagrid.
— Não vou entrar nessa floresta — disse, e Harry ficou contente de ouvir
a nota de pânico em sua voz.
— Vai, sim, se quiser continuar em Hogwarts — disse Hagrid com
ferocidade. — Você agiu mal e agora tem de pagar pelo que fez...
— Mas isso é coisa para empregados e não para estudantes. Achei que
íamos fazer uma cópia ou outra coisa do gênero, se meu pai souber que eu estou
fazendo isso, ele...
— ... Lhe dirá que em Hogwarts é assim — rosnou Hagrid. — Fazer cópia!
Para que serve? Você vai fazer uma coisa útil ou vai sair da escola. E se pensa
que seu pai vai preferir que você seja expulso, então volte para o castelo e faça
suas malas. Vamos!
Malfoy não se mexeu. Encarou Hagrid furioso e em seguida baixou os
olhos.
— Muito bem, então — disse Hagrid — agora prestem atenção, porque é
perigoso o que vamos fazer hoje à noite e não quero ninguém se arriscando.
Venham até aqui comigo.
Ele os conduziu à orla da floresta. Erguendo a lanterna bem alto, apontou
para uma trilha serpeante de terra batida que desaparecia por entre árvores
escuras. Uma brisa leve levantou os cabelos dos meninos, quando eles se viraram
para a floresta.
— Olhem ali, estão vendo aquela coisa brilhando no chão? Prateada?
Aquilo é sangue de unicórnio. Tem um unicórnio ali que foi ferido gravemente por
alguma coisa. É a segunda vez esta semana. Encontrei um morto na quarta-feira
passada. Vamos tentar encontrar o pobrezinho. Talvez a gente precise pôr fim
ao sofrimento dele.
— E se a coisa que feriu o unicórnio nos encontrar primeiro? — perguntou
Malfoy, incapaz de conter o medo na voz.
— Não há nenhuma criatura viva na floresta que vá machucá-lo se você
estiver comigo e com o Canino. E siga a trilha. Muito bem, agora, vamos nos
separar em dois grupos e seguir a trilha em direções opostas. Tem sangue por
toda parte, ele deve estar cambaleando pelo menos desde a noite passada.
— Eu quero Canino — disse Malfoy depressa, olhando para as presas de
Canino.
— Muito bem, mas vou-lhe avisando, ele é covarde. Então eu, Harry e
Hermione vamos por aqui e Draco, Neville e Canino por ali. Agora, se algum de
nós achar o unicórnio, disparamos centelhas verdes para o alto, 0K? Peguem as
varinhas e comecem a praticar agora, assim. E se alguém se enrolar, dispare
centelhas vermelhas, e vamos todos procurá-lo, então, cuidado. Vamos.
A floresta estava escura e silenciosa. Entrando por ela, chegaram a uma
bifurcação, e Harry, Hermione e Hagrid tomaram o caminho da esquerda enquanto
Malfoy, Neville e Canino tomaram o da direita.
Caminharam em silêncio, com os olhos no chão. Aqui e ali um raio de luar
penetrava por entre os galhos e iluminava uma mancha de sangue prateado nas
folhas caídas.
Harry viu que Hagrid parecia muito preocupado.
— É possível um lobisomem estar matando os unicórnios? – Perguntou.
— Não com essa rapidez, não é fácil matar um unicórnio, eles são
criaturas mágicas poderosas. Nunca soube de nenhum ter sido ferido antes.
Passaram por um toco de árvore coberto de musgo. Harry ouviu água
correndo, devia haver um riacho por perto. Ainda viam manchas de sangue de
unicórnio aqui e ali pela trilha serpeante.
— Você está bem, Hermione? — sussurrou Hagrid — Não se preocupe,
ele não pode ter ido longe se está tão ferido e então poderemos... PARA TRÁS
DAQUELA ÁRVORE!
Hagrid agarrou Harry e Hermione e guindou-os para fora da trilha e para
trás de um enorme carvalho. Puxou uma flecha e encaixou-a no arco, e ergueu-o,
pronto para atirar. Os três apuraram os ouvidos. Alguma coisa deslizava pelas
folhas mortas ali perto, parecia uma capa arrastando no chão. Hagrid apertava
os olhos para enxergar a trilha escura à frente, mas, passados alguns segundos, o
ruído desapareceu.
— Eu sabia — murmurou ele. — Tem alguma coisa aqui que está fora de
lugar.
— Um lobisomem? — sugeriu Harry.
— Isso não era um lobisomem e não era um unicórnio, tão pouco — disse
Hagrid sério. — Muito bem, me sigam, mas tenham cuidado, agora.
Continuaram a caminhar mais devagar, os ouvidos à escuta do menor
ruído. De repente, alguma coisa na clareira adiante, alguma coisa sem dúvida se
mexia.
— Quem está ai? — chamou Hagrid. — Apareça. Estou armado! E na
clareira apareceu um vulto — era um homem, ou um cavalo? Até a cintura, um
homem, com cabelos e barba vermelhos, mas da cintura para baixo era um luzidio
cavalo castanho com uma cauda longa e avermelhada. Os queixos de Harry e
Hermione caíram.
— Ah! É você, Ronan — exclamou Hagrid aliviado. — Como vai?
Ele se adiantou e apertou a mão do centauro.
— Boa noite para você, Hagrid — disse Ronan. Tinha uma voz grave e
triste. — Você ia atirar em mim?
— Cautela nunca é demais, Ronan — disse Hagrid, dando
uma palmadinha no arco. — Tem alguma coisa à solta nesta floresta. Ah, sim,
estes são Harry Potter e Hermione Granger. Alunos lá da escola. E este é Ronan.
É um centauro.
— Já percebi — disse Hermione coma voz fraca.
— Boa noite — cumprimentou Ronan — São alunos, é? E
aprendem muita coisa na escola?
— Hum.
— Um pouquinho — respondeu Hermione tímida.
— Um pouquinho. Bom, já é alguma coisa — suspirou Ronan.
Depois, jogou a cabeça para trás e contemplou o céu.
— Marte está brilhante hoje.
— É — disse Hagrid, mirando o céu também. — Olhe, foi bom termos nos
encontrado, Ronan, porque tem um unicórnio ferido. Você viu alguma coisa?
Ronan não respondeu imediatamente. Continuou a olhar para o alto sem
piscar e então suspirou outra vez.
— Os inocentes são sempre as primeiras vitimas. Foi assim no passado, é
assim agora.
— É, mas você viu alguma coisa, Ronan? Alguma coisa anormal?
— Marte está brilhante hoje — repetiu Ronan enquanto Hagrid
o observava impaciente. — Um brilho anormal.
— Sim, mas estou me referindo a alguma coisa mais perto da terra. Você
não notou nada estranho?
Mais uma vez, Ronan levou algum tempo para responder. Por fim disse:
— A floresta esconde muitos segredos.
Um movimento nas árvores atrás de Ronan fez Hagrid erguer o arco outra
vez, mas era apenas um segundo centauro, de cabelos e corpo negros e de
aspecto mais selvagem do que Ronan.
— Olá, Agouro — cumprimentou Hagrid. — Tudo bem?
— Boa noite, Hagrid, você vai bem, espero.
— Bastante bem. Olhe, eu estava mesmo perguntando a Ronan, você viu
alguma coisa estranha por aqui ultimamente? É que um unicórnio foi ferido. Você
sabe alguma coisa?
Agouro foi se postar ao lado de Ronan. Olhou para o céu.
— Marte está brilhante hoje — disse simplesmente.
— Já sabemos — respondeu Hagrid agastado. — Bom, se um de vocês
vir alguma coisa, me avise, por favor. Vamos indo, então.
Harry e Hermione saíram com ele da clareira, espiando Ronan e Agouro
por cima dos ombros até as árvores tamparem sua visão.
— Nunca — disse Hagrid irritado — tentem obter uma resposta direta de
um centauro. Vivem contemplando as estrelas. Não estão interessados em nada
que esteja mais perto do que a lua.
— E têm muitos deles aqui? — perguntou Hermione.
— Ah, um bom numero... Vivem isolados na maior parte do tempo, mas
tem a bondade de aparecer quando preciso dar uma palavrinha. São inteligentes,
veja bem, os centauros... Sabem das coisas... Só não falam muito.
— Você acha que foi um centauro que ouvimos antes? — disse Harry..
— Você achou que era barulho de cascos? Não, se quer saber, aquilo é o
que anda matando os unicórnios. Nunca ouvi nada parecido antes.
E continuaram a caminhar pela floresta densa e escura. Harry não parava
de espiar, nervoso, por cima do ombro. Tinha a sensação ruim de que alguém os
observava. Estava contente que tivessem Hagrid e seu arco com eles. Acabavam
de passar uma curva na trilha quando Hermione agarrou o braço de Hagrid.
— Rúbeo! Olhe! centelhas vermelhas, os outros estão em apuros!
— Vocês dois esperem aqui! — gritou Hagrid — Fiquem na trilha, volto
para apanhá-los!
Eles o ouviram romper o mato e ficaram parados se entreolhando, muito
assustados, até não conseguirem ouvir mais nada a volta exceto o farfalhar das
árvores.
— Você acha que eles estão machucados? — sussurrou Hermione.
— Não me importo com Malfoy, mas se alguma coisa pegou Neville... É
culpa nossa que ele esteja aqui.
Os minutos se arrastaram. Seus ouvidos pareciam mais aguçados do que
o normal. Harry parecia estar registrando cada suspiro do vento, cada graveto que
quebrava. O que estava acontecendo? Onde estavam os outros?
Finalmente, um grande barulho de mato pisado anunciou a volta de
Hagrid. Malfoy, Neville e Canino o acompanhavam.
Hagrid vinha danado da vida. Malfoy, ao que parecia, se atrasara
e agarrara Neville por trás para lhe dar um susto Neville se assustara e mandara o
sinal.
— Teremos sorte se apanharmos alguma coisa agora, com a barulheira
que vocês aprontaram. Muito bem, vamos trocar os grupos: Neville, você e
Hermione ficam comigo, Harry, você com o Canino e esse idiota. Sinto muito —
acrescentou Hagrid para Harry num cochicho — mas vai ser mais difícil ele
assustar você e precisamos acabar o nosso serviço.
Então Harry entrou pelo coração da floresta com Malfoy e Canino.
Andaram quase meia hora, embrenhando-se cada vez mais, até que a trilha se
tornou impraticável porque as árvores cresciam demasiado juntas. Havia salpicos
nas raízes de uma árvore, como se o pobre bicho tivesse se debatido de dor por
ali.
Harry viu uma clareira adiante, através dos galhos emaranhados de um
velho carvalho.
— Olhe... — murmurou, erguendo o braço para deter Malfoy.
Alguma coisa muito branca brilhava no chão. Eles se aproximaram aos
poucos.
Era o unicórnio, sim, e estava morto. Harry nunca vira nada tão bonito
nem tão triste. As pernas longas e finas estavam esticadas em ângulos estranhos
onde ele caíra e sua crina espalhava-se nacarada sobre as folhas escuras.
Harry dera um passo à frente, mas um som de algo que deslizava o fez
congelar onde estava. Uma moita na orla da clareira estremeceu... Então, do meio
das sombras saiu um vulto encapuzado que se arrastava de gatas pelo chão como
uma fera à caça. Harry, Malfoy e Canino ficaram paralisados. O vulto encapuzado
aproximou-se do unicórnio, abaixou a cabeça sobre ferimento no flanco do animal
e começou a beber o seu sangue.
— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!
Malfoy soltou um grito terrível e fugiu, seguido por Canino. A figura
encapuzada ergueu a cabeça e olhou diretamente para Harry. O sangue do
unicórnio escorrendo pelo peito. Ficou de pé e avançou rápido para Harry, que
não conseguiu se mexer de medo.
Então uma dor, como ele nunca sentira antes, varou sua cabeça, como se
a sua cicatriz estivesse em fogo, meio cego, ele recuou cambaleando. Ouviu
cascos as suas costas, galopando, e aí alguma coisa saltou por cima dele, e
atacou o vulto.
A dor na cabeça de Harry foi tão forte que ele caiu de joelhos.
Levou uns dois minutos para passar. Quando ergueu os olhos, o vulto
desaparecera. Um centauro avultava-se sobre ele, mas não era Ronan nem
Agouro, este parecia mais novo, tinha cabelos louros prateados e o corpo baio.
— Você está bem? — perguntou o centauro, ajudando Harry a se levantar.
— Estou, obrigado, o que foi aquilo?
O centauro não respondeu. Tinha espantosos olhos azuis, como safiras
muito claras. Mirou Harry com atenção, demorando o olhar na cicatriz que se
sobressaia, lívida, em sua testa.
— Você é o menino Potter. É melhor voltar para a companhia de Hagrid. A
floresta não é segura à estas horas, principalmente para você. Sabe montar? Será
mais rápido. Meu nome é Firenze — acrescentou ao dobrar as patas dianteiras
para Harry poder subir no seu lombo.
Ouviram repentinamente o ruído de galopes vindo do outro lado da
clareira. Ronan e Agouro irromperam do meio das árvores, os flancos arfantes e
suados.
— Firenze! — Agouro trovejou. — O que é que você está fazendo? Está
carregando um humano! Não tem vergonha? Você é uma mula?
— Você sabe quem ele é? — retrucou Firenze — É o menino Potter.
Quanto mais rápido ele sair da floresta, melhor.
— O que é que você andou contando a ele? — rosnou Agouro. —
Lembre-se, Firenze, juramos nunca nos indispor com os céus. Você não leu o que
vai acontecer nos movimentos dos planetas?
Ronan pateou o chão, nervoso.
— Tenho certeza de que Firenze achou que estava fazendo o melhor —
falou em tom sombrio.
Agouro escoiceou com raiva.
— Fazendo o melhor! O que tem isso a ver conosco? Os centauros se
preocupam com o que foi previsto! Não é nossa função ficar correndo por aí como
jumentos recolhendo humanos perdidos na nossa floresta!
Firenze de repente empinou-se nas patas traseiras com raiva, de modo
que Harry teve de se agarrar nos seus ombros para não cair.
— Você não viu o unicórnio! — Firenze berrou para Agouro. — Você não
percebe por que foi morto? Ou será que os planetas não lhe contaram esse
segredo? Tomei posição contra o que está rondando a floresta, Agouro, tomei,
sim, ao lado dos humanos se for preciso.
E Firenze virou-se depressa para partir, com Harry agarrando-se o melhor
que podia, eles mergulharam entre as árvores, deixando Ronan e Agouro para
trás.
E Harry não fazia a menor idéia do que estava acontecendo.
— Por que Agouro está tão zangado? — perguntou. — O que era aquela
coisa de que você me livrou?
Firenze abrandou a marcha, alertou Harry para manter a cabeça abaixada
a fim de evitar os galhos baixos, mas não respondeu à pergunta. Continuaram por
entre as árvores em silêncio por tanto tempo que Harry achou que Firenze não
queria mais falar com ele.
Estavam passando por um trecho particularmente denso da floresta,
quando Firenze parou de repente.
— Harry Potter, você sabe para que se usa o sangue de unicórnio?
— Não — disse Harry surpreendido pela estranha pergunta. — Só usamos
o chifre e a cauda na aula de Poções.
— Porque é uma coisa monstruosa matar um unicórnio. Só alguém que
não tem nada a perder e tudo a ganhar cometeria um crime desses. O sangue do
unicórnio mantém a pessoa viva, mesmo quando ela está à beira da morte, mas a
um preço terrível. Ela matou algo puro e indefeso para se salvar e só terá
uma semivida, uma vida amaldiçoada, do momento que o sangue lhe tocar os
lábios.
Harry ficou olhando para a nuca de Firenze, que estava prateada de luar.
— Mas quem estaria tão desesperado? — pensou em voz alta — Se a
pessoa vai ser amaldiçoada para sempre, é preferível morrer, não é?
— É — concordou Firenze —, a não ser que ela precise se manter viva o
tempo suficiente para beber outra coisa, algo que vai lhe devolver a força e o
poder totais, algo que significa que jamais poderá morrer. Sr. Potter, o senhor
sabe o que é que está escondido na sua escola neste momento?
— A Pedra Filosofal! É claro, o elixir da vida! Mas não percebo quem...
— Não consegue pensar em ninguém que tenha esperado muitos anos
para retomar o poder, que se apegou à vida, esperando uma chance?
Foi como se uma mão de ferro de repente apertasse o coração de Harry.
Acima do farfalhar das árvores, ele parecia ouvir mais uma vez o que Hagrid lhe
contara na noite que se conheceram:
"Uns dizem que ele morreu. Bobagem, na minha opinião. Não sei se ele
ainda teria bastante humanidade para morrer".
— Você está dizendo — Harry falou rouco — que aquele era o Vol..
— Harry! Harry, você está bem?
Hermione vinha correndo ao encontro deles pela trilha, Hagrid a
acompanhava arfando.
— Estou bem — disse Harry, sem nem saber o que estava dizendo. — O
unicórnio morreu, Rúbeo, está naquela clareira lá atrás.
— É aqui que eu o deixo — murmurou Firenze enquanto Hagrid corria
para examinar o unicórnio. — Está seguro agora.
Harry escorregou de suas costas.
— Boa sorte, Harry Potter — disse Firenze. — Os planetas já foram mal
interpretados antes, até mesmo pelos centauros. Espero que seja o que está
ocorrendo agora.
Virou-se e entrou a trote pela floresta, deixando para trás um Harry cheio
de tremores.
Rony adormecera no salão comunal às escuras, esperando os amigos
voltarem. Gritou alguma coisa sobre faltas no Quadribol, quando Harry o sacudiu
com força para acordá-lo. Em questão de segundos, porém, seus olhos se
arregalaram quando Harry começou a contar a ele e a Hermione o que acontecera
na floresta.
Harry nem conseguia se sentar. Andava para cima e para baixo na frente
da lareira. Continuava a tremer.
Snape quer a pedra para Voldemort... E Voldemort está esperando na
floresta... E todo esse tempo pensamos que Snape só queria ficar rico.
— Pare de repetir esse nome! — disse Rony num sussurro de terror como
se Voldemort pudesse ouvi-los.
Harry nem o escutou.
— Firenze me salvou, mas não devia ter feito isso. Agouro ficou furioso...
Falou de interferência naquilo que os planetas anunciaram que ia acontecer. Eles
devem estar indicando que Voldemort vai voltar. Agouro acha que Firenze devia
ter deixado Voldemort me matar. Imagino que isso também esteja escrito
nas estrelas.
— Quer parar de dizer esse nome!— sibilou Rony.
— Portanto só preciso esperar que Snape roube a pedra — continuou
Harry febril —, então Voldemort vai poder voltar e acabar comigo. Bem, quem
sabe Agouro vai ficar feliz.
Hermione parecia muito assustada, mas teve uma palavra de consolo.
— Harry, todo mundo diz que Dumbledore é a única pessoa de quem
Você-Sabe-Quem já teve medo. Com Dumbledore por perto Você-Sabe-Quem
não vai tocar em você. Em todo o caso, quem disse que os centauros tem razão?
Isso está me parecendo adivinhação, e a Professora Minerva diz que adivinhar o
futuro é um ramo muito inexato da magia.
O céu havia clareado antes de terminarem de conversar. Foram se deitar
exaustos, com as gargantas ardendo. Mas as surpresas da noite não tinham
terminado.
Quando Harry puxou os lençóis da cama, encontrou a capa
da invisibilidade cuidadosamente dobrada sobre o forro. Tinha um bilhete
espetado nela: “Por via das dúvidas”.

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