quinta-feira, 3 de março de 2011

Os Delírios de Consumo de Becky Bloom - Capítulos 10 ao 12

DEZ

Na segunda-feira de manhã acordo cedo, me sentindo um pouco vazia por dentro. Meu
olho bate numa pilha de sacolas ainda fechadas no canto do meu quarto e depois,
rapidamente, desvia de novo. Sei que gastei dinheiro demais no sábado. Sei que não
deveria ter comprado dois pares de botas. Sei que não deveria ter comprado aquele
vestido roxo. Ao todo, gastei... Na verdade, não quero pensar em quanto gastei. Pense em
outra coisa rápido, digo a mim mesma. Outra coisa. Qualquer coisa serve.
Tenho consciência de que no fundo da minha mente, batendo lento como uma batida
de tambor, existem dois monstros: Culpa e Pânico.
Culpa Culpa Culpa Culpa.
Pânico Pânico Pânico Pânico.
Se eu deixar, eles tomam conta de mim. E, se isso acontecer, vou ficar completamente
paralisada de tristeza e medo. Por isso, o truque que aprendi é simplesmente não ouvir.
Desligo esta parte da minha mente – e então nada mais me preocupa. É simples
autodefesa. Minha mente é muito bem treinada para isso.
Outro truque meu é me distrair com diferentes pensamentos e atividades. Então eu
levanto de manhã, ligo o rádio, tomo um banho de chuveiro e me visto. Os golpes surdos
ainda estão no fundo da minha cabeça mas, devagarinho, devagarinho, vão se
enfraquecendo. Quando entro na cozinha e preparo uma xícara de café, quase já não os
ouço. Um alívio me inunda, como aquela sensação que se tem quando um analgésico
finalmente nos livra da dor de cabeça. Posso relaxar. Ficarei bem.
Na saída paro no hall de entrada para verificar minha aparência no espelho (Top>
River Island, Saia: French Connection, Meia-calça: Pretty Polly Velvets, Sapatos: Ravel)
e estico minha mão para pegar meu mantô (Mantô: liquidação da House of Fraser). Nesse
momento a correspondência cai pela porta, e eu me encaminho para pegar. Há uma carta
escrita a mão para Suze e um cartão-postal das Maldivas. E para mim, há dois envelopes
com janela de aparência ameaçadora. Um do VISA, outro do Endwich Bank.
Por um momento meu coração pára. Por que outra carta do banco? E VISA. O que eles
querem? Não podem simplesmente me deixar em paz?
Cuidadosamente coloco a correspondência de Suze na mesinha do hall de entrada e
enfio minhas duas cartas no meu bolso, dizendo a mim mesma que vou lê-las no caminho
para o trabalho. Uma vez que eu chegue no metrô, abrirei ambas e as lerei, por mais
desagradáveis que sejam.
Esta é realmente minha intenção. Honestamente. Quando estou andando pela calçada,
juro que minha intenção é ler as cartas.
Mas depois viro na rua seguinte e vejo uma caçamba do lado de fora da casa de
alguém. Uma grande caçamba amarela, já meio cheia de coisas. Os operários estão
entrando e saindo da casa, jogando na caçamba pedaços velhos de madeira e estofado.
Muito lixo, tudo misturado.
E uma idéia me surge à cabeça.
Meus passos diminuem quando me aproximo da caçamba e paro, olhando atenta para
ela como se estivesse interessada nas palavras gravadas nela. Espero ali, como coração
disparado, até os operários terem voltado para dentro da casa e ninguém estar olhando. E
então, num movimento rápido, pego as duas cartas no meu boldo e as jogo para dentro da
caçamba.
Foram-se.
Quando estou ali de pé, parada, um operário esbarra em mim ao passar com dois sacos
de emboço e os joga dentro da caçamba. Agora elas realmente se foram. Enterradas
debaixo de uma camada de emboço, sem nunca terem sido lidas. Ninguém jamais vai
encontrá-las.
Foram-se para sempre.
Rapidamente dou meia-volta e começo a andar novamente. Meus passos já estão mais
leves e eu me sinto flutuando.
Em pouco tempo já estou me sentindo totalmente inocente, livre da culpa. Claro, não é
culpa minha se eu nunca li as cartas, é? Não é culpa minha se eu nunca as recebi, é?
Enquanto caminho para a estação do metrô, honestamente, sinto-me como se essas cartas
jamais tivessem existido.
Quando chego no trabalho, ligo meu computador, clico eficientemente para um
documento novo e começo a digitar meu artigo sobre pensões. Talvez, se eu trabalhar
muito mesmo, me ocorre naquele instante, Philip me dê um aumento. Ficarei até tarde
todas as noites e vou impressioná-lo com minha dedicação ao trabalho e ele vai perceber
que estou consideravelmente desvalorizada. Talvez até me promova a editora associada
ou algo assim.
“Hoje em dia”, digito alegre, “nenhum de nós pode confiar no governo para cuidar da
nossa velhice. Portanto, o planejamento da aposentadoria deveria ser feito o mais cedo
possível, de preferência logo que se começa a receber um salário.”
- Bom dia, Clare – diz Philip entrando no escritório em seu sobretudo. – Bom dia,
Rebecca.
Hah! Agora está na hora de impressioná-lo.
- Bom dia, Philip – digo eu, num jeito amigável e ao mesmo tempo profissional.
Depois, em vez de recostar-me na cadeira e perguntar-lhe como foi seu fim de semana,
volto para meu computador e começo a digitar novamente. Na realidade, estou digitando
tão rápido que a tela está cheia de um monte de tipos parecendo borrões. Devo dizer que
não sou a melhor digitadora do mundo. Mas quem se importa? Pareço muito profissional,
isto é o que importa.
“A melkor ooçao é ferquantemente o esqema de sua compaamia ocupacionoa, ms se
sso não fr posivle, uma grde vareiedade de pensao peronanlas lans stá no mercdo deles,
indo de...” paro, pego um folheto e examino rapidamente, como se estivesse avaliando
alguma informação crucial.
- Foi bom o seu fim de semana, Rebecca? – diz Philip.
- Sim, obrigada – digo olhando por cima do folheto como que surpresa por ter sido
interrompida enquanto estou trabalhando.
- Estive por perto de sua casa no sábado – diz ele. – Na Fulham Street. A Fulham da
moda.
- Certo – digo meio distraída.
- É um lugar interessante para se estar, estes dias, não é? Minha mulher estava lendo
um artigo sobre isso. Cheio de garotas na moda, todas vivendo de renda.
- Suponho que sim – digo com um ar vago.
- É assim que teremos de chamá-la – diz ele, e dá uma pequena gargalhada. “A garota
da moda do escritório.”
Garota da moda? Do que ele está falando?
- Certo – digo e sorrio para ele. Afinal, ele é o chefe. Ele pode me chamar do que...
Ah, meu Deus, espera aí. Espera-aí. Philip não acha que sou rica, acha? Ele não acha
que tenho uma herança ou algo assim ridículo, acha?
- Rebecca – diz Clare, olhando para mim de seu telefone. – Tenho uma ligação para
você. Alguém chamado Tarquin.
Philip dá um pequeno sorriso, como que para dizer, “O que mais?” e dirige-se em
passos lentos para sua mesa. Olho para ele frustrada. Isto está tudo errado. Se Philip
pensa que tenho algum tipo de renda de família, nunca me dará um aumento.
Mas o que poderia ter dado a ele esta idéia?
- Becky – diz Clare me chamando e apontando para meu telefone tocando.
- Ah – digo. – Sim, tudo bem. – Pego o fone e digo “Olá. Aqui fala Rebecca Bloom”.
- Becky – surge a voz fina e inconfundível de Tarquin. Parece um pouco nervoso,
como se estivesse se preparando para este telefonema há séculos. Talvez estivesse. – É
tão bom ouvir sua voz. Sabe, tenho pensado muito em você.
- Verdade? – digo, procurando não cooperar nada. Quero dizer, sei que ele é primo de
Suze e tudo mais, mas sinceramente...
- Eu gostaria... eu gostaria muito de passar um pouco mais de tempo na sua companhia
– diz ele. – Posso levá-la para jantar?
Ah, Deus. Como devo responder a isto? É um pedido tão inofensivo. Quero dizer, não
é como se ele dissesse “Posso dormir com você?” Ou mesmo “Posso beijar você?” Se eu
disser “Não” para um jantar é o mesmo que dizer “Você é tão insuportável, que não
consigo nem mesmo partilhar uma mesa com você por duas horas”.
O que é bem próximo da verdade mas não posso dizer isso, posso? E Suze tem sido tão
doce comigo recentemente que se eu recusar seu querido Tarkie, sumariamente, ela vai
ficar realmente muito chateada.
- Suponho que sim – digo, ciente de que não estou parecendo encantada demais e
também sabendo que talvez devesse simplesmente abrir o jogo e dizer “Eu Não Gosto de
Você”. Mas, de algum modo, não posso fazer isto. Para ser sincera, é muito mais fácil
simplesmente ir jantar com ele. E depois, não pode ser tão ruim assim.
De qualquer modo, não preciso ir de verdade. Ligo no último minuto e cancelo. Fácil.
- Estou em Londres até domingo – diz Tarquin.
- Vamos no sábado à noite então! – digo alegre. – Logo antes de você ir embora.
- Às sete horas?
- Que tal oito? – sugiro.
- Está bem – diz ele. – Às oito horas. – E desliga, sem mencionar um lugar. Mas como
eu na verdade não vou encontrá-lo, isto não parece realmente importar. Coloco o fone no
gancho, dou um suspiro impaciente e começo a digitar novamente.
“A melhor opção para muitos é ouvir a opinião de um consultor financeiro
independente, que poderá orientá-lo nas suas necessidades específicas de pensão e
recomendar os planos adequados. Novo no mercado este ano é o...” – paro e pego um
folheto. Qualquer folheto velho. “Plano de Aposentadoria ‘Últimos Anos’ Sun
Assurance, que...”
- E então , aquele cara estava te convidando para sair? – pergunta Clare Edwards.
- Sim, na verdade, ele estava – respondo parecendo desinteressada. Sem querer, sinto
uma pequena sacudidela de prazer. Porque Clare não sabe como Tarquin é, sabe? Até
onde ela sabe, ele é incrivelmente bonito e inteligente. – Vamos sair no sábado à noite. –
Dou um sorriso indiferente e começo a digitar outra vez.
- Tá certo – diz ela passando um elástico em volta de uma pilha de cartas. – Sabe, outro
dia Luke Brandon estava me perguntando se você tinha namorado.
Por um instante não consigo me mexer. Luke Brandon quer saber se eu tenho
namorado?
- Verdade? – digo, procurando parecer normal. – Quando... quando foi isso?
- Ah, outro dia mesmo – diz ela. – Eu estava numa reunião na Brandon
Communications e ele me perguntou. Só casualmente. Você sabe como.
- E o que você disse?
- Eu disse que não – diz Clare e me dá um sorriso. – Você não gosta dele, não é?
- Claro que não – digo e reviro meus olhos.
Mas devo admitir, fico bem alegre quando volto para meu computador e começo a
digitar outra vez. Luke Brandon. Quero dizer, não que eu goste dele ou algo parecido mas
mesmo assim. Luke Brandon. – Este plano flexível – digito – oferece benefícios totais
com a morte e uma boa quantia na aposentadoria. Por exemplo, um homem normal, nos
seus trinta anos, que investiu 100 libras por mês...
Sabe o quê? Penso de repente, parando no meio da frase. Isto é chato. Posso fazer
melhor que isto.
Faço coisa melhor do que sentar aqui neste escritório imundo, digitando os detalhes
retirados de um folheto, procurando transformá-los em algum tipo de jornalismo com
credibilidade. Mereço fazer algo mais interessante do que isto. Ou mais bem pago. Ou
ambos.
Paro de digitar e descanso meu queixo nas minhas mãos. Está na hora de um novo
começo. Por que não faço o que Elly está fazendo? Não tenho medo de um pouco de
trabalho árduo, tenho? Por que não arrumo minha vida, procuro um head-hunter na City e
aterrisso num emprego que todos vão invejar? Terei um salário enorme e um carro da
empresa e usarei tailleur Karen Millen todos os dias. E nunca mais precisarei me
preocupar com dinheiro.
Me sinto em êxtase. É isto! Esta é a resposta para tudo. Eu serei uma...
- Clare? – digo casualmente. – Quem ganha mais na City?
- Não sei – diz Clare, franzindo a testa pensativa. – Talvez os corretores de mercado
futuro?
É isto, então. Serei uma corretora de mercado futuro. Fácil.
E é fácil. Tão fácil que, às dez horas da manhã seguinte, estou me aproximando nervosa
da porta de entrada da William Green, uma das grandes head-hunters da City. Quando
abro a porta, olho minha imagem no espelho e sinto um friozinho no estômago. Estou
realmente fazendo isto?
Pode crer que sim. Estou usando meu tailleur preto mais bonito, meias de seda e salto
alto, com um FT debaixo do braço, obviamente. E trouxe a pasta com a tranca de segredo
que minha mãe me deu num Natal e que nunca usei. Em parte porque ela é realmente
pesada e fácil de bater nas coisas e também porque esqueci a combinação da tranca,
portanto não posso abri-la. Mas faz um vistão. E é isto que importa.
Jill Foxton, a mulher que vou encontrar, foi muito simpática ao telefone quando eu lhe
contei sobre uma mudança de carreira e pareceu bastante impressionada com toda a
minha experiência. Eu rapidamente digitei meu currículo e enviei por e-mail para ela.
Tudo bem, eu enfeitei um pouco, mas é o que eles esperam, não é? É uma questão de
saber se valorizar. E funcionou, porque ela telefonou de volta uns dez minutos depois de
recebê-lo e perguntou se eu iria vê-la, pois achava que tinha algumas oportunidades
interessantes para mim.
Oportunidades interessantes para mim! Fiquei tão animada que quase não conseguia
ficar quieta. Fui direto falar com Philip e disse a ele que queria tirar folga no dia seguinte
para levar meu sobrinho ao zoológico e ele não desconfiou de nada. Ele vai ficar surpreso
quando descobrir que do dia para noite me transformei numa ambiciosa corretora de
mercado futuro.
- Olá – digo confiante para a mulher na recepção. – Estou aqui para falar com Jill
Foxton. É Rebecca Bloom.
- Da...
Ah, Deus. Não posso mencionar Successful Saving. Poderia chegar a Philip que estou
procurando um novo emprego.
- Da... de lugar nenhum, na verdade – digo e dou uma risadinha relaxada. – Só
Rebecca Bloom. Tenho uma entrevista às dez horas.
- Certo – diz ela e sorri. – Sente-se, por favor.
Pego minha pasta e me encaminho para as cadeiras pretas macias, tentando não
mostrar o quanto estou me sentindo nervosa. Sento e dou uma olhada curiosa nas revistas
na mesinha de centro (mas não há nada interessante, só coisas como The Economist).
Depois, encosto na cadeira e olho em volta. Este foyer é bem impressionante, devo
admitir. Há uma fonte no meio, escadas de vidro subindo em curva e, parecendo estar a
quilômetros de distância, vejo vários elevadores modernos. Não só um ou dois, mais uns
dez. Nossa. Este lugar deve ser imenso.
- Rebecca? – Uma garota loura vestindo um terninho de cor pálida de repente está na
minha frente. Terninho bonito, penso. Muito bonito.
- Olá – digo. – Jill!
- Não, sou Amy – ela sorri. – Assistente de Jill.
Puxa. É muito legal. Mandar sua assistente pegar seus visitantes, como se você fosse
muito importante e ocupada para fazer isso você mesma. Talvez eu também mande minha
assistente fazer isso quando eu for uma importante corretora de mercado futuro e Elly
vier almoçar comigo. Ou talvez terei um assistente homem – e nós nos apaixonaremos!
Deus, seria como um filme. A mulher importante e o bonito mas sensível...
- Rebecca? – Volto a mim e vejo Amy me olhando com curiosidade. – Está pronta?
- Claro! – digo contente e pego minha pasta. Enquanto andamos pelo chão polido,
secretamente corro meus olhos pelo terninho de Amy outra vez e vejo uma discreta
etiqueta “Empório Armani”. Quase não consigo acreditar. As assistentes usam Empório
Armani! Então o que a própria Jill vai estar usando? Couture Dior? Deus, eu já adoro este
lugar.
Vamos ao sexto andar e começamos a andar por intermináveis corredores acarpetados.
- Então você quer ser uma corretora de mercado futuro – diz Amy depois de um tempo.
- Sim – respondo. – Esta é a idéia.
- E você já conhece um pouco disso.
- Bem, você sabe... – Dou um sorriso modesto. – Já escrevi muito sobre a maior parte
da área de finanças, portanto sinto-me bem à vontade.
- É bom – diz Amy e me dá um sorriso. – Algumas pessoas aparecem sem nenhuma
idéia. E então Jill faz algumas perguntas padrão e... – Ela faz um gesto com a mão. Não
sei o que significa, mas não parece bom.
- Certo! – Forço-me a falar num tom tranqüilo. – Então... que tipo de perguntas?
- Ah, nada com que se preocupar! – diz Amy. – Ela provavelmente irá perguntar a
você... Ah, eu não sei. Alguma coisa como, “Como você negocia uma butterfly?” ou
“Qual a diferença entre um desembolso aberto e um OR? ou “Como você calcularia a
data de vencimento de um instrumento futuro?” Coisas realmente básicas.
- Certo – digo, e tomo fôlego. – Ótimo.
Algo dentro de mim está me dizendo para dar meia-volta e correr, mas nós já
chegamos numa porta de madeira clara.
- Aqui estamos – diz Amy sorrindo para mim. – Você gostaria de chá ou café?
- Café, por favor – digo, querendo dizer “Um gim forte, por favor”. Amy bate na porta,
abre e me faz entrar, dizendo: “Rebecca Bloom.”
- Rebecca! – diz uma mulher de cabelo escuro atrás da mesa e se levanta pra me
cumprimentar.
Para minha surpresa, Jill não está nem um pouco tão bem-vestida quanto Amy. Está
usando um tailleur azul com aparência um pouco matrona e sapatos quadrados sem
graça. Ainda assim, não faz mal, ela é a chefe. E seu escritório é bem incrível.
- É muito bom conhecê-la – diz ela, apontando para uma cadeira na frente de sua mesa.
– E deixe-me dizer logo, fiquei muito impressionada com seu currículo.
- Verdade? – digo, sentindo um alívio tomar conta de mim. Isto não pode ser mal, não
é? Muito impressionada. Talvez não importe se eu não souber as respostas a essas
perguntas.
- Em especial pelo conhecimento de línguas – acrescenta Jill. – Muito bom. Você
parece ser uma dessas raridades, uma cidadã do mundo.
- Bem, meu francês é na verdade só para conversação – digo modestamente. – Voici la
plume de ma tante, esse tipo de coisa!
Jill dá risada aprovando e eu respondo com um sorriso.
- Mas finlandês! – diz ela, dirigindo a mão para a xícara de café na sua mesa. – É
bastante incomum.
Continuo sorrindo e torço para mudar do tema de línguas. Para ser sincera, “fluente em
finlandês” entrou porque achei que “francês para conversação” parecia simples demais
sozinho. Afinal quem fala finlandês, pelo amor de Deus? Ninguém.
- E seu conhecimento sobre finanças – diz ela puxando meu currículo para si. – Você
parece ter coberto muitas áreas diferentes durante seus anos de jornalismo econômico. –
Ela me olha. – O que a atrai para os derivativos especificamente?
O quê? Do que ela está falando? Ah, sim. Derivativos. São futuros, não são?
- Bem – começo confiante, e sou interrompida quando Amy surge com uma xícara de
café.
- Obrigada – digo, e olho para Jill esperando que tenhamos mudado para algum outro
assunto. Mas ela ainda está aguardando minha resposta. – Acho que mercado futuro é o
futuro – digo séria. – Eles são uma área de grande desafio e eu acho... – O que eu acho?
Ah, Deus. Eu deveria jogar uma rápida referência aos Ors ou a datas de vencimento ou
algo assim? Acho que é melhor não. – Acredito que vou combinar bem com esse campo
específico – digo finalmente.
- Entendo – diz Jill Foxton, e recosta-se na sua cadeira. – Pergunto porque temos um
cargo no setor bancário que acho que também poderia servir para você. Não sei o que
você sentiria quanto a isso.
Um cargo no setor bancário? Ela está falando sério? Ela já achou um emprego para
mim? Não acredito!
- Bem, isso estaria bom para mim – digo, procurando não soar muito contente. – Quero
dizer, sentiria falta do mercado futuro, mas, por outro lado, o setor bancário também é
bom, não é?
Jill ri. Acho que ela pensa que estou brincando ou algo assim.
- O cliente é um banco estrangeiro de nível AAA, procurando um novo funcionário em
Londres para a sua divisão de financiamento de dívida.
- Certo – digo inteligentemente.
- Não sei se você tem familiaridade com os princípios das arbitragens casadas
européias?
- Total – digo confiante. – Escrevi um artigo sobre esse mesmo tema no ano passado.
Qual foi a palavra mesmo? Arbi-alguma coisa.
- Obviamente não estou tentando levá-la a uma decisão apressada – diz ela. – Mas se
quer uma mudança de carreira, eu diria que isto seria perfeito para você. Haverá uma
entrevista, claro, mas não posso imaginar qualquer problema nisso. – Ela sorri para mim.
– E poderemos negociar pra você um pacote bem atraente.
- É mesmo? – De repente não consigo respirar. Ela vai negociar um pacote atraente.
Para mim!
- Ah, sim – diz Jill. – Bem, você precisa entender que você é um pouco fora do
comum. – Ela me dá um sorriso confiante. – Você sabe, quando seu CV chegou ontem,
eu na verdade cheguei a gritar! Quero dizer, a coincidência!
- Claro – digo, sorrindo para ela. Deus, isto é fantástico. É uma droga de sonho se
tornando realidade. Vou ser uma executiva! Em um banco de nível AAA!
- Então – diz Jill casualmente. – Vamos conhecer seu novo empregador?
- O quê? – digo surpresa, e um pequeno sorriso abre em seu rosto.
- Eu não quis dizer até conhecer você, mas o diretor de recrutamento do Bank of
Helsinki está aqui para uma reunião com nosso diretor administrativo. Tenho certeza de
que ele vai adorá-la. Podemos ter tudo fechado até esta tarde!
- Excellente! – digo e me levanto. Hahaha! Vou ser uma executiva!
Só quando estamos no meio do corredor é que suas palavras começam a entrar na
minha cabeça. Bank of Helsinki.
Bank of Helsinki. Isto não significa... Claro que ela não acha...
- Mal posso esperar para ouvir vocês dois falando finlandês – diz Jill alegre, quando
começamos a subir uma escada. – É uma língua que não conheço nada.
Ah, meu Deus. Ah, meu Deus. Não.
- Mas minha dificuldade com línguas é enorme – ela acrescenta à vontade. – Não sou
talentosa nesse departamento. Não como você!
Lanço-lhe um pequeno sorriso e continuo andando, sem perder um passo. Mas meu
coração está batendo forte e quase não consigo respirar. Merda. O que vou fazer? Que
merda eu vou fazer?
Viramos num corredor e começo a andar calmamente. Estou indo muito bem. Desde
que só continuemos andando, estou bem.
- O finlandês foi uma língua difícil de aprender? – pergunta Jill.
- Não tanto – ouço-me dizer numa voz áspera. – Meu... meu pai é metade finlandês.
- Sim, eu achei que deveria ser algo assim – diz Jill. – Quero dizer, não é o tipo de
coisa que se aprende na escola, é? – E ela dá uma risada feliz.
Está tudo bem para ela, penso irada. Não é ela que está sendo levada para a morte. Ah,
Deus, isto é terrível. As pessoas ficam passando por nós e olhando para mim e sorrindo,
como se quisessem dizer “Então é ela que fala finlandês!”
Por que eu coloquei que era fluente em finlandês? Por quê?
- Tudo bem? – diz Jill. – Está nervosa?
- Ah, não! – digo logo e forço um sorriso no meu rosto. – Claro que não estou nervosa!
Talvez eu consiga dar um grito, penso de repente. Quero dizer, o cara não vai conduzir
toda a droga da entrevista em finlandês, vai? Ele só vai dizer “Olla” ou o que for, e eu
responderei “Olla” de volta, e depois antes que ele diga alguma coisa mais, vou logo
dizer “Sabe, meu finlandês técnico está um pouco enferrujado ultimamente. O senhor se
importaria se falássemos em inglês?” e ele dirá...
- Estamos quase lá – diz Jill, e sorri para mim.
- Bom – digo alegre e aperto minha mão suada mais forte em torno da alça da minha
pasta. Ah, Deus. Por favor me salve disto. Por favor...
- Aqui estamos! – diz ela, e pára à porta com a inscrição SALA DE REUNIÃO. Bate
duas vezes, depois empurra e abre. A sala está cheia de pessoas sentadas em torno de uma
mesa e todos se viram para olhar para mim.
- Jan Virtanen – diz ela. – Gostaria de apresentá-lo a Rebecca Bloom.
Um homem de barba se levanta de sua cadeira, me dirige um enorme sorriso e estende
sua mão.
- Neiti Bloom – diz ele alegre. – On oikein Hauska Tavata. Pitääkö paikkansa että
teillä on Jonkinlainen Yhteys Suomeen?
Olho para ele muda, sentindo meu rosto ficar rubro. Todos na sala estão aguardando
minha resposta.
- Eu... erm... erm... Aalo! – Levanto minha mão num amável aceno e abro um sorriso
para toda a sala.
Mas ninguém sorri de volta.
- Erm... eu preciso... – começo a me retirar. – Só ir para...
E eu me viro. E eu corro.


ONZE

Quando chego de volta no foyer, estou um pouco ofegante. O que não é de se espantar, já
que acabei de correr uma meia maratona ao longe de corredores intermináveis,
procurando sair deste lugar. Desço o ultimo lance de escadas (não podia arriscar os
elevadores caso da brigada finlandesa de repente aparecer) e paro para respirar. Estico
minha saia, transfiro minha pasta de uma mão suada para a outra e começo a andar
calmamente pelo foyer em direção à porta, como se eu tivesse saído de uma reunião
absolutamente comum, totalmente normal. Não olho para a direita nem para a esquerda.
Não penso no fato de que eu acabei de aniquilar qualquer chance que eu tinha de me
tornar uma alta executiva da City. Só consigo pensar em chegar àquela porta de vidro e
sair antes que alguém posa...
- Rebecca! – vem uma voz por trás de mim e eu gelo. Merda. Me pegaram.
- Aalô! – falo enquanto me viro. – Aal... Ah. Ol... Olá.
É Luke Brandon.
É Luke Brandon, em pé bem na minha frente, olhando para mim com aquele olhar
estranho que sempre parece ter.
- Este não é o tipo de lugar que eu esperaria encontrar você – diz ele. – Não está
buscando um emprego na City, está?
E por que eu não estaria? Ele não acha que sou suficientemente inteligente?
- Na verdade – digo com arrogância – estou pensando numa mudança de carreira.
Talvez trabalhar com o sistema financeiro internacional. Ou corretagem de mercado de
futuros.
- Verdade? – diz ele. – É uma pena.
Uma pena? O que ele quer dizer? Por que é uma pena? Quando olho para ele, seus
olhos escuros encontram os meus e sinto um pequeno tremor bem dentro de mim. Saídas
do nada, as palavras de Clare surgem na minha cabeça. Luke Brandon estava
perguntando se você tem namorado.
- O que... – limpo minha garganta. O que você está fazendo aqui, afinal?
- Ah, eu recruto pessoal daqui com muita freqüência – diz ele. – São muito eficientes.
Sem alma, mas eficientes. – Ele encolhe os ombros, depois olha para a minha pasta
lustrosa. – Eles já arranjaram alguma coisa para você?
- Eu... tenho várias opções abertas para mim – digo.- Estou só analisando meu próximo
passo.
Que para ser honesta, é passar direto pela porta.
- Compreendo – diz ele e pausa. – Você tirou o dia livre para vir aqui?
- Sim – digo. Claro que sim.
O que ele pensa? Que eu só escapei por duas horas e disse que estava numa entrevista
coletiva?
Na verdade não é uma má idéia. Eu poderia tentar isso da próxima vez.
- E então – o que vai fazer agora? – pergunta ele.
Não diga “nada”. Nunca diga “nada”.
- Bem, tenho umas coisinhas para fazer – digo. – Telefonemas para dar, pessoas para
ver. Esse tipo de coisa.
- Ah - diz ele acenando com a cabeça. – Sim. Bem. Não vou detê-la. – Ele olha em
torno do foyer. – E espero que tudo corra bem para você, quanto ao emprego.
- Obrigada – digo, dando a ele um sorriso profissional.
E depois ele se foi, distanciando-se em direção às portas, e eu fiquei segurando minha
pasta volumosa, um pouco desapontada. Espero até ele desaparecer, depois ando devagar
até às portas e saio para a rua. E então paro. Para dizer a verdade não estou bem certa do
que fazer agora. Eu meio que tinha planejado passar o dia ligando para todo mundo e
contando sobre meu fabuloso emprego novo de corretora de mercado de futuros. Mas em
vez disso... Bem, paciência. Não vamos pensar nisso.
Mas eu não posso ficar parada na calçada em frente da Willian Green o dia todo. As
pessoas vão começar a pensar que sou uma vitrinista ou algo assim. Então, começo a
caminhar pela rua, pensando que vou chegar no metrô a tempo e depois poderei decidir o
que fazer. Chego numa esquina e estou só esperando os carros pararem para atravessar,
quando um táxi para ao meu lado.
- Sei que é uma mulher muito ocupada, com muitas coisas para fazer – vem a voz de
Luke Brandon e minha cabeça levanta de repente de susto. Lá está ele, com a cabeça
inclinada pela janela do táxi, seus olhos escuros franzidos num pequeno sorriso. – Mas se
você tivesse uma meia hora de folga, não estaria interessada em fazer umas compras,
estaria?
Este é um dia surrealista. Completa e absolutamente surrealista.
Entro no táxi, coloco minha pasta volumosa no chão e lanço um olhar nervoso para
Luke quando sento. Já estou lastimando um pouco isto. E se ele me pergunta alguma
coisa sobre taxa de juros? E se quer falar sobre o Bundesbank ou as perspectivas de
crescimento do mercado americano? Mas tudo que ele diz é “Harrods, por favor”, para o
motorista.
Quando o táxi dá a partida, mal posso segurar um sorriso que surge no meu rosto. Isto
é tão legal. Eu pensei que teria que ir pra casa e ficar toda triste e sozinha e, em vez disso,
estou indo para Harrods e outra pessoa está pagando. Quero dizer, não existe nada mais
perfeito do que isto.
Enquanto estamos no carro, olho pela janela para as ruas movimentadas. Apesar de ser
março, há ainda alguns cartazes de LIQUIDAÇÃO nas vitrines das lojas, deixados desde
janeiro, e eu me vejo olhando para as vitrines, pensando se há alguma barganha que eu
possa ter perdido. Paramos do lado de fora de uma agência do Lloyds Bank. Olho
inocente pela janela, para a fila de pessoas lá dentro e me ouço dizer “Sabe o quê? Os
bancos deveriam ter liquidações em janeiro. Todos têm.”
Há um silêncio e quando olho vejo uma expressão de diversão no rosto de Luke.
- Os bancos? – diz ele.
- Por que não? – digo defensivamente. – Eles poderiam reduzir suas tarifas por um mês
ou coisa parecida. E o mesmo poderiam fazer as empresas construtoras. Grandes cartazes
nas janelas “Preços reduzidos”... – Penso por um momento. – Ou talvez devessem ter
saldos em abril, depois do fim do ano fiscal. Os bancos de investimento poderiam fazê-lo
também. “Uma seleção de fundos com 50% de desconto.
- Uma liquidação de cotas de fundo fiduciário – diz Luke Brandon devagar. –
Reduções em todas as tarifas.
- Exatamente – digo. – Todos ficam loucos por uma liquidação. Até as pessoas ricas.
O táxi se movimenta novamente e eu olho para uma mulher num belo mantô branco e
fico pensando onde o comprou. Talvez na Harrods. Talvez eu devesse comprar um mantô
branco também. Não vou usar nada além de branco todo o inverno. Um mantô branco
como a neve e um chapéu de pele branco. As pessoas começarão a chamar-me de a
Garota do Mantô Branco.
Quando volto minha atenção para dentro do carro novamente, Luke está escrevendo
algo num caderninho. Seu olhar encontra o meu por um momento, depois diz:
- Rebecca, você está falando sério em largar o jornalismo?
- Ah – digo vagamente. – Para ser sincera, tinha esquecido tudo sobre largar o
jornalismo. – Eu não sei. Talvez.
- E você realmente acha que trabalhar em banco poderia ser mais adequado a você?
- Quem sabe? – digo, me sentindo um pouco atordoada com seu tom de voz. Está bom
para ele. Não tem que se preocupar com sua carreira pois tem sua própria empresa
multimilionária. – Elly Granger está deixando o Investor’s Weekly News – acrescento. –
Ela está indo trabalhar na Wetherby’s como gerente de fundos.
- Ouvi falar – diz ele. – Mas você não é nada parecida com Elly Granger.
Verdade? Este comentário me intriga. Se não sou como Elly Granger, com quem
pareço afinal? Alguém realmente legal como Kristin Scott Thomas, talvez.
- Você tem imaginação – acrescenta Luke. – Ela não.
Uau! Agora estou realmente pasma. Luke Brandon acha que eu tenho imaginação?
Caramba. Isto é bom, não é? É um belo elogio realmente. Você tem imaginação. Mmm,
sim, eu gosto disso. A não ser...
Espera aí. Não é alguma maneira delicada de dizer que sou burra, é? Ou uma
mentirosa? Como “corretora criativa”. Talvez ele esteja tentando dizer que nenhum dos
meus artigos é preciso.
Ah, Deus, agora não sei se devo parecer satisfeita ou não.
Para esconder meu embaraço, olho para fora da janela. Paramos num sinal luminoso e
uma senhora muito grande, vestindo um jogging de veludo, está tentando atravessar a rua.
Ela tem nas mãos várias sacolas de compras e um cachorro pug, e fica se soltando de um
ou outro e precisando deixar um deles no chão. É tão frustrante que dá vontade de sair do
carro para ajudá-la. De repente, ela solta uma das sacolas e deixa-a cair no chão. A sacola
se abre quando cai e três embalagens enormes de sorvete saem dela e começam a rolar
pela rua.
Não ria, digo a mim mesma. Seja madura. Não ria. Eu aperto meus lábios um no outro,
mas não consigo evitar que um pequeno risinho escape.
Olho para Luke e seus lábios também estão apertados um no outro.
E então a mulher começa a caçar seu sorvete pela rua, segurando o cachorro, e é isso
aí. Não consigo parar de rir. E quando o pug alcança o sorvete antes da senhora e tenta
tirar a tampa com os dentes, acho que vou morrer de rir. Olho para Luke e não consigo
acreditar. Ele também está rindo sem parar, limpando as lágrimas dos olhos.
Deus, eu achei que Luke Brandon jamais risse.
- Meu Deus – consigo dizer finalmente. – Sei que não se deve rir das pessoas. Mas
quero dizer...
- Aquele cachorro! – Luke começa a rir de novo. – Aquele maldito cachorro!
- Aquela roupa! – Tenho um pequeno arrepio quando começamos a nos mover
novamente, passando pela mulher de rosa. Ela está se curvando por cima do sorvete, seu
traseiro enorme cor-de-rosa virado para cima. - Sinto muito, mas joggings de veludo rosa
deveriam ser banidos deste planeta.
- Concordo plenamente – diz Luke, acenando sério. – Joggings de veludo cor-de-rosa
estão proibidos de hoje em diante. Junto com as gravatas.
- E os suspensórios – digo sem pensar, e fico vermelha. Como eu pude mencionar
suspensórios na frente de Luke Brandon? – E pipoca doce – logo acrescento.
- Certo – diz Luke. – Então estamos banindo joggings cor-de-rosa, gravatas,
suspensórios, pipoca doce...
- E fregueses sem trocado – surge a voz do motorista do táxi vinda da frente.
- É justo – diz Luke, encolhendo os ombros. – Pessoas sem troco.
- E fregueses que vomitam. Esses são os piores.
- Está bem...
- E fregueses que não sabem para que raio de lugar estão indo.
Luke e eu trocamos olhares e começamos a rir novamente.
- E fregueses que não falam a maldita língua. Levam você à loucura.
- Certo – diz Luke. – Então... a maioria dos fregueses, na verdade.
- Não me entenda mal – diz o motorista. – Não tenho nada contra estrangeiros... – Ele
pára em frente à Harrods. – Aqui estamos. Vão fazer compras, não é?
- É sim – diz Luke, tirando sua carteira.
- E então, o que estão procurando?
Olho para Luke com ar de expectativa. Ele não me disse o que vamos comprar.
Roupas? Um novo creme pós-barba? Vou precisar ficar cheirando seu rosto? (Eu não me
importaria com isso, na verdade.) Móveis? Alguma coisa chata como uma mesa de
trabalho nova?
- Malas - diz ele, e entrega uma nota de 10 libras ao motorista. – Guarde o troco.
Malas! Malas, valises, malas de mão e coisas assim. Enquanto ando pela seção, vendo as
malas Louis Vuitton e malas de couro, estou bem horrorizada. Bastante chocada comigo.
Malas. Porque nunca pensei em malas antes?
Devo explicar. Há muitos anos, tenho meio que funcionado sob um ciclo de comprar
informal. Um pouco como um sistema de rotação de colheitas do fazendeiro. Exceto que,
em vez de trigo-milho-cevada-descanso, o meu é muito mais do tipo roupas-maquiagemsapatos-
roupas. (Eu geralmente não ligo para o descanso.) Comprar é na verdade muito
parecido com lavrar um campo. Não se pode continuar comprando a mesma coisa – é
preciso variar um pouco. Do contrário você se chateia e deixa de se divertir.
E eu pensei que a minha vida de compras era tão variada quando a de todo mundo.
Pensei que tinha coberto todas as áreas. Para ser sincera, eu estava bem blasé quanto a
isso. Mas olha o que estou perdendo esse tempo todo. Olha o que estou negando a mim
mesma. Sinto-me tremer um pouco quando percebo as oportunidades que tenho jogado
fora ao longo dos anos. Malas, malas de mão, caixas de chapéus com monograma... Com
as pernas fracas, entro num canto e sento num pedestal acarpetado, perto de uma
frasqueira de couro vermelha.
Como posso ter negligenciado as malas por tanto tempo? Como posso ter levado a vida
feliz, ignorando um setor inteiro de compras?
- E então, o que acha? – diz Luke, aproximando-se de mim. – Alguma coisa que valha
a pena comprar?
E agora, claro, sinto-me como uma fraude. Por que ele não escolheu comprar uma
camisa branca de boa qualidade, ou uma echarpe de cachmere? Ou até mesmo um creme
para as mãos? Eu poderia orientá-lo com autoridade e até citar os preços. Mas malas! Sou
uma iniciante em malas.
- Bem – digo, brincando para ganhar tempo. – Depende. Tudo parece ótimo.
- Parece, não é? – Ele segue meu olhar pela seção. – Mas qual você escolheria? Se
tivesse que comprar uma dessas malas, qual seria?
Não dá. Não posso blefar.
- Para ser sincera – digo -, este não é o meu campo de ação.
- O que não é? – diz ele, soando incrédulo. – Comprar?
- Malas – explico. – Não é uma área à qual eu tenha dedicado muito tempo. Eu deveria,
eu sei, mas...
- Bem... não importa – diz Luke, sua boca torcendo-se num sorriso. – Como uma leiga.
Qual você escolheria?
Bem, isto é diferente.
- Humm – digo, e me levando numa maneira profissional. – Bem, vamos olhar mais de
perto.
Deus, estamos nos divertindo. Nós alinhamos oito malas numa fila e demos a elas pontos
pela aparência, peso, qualidade do tecido, número de bolsos no interior e eficiência das
rodinhas. (eu texto isto desfilando pela seção, puxando a mala atrás de mim. A esta altura
o vendedor já desistiu e nos deixou fazendo isso.) Depois olhamos para ver se ela têm
uma mala de mão combinando e damos pontos também.
Os preços não parecem importar para Luke. O que é uma coisa danada de boa, pois
eles são absolutamente astronômicos e, à primeira vista, tão assustadores que me fazem
querer fugir. Mas é incrível como rapidamente 1.000 libras podem começar a parecer
uma soma bem razoável para uma mala, especialmente quando o baú Louis Vuitton com
monograma custa umas dez vezes isso. De fato, após um certo tempo, me vejo pensando
seriamente que eu também deveria investir numa mala de qualidade para substituir minha
maleta de lona velha e muito usada.
Mas hoje o dia é para as compras de Luke, não minhas. E, estranhamente, é quase mais
divertido escolher para outra pessoa do que para si mesmo. No fim, a escolha ficou entre
uma mala de couro verde-escura, com excelentes rodinhas, e uma mala de couro de boi
do mais pálido bege, que é um pouco mais pesada, mas o seu interior é forrado de um
tecido sedoso lindíssimo e é basicamente tão bonita que não consigo parar de olhar para
ela. Ela tem uma mala de mão combinando e uma frasqueira e elas também são lindas.
Deus, se fosse eu, ia...
Mas então, não sou eu quem vai decidir, certo É Luke quem está comprando a mala.
Ele é quem tem que escolher. Sentamos no chão, um ao lado do outro, e olhamos para
elas.
- A verde seria mais prática – diz Luke finalmente.
- Mmm – eu digo sem compromisso. – Suponho que sim.
- É mais leve, e as rodinhas são melhores.
- Mmm.
- E a pele provavelmente iria arranhar numa questão de minutos. O verde é uma cor
mais adequada.
- Mmm – digo, procurando parecer que concordo com ele.
Ele me dirige um olhar inquisitivo e diz:
- Certo. Bom, acho que fizemos nossa escola, você não acha? – E, ainda sentado no
chão, chama o vendedor.
- Sim, senhor? – diz o vendedor, e Luke acena para ele.
- Gostaria de comprar uma dessas malas bege-claras, por favor.
- Oba! – digo eu, e não consigo parar um sorriso de alegria que inunda meu rosto. –
Você está comprando a que eu mais gostei!
- Regra da vida – diz Luke, levantando –se e limpando as calças com as mãos. – Se eu
me dei ao trabalho de pedir a sugestão de alguém, então devia ouvi-la.
- Mas eu não disse qual...
- Não precisou – diz Luke, estendendo a mão para me levantar do chão. – Os seus
“Mmms” entregaram tudo.
Sua mão é surpreendentemente forte em torno da minha e quando ele me levanta, sinto
um friozinho no estômago. Ele tem um cheiro gostoso, também. Alguma loção pós-barba
que não reconheço. Por um momento, nenhum de nós dois diz nada.
- Certo – diz Luke finalmente. – Bem, acho que é melhor eu pagar por isso.
- Sim- digo, sentindo-me ridiculamente nervosa. – Imagino que sim.
Ele se afasta para o balcão de saída e começa a falar com o vendedor, e eu fico perto de
uma exposição de porta-ternos de couro, sentindo-me de repente um pouco estranha.
Quero dizer, a compra já acabou. O que vem depois?
Bem, apenas nos despediremos educadamente, não é? Luke deve precisar voltar para o
escritório. Ele não pode ficar por aí fazendo compras o dia todo. E se me perguntar o que
eu vou fazer depois, falo para mim mesma, realmente direi que estou ocupada. Vou fingir
que tenho alguma reunião importante marcada ou algo assim.
- Tudo resolvido – diz ele voltando. – Rebecca, estou incrivelmente grato por você ter
me ajudado.
- Ótimo! – digo feliz. – Bem, preciso ir...
- Por isso eu estava pensando – diz Luke, antes que eu continue. – Você que almoçar?
Este está se transformando no meu dia perfeito. Compras na Harrods e almoço no Harvey
Nichols. Quero dizer, o que poderia ser melhor do que isso? Vamos direto para o
restaurante do quinto andar. Luke pede uma garrafa de vinho branco gelado e levanta seu
copo para um brinde.
- À mala – e sorri.
- Mala – replico feliz e bebo um gole. Acho que é o vinho mais delicioso que já tomei.
Luke pega seu cardápio e começa a ler e eu pego o meu também mas, para ser sincera,
não estou lendo uma palavra. Estou só sentada, num torpor de felicidade, como uma
criança feliz. Estou olhando com prazer todas as mulheres bonitas entrando para almoçar
aqui, reparando nas suas roupas e imaginando onde aquela garota la comprou suas botas
cor-de-rosa. Agora, por alguma razão, estou pensando sobre aquele cartão gentil que
Luke me enviou. E estou imaginando se foi só gentil ou... ou se era algo mais.
A este pensamento, meu estômago gira tão forte que quase fico tonta, e rapidamente
tomo outro gole de vinho. Bem, um golão realmente. Depois tiro os óculos, conto até
cinco e digo casualmente.
- Obrigada por seu cartão, por sinal
- O quê? – diz ele me olhando. – Ah, não há de quê. – Ele pega seus óculos e toma um
gole de vinho. – Foi bom encontrar você naquela noite.
- É um lugar ótimo – digo.- Ótimo para andar pelas mesas e falar com as pessoas.
Logo que digo isto, sinto-me corar. Mas Luke apenas sorri e diz:
- É verdade. – Depois ele coloca os óculos na mesa e diz:
- Você sabe o que vai querer?
- Ahã... – digo olhando rápido para o cardápio. – Acho que vou comer... erm...
bolinhos de peixe. E salada de rúcula.
Droga. Acabei de ver lula. Eu devia ter pedido isso. Bem, agora é tarde demais.
- Boa escolha – diz Luke, sorrindo para mim. – E mais uma vez obrigada por me
acompanhar hoje. É sempre bom ter uma segunda opinião.
- Nenhum problema – digo suavemente e tomo um gole de vinho. – Espero que
aproveite bem a mala.
- Ah, não é para mim – diz ele após uma pausa. – É para Sacha.
- Ah, certo – digo amável. – Quem é Sacha? Sua irmã?
- Minha namorada – diz Luke, e vira-se para chamar um garçom.
E eu olho para ele sem conseguir me mover.
Sua namorada. Fiquei ajudando ele a escolher uma mala para sua namorada.
De repente não sinto mais fome. Não quero bolinhos de peixe nem salada de rúcula.
Nem mesmo quero estar aqui. Minha felicidade infantil está se desvanecendo e, por
dentro, me sinto fria e meio tola. Luke Brandon tem uma namorada. Claro que tem.
Alguma garota inteligente e bonita chamada Sacha, que tem unhas feitas e viaja para todo
lugar com malas claras. Sou uma boba, não sou? Eu deveria saber que havia uma Sacha
em algum lugar do cenário. Quero dizer, é óbvio.
Exceto... Exceto que não é tão óbvio assim. Na realidade, não é nada óbvio. Luke não
mencionou sua namorada a manhã toda. Por quê não? Por que ele não disse que a mala
era pra ela desde o início? Por que ele me deixou sentar no chão ao lado dele na Harrods
e rir enquanto eu andava pra cima e pra baixo testando as rodinhas? Eu não teria me
comportado assim se soubesse que estávamos comprando uma mala para sua namorada.
E ele devia saber disso. Devia saber.
Um sentimento frio toma conta de mim. Está tudo errado.
- Tudo bem? – diz Luke olhando de volta para mim.
- Não – ouço-me dizer. – Não, não está. Você não me disse que a mala era para sua
namorada. Nem me disse que tinha uma namorada.
Meu Deus. Agora já fiz. Não fui nada ponderada. Mas por alguma razão, nem me
importo.
- Entendo – diz Luke após uma pausa. Ele pega um pedaço de pão e começa a quebrálo
com os dedos, depois olha para mim. – Sacha e eu já estamos juntos há algum tempo –
diz gentil. – Sinto muito se eu dei... alguma impressão diferente.
Ele está agindo com ar de superioridade. Não posso agüentar isso.
- Não é este o problema – digo, sentindo meu rosto queimas de vermelho beterraba. –
É só... está tudo errado.
- Errado? – diz ele, parecendo encantado.
- Você devia ter me contado que estávamos escolhendo uma mala para sua namorada.
– esclareço obstinadamente olhando fixo para a mesa. – As coisas teriam sido...
diferentes.
Faz-se silêncio e eu levando meus olhos, para ver Luke me olhando como se eu
estivesse louca.
- Rebecca – diz ele. – você está levando isto muito a sério. Eu só queria sua opinião
sobre as malas. Fim da história.
- E você vai contar para sua namorada que pediu meu conselho?
- Claro que vou! – Eu acho que ela vai até se divertir com isso.
Olho para ele em silêncio, sentindo-me ficar mortificada. Minha garganta está apertada
e há uma dor crescendo no meu peito. Se divertir. Sacha vai se divertir quando ouvir
sobre mim.
Bem, claro que vai. Quem não ia se divertir ao ouvir sobre a garota que passou sua
manhã inteira andando para cima e para baixo na Harrods, escolhendo malas para outra
mulher? A garota que entendeu tudo errado. A garota que foi tão burra que pensou que
Luke Brandon poderia gostar dela de fato.
Engulo fundo, sentindo-me doente de humilhação. Pela primeira vez percebo como
Luke Brandon me vê. Como todos eles me vêem. Sou apenas uma comédia, não sou? Sou
a garota fútil que faz tudo errado e faz as pessoas rirem. A garota que não sabia da fusão
do SBG com o Rutland Bank. A garota que ninguém jamais pensaria em levar a sério.
Luke não se preocupou em me dizer eu estávamos escolhendo uma mala para sua
namorada porque eu não importo. Ele só estava pagando o almoço porque não tem nada
mais para fazer e provavelmente pensa que eu poderia fazer alguma coisa divertida como
deixar cair meu garfo, da qual ele possa rir quando voltar para o escritório.
- Sinto muito – digo numa voz trêmula e me levanto. – Não tenho tempo para almoçar
afinal.
- Rebecca, não seja boba! – diz Luke. – Olha, sinto muito se você não sabia sobre
minha namorada. – Ele levanta suas sombrancelhas num ar questionador e eu quero bater
nele. – Mas ainda podemos ser amigos, não podemos?
- Não – respondo com dificuldade, ciente de que minha voz está grossa e meus olhos
estão ardendo. – Não, não podemos. Amigos se tratam com respeito. Mas você não me
respeita, não é, Luke? Você só me vê como uma piada. Uma ninguém. Bem... – Engulo
em seco. – Bem, eu não sou.
E antes que ele consiga dizer alguma coisa mais, eu me viro, rapidamente, saio do
restaurante, um poço cega das lágrimas de decepção.

PG N I F irs t Ba nk V is a
7 Camel Square
Liverpool L1 5NP

Srta. Rebecca Bloom
Apto. 2
4 Burney Rd
Londres SW6 8FD
20 de março de 2000
Prezada Srta. Bloom,
PGNI First Bank Visa Cartão No. 1475839204847586
Agradecemos seu pagamento de 10 libras que recebemos hoje.
Creio que enfatizamos várias vezes que o pagamento mínimo exigido era de fato 105,40
libras.
O saldo vencido atualmente é, portanto, de 95,40 libras. Aguardo ansioso receber seu
pagamento logo que possível.
Se não recebermos a quantia satisfatória dentro de sete dias, precisamos adotar uma outra
medida.
Atenciosamente
Peter Johson
Direto de Conta de Clientes

BANK OF LONDON
London House
Mill Street EC3R 4DW
Srta. Rebecca Bloom
Apto. 2
4 Burney Rd
Londres SW6 8FD
20 de março de 2000
Prezada Srta. Bloom,
Pense nisso…
Que diferença um empréstimo pessoal faria em sua vida?
Um carro novo, talvez. Melhorias na casa. Um barco para os finais de semana. Ou,
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Atenciosamente
Sue Skepper
Diretora de Marketing
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mais fácil.

DOZE

Quando chego em casa naquela tarde, sinto-me cansada e infeliz. De repente, empregos
nível AAA em bancos e a Harrods com Luke Brandon parecem estar a quilômetros de
distância. A vida real não é divertir-se em volta de Knightsbridge num táxi e escolher
malas de 1.000 libras, é? Esta é a vida real. Em casa, num apartamentinho que ainda
cheira a curry, uma pilha de cartas desagradáveis do banco e nenhuma idéia do que fazer
sobre isso tudo.
Introduzo a chave da fechadura e, quando abro a porta, ouço Suze gritar:
- Bex? É você?
- Sim! – respondo procurando soar alegre. – Onde você está?
- Aqui – diz ela, aparecendo à porta do meu quarto. Seu rosto está todo rosado e há um
brilho em seus olhos. – Adivinhe o quê! Tenho uma surpresa para você!
- O que é? – pergunto, pondo a pasta no chão. Para ser sincera, não estou no clima para
uma das surpresas de Suze. Ela mudou minha cama de lugar ou algo assim. E tudo o que
quero é me sentar, tomar uma xícara de chá e comer alguma coisa. Acabei não
almoçando.
- Venha ver. Não... não, feche os olhos primeiro. Vou levar você.
- Está bem – digo, relutante. Fecho meus olhos e deixo que ela me leve pela mão.
Andamos pelo corredor e claro, quando nos aproximamos da porta do meu quarto, sem
querer começo a sentir um pouquinho de ansiedade. Sempre gosto desse tipo de coisa.
- Dadaaa! Pode olhar agora!
Abro os olhos e dou uma examinada pelo quarto, tentando descobrir que coisa maluca
Suze teria feito agora. Pelo menos não pintou as paredes nem mudou as cortinas e meu
computador está em segurança, desligado. Então que diabos ela pode ter...
E então eu as vejo. Na minha cama. Pilhas e pilhas de molduras forradas. Tudo feito
com perfeição, sem nenhum canto torto, e a fita bem colada no lugar. Não consigo
acreditar no que vejo. Deve haver pelo menos...
- Fiz cem – diz Suze atrás de mim. – E vou fazer o resto amanhã! Não estão fabulosas?
Viro e olho para ela incrédula.
- Você... você fez tudo isso?
- Sim! – diz ela orgulhosa. – Foi fácil, uma vez que entrei no ritmo. Fiz enquanto
assistia ao programa Morning Coffee. Ah, eu queria que você visse. Eles passaram uma
reportagem sobre homens que se vestem com roupas de mulheres! Havia um cara...
- Espera – digo, tentando organizar minha cabeça. – Espera. Suze, não estou
entendendo. Você deve ter levado séculos fazendo isto. – Meu olho corre pela pilha de
molduras outra vez. – Por que... por que você...
- Bem, você não estava chegando longe com eles, estava? – diz Suze gentilmente. – Eu
só pensei que podia dar uma mão.
- Uma mão? – repito num eco fraco.
- Farei o resto amanhã e depois telefonarei para o pessoal da entrega – diz Suze. –
Você sabe, é um sistema muito bom. Você não precisa colocar no correio ou nada do
gênero. Eles vêm e as recolhem! E depois mandam um cheque para você. Deve dar umas
284 libras. Bem bom, hein?
- Espera aí. – Me viro para ela. – O que quer dizer com isso de me mandarem um
cheque? – Suze olha para mim como se eu fosse burra.
- Bem, Bex, elas são suas molduras.
- Mas você as fez! Suze, você deveria receber o dinheiro!
- Mas eu as fiz para você! – diz Suze, e olha para mim. – Eu as fiz para que você
pudesse ganhar suas trezentas libras!
Olho para ela silenciosa, sentindo de repente um nó na garganta. Suze fez todas essas
molduras para mim. Lentamente, sento na cama, pego uma das molduras e corro meu
dedo pelo pano. Está absolutamente perfeita. Poderia ser vendida na Liberty’s.
- Suze, é seu dinheiro. Não meu – digo, por fim. É seu projeto agora.
- Bem, é aí que você se engana – diz Suze, e um olhar triunfante se espalha por seu
semblante. – Tenho meu próprio projeto.
Ela se aproxima da cama, alcança atrás da pilha de molduras feitas e tira alguma coisa.
É uma moldura de fotografia mas não se parece em nada com o estilo Molduras Finas. É
forrada com tecido de peles cor de prata, tem a palavra ANJO aplicada em rosa na parte
superior e há pequenos pompons prateados nos cantos. É a moldura mais legal e kitsch
que já vi.
- Gosta? – questiona ela, um pouco nervosa.
- Adoro! – digo, tirando-o de suas mãos e olhando mais de perto para ela. – Onde a
comprou?
- Não comprei em lugar nenhum – diz ela. – Eu a fiz.
- O quê? – Olho para ela. – Você... fez isto?
- Sim. Durante o seriado Neighbours. Foi horrível, na verdade. Beth descobriu sobre
Joey e Skye.
Estou completamente boquiaberta. Como Suze de repente passa a ser tão talentosa?
- Então o que acha? – diz ela, pegando a moldura de volta e girando-a com de seus
dedos. – Você acha que eu poderia vendê-las?
Se ela poderia vendê-las?
- Suze – digo bem séria. – Você vai ficar milionária.
Passamos o resto da noite bebendo muito e planejando a carreira de Suze como mulher
de negócios do estilo Anita Roddick. Ficamos bastante histéricas procurando decidir se
ela deve usar Chanel ou Prada quando for apresentada à rainha e, quando deitei na cama,
já tinha esquecido de Luke Brandon, do banco de Helsinque e do resto do meu dia
desastroso.
Mas na manhã seguinte, tudo voltou para mim como um filme de terror. Acordo me
sentindo pálida e trêmula e querendo desesperadamente conseguir uma licença por
doença. Não quero ir trabalhar. Quero ficar em casa debaixo das cobertas, assistindo aos
programas da tarde na televisão e sendo a empresária de uma milionária como Suze.
Mas é a semana mais ocupada do mês, e Philip nunca acreditará que estou doente.
Assim, de algum modo me arrasto para fora da cama, visto umas roupas e vou para o
metrô. No Lucio’s compro um cappuccino e um muffin, e um brownie de chocolate. Não
me importa se vou ficar gorda. Só preciso de açúcar, cafeína e chocolate, o mais que
puder.
Felizmente não está tão cheio e ninguém está falando muito, portanto não preciso me
preocupar em dizer a todo mundo no escritório o que fiz ontem no meu dia de folga.
Clare está digitando alguma coisa e há uma pilha de páginas de provas na minha mesa
esperando para eu revisar. E então, depois de verificar meus e-mails – nenhum -, eu
desmorono miseravelmente na minha cadeira, pego a primeira e começo a ler.
“Equilibrar os riscos e recompensas do investimento no mercado de ações pode ser um
negócio perigoso, especialmente para o investidor novato.”
Ah, Deus, como isto é chato.
“Enquanto os lucros podem ser altos em certos setores do mercado, nada é garantido e
para o investidor de pouco tempo...”
- Rebecca? – Olho e vejo Philip aproximando-se de minha mesa, segurando um pedaço
de papel. Ele não parece muito feliz, e por um terrível instante penso que ele falou com
Jill Foxton da William Green e descobriu tudo, e está me dando meus 45 centavos. Mas
quando se aproxima mais, vejo que é só algum release sem graça.
- Quero que vá no meu lugar – diz ele. – É na sexta-feira. Eu iria mas vou estar preso
aqui como marketing.
- Ah – digo sem entusiasmo, e pego a folha de papel. – Está bem. O que é?
- Feira de Finanças Pessoais em Olympia – diz ele. – Sempre a cobrimos.
Bocejo. Bocejo bocejo bocejo...
- A Barclays estará oferecendo um almoço com champanhe – acrescenta.
- Ah, sim! – digo, mas interessada. – Bem, está bem. Parece bom. O que é
exatamente...
Olho para o papel e meu coração pára quando vejo o logotipo da Brandon
Communications no alto da página.
- É basicamente só uma grande feira – diz Philip. – Todos os setores de fianças
pessoais. Palestras, estandes, eventos. Cubra só o que parecer interessante. Deixo isto a
seu critério.
- Está bem – digo após uma pausa. – Ótimo.
Isto é, o que me importa se Luke Brandon pode estar lá? Vou simplesmente ignorá-lo.
Vou mostrar a ele tanto respeito quando ele mostrou por mim. E se tentar falar comigo,
vou levantar meu queixo firme ao ar, dar meia-volta e...
- Como estão indo as páginas? – diz Philip.
- Ah, muito bem – digo eu e pego a de cima de novo. – Devo acabar logo. – Ele faz um
pequeno aceno com a cabeça e se afasta, e eu começo a ler novamente.
“... para o pequeno investidor, os riscos vinculados a essas ações podem superar o
potencial de lucro”.
Ah, Deus, isto é maçante. Eu nem consigo me concentrar no significado das palavras.
“Portanto cada vez mais investidores estão exigindo a combinação de desempenho do
mercado de ações com um alto nível de segurança. Uma opção é investir num fundo
especializado, que automaticamente acompanha as 100 maiores empresas do momento,
continuamente...”
Hum. Na verdade, isto me faz pensar. Pego minha agenda, abro e ligo para o novo
número direto de Elly na Wetherby’s.
- Eleanor Granger – ouço sua voz, soando um pouco distante e com eco. Deve ser uma
linha defeituosa.
- Oi Elly, é Becky – digo. – Ouça, o que aconteceu com as barras de chocolate
Tracker? Elas são realmente deliciosas, não são? E eu não como uma há...
Há um tipo de som arranhado na linha, e eu olho para o fone surpresa. À distância,
posso ouvir Elly dizendo “Desculpe. Estarei...”
- Becky! – sussurra ela no fone. – Eu estava no viva voz! Nosso chefe de departamento
estava no meu escritório.
- Ah, Deus! – digo, horrorizada. – Desculpe! Ele ainda está aí?
- Não – diz Elly e suspira. – Deus sabe o que pensa de mim agora.
- Ah, bem – digo, segura. – Ele tem senso de humor, não tem?
Elly não responde.
- Ah, bem – digo novamente, com menos certeza. – De qualquer modo, você está livre
para um drinque na hora do almoço?
- Não exatamente – diz ela. – Desculpe, Becky, eu realmente preciso desligar. – E põe
o fone no gancho.
Ninguém gosta mais de mim. De repente sinto-me um pouco fria e tremendo, e me
encolho mais ainda na cadeira. Ah, Deus, odeio o dia de hoje. Odeio tudo. Quero ir para
caaasa.
Quando chega sexta-feira, devo dizer, que me sinto muito mais alegre. Isto basicamente
porque:
1. É sexta-feira.
2. Estou passando o dia todo longe do escritório.
3. Elly telefonou ontem e pediu desculpas por ter sido tão rude, mas alguém mais
entrou no escritório justo quando estávamos falando. E ela vai estar na Feira de
Finanças Pessoais.
E mais...
4. Tirei completamente o incidente Luke Brandon da minha cabeça. Quem se importa
com ele, afinal?
E então, quando fico pronta para sair, sinto-me viva e positiva. Visto meu novo cardigã
cinza sobre uma saia preta curta e minhas botas novas Hobbs – camurça cinza escuro – e,
diga-se de passagem, estou linda nelas. Deus, adoro roupas novas. Se todo mundo
pudesse só usar roupas novas, todos os dias, acho que depressão deixaria de existir.
Quando estou quase saindo, uma pilha de cartas chega na minha caixa de correio.
Muitas delas parecem contas, e uma é mais uma carta do Endwich Bank. Mas tenho uma
nova solução inteligente para essas cartas desagradáveis: simplesmente as coloco dentro
da gaveta da minha cômoda e fecho. É o único jeito de não ficar estressada com isso. E
realmente funciona. Quando fecho a gaveta e saio pela porta da frente, já esqueci delas.
A entrevista já está em andamento quando chego lá. Quando dou meu nome ao assessor
de imprensa, na recepção, recebo uma sacola de cortesia grande e brilhante com o
logotipo do HSBC do lado. Dentro, encontro um release com uma foto de todos os
organizadores da entrevista levantando copos de champanhe uns para os outros como se
estivessem brindando (ah é, como se nós realmente fôssemos usar isso na revista), um
tíquete para dois drinques no estande da Pimm’s da Sun Alliance, um bilhete de rifa para
ganhar 1.000 libras (investidas em cotas de fundo fiduciário de minha escolha), um
grande pirulito anunciando a Eastgate Insurance e um crachá com meu nome escrito e a
palavra IMPRENSA em cima. Há também um envelope branco com a entrada para a
recepção de champanhe da Barclays, e eu ponho isso cuidadosamente na minha bolsa.
Depois prendo meu crachá bem à vista na minha lapela e começo a andar pela arena.
Normalmente, claro, a regra é jogar fora seu crachá logo que se recebe. Mas a
vantagem de ser IMPRENSA num evento como este é a farta distribuição de material
grátis. A maioria é só folheto antigo e chato sobre planos de poupança, mas alguns dão
presentes e lanchinhos de graça também. Assim, depois de uma hora, já ganhei duas
canetas, uma faca para cortar papel, uma minicaixa de chocolates Ferrero Rocher, um
balão de hélium escrito Sabe & Prosper do lado e uma camiseta com um desenho na
frente, patrocinada por alguma empresa de telefone celular. Além disso, ganhei dois
cappuccinos, um pain au chocolat, uns salgadinhos (da Somerset Savings), um
minipacote de Starties e meu Pimm’s da Sun Alliance. (Ainda não escrevi uma palavra
no meu caderno, ou fiz uma única pergunta, mas não importa. Sempre posso copiar
alguma coisa do release.)
Já vi que algumas pessoas estão carregando uns reloginhos de mesa de prata bem
legais e eu não me importaria de ganhar um, portanto, estou andando por aí, tentando
descobrir quem é que está distribuindo, quando uma voz diz:
- Becky!
Olho e vejo Elly! Ela está de pé no estande da Wetherby’s, com dois caras de terno,
acenando para que eu me aproxime.
- Oi! – digo feliz. – Como vai você?
- Bem! – diz ela e sorri para mim. – Realmente estou indo bem. - E ela parece ótima,
devo confessar. Está usando um tailleur vermelho vivo (Karen Millen sem dúvida) e
sapatos de bico quadrado muito bonitos, e o cabelo está preso atrás. A única coisa de que
não gosto são os brincos. Por que de repente ela está usando brincos de pérola? Talvez
seja só para combinar com o estilo dos outros.
- Deus, não posso acreditar que você é de fato um deles! – digo, abaixando um pouco a
voz. – Daqui a pouco vou entrevistar você! – Inclino minha cabeça com um ar sério como
Martin Bashir, no Panorama. – “Sra. Davis, poderia me dizer os objetivos e os princípios
da Wetherby’s?”
Elly dá uma pequena risada depois apanha algo dentro de uma caixa ao seu lado.
- Vou dar a você isto – diz ela e me dá um folheto.
- Ah, obrigada – digo ironicamente e enfio o folheto dentro da minha bolsa. Eu
suponho que ela precise fazer este teatro na frente de seus colegas.
- Na verdade é bem agradável trabalhar na Wetherby’s – continua Elly. – Você sabe
que estamos lançando uma série inteiramente nova de fundos no mês que vem? Acho que
são cinco ao todo. Crescimento do Reino Unido, Perspectivas do Reino Unido,
Crescimento Europeu, Perspectivas Européias e...
Por que exatamente ela está me dizendo isto?
- Elly...
- E Crescimento dos Estados Unidos! – termina ela triunfante. Não há um pingo de
humor nos seus olhos.
- Certo – digo depois de uma pausa. – Bem, isto parece... fabuloso!
- Eu poderia arranjar de nosso pessoal de RP lhe telefonar, se desejar – diz ela. – Para
você ter um pouco mais de informações.
O quê?
- Não – digo logo. – Não, está bem. Então, erm... o que você vai fazer depois? Quer
sair para um drinque?
- Não vou poder – diz ela desculpando-se. – Vou ver um apartamento.
- Vai se mudar? – pergunto, surpresa. Elly mora no apartamento mais charmoso de
Camden com dois caras que estão numa banda e conseguem para ela milhares de shows
de graça e coisa assim. Não posso entender por que ela quereria se mudar.
- Na verdade, estou comprando – diz ela. – Estou procurando em Streatham, Tooting...
Só quero escalar os degraus da vida.
- Certo – digo com uma voz fraca. – Boa idéia.
- Você devia fazer o mesmo, sabe Becky – diz ela. – Não pode ficar num apartamento
de estudante para sempre. A vida real precisa começar um dia! – Ela olha para um dos
seus colegas de terno e ele dá uma risadinha.
Não é um apartamento de estudante, penso indignada. E de qualquer modo, quem
define “vida real”? Quem diz que “vida real” é um apartamento melhor e horríveis
brincos de pérola? Isto está mais para “vida chata entediante de merda”.
- Você vai à recepção de champanhe da Barclays? – pergunto, como um último
suspiro, achando que talvez possamos ir e beber juntas, nos divertirmos. Mas ela faz uma
leve careta e balança a cabeça.
- Talvez eu dê um pulo – diz ela. – Mas, eu vou estar muito ocupada aqui.
- Tudo bem – digo. – Bem, eu... vejo você mais tarde.
Me afasto do estande e começo a andar lentamente em direção ao canto onde a
recepção está acontecendo, sentindo-me um pouco desanimada. Sem querer, uma parte de
mim começa a pensar que talvez Elly esteja certa e eu errada. Talvez eu devesse estar
pensando em coisas do tipo mudar para um apartamento melhor e fundos de crescimento,
também. Ah, Deus, talvez haja alguma coisa errada comigo. Estou perdendo o gene que
faz você crescer e comprar um apartamento em Streatham e começar a visitar shoppings
de decoração todo fim de semana. Todos estão indo em frente sem mim, para um mundo
que não compreendo.
Mas, quando chego perto da entrada da recepção, sinto meu moral levantar. Qual o
moral que não levanta à idéia de champanhe de graça? Está acontecendo numa tenda
enorme, com um grande cartaz. Há um conjunto tocando música e uma garota enrolada
numa faixa na entrada, distribuindo chaveiros Barclays. Quando ela vê meu crachá, abre
um amplo sorriso, me entrega uma pasta para imprensa em papel branco lustroso e diz:
- Espera um momento. – Depois, vai até um pequeno grupo de pessoas, murmura no
ouvido de um homem de terno e volta. – Alguém estará logo com você – diz ela. –
Enquanto isso, vou pegar uma taça de champanhe para você.
Entende o que quero dizer sobre ser IMPRENSA? Em todo lugar que você vai, recebe
tratamento especial. Aceito uma taça de champanhe, empurro a pasta branca para a
imprensa para dentro da minha sacola e tomo um gole. Ah, é delicioso. Geladinha, seca e
borbulhante. Talvez eu fique aqui por umas duas horas, eu acho, só bebendo champanhe
até não ter mais ninguém. Eles são ousarão me mandar embora, sou IMPENSA. Na
verdade, talvez eu...
- Rebecca. Que bom que você pôde vir.
Olho e sinto-me gelar. O homem vestindo o terno era Luke Brandon. Luke Brandon
está de pé na minha frente, olhando direto para mim, com uma expressão que não consigo
decifrar muito bem. E de repente me sinto mal. Tudo o que planejei sobre fingir ser fria e
distante não vai funcionar porque só de ver seu rosto fico quente de humilhação, tudo de
novo.
- Oi – murmuro olhando para baixo. Por que estou até dizendo Oi para ele?
- Eu esperava que você viesse – diz ele numa voz baixa e séria. – Eu queria muito...
- Sim – interrompo. – Bem, eu... não posso conversar, preciso circular. Estou aqui para
trabalhar, você sabe.
Estou procurando parecer digna, mas há uma hesitação em minha voz, e posso sentir
meu rosto enrubescendo enquanto ele me olha. Por isso, me viro antes que ele possa dizer
qualquer outra coisa e me afasto na direção do outro lado da tenda. Não sei exatamente
para onde estou indo mas preciso continuar andando até descobrir alguém com quem
falar.
O problema é que não reconheço ninguém. Só vejo grupos de pessoas, do tipo que
trabalha em banco, rindo alto juntos e falando sobre golfe. São todos altos, de ombros
largos, e eu nem consigo cruzar um olhar com nenhum deles. Deus, isto é embaraçoso.
Sinto-me como uma criança de seis anos numa festa de adultos. No canto vejo Moira
Channing, do Daily Herald, e ela me dá um meio-sorriso de reconhecimento mas
certamente não vou falar com ela. Tudo bem, só continue andando, digo a mim mesma.
Finja que está indo para algum lugar. Não entre em pânico.
E então vejo Luke Brandon do outro lado da tenda. Ele levanta a cabeça quando me vê
e começa a vir na minha direção. Ah, Deus, rápido. Rápido. Preciso descobrir alguém
com quem falar.
Certo, que tal este casal em pé? O cara é de meia-idade, a mulher bem mais nova, e
eles também não parecem conhecer muitas pessoas. Graças a Deus. Sejam quem forem,
só vou perguntá-los se estão gostando da Feira de Finanças Pessoais e se estão achando
útil, e fingir que estou tomando nota para meu artigo. E quando Luke Brandon chegar,
estarei envolta demais na conversa até para percebê-lo. Tudo bem, vá.
Tomo um gole de champanhe, me aproximo do homem e abro um sorriso radiante.
- Como vai – digo. – Rebecca Bloom, Successful Saving.
- Muito prazer – diz ele, virando-se para mim, e estende a mão. – Derek Smeath do
Endwich Bank. E esta é minha assistente, Erica.
Ai, meu Deus.
Não consigo falar. Não consigo apertar sua mão. Não consigo correr. Meu corpo todo
está paralisado.
- Como vai – diz Erica com sorriso amável. – Sou Erica Parnell.
- Sim – digo após uma extensa pausa. – Sim, olá.
Por favor não reconheça meu nome. Por favor não reconheça meu nome.
- Então você é jornalista? – diz ela olhando meu crachá e franzindo a testa. – Seu nome
parece bastante familiar.
- Sim – consigo dizer. – Sim, você... talvez tenha lido alguns dos meus artigos.
- Espero que sim – diz ela e, despreocupada, toma um gole de champanhe. – Nós
recebemos todas as revistas financeiras no escritório. Muito boas, algumas delas.
Pouco a pouco o sangue volta a circular pelo meu corpo. Vai ficar tudo bem, digo a
mim mesma. Eles não têm a menor idéia de quem sou.
- Vocês jornalistas precisam ser especialistas em tudo, parece – diz Derek, que desistiu
de tentar apertar minha mão e em vez disso está bebendo seu champanhe.
- Sim, é verdade – replico e arrisco um sorriso. – Ficamos conhecendo todas as áreas
de finanças pessoais, de negócios bancários a cotas de fundo fiduciário e seguro de vida.
- E como vocês adquirem todo esse conhecimento?
- Ah, simplesmente aprendemos ao longo do caminho – digo suavemente.
Sabe do que mais? Isto está bem divertido, agora que estou relaxada. Vocês não sabem
quem eu sou! Sinto vontade de cantar. Vocês não sabem quem eu sou! E Derek Smeath
não é nada ameaçador em carne e osso. Na realidade, é um pouco aconchegante e amável,
como um bom tio de seriado de TV.
- Muitas vezes pensei – diz Erica Parnell – que eles deviam fazer um documentário
instrutivo sobre um banco. – Ela me dá um olhar de expectativa e eu aceno com vigor.
- Boa idéia! – digo. – Acho que seria fascinante.
- Você devia ver alguns dos personagens com que temos de lidar! Pessoas que não têm
absolutamente nenhuma idéia sobre suas finanças. Não é, Derek?
- Você ficaria pasma – diz Derek. – Absolutamente estupefata. A que ponto as pessoas
chegam só para evitar pagarem suas contas garantidas! Ou até mesmo falar conosco!
- Verdade? – digo, como se estivesse surpresa.
- Não acreditaria! – diz Erica. – Às vezes penso...
- Rebecca! – Uma voz explode atrás de mim e viro chocada para ver Philip segurando
uma taça de champanhe e sorrindo para mim. O que ele está fazendo aqui?
- Ah, ótimo! – digo, e tomo um gole de champanhe. – Este é Derek e Erica... este é
meu editor, Philip Page.
- Endwich Bank, hein? – diz Philip olhando para o crachá de Derek Smeath. – Então
você deve conhecer Martin Gollinger.
- Nós não somos do escritório central, lamento – diz Derek, dando um pequeno risinho.
– Sou o gerente da filial de Fulham.
- Fulham! – diz Philip. – Fulham da moda.
E de repente um sininho de aviso toca na minha cabeça. Dong-dong-dong! Preciso
fazer alguma coisa. Preciso dizer alguma coisa, mudar o assunto. Mas é tarde demais.
Sou um espectador na montanha, observando os trens colidirem no vale abaixo.
- Rebecca mora em Fulham – Philip está dizendo. – Qual é seu banco, Rebecca?
Provavelmente você é um dos clientes do Derek! – Ele ri alto de sua própria piada, e
Derek ri educadamente também.
Mas eu não consigo rir. Estou congelada no meu lugar observando a expressão de
Erica Parnell mudar. À medida que a percepção surge lentamente. Ela encontra meu
olhar, e sinto um frio subir pela minha espinha.
- Rebecca Bloom – diz ela, numa voz bem diferente. – Eu achei que conhecia esse
nome. Você mora na Burney Road, Rebecca?
- Muito bem! – diz Philip. – Como soube disso? – E toma outro gole de champanhe.
Cale-se, Philip, penso ansiosamente. Cale-se.
- Afinal, mora ou não mora? – Sua voz é doce mas fria. Ai, meu Deus, agora Philip
está me olhando, aguardando minha resposta.
- Sim – digo, numa voz estrangulada, consciente de que meu rosto está em brasa.
- Derek, você percebeu quem ela é? – diz Erica num tom de prazer. – Esta é Rebecca
Bloom, uma de nossas clientes. Acho que você falou com ela outro dia. Lembra-se? –
Sua voz endurece. – Aquela do cachorro morto?
Faz-se silêncio. Eu não ouso olhar para o rosto de Derek Smeath. Não ouso olhar para
nada exceto o chão.
- Mas que coincidência! – diz Philip. – Alguém quer mais champanhe?
- Rebecca Bloom – diz Derek Smeath. E seu rosto fica branco. – Não acredito.
- Sim! – digo, tomando o pouco que resta de meu champanhe. – Hahaha! É uma cidade
pequena. Bem, preciso ir andando e entrevistar alguns outros...
- Espere! – diz Erica, sua voz soando como um punhal. – Estávamos querendo ter uma
pequena reunião com você, Rebecca. Não é mesmo, Derek?
- Claro que sim – confirma Derek Smeath. Olho para ele, encontro seu olhar e sinto um
repentino pingo de medo. Este homem não parece mais um tio simpático de seriado de
TV. Ele é como um assustador inspetor de provas que acabou de pegar você colando. –
Isto é – acrescenta ele, severamente –, presumindo que suas pernas estejam ambas
intactas e que você não esteja sofrendo de nenhuma alergia terrível?
- O que é isto? – diz Philip num tom alegre.
- Como vai a perna, por falar nisso? – diz Erica docemente.
- Bem – murmuro. – Bem, obrigada. – Sua sacana imbecil.
- Bom – diz Derek Smeath. – Então, digamos segunda-feira às 9:30, está bem? – Ele
olha para Philip. - Não vai se importar se Rebecca for nos encontrar para uma reunião
rápida na segunda-feira de manhã, não é?
- Claro que não! – diz Philip.
- E se ela não aparecer – diz Derek Smeath – saberemos onde acha-la, não é? – Ele me
dirige um olha lancinante, e sinto meu estômago contrair de medo.
- Rebecca vai aparecer! – diz Philip. – E se ela não for, vai ter problema! – Ele dá um
sorriso brincalhão, levanta sua taça e se afasta. Meu Deus, penso em pânico. Não me
deixe sozinha com eles.
- Bem, aguardo ansioso encontrar você – diz Derek Smeath. Faz uma pausa e me dá
um olhar lacrimejante. – E se me lembro bem de nossa conversa ao telefone, no outro dia,
até lá já estará recebendo uma certa quantia em dinheiro.
Merda. Pensei que ele tinha esquecido aquilo.
- Isto mesmo – digo após uma pausa. – Claro. O dinheiro de minha tia. Bem lembrado!
Minha tia me deixou algum dinheiro recentemente – explico a Erica Parnell.
Erica Parnell não parece impressionada.
- Bem – diz Derek Smeath. – Então espero você na segunda-feira.
- Certo – confirmo e sorrio para ele mais confiante ainda. – Já estou ansiosa!

O C T A G O N

Talento... estilo... vis o

Departamento de Serviços Financeiros
Oitavo andar
Tower House
London Road
Winchester SO44 3DR
Srta. Rebecca Bloom Número do Cartão 7854 4567
Apto. 2
4 Burney Rd
Londres SW6 8FD
20 de março de 2000
Prezada Srta. Bloom
ÚLTIMO AVISO
Em acréscimo à minha correspondência de 3 de março, há ainda um importante saldo de
245, 57 libras no seu Cartão Octagon. Caso o pagamento não seja efetuado dentro dos
próximos sete dias, sua conta será bloqueada e uma ação posterior será adotada.
Fiquei feliz por saber que encontrou o Senhor e aceitou Jesus Cristo como seu salvador,
infelizmente, isto não influi no problema.
Aguardo ansioso o recebimento de seu pagamento em breve.
Atenciosamente
Grant Ellesmore
Gerente de Finanças de Clientes

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