segunda-feira, 20 de junho de 2011

Harry Potter e a Câmara Secreta, Capítulos 1 ao 5

HARRY POTTER E A CÂMARA SECRETA
J. K. ROWLING

CAPÍTULO UM
O Pior Aniversário

Não era a primeira vez que irrompia uma discussão à mesa do café da manhã na Rua dos Alfeneiros número 4. O Sr. Válter Dursley fora acordado nas primeiras horas da manhã por um pio alto que vinha do quarto do seu sobrinho Harry.
— É a terceira vez esta semana! — berrou ele à mesa. — Se você não consegue controlar essa coruja, teremos que mandá-la embora!
Harry tentou explicar, mais uma vez.
— Ela está chateada. Está acostumada a voar ao ar livre. Se eu ao menos pudesse soltá-la à noite...
— Eu tenho cara de idiota? — rosnou tio Válter, um pedaço de ovo pendurado na bigodeira. — Eu sei o que vai acontecer se você soltar essa coruja.
Ele trocou olhares assustados com sua mulher, Petúnia.
Harry tentou argumentar, mas suas palavras foram abafadas por um alto e prolongado arroto dado pelo filho de Dursley, Duda.
— Quero mais bacon.
— Tem mais na frigideira, fofinho — disse tia Petúnia, voltando os olhos úmidos para o filho maciço. — Precisamos alimentá-lo bem enquanto temos oportunidade... Não gosto do jeito daquela comida da escola...
— Bobagem, Petúnia, nunca passei fome quando estive em Smeltings — disse tio Válter animado. — Duda come bastante, não come filho?
Duda, que era tão gordo que a bunda sobrava para os lados da cadeira da cozinha, sorriu e virou-se para Harry.
— Passe a frigideira.
— Você esqueceu a palavra mágica — disse Harry irritado. 
O efeito desta simples frase no resto da família foi inacreditável.
Duda ofegou e caiu da cadeira com um baque que sacudiu a cozinha inteira; a Sra. Dursley soltou um gritinho e levou as mãos à boca; o Sr. Dursley levantou-se com um salto, as veias latejando nas têmporas.
— Eu quis dizer "por favor"! — explicou Harry depressa.
— Não quis dizer...
— QUE FOI QUE JÁ LHE DISSE — trovejou o tio, borrifando saliva pela mesa. — COM RELAÇÃO A DIZER ESSA PALAVRA COM "M" NA NOSSA CASA?
— Mas eu...
— COMO SE ATREVE A AMEAÇAR DUDA! — berrou tio Válter, dando um soco na mesa.
— Eu só...
— EU O AVISEI! NÃO VOU TOLERAR A MENÇÃO DA SUA ANORMALIDADE DEBAIXO DO MEU TETO!
Harry olhava do rosto purpúreo do tio para o rosto pálido da tia, que tentava pôr Duda de pé.
— Está bem — disse Harry —, está bem...
O tio Válter se sentou, respirando como um rinoceronte sem fôlego e observando Harry com atenção pelos cantos dos olhinhos penetrantes.
Desde que Harry voltara para passar as férias de verão em casa, tio Válter o tratava como uma bomba que fosse explodir a qualquer momento, porque Harry Potter não era um menino normal. Aliás, ele era tão anormal quanto era possível ser.
Harry Potter era um bruxo — um bruxo que acabara de terminar o primeiro ano na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. E se os Dursley se sentiam infelizes de tê-lo ali nas férias, isso não era nada comparado ao que Harry sentia.
Sentia tanta falta de Hogwarts que era como se tivesse uma dor de barriga permanente.
Sentia falta do castelo, com seus fantasmas e suas passagens secretas, das aulas (exceto talvez a de Snape, o professor de Poções), do correio trazido pelas corujas, dos banquetes no Salão Principal, de dormir em uma cama de baldaquino no dormitório da torre, das visitas ao guarda-caças, Hagrid, em sua cabana na orla da Floresta Proibida nos terrenos da escola, e, principalmente, do Quadribol, o esporte mais popular no mundo dos bruxos (seis postes altos pata delimitar o gol, quatro bolas voadoras e catorze jogadores montados em vassouras).
Todos os livros de feitiços, a varinha, as vestes, o caldeirão e a vassoura Nimbus 2000, último tipo, pertencentes à Harry tinham sido trancados no armário debaixo da escada pelo tio Válter no instante em que o sobrinho pisara em casa. Que importava aos Dursley se Harry perdesse o lugar no time de Quadribol da Casa porque não praticara o verão inteiro? O que significava para os Dursley que Harry voltasse para a escola sem os deveres de casa feitos? Os Dursley eram o que bruxos chamavam de trouxas (sem um pingo de sangue mágico nas veias) e na opinião deles ter um bruxo na família era uma questão da mais profunda vergonha. Tio Válter havia até passado o cadeado na gaiola da coruja de Harry Edwiges, para impedi-la de levar mensagens para alguém no mundo dos bruxos.
Harry não se parecia nada com o resto da família. Tio Válter era corpulento e sem pescoço, com uma enorme bigodeira preta; a tia Petúnia tinha uma cara de cavalo e era ossuda; Duda era louro, rosado e lembrava um porquinho. Já o Harry era pequeno e magricela, com olhos verdes vivos e cabelos muito pretos que estavam sempre despenteados. Usava óculos redondos e, na testa, tinha uma cicatriz fina em forma de raio.
Era esta cicatriz que tornava Harry tão diferente, mesmo para um bruxo. A cicatriz era o único vestígio do seu passado muito misterioso, da razão por que fora deixado no batente dos Dursley, onze anos antes.
Com a idade de um ano, Harry por alguma razão sobrevivera aos feitiços do maior bruxo das trevas de todos os tempos, Lord Voldemort, cujo nome a maioria dos bruxos e bruxas ainda tinha medo de pronunciar. Os pais de Harry morreram ao serem atacados por Voldemort, mas o garoto escapara com a cicatriz em forma de raio e por alguma razão — ninguém entendia muito bem — os poderes de Voldemort tinham sido destruídos na hora em que não conseguira matá-lo.
Assim, Harry fora criado pela irmã e o cunhado de sua falecida mãe. Passara dez anos com os Dursley, sem nunca compreender por que fazia coisas estranhas acontecerem o tempo todo sem querer, acreditando na história dos Dursley de que sua cicatriz resultara do acidente de automóvel que matara seus pais.
Então, há exatamente um ano, Hogwarts escrevera a Harry, e a história toda fora revelada. O garoto ocupara sua vaga na escola de bruxaria, onde ele e sua cicatriz eram famosos... Mas agora o ano letivo terminara, e ele voltara à casa dos Dursley para passar o verão, voltara a ser tratado como um cachorro que andara se esfregando em alguma coisa fedorenta.
Os Dursley nem sequer se lembraram que hoje, por acaso, era o décimo segundo aniversário de Harry. Naturalmente ele não alimentava grandes esperanças; seus parentes jamais tinham lhe dado um presente de verdade, muito menos um bolo — mas esquecê-lo completamente...
Naquele momento, o tio Válter pigarreou cheio de pose e disse:
— Hoje, como todos sabemos, é um dia muito importante.
Harry ergueu os olhos, mal se atrevendo a acreditar. 
— Hoje talvez venha a ser o dia em que vou fechar o maior negócio de minha carreira.
Harry tornou a se concentrar em sua torrada. Naturalmente, pensou com amargura, tio Válter estava falando daquele jantar idiota. Não falava de outra coisa havia duas semanas. Um construtor rico e sua mulher vinham jantar e tio Válter tinha esperanças de receber um grande pedido (a companhia de tio Válter fabricava brocas).
— Acho que devemos repassar o programa mais uma vez — disse ele. — Precisamos todos estar em posição às oito horas.
— Petúnia, você vai estar...?
— Na sala de visitas — disse tia Petúnia sem pestanejar — esperando para dar as boas vindas como manda a etiqueta.
— Ótimo, ótimo. E o Duda?
— Vou esperar para abrir a porta. — Duda deu um sorriso desagradável e hipócrita. — "Posso guardar os seus casacos, Sr. e Sra. Mason?”
— Eles vão adorá-lo! — exclamou tia Petúnia arrebatada.
— Excelente Duda — disse tio Válter. Em seguida dirigiu-se zangado a Harry. — E você?
— Vou ficar no meu quarto, sem fazer barulho, fingindo que não estou em casa — disse Harry monotonamente.
— Exatamente — disse tio Válter, sarcástico. — Eu levo o casal para a sala de visitas, apresento você, Petúnia, e sirvo os drinques. Às oito e quinze...
— Eu anuncio o jantar — disse tia Petúnia.
— E Duda, você vai dizer...
— Posso acompanhá-la à sala de jantar, Sra. Mason? — disse Duda oferecendo o braço gordo a uma mulher invisível.
— Meu perfeito cavalheirinho! — fungou tia Petúnia.
— E você? — perguntou tio Válter malevolamente a Harry.
— Vou estar no meu quarto, sem fazer nenhum barulho, fingindo que não estou em casa — respondeu Harry sem emoção.
— Precisamente. Agora vamos procurar fazer uns elogios realmente bons ao jantar. Petúnia, alguma sugestão?
— Válter me contou que o senhor é um excelente jogador de golfe, Sr. Mason... Onde foi que a senhora comprou o seu vestido, me conte, por favor Sra.
Mason...
— Perfeito... Duda?
— Que tal... Tivemos que fazer uma redação na escola sobre o nosso herói, Sr.
Mason, e eu escrevi sobre o senhor.
Essa foi demais tanto para Petúnia quanto para Harry. Tia Petúnia debulhou-se em lágrimas e abraçou o filho, e Harry mergulhou embaixo da mesa para que não o vissem rindo.
— E você, seu moleque?
Harry fez força para manter a cara séria enquanto se endireitava.
— Vou estar no meu quarto, sem fazer nenhum barulho, fingindo que não estou em casa.
— E pode ter certeza que vai — disse tio Válter com vigor.
— Os Mason não sabem que você existe e vão continuar sem saber. Quando terminar o jantar, você leva a Sra. Mason de volta à sala de visitas para o cafezinho, Petúnia, e eu vou puxar o assunto das brocas. Com alguma sorte, o contrato vai estar assinado e selado antes do noticiário das dez. Amanhã a estas horas vamos estar procurando uma casa de férias em Majorca para comprar.
Harry não conseguiu se animar muito com a idéia. Não achava que os Dursley fossem gostar mais dele em Majorca do que gostavam na Rua dos Alfeneiros.
— Tudo certo, estou indo à cidade apanhar os smokings para mim e Duda. E você — rosnou ele para Harry —, trate de ficar fora do caminho de sua tia enquanto ela está limpando a casa.
Harry saiu pela porta dos fundos. Fazia um dia claro e ensolarado. Ele atravessou o jardim, se largou em cima de um banco e cantou baixinho:
— Parabéns para mim... Parabéns para mim...
Nada de cartões, nada de presentes e ia passar a noite fingindo que não existia. Ele contemplou infeliz, a sebe do jardim. Nunca se sentira tão solitário.
Mais do que qualquer outra coisa em Hogwarts, mais até que do jogo de Quadribol, Harry sentia falta dos seus melhores amigos, Rony Weasley e Hermione Granger. Mas parecia que os amigos não estavam sentindo falta dele. Nenhum dos dois lhe escrevera o verão inteiro, embora Rony tivesse dito que o convidaria para passar uns dias em sua casa.
Inúmeras vezes, Harry estivera a ponto de usar a magia para destrancar a gaiola de Edwiges e mandá-la a Rony e Mione com uma carta, mas não valia o risco.
Bruxos menores de idade não podiam usar a magia fora da escola. Harry não contara isso aos Dursley; sabia que era apenas o terror que sentiam de que ele os transformasse em besouros bosteiros que os impedira de trancá-lo no armário embaixo da escada com a varinha e a vassoura. Mas, nas primeiras semanas de sua volta, Harry se divertira em murmurar palavras sem sentido, baixinho e em observar Duda sair correndo da sala o mais depressa que suas pernas gordas podiam agüentá-lo. Mas o longo silêncio de Rony e Mione fizera com que Harry se sentisse tão desligado do mundo da magia que até atormentar Duda tinha perdido a graça — e agora os dois amigos tinham se esquecido do seu aniversário.
O que ele não daria agora para receber uma mensagem de Hogwarts? De algum bruxo ou bruxa? Conseguiria até se alegrar com a visão do seu arquiinimigo, Draco Malfoy, só para ter certeza de que tudo não passara de um sonho...
Não que o ano todo em Hogwarts tivesse sido uma brincadeira. No finzinho do último trimestre, Harry se vira frente a frente com Lord Voldemort em pessoa. O bruxo poderia ser astuto, ainda estava decidido a retomar o poder. Harry escorregara por entre as garras de Voldemort uma segunda vez, mas fora por um triz, e mesmo agora, semanas depois, Harry continuava a acordar à noite, encharcado de suor frio, imaginando onde estaria Voldemort neste momento, lembrando-se do seu rosto lívido, dos seus olhos arregalados e delirantes...
Harry endireitou-se de repente no banco do jardim. Estivera olhando distraidamente para a sebe — e a sebe estava olhando para ele.
Dois enormes olhos verdes tinham aparecido entre as folhas.
O garoto levantou-se de um salto no mesmo instante em que uma voz debochada atravessou o gramado.
— Eu sei que dia é hoje — cantarolou Duda, andando feito um pato em sua direção.
Os olhos enormes piscaram e desapareceram.
— Quê? — disse Harry sem despregar os olhos do lugar onde os tinha visto.
— Eu sei que dia é hoje — repetiu Duda, aproximando-se.
— Muito bem — disse Harry. — Até que enfim você aprendeu os dias da semana.
— Hoje é o seu aniversário — caçoou Duda. — Como é que você não recebeu nenhum cartão? Será que você não tem amigos nem naquele lugar esquisito?
— E melhor não deixar sua mãe ouvir você falando da minha escola — disse Harry com toda a calma.
Duda puxou para cima as calças que estavam escorregando pelo seu traseiro gordo.
— Por que é que você estava olhando para a sebe? — perguntou, desconfiado.
— Estou tentando decidir qual seria o melhor feitiço para tocar fogo nela — respondeu Harry.
Duda recuou aos tropeços na mesma hora, com uma expressão de pânico no rosto.
— Você não p-pode, papai disse que você não pode fazer mágicas, disse que expulsa você de casa, e você não tem para onde ir, você não tem nenhum amigo que possa ficar com você...
Jigueri pokueri — disse Harry com ferocidade. — Ohocus pocus eskuigli wigli...
— MÃããããe! — berrou Duda, tropeçando nos próprios pés enquanto disparava para dentro de casa. — Mããããe! Ele está fazendo aquilo que você sabe!
Harry pagou muito caro por aquele momento de prazer. Como nem Duda nem a cerca tinham sido molestados, tia Petúnia viu que ele não tinha feito mágica alguma, mas ainda assim ele precisou se encolher quando a tia tentou acertar sua cabeça com uma pesada frigideira cheia de sabão. Em seguida ela lhe deu trabalho para fazer, com a promessa de que ele não iria comer nada até terminar.
Enquanto Duda ficou por ali apreciando e se enchendo de sorvete, Harry lavou as janelas, lavou o carro, aparou o gramado, limpou os canteiros, podou e regou as roseiras e repintou o banco do jardim. O sol escaldava lá no alto, queimando sua nuca.
Harry sabia que não devia ter mordido a isca de Duda, mas o primo dissera exatamente aquilo que ele andara pensando com os seus botões... Talvez não tivesse amigos em Hogwarts...
Gostaria que eles pudessem ver o famoso Harry Potter agora, pensou com selvageria enquanto espalhava estrume nos canteiros, com as costas doendo e o suor escorrendo pelo rosto.
Eram sete e meia da noite quando finalmente, exausto, ele ouviu tia Petúnia chamá-lo.
— Venha já aqui! E ande em cima dos jornais!
Harry transferiu-se com prazer para a sombra da cozinha reluzente. Em cima da geladeira estava o pudim do jantar: uma montanha de creme batido e violetas cristalizadas. Um lombo de porco assado chiava no forno.
— Coma depressa! Os Mason não vão demorar a chegar! — disse com rispidez tia Petúnia, apontando para as duas fatias de pão e um pedaço de queijo em cima da mesa da cozinha. Ela já pusera o vestido de noite salmão.
Harry lavou as mãos e engoliu seu jantar miserável. No instante em que terminou, a tia retirou seu prato.
— Já para cima! Depressa!
Ao passar pela porta da sala de visitas, Harry vislumbrou o tio e Duda de gravata borboleta e smoking. Mal acabara de chegar ao patamar do primeiro andar quando a campainha tocou, e a cara furiosa do tio Válter apareceu ao pé da escada.
— Lembre-se, seu moleque, nem um pio...
Harry foi para o seu quarto na ponta dos pés, se esgueirou para dentro, fechou a porta e se virou para cair na cama.
O problema foi que já havia alguém sentado nela.














CAPÍTULO DOIS
O Aviso de Dobby

Harry conseguiu não gritar, mas foi por pouco. A criaturinha em sua cama tinha orelhas grandes como as de um morcego e olhos esbugalhados e verdes do tamanho de bolas de tênis. Harry percebeu na mesma hora que era aquilo que o andara observando na sebe do jardim àquela manhã.
Enquanto se entreolhavam, Harry ouviu a voz de Duda no hall.
— Posso guardar os seus casacos, Sr. e Sra. Mason?
A criatura escorregou da cama e fez uma reverencia tão exagerada que seu nariz, comprido e fino, encostou no tapete.
Harry reparou que ela vestia uma coisa parecida com uma fronha velha, com fendas para enfiar as pernas e os braços.
— Ah... Alô — cumprimentou Harry nervoso.
— Harry Potter! — exclamou a criatura com uma voz esganiçada que Harry teve certeza de que seria ouvida no andar de baixo. — Há tanto tempo que Dobby quer conhecê-lo, meu senhor... É uma grande honra...
— Ob-obrigado — respondeu Harry, andando encostado à parede para se largar na cadeira da escrivaninha, perto de Edwiges, que dormia em sua gaiola espaçosa. Teve vontade de perguntar "Que coisa é você?", mas achou que poderia parecer muito mal-educado, e em vez disso perguntou: — Quem e você?
— Dobby, meu senhor. Apenas Dobby. Dobby o elfo doméstico — disse a criatura.
— Ah... É mesmo? Ah... Não quero ser grosseiro nem nada, mas... A hora não é muito própria para ter um elfo doméstico no meu quarto.
Ouviu-se a risada aguda e falsa de tia Petúnia na sala. O elfo baixou a cabeça.
— Não que eu não esteja contente de conhecê-lo — acrescentou Harry depressa —, mas, ah, tem alguma razão especial para você estar aqui?
— Ah, claro, meu senhor — disse Dobby muito sério. — Dobby veio dizer ao senhor, meu senhor... É difícil, meu senhor.. Dobby fica se perguntando por onde começar...
— Sente-se — disse Harry gentilmente, apontando para a cama.
Para seu horror, o elfo caiu no choro — um choro muito alto.
— S-sen-te-se! — chorou. — Nunca... Nunca na vida...
Harry pensou ter ouvido as vozes no andar de baixo hesitarem.
— Me desculpe — sussurrou. — Não quis ofendê-lo nem nada...
— Ofender Dobby! — engasgou-se o elfo. — Dobby nunca foi convidado a se sentar por um bruxo... Como um igual.
Harry, tentando ao mesmo tempo fazer o elfo se calar e dar a impressão de consolá-lo, levou Dobby de volta à cama, onde o elfo se sentou entre soluços, parecendo uma boneca enorme e muito feia. Por fim ele conseguiu se controlar e se sentou, os grandes olhos fixos em Harry com uma expressão de aquosa admiração.
— Vai ver você nunca encontrou muitos bruxos decentes — disse Harry para animá-lo.
Dobby sacudiu a cabeça. Depois, sem aviso, saltou da cama e começou a bater a cabeça, furiosamente na janela, gritando "Dobby mau! Dobby mau!”
— Não... Que é que está fazendo? — Harry sibilou, levantando-se depressa para puxar Dobby de volta para a cama. Edwiges acordara com um pio particularmente alto e batia as asas assustada contra as grades da gaiola.
— Dobby teve que se castigar, meu senhor — disse o elfo, que ficara ligeiramente vesgo. — Dobby quase falou mal da própria família, meu senhor..
— Sua família?
— A família de bruxos a que Dobby serve, meu senhor... Dobby é um elfo doméstico, obrigado a servir a uma casa e a uma família para sempre...
— E eles sabem que você está aqui? — perguntou Harry curioso.
Dobby estremeceu.
— Ah, não senhor, não... Dobby terá que se castigar com a maior severidade por ter vindo vê-lo, meu senhor. Dobby terá que prender as orelhas na porta do forno por causa disto. Se eles vierem, a saber, meu senhor...
— Mas eles não vão reparar se você prender as orelhas na porta do forno?
— Dobby duvida meu senhor. Dobby está sempre tendo que se castigar por alguma coisa, meu senhor. Eles nem ligam para Dobby, meu senhor. Às vezes me lembram de cumprir uns castigos a mais...
— Por que você não vai embora? Foge?
— Um elfo doméstico tem que ser libertado, meu senhor. E a família nunca vai libertar Dobby... Dobby vai servir à família até morrer, meu senhor...
Harry ficou olhando.
— E eu achei que era ruim continuar aqui mais quatro semanas. Isto faz os Dursley parecerem quase humanos. E ninguém pode ajudá-lo? Eu não posso?
Quase imediatamente Harry desejou não ter falado. Dobby desmanchou-se outra vez em guinchos de gratidão.
— Por favor — Harry sussurrou nervoso —, por favor, fique quieto. Se os Dursley ouvirem alguma coisa, se souberem que você esta aqui...
— Harry Potter pergunta se pode ajudar Dobby... Dobby ouviu falar de sua grandeza, senhor, mas de sua bondade Dobby nunca soube...
Harry, que estava sentindo o rosto ficar decididamente quente, disse:
— Seja o que for que você ouviu sobre a minha grandeza é tudo bobagem. Não sou sequer o primeiro da minha série em Hogwarts; Hermione, sim, ela...
Mas se calou depressa, porque pensar em Mione doía.
— Harry Potter é humilde e modesto — disse Dobby, reverente, as órbitas dos olhos brilhando. — Harry Potter não fala de sua vitória sobre Ele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado...
— Voldemort?
Dobby cobriu as orelhas com as mãos e gemeu.
— Não fale o nome dele, senhor! Não fale o nome dele!
— Desculpe — disse Harry depressa. — Sei que muita gente não gosta de falar. Meu amigo Rony...
E calou-se outra vez. Pensar em Rony também doía.
Dobby curvou-se em direção a Harry, seus olhos redondos parecendo fatais.
— Dobby ouviu falar — comentou com voz rouca — que Harry Potter encontrou o Lord das Trevas pela segunda vez, faz pouco tempo... Que Harry Potter escapou novamente.
Harry confirmou com a cabeça e os olhos de Dobby, de repente, brilharam de lágrimas.
— Ah, meu senhor — exclamou, secando o rosto com a ponta da fronha suja que usava. — Harry Potter é valente e audacioso! Já enfrentou tantos perigos! Mas Dobby veio proteger Harry Potter, alertá-lo, mesmo que ele tenha que prender as orelhas na porta do forno depois... Harry Potter não deve voltar à Hogwarts.
Fez-se um silêncio interrompido apenas pelo tinido dos talheres lá embaixo e o reboar distante da voz do tio Válter.
— Q-quê? — gaguejou Harry. — Mas eu tenho que voltar, o trimestre começa em primeiro de setembro.  É só o que me anima a viver. Você não sabe o que passo aqui. O meu lugar não é aqui. O meu lugar é no seu mundo, em Hogwarts.
— Não, não, não — guinchou Dobby, sacudindo a cabeça com tanta força que as orelhas esvoaçaram. — Harry Potter deve ficar onde está seguro. Ele é grande demais, bom demais, para perder. Se Harry Potter voltar a Hogwarts, vai encontrar um perigo mortal.
— Por quê? — perguntou Harry surpreso.
— Há uma trama, Harry Potter. Uma trama para fazer coisas terríveis acontecerem na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts este ano — sussurrou Dobby, tomado de repentina tremedeira. — Dobby sabe disso há meses, meu senhor.  Harry Potter não deve se expor ao perigo. Ele é demasiado importante, meu senhor!
— Que coisas terríveis? — perguntou Harry na mesma hora. — Quem está planejando essas coisas?
Dobby fez um barulho engraçado como se engasgasse e em seguida bateu com a cabeça na parede num frenesi.
— Está bem! — exclamou Harry, agarrando o braço do elfo para fazê-lo parar. — Você não pode me dizer eu compreendo. Mas por que é que você está alertando a mim? — Um pensamento súbito e desagradável lhe ocorreu. — Espere aí, isso não tem nada a ver com Vol... Desculpe... Com o Você-Sabe-Quem, tem? Você só precisa fazer com a cabeça sim ou não — acrescentou ele depressa quando a cabeça de Dobby voltou a se inclinar de modo preocupante para o lado da parede.
— Não... Não Ele-que-Não-Deve-Ser-Nomeado, meu senhor.
Mas os olhos de Dobby se arregalaram e ele parecia estar tentando dar uma indicação ao garoto. Mas Harry, no entanto, não entendeu nada.
Dobby sacudiu a cabeça, os olhos mais arregalados que nunca.
— Então não consigo pensar quem mais teria uma chance de fazer acontecer coisas terríveis em Hogwarts — disse Harry. — Quero dizer, tem o Dumbledore, você sabe quem é Dumbledore, não sabe?
Dobby inclinou a cabeça.
— Alvo Dumbledore é o maior diretor que Hogwarts já teve. Dobby sabe disso, meu senhor Dobby ouviu dizer que os poderes de Dumbledore se rivalizam com os de Ele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, no auge de sua força. Mas, meu senhor.. — a voz de Dobby se transformou em um sussurro urgente — há poderes que Dumbledore não... Poderes que nenhum bruxo decente...
E antes que Harry pudesse impedi-lo, Dobby saltou da cama, agarrou o abajur da escrivaninha de Harry e começou a se golpear na cabeça, com ganidos de furar os tímpanos.
Fez-se um silêncio repentino no andar de baixo. Dois segundos depois, Harry, com o coração batendo loucamente, ouviu tio Válter entrar no corredor falando:
— Duda deve ter deixado a televisão ligada outra vez, o pestinha!
— Depressa! Dentro do armário! — sibilou Harry, empurrando Dobby, fechando a porta e se atirando na cama bem na hora em que a maçaneta girou.
— Que... Diabo... Você... Esta... Fazendo? — disse tio Válter por entre os dentes cerrados, o rosto horrivelmente próximo do de Harry. — Você acabou de estragar o fecho da minha piada sobre o golfista japonês... Mais um ruído e você vai desejar nunca ter nascido, moleque!
Ele saiu do quarto pisando forte.
Trêmulo, Harry deixou Dobby sair do armário.
— Está vendo como é aqui? — perguntou. — Está vendo por que preciso voltar para Hogwarts? É o único lugar onde tenho...  Acho que tenho amigos.
— Amigos que nem escrevem a Harry Potter? — perguntou Dobby manhoso.
— Acho que eles estiveram... Espere aí — disse Harry amarrando a cara. — Como é que você sabe que meus amigos não têm escrito?
Dobby arrastou os pés.
— Harry Potter não deve se zangar com Dobby. Dobby fez isso para ajudar!
— Você andou interceptando minhas cartas?
— Dobby está com elas aqui, meu senhor — respondeu o elfo. Saindo de fininho do alcance de Harry, ele puxou um maço grosso de envelopes de dentro da roupa. Harry conseguiu distinguir a letra caprichosa de Mione, os garranchos de Rony e até umas garatujas que pareciam ter vindo do guarda-caças de Hogwarts, Hagrid.
Dobby piscou ansioso para Harry.
— Harry Potter não deve se zangar... Dobby tinha esperanças... Se Harry Potter achasse que os amigos tinham esquecido dele... Harry Potter talvez não quisesse voltar à escola, meu senhor...
Harry não estava ouvindo. Tentou agarrar as cartas, mas Dobby saltou para longe do seu alcance.
— Harry Potter as receberá meu senhor, se der a Dobby sua palavra de que não vai voltar a Hogwarts. Ah, meu senhor, este é um perigo que o senhor não deve enfrentar! Diga que não vai voltar meu senhor!
— Não — respondeu Harry zangado. — Entregue-me as cartas dos meus amigos!
— Então Harry Potter não deixa a Dobby outra escolha — disse o elfo triste.
Antes que Harry pudesse se mexer, Dobby se precipitou para a porta do quarto, abriu-a e correu escada abaixo.
A boca seca, o estômago revirando, Harry saltou atrás dele, tentando não fazer barulho. Pulou os últimos seis degraus, caindo como um gato no tapete da entrada, procurando Dobby por todo lado. Da sala de jantar ele ouviu tio Válter dizer:
— Conte a Petúnia aquela história engraçada dos encanadores americanos, Sr. Mason. Ela anda doida para ouvir...
Harry correu pelo corredor em direção à cozinha e sentiu o coração parar.

A obra-prima de tia Petúnia, aquele pudim coberto de creme e violetas cristalizadas estava flutuando junto ao teto. Em cima de um guarda-louça no canto, encontrava-se agachado Dobby.
— Não — disse Harry quase sem voz. — Por favor... Eles vão me matar...
— Harry Potter deve prometer que não vai voltar à escola...
— Dobby... Por favor...
— Prometa meu senhor...
— Não posso!
Dobby lançou-lhe um olhar trágico.
— Então Dobby vai fazer isso, meu senhor, pelo bem de Harry Potter.
O pudim caiu no chão com um baque de fazer parar o coração. O creme sujou as janelas e as paredes quando o prato se espatifou. Com um estalido que parecia uma chicotada, Dobby desapareceu.
Ouviram-se gritos vindos da sala de jantar e tio Válter irrompeu pela cozinha onde encontrou Harry, paralisado de choque, coberto com o pudim de tia Petúnia da cabeça aos pés.
A princípio, pareceu que o tio Válter ia conseguir explicar a coisa toda.
("É o nosso sobrinho... Muito perturbado... Ver estranhos o perturba, então nós o mantemos no primeiro andar") Ele tangeu os Mason, muito chocados, de volta à sala de jantar, prometeu a Harry que ia chicoteá-lo e deixá-lo quase morto quando os Mason fossem embora, e lhe entregou um esfregão.
Tia Petúnia desencavou um sorvete do congelador e Harry, ainda tremendo, começou a limpar a cozinha com o esfregão.
Tio Válter talvez ainda tivesse conseguido fechar o negócio, se não fosse pela coruja.
Tia Petúnia estava oferecendo uma caixa de bombons de hortelã, depois do jantar, quando uma enorme coruja mergulhou pela janela da sala de jantar, deixou cair uma carta na cabeça da Sra. Mason e tornou a sair. A Sra. Mason berrou como uma alma penada e saiu porta afora gritando que havia doidos lá dentro. O Sr. Mason se demorou o suficiente para dizer aos Dursley que sua mulher tinha um medo mortal de pássaros de qualquer tipo e tamanho, e para perguntar se aquilo era a idéia que faziam de uma brincadeira.
Harry ficou na cozinha, segurando o esfregão à procura de apoio, quando tio Válter avançou para ele, um brilho demoníaco nos olhinhos miúdos.
— Leia isto! — sibilou malignamente, sacudindo a carta que a coruja entregara. — Vamos... Leia isso!
Harry apanhou a carta. Não continha votos de feliz aniversario.

“Prezado Senhor Potter, Fomos informados que um feitiço de levitação foi usado esta noite em seu local de residência às 9:12h. Como o senhor sabe, bruxos de menor idade não tem permissão para fazer feitiços fora da escola e, a continuar esta prática, o senhor poderá ser expulso da referida escola (Decreto para restrição racional da prática de bruxaria por menores, 1875, parágrafo C).
Gostaríamos também de lembrar-lhe que qualquer atividade mágica que possa chamar a atenção da comunidade não mágica (trouxa) é uma infração grave, conforme seção 13 do Estatuto de Sigilo da Confederação Internacional de Bruxos.
Boas férias!
Mafalda Hopkirk 
Escritório de Controle do Uso Indevido de Mágica 
Ministério da Magia”

Harry ergueu os olhos da carta e engoliu em seco.
— Você não nos disse que não tinha permissão de usar mágica fora da escola — disse tio Válter, um brilho demente dançando nos olhos. — Esqueceu-se de mencionar... Vai ver lhe escapou...
O tio veio avançando para Harry como um grande buldogue, os dentes arreganhados.
— Muito bem, tenho novidades para você, seu moleque... Vou prendê-lo... Você nunca mais vai voltar para aquela escola... Nunca... E se tentar se soltar por mágica, eles é que vão expulsá-lo!
E dando risadas como um maníaco, arrastou Harry para o quarto.
Tio Válter não faltou com sua palavra. Na manha seguinte, ele pagou um homem para instalar grades na janela de Harry. Ele mesmo instalou a portinhola na porta do quarto, para que, três vezes por dia, eles pudessem empurrar pequenas quantidades de comida para dentro. Soltavam Harry de manhã e de noite para usar o banheiro.
A exceção disso, ele permanecia preso no quarto, dia e noite.
Três dias depois, os Dursley continuavam a não dar sinais de compadecimento, e Harry não via nenhuma saída para sua situação. Deitava-se na cama observando o sol se pôr por trás das grades da janela e se perguntava, infeliz, o que ia lhe acontecer.
De que adiantava se libertar do quarto por meio de mágica se Hogwarts o expulsaria por isso? Contudo, a vida na Rua dos Alfeneiros atingira seu ponto crítico.
Agora que os Dursley sabiam que não iam acordar transformados em morcegos comedores de frutas, Harry perdera sua única arma. Dobby talvez o tivesse salvo dos horríveis acontecimentos em Hogwarts, mas do jeito que as coisas caminhavam, ele provavelmente ia morrer de fome.
A portinhola bateu e a mão da tia Petúnia surgiu empurrando uma tigela de sopa em lata para dentro do quarto. Harry, cujas entranhas doíam de tanta fome, saltou da cama e apanhou-a. A sopa estava gelada, mas ele bebeu metade de um gole só. Depois, atravessou o quarto até a gaiola de Edwiges e empurrou as verduras moles do fundo da tigela para a bandeja vazia da coruja. Ela sacudiu as penas e lhe lançou um olhar de profundo nojo.
— Não adianta empinar o bico para a comida: isto é só o que temos — disse Harry sério.
Ele repôs a tigela vazia ao lado da portinhola e se deitou na cama, sentindo-se mais faminto do que estivera antes da sopa.
Supondo que continuasse vivo dali a quatro semanas, o que aconteceria se não se apresentasse em Hogwarts? Mandariam alguém para saber por que ele não voltara? Conseguiriam obrigar os Dursley a soltá-lo?
O quarto foi escurecendo. Exausto, com a barriga roncando, a cabeça girando com a mesma pergunta irrespondível, Harry mergulhou num sono agitado.
Sonhou que estava sendo exibido num zoológico, com uma etiqueta presa à gaiola em que se lia: BRUXO MENOR DE IDADE. As pessoas o observavam por trás das grades, faminto e fraco, deitado numa cama de palha. Ele viu o rosto de Dobby na multidão e gritou pedindo ajuda, mas Dobby respondeu: "Harry Potter está seguro aí, meu senhor!" e desapareceu. Então os Dursley apareceram e sacudiram as grades da gaiola, rindo-se dele.
— Parem — murmurou Harry enquanto o barulho das grades martelava em sua cabeça dolorida. — Me deixem em paz... Parem com isso... Estou tentando dormir...
Ele abriu os olhos. O luar entrava pelas grades da janela. E alguém o espiava pelas grades: alguém de rosto sardento, cabelos vermelhos e nariz comprido.
Rony Weasley se achava do lado de fora da janela de Harry.









CAPÍTULO TRÊS
A Toca

— Rony! — murmurou Harry, deslizando furtivamente até a janela e abrindo-a de modo que pudessem conversar através das grades. — Rony, como foi que você... Que é...?
O queixo de Harry caiu quando o impacto do que via o atingiu por inteiro. Rony estava debruçado na janela traseira de um velho carro turquesa, estacionado no ar. Do banco dianteiro sorriam, para Harry, Fred e Jorge, os irmãos gêmeos de Rony, mais velhos que ele.
— Tudo bem, Harry? — perguntou Jorge.
— Que é que está acontecendo? — perguntou Rony. — Por que é que você não tem respondido às minhas cartas? Convidei-o a nos visitar umas doze vezes e então papai chegou em casa e disse que você tinha recebido uma advertência oficial por usar mágica na frente de trouxas...
— Não fui eu... E como é que ele soube?
— Ele trabalha no Ministério. Você sabe que não temos permissão para usar mágica fora da escola...
— Olha quem fala — respondeu Harry olhando para o carro que flutuava.
— Ah, isto não conta — respondeu Rony. — É só emprestado. É do papai, não fomos nós que o enfeitiçamos. Mas fazer mágica na frente desses trouxas com quem você mora...
— Eu já disse que não fiz... Mas vai levar muito tempo para contar agora. Olha, será que você pode avisar em Hogwarts?  Os Dursley me trancaram e não vão me deixar voltar e, é claro, não posso sair usando mágica, porque o Ministério vai achar que é a segunda mágica que faço em três dias, e aí...
— Pare de falar coisas sem sentido — disse Rony. — Viemos levá-lo para casa conosco.
— Mas vocês também não podem me tirar usando mágica...
— Não precisamos — disse Rony, indicando com a cabeça o banco dianteiro do carro e sorrindo. — Você esqueceu quem foi que eu trouxe comigo.
— Amarre isso nas grades — mandou Fred, atirando a ponta de uma corda para Harry.
— Se os Dursley acordarem, estou morto — comentou Harry enquanto amarrava a corda bem firme em volta da grade e Fred acelerava o carro.
— Não se preocupe — falou Fred —, e dê distância.
Harry recuou para as sombras próximas, a Edwiges, que parecia ter percebido como aquilo era importante e ficou parada e silenciosa. O carro roncou cada vez mais alto e, de repente, com um ruído de trituração, as grades foram totalmente arrancadas da janela, enquanto Fred continuava a subir no ar Harry correu à janela e viu as grades balançando a pouco mais de um metro do chão. Rony, ofegante, guindou-as para dentro do carro. Harry escutava ansioso, mas não vinha o menor ruído do quarto dos Dursley.
Depois que as grades foram guardadas no banco traseiro do carro, ao lado de Rony, Fred deu marcha a ré até chegar o mais próximo possível da janela de Harry.
— Entre — convidou Rony.
— Mas todo o meu material de Hogwarts... Minha varinha... Minha vassoura...
— Onde está?
— Trancado no armário embaixo da escada, e não posso sair deste quarto...
— Não tem problema — disse Jorge do banco dianteiro do carro. — Saia da frente, Harry.
Fred e Jorge entraram no quarto de Harry pela janela, feito gatos. A pessoa tinha que tirar o chapéu para eles, pensava Harry, quando Jorge puxou um grampo do bolso e começou a arrombar a fechadura.
— Tem muito bruxo que acha que é uma perda de tempo conhecer macetes de trouxas como esse — disse Fred —, mas nós achamos que vale a pena aprender essas habilidades, mesmo que sejam um pouco demoradas.
A porta fez um dique e se abriu.
— Então, vamos apanhar o seu malão, e você pega o que precisar do seu quarto e passa para o Rony – murmurou Jorge.
— Cuidado com o último degrau, ele range — murmurou Harry para os gêmeos que desapareceram no corredor escuro.
Harry correu pelo quarto reunindo seus pertences e passando-os a Rony pela janela. Então, foi ajudar Fred e Jorge a carregar o malão para cima. Harry ouviu o tio Válter tossir.
Finalmente, ofegantes, eles chegaram ao alto da escada e carregaram o malão pelo quarto de Harry até a janela aberta.
Fred pulou a janela de volta ao carro para puxar o malão com Rony, enquanto Harry e Jorge o empurravam pelo lado de dentro.
Pouco a pouco, o malão deslizou pela janela. Tio Válter tossiu outra vez.
— Mais um pouquinho — arfou Fred, que estava puxando o malão para dentro do carro. — Mais um bom empurrão...
Harry e Jorge jogaram os ombros contra o malão e ele deslizou da janela para o assento traseiro do carro.
— Muito bem, vamos — cochichou Jorge.
Mas quando Harry subia no parapeito da janela ouviu um guincho alto atrás dele, seguido imediatamente pela voz trovejante do tio Válter.
— ESSA CORUJA DESGRAÇADA!
— Eu esqueci a Edwiges! Harry precipitou-se de volta ao quarto na hora em que a luz do corredor se acendeu — agarrou a gaiola, correu à janela e passou-a a Rony. E estava subindo de volta na cômoda quando o tio Válter socou a porta destrancada e ela se escancarou.
Por uma fração de segundo, o tio Válter parou emoldurado pelo portal, em seguida deixou escapar um urro como o de um touro enfurecido e atirou-se contra Harry prendendo-o pelo tornozelo.
Rony, Fred e Jorge agarraram os braços de Harry e o puxaram com toda a força que tinham.
— Petúnia! — berrou tio Válter. — Ele está fugindo! ELE ESTÁ FUGINDO!
Mas os Weasley deram um puxão gigantesco e a perna de Harry se soltou da garra do tio Válter — e Harry já estava no carro e batia a porta.
— Pé na tábua, Fred! — gritou Rony, e o carro disparou de repente em direção à lua.
Harry não conseguia acreditar — estava livre. Baixou a janela, o ar da noite chicoteou seus cabelos, e ele virou a cabeça para contemplar os telhados da Rua dos Alfeneiros que desapareciam ao longe. Tio Válter, tia Petúnia e Duda estavam todos debruçados, estupefatos, na janela de Harry.
— Vejo vocês no próximo verão! — gritou Harry.
Os Weasley soltaram gargalhadas e Harry se acomodou no banco, sorrindo de orelha a orelha.
— Solte a Edwiges — pediu ele a Rony. — Ela pode voar atrás do carro. Há séculos que não tem uma chance de esticar as asas.
Jorge passou o grampo a Rony e, um momento depois, Edwiges voou feliz pela janela e ficou deslizando ao lado do carro como um fantasma.
— Então, qual é a história, Harry? — perguntou Rony impaciente. — Que aconteceu?
Harry contou tudo sobre Dobby, o aviso que dera a Harry e o desastre com o pudim de violetas. Fez-se um silêncio longo e assombroso quando ele terminou.
— Muito esquisito — disse Fred finalmente.
— Decididamente suspeito – concordou Jorge. — E ele nem quis lhe dizer quem estaria tramando tudo isso?
— Acho que ele não podia — respondeu Harry. — Eu lhe contei, todas as vezes que ele estava quase deixando escapar alguma coisa, começava a bater a cabeça na parede.
Harry viu Fred e Jorge se entreolharem.
— O quê, vocês acham que ele estava mentindo para mim? — perguntou Harry.
— Bom — respondeu Fred —, vamos colocar a coisa assim...
— Elfos domésticos têm poderes mágicos próprios, mas em geral não podem usá-los sem a permissão dos donos. Calculo que o velho Dobby foi mandado para impedir que você voltasse a Hogwarts. Deve ser a idéia que alguém faz de uma brincadeira. Você pode imaginar alguém na escola que tenha raiva de você?
— Claro — disseram Harry e Rony, juntos, na mesma hora.
— Draco Malfoy — explicou Harry. — Ele me odeia.
— Draco Malfoy? — perguntou Jorge, virando-se. — O filho de Lúcio Malfoy?
— Deve ser, não é um nome muito comum, é? — disse Harry.
— Por quê?
— Já ouvi papai falar nele. Era um grande seguidor de Você-Sabe-Quem.
— E quando Você-Sabe-Quem desapareceu — acrescentou Fred, esticando-se para olhar para Harry —, Lúcio Malfoy voltou dizendo que nunca tivera intenção de fazer nada. Um monte de bosta... Papai acha que ele fazia parte do círculo intimo de Você-Sabe-Quem.
Harry já ouvira esses comentários sobre a família Malfoy antes e não se surpreendeu nem um pouco. Draco Malfoy fazia Duda Dursley parecer um menino bom, atencioso e sensível.
— Não sei se os Malfoy têm um elfo doméstico... — disse Harry.
— Bom, seja quem for, os donos dele devem ter uma família de bruxos antiga e rica — disse Fred.
— É, mamãe sempre desejou que a gente tivesse um elfo doméstico para passar a roupa — comentou Jorge. — Mas só o que temos é um vampiro velho e incompetente no sótão e gnomos por todo o jardim. Elfos domésticos combinam com grandes casas senhoriais, castelos e lugares do gênero; você não toparia com um na nossa casa...
Harry estava calado. A julgar pelo fato de que Draco Malfoy em geral tinha do bom e do melhor, a família devia rolar em dinheiro de bruxo; ele podia até imaginar Malfoy se pavoneando por uma grande casa senhorial. Mandar o criado da família impedir Harry de voltar a Hogwarts também parecia bem o tipo de coisa que Malfoy faria. Ele teria sido tão burro a ponto de levar Dobby a sério?
— Em todo o caso, fico contente que a gente tenha vindo buscá-Lo. Eu estava ficando realmente preocupado quando você, não respondeu minhas cartas. Primeiro pensei que tinha sido culpa de Errol...
— Quem é Errol?
— Nossa coruja. Ele é velhíssimo. Não seria a primeira vez que desmaia ao fazer uma entrega. Então tentei pedir o Hermes emprestado...
— Quem?
— A coruja que mamãe e papai compraram para Percy quando ele foi nomeado monitor — explicou Fred do banco da frente.
— Mas Percy não quis me emprestar. Disse que precisava dele.
— Percy anda se comportando de forma muito estranha este verão — disse Jorge franzindo a testa. — E tem despachado um bocado de cartas e passado um tempão trancado no quarto... Quero dizer, tem limite o número de vezes que a pessoa pode querer dar brilho num distintivo de monitor.. Você está se afastando demais para oeste, Fred — acrescentou, apontando a bússola no painel do carro. Fred corrigiu o rumo girando o volante.
— E seu pai sabe que você está dirigindo o carro? — perguntou Harry, já adivinhando a resposta.
— Ah, não — disse Rony —, ele teve que trabalhar hoje à noite. Com sorte conseguiremos guardar o carro de volta na garagem antes que mamãe note que saímos com ele.
— Afinal, que é que seu pai faz no Ministério da Magia?
— Ele trabalha no departamento mais monótono de todos — disse Rony. — O do Controle do Mau Uso dos Artefatos dos Trouxas.
— O quê?
— Tratam do feitiço lançado em objetos feitos pelos trouxas, sabe, no caso de acabarem indo parar numa loja ou numa casa de trouxas. Como no ano passado, uma velha bruxa morreu e o seu serviço de chá foi vendido a uma loja de antiguidades.
— Uma mulher trouxa comprou o serviço, levou para casa e tentou servir chá aos amigos. Foi um pesadelo, papai ficou trabalhando depois do expediente durante semanas.
— Que aconteceu?
— O bule de chá endoidou e espirrou chá fervendo para todo lado, e um homem foi parar no hospital com as pinças de açúcar presas no nariz. Papai quase ficou louco, só existe ele e um velho bruxo chamado Perkins no escritório, e os dois tiveram que usar feitiços para apagar lembranças e outros tipos de recursos para abafar o caso...
— É, papai é doido por tudo que os trouxas produzem; nosso barraco de ferramentas é cheio de coisas de trouxas. Ele desmonta um objeto, enfeitiça e torna a montá-lo. Se ele revistasse a nossa casa teria que se dar ordem de prisão. Mamãe fica danada.
— Aquela é a estrada principal — disse Jorge, espiando para baixo pelo pára-brisa. — Estaremos lá em dez minutos... Antes assim, já está clareando...
Uma ligeira claridade rosada tornava-se visível na linha do horizonte a leste.
Fred fez o carro baixar um pouco, e Harry viu uma colcha de retalhos feita de campos e arvoredos.
— Moramos um pouquinho fora da cidade — disse Jorge. — Ottery St. Catchpole...
O carro voador continuava a descer. A auréola escarlate do sol agora brilhava por entre as árvores.
— Pousamos! — exclamou Fred quando, com um ligeiro solavanco, eles tocaram o chão.
Tinham pousado ao lado de garagem desmantelada num pequeno quintal, e Harry olhou pela primeira vez para a casa de Rony.  Parecia ter sido no passado um grande chiqueiro de pedra, que foram acrescentando cômodos aqui e ali até ela atingir os andares e era tão torta que parecia ser sustentada por mágica (o que, Harry lembrou a si mesmo, era provável).
Quatro ou cinco chaminés estavam encarrapitadas no alto do teto vermelho. Em um letreiro torto enfiado no chão, próximo à entrada, lia-se A TOCA. Em volta da porta de entrada encontrava-se uma variedade de botas de borracha e um caldeirão muito enferrujado.
Várias galinhas castanhas e gordas ciscavam pelo quintal.
— Não é muita coisa — disse Rony.
— É maravilhosa — comentou Harry feliz, pensando na Rua dos Alfeneiros.
Eles desembarcaram do carro.
— Agora vamos subir muito quietinhos — recomendou Fred e esperar mamãe nos chamar para tomar o café da manhã.
Eles desembarcaram do carro.
— Então Rony, você desce correndo e diz: "Mamãe, olhe só quem apareceu durante a noite!" e ela vai ficar contente de ver o Harry e ninguém vai precisar saber que saímos voando no carro.
— Certo — concordou Rony. — Vamos Harry, eu durmo no... No alto...
O rosto de Rony ganhou um tom verde esquisito, seus olhos se fixaram na casa. Os outros três se viraram.
A Sra. Weasley vinha atravessando o quintal, espantando galinhas, e para uma senhora baixa, gorducha, de rosto bondoso, era incrível como estava parecendo um tigre de dentes de sabre.
— Ah!— exclamou Fred.
— Essa não! — exclamou Jorge.
A Sra. Weasley parou diante deles, as mãos nos quadris, olhando de uma cara culpada para a outra. Vestia um avental florido com uma varinha saindo pela borda do bolso.
— Muito bem — disse ela.
— Bom-dia, mamãe — disse Jorge, no que ele audivelmente pensou que era uma voz lampeira e cativante.
— Vocês fazem idéia da preocupação que tive? — perguntou a Sra. Weasley num sussurro letal.
— Desculpe, mamãe, mas sabe, tínhamos que...
Os três filhos da Sra. Weasley eram mais altos do que ela, mas encolheram à medida que a raiva da mãe ia desabando sobre eles.
— As camas vazias! Nenhum bilhete! O carro desaparecido... Podia ter batido... Louca de preocupação... Vocês se importaram?... Nunca em minha vida... Esperem até seu pai voltar, nunca tivemos problemas assim com o Gui nem com o Carlinhos nem com o Percy...
— O Percy perfeito — resmungou Fred.
— VOCÊS PODIAM SE MIRAR NO EXEMPLO DO PERCY! — berrou a Sra. Weasley, metendo o dedo no peito de Fred.
— Vocês podiam ter morrido, podiam ter sido vistos, podiam ter feito seu pai perder o emprego...
Parecia que o sermão estava durando horas. A Sra. Weasley ficou rouca de tanto gritar até se virar para Harry, que recuou.
— Estou muito contente em vê-lo, Harry, querido — disse ela. — Entre, venha tomar café.
Deu meia-volta e entrou em casa, e Harry, depois de lançar um olhar nervoso a Rony, que acenou com a cabeça animando-o, acompanhou-a.
A cozinha era pequena e um tanto apertada. Havia ao centro uma mesa de madeira muito escovada e cadeiras, e Harry se sentou na beirada de uma, espiando à sua volta. Nunca estivera numa casa de bruxos antes.
O relógio na parede em frente só tinha um ponteiro e nenhum número. Havia escritas em torno do mostrador coisas assim, Hora de fazer chá, Hora de dar comida ás galinhas e Você está atrasado. Havia livros arrumados em fileiras triplas sobre o console da lareira, livros com títulos do gênero Enfeitice o seu próprio queijo, O Feitiço no forno e Festas de um minuto — um Encantamento! E, a não ser que os ouvidos de Harry o enganassem, o velho rádio ao lado da pia acabara de anunciar que o próximo programa era "Hora de Encantos, com a popular cantora bruxa, Celestina Warbeck".
A Sra. Weasley batia pratos e panelas, preparando o café da manhã um pouco a esmo, lançando olhares feios aos filhos, enquanto atirava salsichas na frigideira.
De vez em quando resmungava coisas como "não sei o que estavam pensando" e "eu nunca teria acreditado".
— Não estou culpando você; querido — ela tranqüilizou Harry, servindo oito ou nove salsichas no prato dele. — Arthur e eu estivemos preocupados com você, também. Ainda na outra noite estávamos falando que iríamos buscá-lo pessoalmente se você não escrevesse a Rony até sexta-feira. Mas francamente — (ela agora acrescentava três ovos fritos às salsichas) — atravessar metade do país em um carro ilegal, vocês podiam ter sido vistos...
Ela acenou a varinha displicentemente em direção dos pratos na pia, que começaram a se lavar, entrechocando-se de leve ao fundo.
— Estava nublado, mamãe! — exclamou Fred.
— Você fique de boca fechada enquanto come! — ralhou a Sra. Weasley.
— Estavam matando ele de fome, mamãe! – disse Jorge.
— E você! — disse a Sra. Weasley, mas foi com uma expressão ligeiramente mais branda que ela começou a cortar e passar manteiga no pão para Harry.
Naquele momento surgiu uma distração sob a forma de uma figura pequena, de cabelos vermelhos, que vestia uma longa camisola, e apareceu na cozinha, deu um gritinho e saiu correndo outra vez.
— Gina — disse Rony baixinho para Harry. — Minha irmã. Andou falando em você o verão inteiro.
— É, ela vai querer o seu autógrafo, Harry — disse Fred com um sorriso, mas viu que a mãe o olhava e baixou o rosto para o prato, calando-se. Nada mais foi dito até os quatro pratos ficarem limpos, o que levou um tempo surpreendentemente breve.
— Putz, estou cansado — bocejou Fred, pousando finalmente a faca e o garfo. — Acho que vou me deitar e...
— Não vai, não — retrucou a Sra. Weasley. — A culpa foi sua se ficou a noite toda acordado. Você vai desgnomizar o jardim para mim; eles estão ficando completamente rebeldes outra vez.
— Ah, mamãe...
— E vocês dois — disse ela, olhando feio para Rony e Fred. — Você pode ir se deitar, querido — acrescentou dirigindo-se a Harry. — Você não pediu a eles para voarem naquele carro infernal.
Mas Harry, que se sentia completamente acordado, disse depressa:
— Vou ajudar o Rony. Nunca vi fazer uma desgnomização...
— É muito gentil de sua parte, querido, mas é trabalho monótono — disse a Sra. Weasley. — Agora vamos ver o que Lockhart tem a dizer sobre o assunto.
Ela puxou um livro pesado de cima do console. Jorge gemeu.
— Mamãe, nós sabemos como desgnomizar um jardim.
Harry espiou a capa do livro da Sra. Weasley. Escritas na capa em arabescos dourados havia as palavras Guia de pragas domésticas de Gilderoy Lockhart. Havia na capa uma grande foto de um bruxo bonitão de cabelos louros ondulados e olhos azuis muito vivos. Como sempre no mundo dos bruxos, a foto se mexia; o bruxo, que Harry supunha que fosse o tal Gilderoy Lockhart, não parava de piscar, muito animado, para todos.
— Ah, ele é um assombro — disse a mãe. — Conhece bem as pragas domésticas.
É um livro maravilhoso...
— Mamãe tem um xodó por ele — disse Fred num sussurro muito audível.
— Não seja ridículo Fred — retorquiu a Sra. Weasley, o rosto muito corado. — Está bem, se vocês acham que sabem mais do que Lockhart, podem ir fazer o trabalho, mas tenho pena de vocês se tiver sobrado um único gnomo naquele jardim quando eu sair para inspecioná-lo.
Aos bocejos e resmungos, os Weasley saíram se arrastando, com Harry em sua cola. O jardim era grande e, aos olhos de Harry, exatamente como um jardim devia ser. Os Dursley não teriam gostado — havia muito mato e a grama precisava ser aparada —, mas havia árvores nodosas a toda volta dos muros, plantas que Harry nunca vira saindo de cada canteiro e um grande tanque de águas verdosas cheio de sapos.
— Os trouxas também têm gnomos de jardim, sabe — Harry contou a Rony quando cruzavam o gramado.
— Sei, já vi aquelas coisas que eles acham que são gnomos — disse Rony, com o corpo dobrado e a cabeça enfiada num pé de peônias —, como papais noéis baixinhos e gordinhos segurando varas de pescar...
Ouviram um ruído de alguém se debatendo violentamente, o pé de peônia estremeceu e Rony se levantou.
— Isto é um gnomo — disse serio.
— Tire as mãos de cima de mim!Tire as mãos de cima de mim! Guinchou o gnomo.
Decerto não parecia nada com um Papai Noel. Era pequeno, a pele parecia um couro, a cabeçorra cheia de calombos e careca, igualzinha a uma batata. Rony segurou-o à distância enquanto o gnomo o chutava com os pezinhos calosos; o garoto o agarrou pelos tornozelos e o virou de cabeça para baixo.
— Isto é o que a gente tem que fazer — explicou. E ergueu o gnomo acima da cabeça ("Tire as mãos de mim!") e começou rodá-lo em grandes círculos como se fosse laçar um boi. Ao ver a cara de espanto de Harry, Rony acrescentou: — Isto não machuca, você só precisa deixá-los bem tontos para não poderem encontrar o caminho de volta para as tocas de gnomos.
Ele soltou os tornozelos do gnomo: que voou uns seis metros para o alto e caiu com um baque surdo no campo do outro lado da sebe.
— Lamentável — exclamou Fred. — Aposto que posso atirar o meu bem além daquele toco de árvore.
Harry aprendeu depressa a não sentir muita pena dos gnomos. Resolveu simplesmente deixar cair por cima da sebe o primeiro que pegou, mas o gnomo, pressentindo fraqueza, enterrou os dentes afiados como navalhas no seu dedo, e Harry teve muito trabalho para sacudi-lo longe, até que...
— Uau, Harry, esse deve ter caído a uns quinze metros...
O ar não tardou a ficar coalhado de gnomos voadores.
— Está vendo, eles não são muito inteligentes — disse Jorge, agarrando cinco ou seis gnomos de uma vez. — Na hora que descobrem que está havendo uma desgnomização, aparecem correndo para dar uma espiada. Era de se esperar que já tivessem aprendido a ficar quietos.
Logo os gnomos atirados no campo começaram a se afastar em uma linha descontínua, os ombrinhos curvados.
— Eles vão voltar — disse Rony enquanto observavam os gnomos desaparecerem na sebe do outro lado do campo. — Eles adotam isso aqui... Papai é muito mole com eles; acha que são engraçados...
Naquele instante, a porta de entrada bateu.
— Ele voltou! — disse Jorge. — Papai está em casa!
Os garotos atravessaram correndo o jardim e entraram em casa.
O Sr. Weasley estava largado numa cadeira da cozinha, sem óculos e de olhos fechados. Era um homem magro, começando a ficar careca, mas o pouco cabelo que tinha era ruivo como o dos filhos. Usava vestes verdes e longas, que estavam empoeiradas e amarrotadas da viagem.
— Que noite! — murmurou, tateando à procura do bule de chá enquanto todos se sentaram à sua volta. — Nove batidas.
— Nove! E o velho Mundungus Fletcher ainda tentou me lançar um feitiço quando eu estava de costas...
O Sr. Weasley tomou um longo gole de chá e suspirou.
— Encontrou alguma coisa, papai? — perguntou Fred ansioso.
— Só encontrei umas chaves para portas que encolhem e uma chaleira que morde — bocejou o Sr. Weasley. — Houve as ocorrências feias, mas não foram no meu departamento. Mortlake foi levado para interrogatório sobre umas doninhas muito esquisitas, mas isto foi com a Comissão de Feitiços Experimentais, graças a Deus...
— Mas por que alguém ia se dar o trabalho de fazer chaves que encolhem? — perguntou Jorge.
— Só para aborrecer os trouxas — suspirou o Sr. Weasley. — Vendem a eles uma chave que encolhe até desaparecer, de modo que nunca conseguem encontrá-la quando precisam... É claro que é muito difícil processar alguém porque nenhum trouxa vai admitir que a chave dele não pára de encolher, insistem que vivem a perdê-las.   Deus os abençoe, eles vão a extremos para fingir que magia não existe, mesmo que esteja no nariz deles... Mas as coisas que o nosso pessoal anda enfeitiçando, vocês não iriam acreditar...
— COMO CARROS, POR EXEMPLO?
A Sra. Weasley aparecera, empunhando um longo atiçador como uma espada. Os olhos do Sr. Weasley se arregalaram.
Ele olhou com cara de culpa para a mulher.
— Carros, Molly, querida?
— É Arthur, carros — disse a Sra. Weasley, os olhos faiscando. — Imagine só um bruxo comprar um carro velho e enferrujado e dizer à mulher que só quer desmontá-lo para ver como funciona, quando na realidade o enfeitiçou para fazê-lo voar.
O Sr. Weasley piscou os olhos.
— Bom, querida, acho que você vai descobrir que ele estava agindo dentro da lei quando fez isso, mesmo que... Ah... Tivesse agido melhor se, hum, se tivesse contado a verdade à mulher... Há um furo na lei, você vai descobrir... Desde que ele não tivesse intenção de voar no carro, o fato de que o carro poderá voar não...
— Arthur Weasley, você providenciou para que houvesse um furo nessa lei quando a escreveu! — gritou a Sra. Weasley. — Só para você poder continuar a se distrair com aquela lixaria dos trouxas no seu barraco! E para sua informação, Harry chegou hoje de manhã naquele carro que você não tinha intenção de fazer voar!
— Harry? — exclamou o Sr. Weasley sem entender — Que Harry?
Ele olhou à volta, viu Harry e deu um salto.
— Deus do céu, é Harry Potter? Muito prazer em conhecê-lo. Rony tem falado tanto em...
— Os seus filhos foram naquele carro até a casa de Harry e voltaram de lá ontem á noite!— gritou a Sra. Weasley. — Que é que você me diz disso, hein?
— Vocês fizeram mesmo isso? — perguntou o Sr. Weasley, ansioso. — E o carro voou bem? Eu... Eu quero dizer — gaguejou, enquanto voavam faíscas dos olhos da Sra. Weasley — que... Isso foi muito errado, meninos... Muito errado mesmo...
— Vamos deixar eles discutirem — Rony sussurrou para Harry quando a Sra. Weasley inchou como um sapo-boi. — Vamos, vou-lhe mostrar o meu quarto.
Os dois saíram discretamente da cozinha e seguiram por um corredor estreito até uma escada irregular, que subia em ziguezague pela casa. No terceiro patamar, havia uma porta entreaberta. Harry vislumbrou dois grandes olhos castanhos e vivos que o espiavam antes da porta fechar com um clique.
— Gina — explicou Rony. — Você não sabe como é estranho ela estar tão tímida.
Normalmente ela nunca pára de falar...
Eles subiram mais dois lances e chegaram a uma porta com a tinta descascada e uma pequena placa onde se lia "Quarto do Ronald".
Harry entrou, a cabeça quase tocando no teto inclinado, e piscou os olhos. Era como entrar num forno. Quase tudo no quarto de Rony era de um tom violentamente laranja: a colcha da cama, as paredes e até o teto. Então Harry percebeu que Rony tinha coberto praticamente cada centímetro do papel de parede gasto com pôsteres dos mesmos sete bruxos e bruxas, todos usando vestes laranja vivo, segurando vassouras e acenando com animação.
— O seu time de Quadribol? — perguntou Harry.
— O Chudley Cannons — disse Rony, apontando para a colcha laranja, que exibia um brasão com dois enormes O pretos e uma bala de canhão em movimento. — Nono lugar na divisão.
Os livros escolares de feitiçaria que pertenciam a Rony estavam empilhados de qualquer jeito num canto, junto com um monte de histórias em quadrinhos que pareciam conter a mesma tira, As aventuras de Martin Miggs, o trouxa pirado. A varinha de condão de Rony estava em cima de um aquário cheio de ovas de rã, no peitoril da janela, ao lado do seu rato cinzento e gordo, o Perebas, que tirava um cochilo numa nesga de sol.
Harry pulou por cima de um baralho de cartas auto embaralhantes que estava no chão e espiou pela janelinha. No campo, lá embaixo, ele viu uma turma de gnomos que voltavam sorrateiros, um a um, pela cerca dos Weasley. Depois virou-se para olhar Rony, que o observava quase nervoso, como se esperasse ouvir sua opinião.
— É meio pequeno — disse Rony depressa. — Nada como aquele quarto que você tinha na casa dos trouxas. E estou bem debaixo do vampiro no sótão; sempre batendo nos canos e gemendo...
Mas Harry, com um grande sorriso, disse:
— Esta é a melhor casa que já visitei.
As orelhas de Rony ficaram vermelhas.



CAPÍTULO QUATRO
Na Floreios e Borrões

 A vida na Toca era a mais diferente possível da vida na Rua dos Alfeneiros. Os Dursley gostavam de tudo limpo e arrumado; a casa dos Weasley era cheia de coisas estranhas e inesperadas. Harry teve um choque na primeira vez que se mirou no espelho sobre o console da lareira da cozinha, pois o espelho gritou:
"Ponha a camisa para dentro, seu desleixado!" O vampiro no sótão uivava e derrubava canos, sempre que sentia que a casa estava ficando demasiado quieta, e as pequenas explosões que vinham do quarto de Fred e Jorge eram consideradas perfeitamente normais.
Porém, o que Harry achou mais fora do comum na vida em casa de Rony não foi o espelho falante nem o vampiro baterista: mas o fato de que todos pareciam gostar dele.
A Sra. Weasley se preocupava com o estado das meias dele e tentava forçá-lo a repetir a comida três vezes por refeição. O Sr. Weasley gostava que Harry se sentasse ao lado dele, na mesa do jantar, para poder bombardeá-lo com perguntas sobre a vida com os trouxas, pedindo-lhe para explicar como funcionavam coisas como as tomadas e o correio postal.
— Fascinante! — exclamou, quando Harry lhe contou como se usava o telefone. — Engenhoso, verdade, quantas maneiras os trouxas encontraram de viver sem o auxílio da magia.
Harry recebeu notícias de Hogwarts, numa bela manhã, cerca de uma semana depois de chegar à Toca. Ele e Rony desceram para tomar café e encontraram o Sr. e a Sra. Weasley e Gina já sentados à mesa da cozinha. No instante em que viu Harry, Gina sem querer derrubou a tigela de mingau no chão fazendo um estardalhaço. A garota parecia muito propensa a derrubar coisas sempre que Harry entrava. Ela mergulhou debaixo da mesa para apanhar a tigela e reapareceu com o rosto rubro como um sol poente.
Harry fingindo não notar, sentou-se e aceitou a torrada que a Sra. Weasley lhe oferecia.
— Cartas da escola — disse o Sr. Weasley, passando a Harry e Rony envelopes idênticos de pergaminho amarelado, endereçados com tinta verde. -Dumbledore já sabe que você está aqui, Harry, ele não perde um detalhe, aquele homem. Vocês dois também receberam — acrescentou ele, quando Fred e Jorge entraram descontraídos, ainda de pijamas.
Durante alguns minutos fez-se silêncio enquanto todos liam as cartas. A de Harry mandava-o tomar o Expresso de Hogwarts como sempre na estação de King’s Cross, no dia 1º de setembro. Trazia também uma lista dos novos livros que ia precisar para o próximo ano letivo.

MATERIAL PARA OS ALUNOS DA SEGUNDA SÉRIE:
§     O Livro Padrão de feitiços, 2ª série de Miranda Goshawk.
§     Como dominar um espírito agourento de Gilderoy Lockhart.
§     Como se divertir com vampiros de Gilderoy Lockhart.
§     Férias com bruxas malvadas de Gilderoy Lockhart.
§     Viagens com trasgos de Gilderoy Lockhart.
§     Excursões com vampiros de Gilderoy Lockhart.
§     Passeios com lobisomens de Gilderoy Lockhart.
§     Um ano com o Ieti de Gilderoy Lockhart.

Fred, que terminara de ler a lista, deu uma espiada na de Harry.
— Mandaram você comprar todos os livros de Lockhart também! — admirou-se. — O novo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas deve ser fã dele, aposto que é uma bruxa.
Ao dizer isto, o olhar de Fred cruzou com o de sua mãe e ele rapidamente voltou a atenção para a sua geléia.
— Esse material não vai sair barato — comentou Jorge, lançando um olhar rápido aos pais. — Os livros de Lockhart são bem carinhos...
— Daremos um jeito — disse a Sra. Weasley, embora tivesse a expressão preocupada. — Espero poder comprar a maioria do material de Gina de segunda mão.
— Ah, você vai entrar para Hogwarts este ano? — perguntou Harry a Gina.
Ela confirmou com a cabeça, corando até a raiz dos cabelos flamejantes e enfiou o cotovelo na manteigueira. Felizmente ninguém viu exceto Harry porque, naquele momento, o irmão mais velho de Rony, Percy, entrou na cozinha. Já estava vestido, o distintivo de monitor em Hogwarts preso no suéter sem mangas.
— Dia — disse Percy animado. — Lindo dia.
Sentou-se na única cadeira desocupada, mas quase imediatamente levantou-se de um salto, erguendo do assento um espanador de penas cinzentas que parecia estar na muda — pelo menos foi isso que Harry pensou que fosse, até ver que a coisa respirava.
— Erroll — exclamou Rony, recolhendo a coruja inerte da mão de Percy e extraindo uma carta que ela trazia presa sob a asa. — Finalmente chegou a resposta de Hermione. Escrevi a ela avisando que íamos tentar salvar você dos Dursley.
Ele levou Errol até um poleiro na porta dos fundos e tentou fazê-lo encarrapitar-se, mas a coruja tornou a desmontar, por isso Rony a deitou na tábua de escorrer, resmungando "Patético". Em seguida ele abriu a carta de Mione e leu-a em voz alta.

“Queridos Rony e Harry, se estiver aí.
Espero que tudo tenha corrido bem, que Harry esteja bem e que você não tenha feito nada ilegal para tirá-lo de lá, Rony, porque isso criará problemas para o Harry também. Tenho estado realmente preocupada e, se Harry estiver bem, por favor, mande me dizer logo, mas talvez seja melhor usar outra coruja, porque acho que mais uma entrega talvez mate essa.
Estou muito ocupada, estudando, é claro...”

— Como é que pode! — exclamou Rony horrorizado. — Estamos de férias!

“E vamos a Londres na próxima quarta-feira comprar os livros novos. Porque não nos encontramos no Beco Diagonal?
Mande notícias do que está acontecendo, assim que puder. Afetuosamente, Mione”.

— Bom, isso se encaixa perfeitamente. Podemos ir comprar todo o material de vocês, também — disse a Sra. Weasley, começando a tirar a mesa. — Que é que vocês estão planejando fazer hoje?
Harry, Rony, Fred e Jorge estavam pensando em subir o morro até um pequeno prado que pertencia aos Weasley. Era cercado de árvores que bloqueavam a visão da cidadezinha embaixo, o que significava que podiam praticar Quadribol lá, desde que não voassem muito alto. Não podiam usar bolas de Quadribol de verdade, pois seria difícil explicar se escapulissem e sobrevoassem a cidade; em vez disso, atiravam maçãs uns para os outros. Revezaram-se para montar a Nimbus 2000 de Harry, que era, sem nenhum favor, a melhor vassoura; a velha Shooting Star de Rony muitas vezes perdia na corrida para as borboletas que apareciam.
Cinco minutos depois os garotos estavam subindo o morro, as vassouras nos ombros.
Tinham perguntado a Percy se queria acompanhá-los, mas ele respondera que estava ocupado. Harry até ali só tinha visto Percy às refeições; ele passava o resto do tempo trancado no quarto.
— Gostaria de saber o que ele está aprontando — disse Fred, franzindo a testa. — Está tão mudado. O resultado das provas dele chegou um dia antes de você; doze N.O.M.s e ele nem cantou vitória.
— Níveis Ordinários em Magia — explicou Jorge, vendo o olhar intrigado de Harry. — Gui recebeu doze também. Se não nos cuidarmos vamos ter outro monitor-chefe na família. Acho que não iríamos suportar a vergonha.
Gui era o filho mais velho dos Weasley. Ele e o irmão logo abaixo, Carlinhos, já tinham terminado Hogwarts. Harry nunca vira nenhum dos dois, mas sabia que Carlinhos estava na Romênia estudando dragões e Gui, no Egito, trabalhando no banco dos bruxos, o Gringotes.
— Não sei como mamãe e papai vão poder comprar todo o nosso material escolar este ano — disse Jorge depois de algum tempo. — Cinco conjuntos de livros do Lockhart! E Gina precisa de vestes, uma varinha e todo o resto...
Harry não disse nada. Sentiu-se um pouco constrangido. Guardado no cofre subterrâneo do Banco de Gringotes, em Londres, havia uma pequena fortuna que seus pais lhe haviam deixado. Naturalmente, era somente no mundo dos bruxos que ele tinha dinheiro; não se podia usar galeões, sicles e nuques em lojas de trouxas. Ele nunca mencionara aos Dursley sua conta no Banco de Gringotes, pois achava que o horror que eles tinham à magia não se estenderia a um montão de ouro.
A Sra. Weasley acordou-os bem cedo na quarta-feira seguinte. Depois de comerem rapidamente uma dúzia de sanduíches de bacon cada um, eles vestiram os casacos e a Sra. Weasley apanhou um vaso de flor no console da cozinha e espiou dentro dele.
— Estamos com o estoque baixo, Arthur — suspirou. — Teremos que comprar mais hoje...
— Ah, muito bem, hóspedes primeiro! Pode começar, Harry querido!
E ela lhe ofereceu o vaso de flor.
Harry olhou para os Weasley, que o observavam.
— Q-que é que eu tenho que fazer? — gaguejou.
— Ele nunca viajou com Pó de Flu — disse Rony de repente. — Desculpe Harry, eu me esqueci.
— Nunca? — admirou-se o Sr. Weasley. — Mas como foi que você chegou ao Beco Diagonal para comprar seu material escolar no ano passado?
— Fui de metrô...
— Verdade? — exclamou o Sr. Weasley animado. — Havia escapadas rolantes? Como é que...
— Agora não, Arthur — disse a Sra. Weasley. — O Pó de Flu é muito mais rápido, querido, mas meu Deus, se você nunca o usou antes...
— Ele vai conseguir, mamãe — disse Fred. — Harry observe a gente primeiro.
Fred apanhou uma pitada de pó brilhante no vaso de flor, foi até a lareira e atirou o pó no fogo.
Com um rugido, as chamas ficaram verde-esmeralda e mais altas do que Fred, que entrou nelas e gritou "Beco Diagonal!” e desapareceu.
— Você precisa falar bem claro, querido — disse a Sra. Weasley a Harry quando Jorge mergulhou a mão no vaso. — E se certifique se está saindo na grade certa...
— Na o quê certa? — perguntou Harry nervoso enquanto as chamas rugiam e arrebatavam Jorge de vista.
— Bem, há um número enorme de lareiras de bruxos para você escolher, sabe, mas se você falar com clareza...
— Ele vai acertar, Molly, não se preocupe — disse o Sr. Weasley, servindo-se de Pó de Flu, também.
— Mas, querido, se ele se perder, como é que iríamos explicar à tia e ao tio dele?
— Eles não se importariam — tranqüilizou-a Harry. — Duda ia achar que teria sido uma piada genial se eu me perdesse dentro de uma lareira, não se preocupe.
— Bem... Está bem... Você vai depois de Arthur — disse a Sra. Weasley. -Agora, quando entrar no fogo, diga aonde vai...
— E mantenha os cotovelos colados ao corpo — aconselhou.
— E os olhos fechados — recomendou a Sra. Weasley. — A fuligem...
— Não se mexa — disse Rony. — Ou pode acabar caindo na lareira errada... Mas cuidado para não entrar em pânico e sair antes da hora. Espere até ver Fred e Jorge. Harry, fazendo força para guardar tudo isso na cabeça, apanhou uma pitada de Pó de Flu e avançou até a beira do fogo. Inspirou profundamente, lançou o pó nas chamas e entrou; o fogo lhe lembrou uma brisa morna; ele abriu a boca e imediatamente engoliu um monte de cinzas quentes.
— B-be-co Diagonal — tossiu.
A sensação de estar sendo sugado por um enorme ralo. Ele parecia estar girando muito rápido.
O rugido em seus ouvidos era ensurdecedor.. E tentou manter os olhos abertos, mas o rodopio das chamas verdes lhe dera enjôo... Uma coisa dura bateu no seu cotovelo e ele o prendeu com firmeza junto ao corpo, sempre girando... Agora a sensação era de mãos geladas esbofeteando seu rosto... Apertando os olhos por trás dos óculos ele viu uma sucessão de lareiras indistintas e relances de aposentos além...
Os sanduíches de bacon reviravam em sua barriga... Ele tornou a fechar os olhos desejando que aquilo parasse e então... Caiu de cara no chão, em cima de uma pedra fria e sentiu a ponta dos óculos se partir.
Tonto e machucado, coberto de fuligem, ele se levantou desajeitado, segurando os óculos partidos na frente dos olhos. Estava totalmente sozinho, mas onde estava ele não fazia idéia.
Só sabia dizer que estava de pé numa lareira de pedra, em um lugar que parecia ser uma loja de bruxo grande e mal-iluminada — mas nada que havia ali tinha a menor probabilidade de aparecer numa lista de material escolar de Hogwarts.
Um mostruário próximo continha uma mão murcha em cima de uma almofada, um baralho manchado de sangue e um olho de vidro arregalado. Máscaras diabólicas o espiavam das paredes, uma variedade de ossos humanos jazia sobre o balcão e instrumentos pontiagudos e enferrujados pendiam do teto, E o que era pior, a rua estreita e escura que Harry via pela vitrine empoeirada da loja decididamente não era Beco Diagonal.
Quanto mais cedo saísse dali melhor. Com o nariz ainda doendo por causa da batida na lareira, Harry se encaminhou depressa e silenciosamente para a porta, mas antes que cobrisse metade da distância, duas pessoas apareceram do outro lado da vitrine — e uma delas era a última pessoa que Harry queria encontrar estando perdido, coberto de fuligem, com os óculos partidos: Draco Malfoy.
Harry olhou depressa a toda volta e viu um grande armário preto à esquerda; correu para ele e se fechou dentro, deixando apenas uma frestinha na porta para espiar. Segundos depois, uma sineta tocou e Malfoy entrou na loja.
O homem que entrou atrás dele só podia ser o pai. Tinha a mesma cara fina e pontuda e olhos idênticos, frios e cinzentos.
O Sr. Malfoy andou pela loja examinando descansadamente os objetos expostos e tocou uma campainha em cima do balcão antes de se virar para o filho e dizer:
— Não toque em nada, Draco.
Malfoy, que esticara a mão para o olho de vidro, retrucou:
— Pensei que você ia me comprar um presente.
— Eu disse que ia lhe comprar uma vassoura de corrida — disse o pai tamborilando no balcão.
— De que me serve uma vassoura se não faço parte do time da casa? — respondeu Malfoy, com a cara amarrada. — Harry Potter ganhou uma Nimbus 2000 no ano passado. Permissão especial de Dumbledore para ele poder jogar pela Grifinória. Ele nem é tão bom assim, só que é famoso... Famoso por ter uma cicatriz idiota na testa...
Malfoy se abaixou para examinar uma prateleira cheia de crânios.
— Todo mundo acha que ele é tão sabido, o maravilhoso Potter com sua cicatriz e sua vassoura...
— Você já me contou isso no mínimo dez vezes — disse o Sr. Malfoy, com um olhar de censura para o filho. — E gostaria de lembrar-lhe que não é, prudente, demonstrar que não gosta de Harry Potter, não quando a maioria do nosso povo acha que ele é o herói que fez o Lord das Trevas desaparecer... Ah, Sr. Borgin.
Um homem curvado aparecera atrás do balcão, alisando os cabelos untados de óleo para afastá-los do rosto.
— Sr. Malfoy, que prazer revê-lo — disse o Sr. Borgin untuoso como os seus cabelos. — Encantado, e o jovem Malfoy, também, encantado. Em que posso servi-los? Preciso lhes mostrar, chegou hoje, e a um preço muito módico...
— Não vou comprar nada hoje, Sr. Borgin, vou vender — disse o Sr. Malfoy.
— Vender? — O sorriso se embaçou levemente no rosto do Borgin.
— O senhor ouviu falar, é claro, que o Ministério está fazendo mais blitz  — disse o Sr. Malfoy, puxando um rolo de pergaminho do bolso interno do casaco e desenrolando-o para Sr. Borgin ler. — Tenho em casa uns, ah, objetos que podem me causar embaraços, se o Ministério aparecesse...
O Sr. Borgin encaixou um pincenê na ponta do nariz e percorreu a lista.
— O Ministério certamente não ousaria incomodá-lo, não é, meu senhor?
O Sr. Malfoy crispou os lábios.
— Até agora não me visitaram. O nome Malfoy ainda impõe um certo respeito, mas o Ministério está ficando cada vez mais intrometido. Há boatos de uma nova lei de proteção aos trouxas: com certeza aquele bobalhão pulguento, apreciador de trouxas, Arthur Weasley está por trás disso...
Harry sentiu uma onda escaldante de raiva.
— ... E como vê, alguns desses venenos poderiam fazer parecer...
— Compreendo, meu senhor, naturalmente — disse o Sr. Borgin. — Deixe-me ver...
— Pode me dar aquilo? — interrompeu Draco, apontando para a mão murcha sobre a almofada.
— Ah, a Mão da Glória! — disse o Sr. Borgin, abandonando a lista de Malfoy e correndo para perto de Draco. — Ponha-lhe uma vela e ela dá luz apenas a quem a segura! A melhor amiga dos ladrões e saqueadores! O seu filho tem ótimo gosto, meu senhor.
— Espero que o meu filho venha a ser mais do que um ladrão ou um saqueador, Borgin — disse o Sr. Malfoy com frieza, ao que o Sr. Borgin respondeu depressa:
— Sem ofensa, meu senhor, não tive intenção de ofender...
— Mas, se as notas dele não melhorarem — disse o Sr. Malfoy com maior frieza ainda —, pode ser que ele realmente só tenha talento para isto.
— Não é minha culpa — retrucou Draco. — Todos os professores têm alunos preferidos, aquela Hermione Granger...
— Pensei que você sentiria vergonha se uma menina que nem pertence a família de bruxos passasse a sua frente em todos os exames — comentou com rispidez o Sr. Malfoy.
— Ha! — exclamou Harry baixinho, satisfeito de ver Draco com cara de quem está ao mesmo tempo envergonhado e aborrecido.
— É a mesma coisa em toda parte — disse o Sr. Borgin, com sua voz untuosa. — Ter sangue de bruxo conta cada vez menos em toda parte...
— Não para mim — respondeu o Sr. Malfoy, com as narinas tremendo.
— Não, meu senhor, nem para mim — disse o Sr. Borgin, fazendo uma grande reverencia.
— Neste caso, talvez possamos voltar à minha lista — disse o Sr. Malfoy rispidamente. — Estou com um pouco de pressa, Borgin,  tenho negócios importantes a tratar hoje em outro lugar.
Os dois começaram a barganhar. Harry observou nervoso que Draco se aproximava cada vez mais do lugar em que ele estava escondido, examinando os objetos à venda. Draco parou para examinar um grande rolo de corda de enforcar e para ler, rindo, o cartão colocado em um magnífico colar de opalas.
Cuidado:
Não toque. Amaldiçoado. 
— Tirou a vida de dezenove donos trouxas até hoje.

Draco se virou e notou o armário bem em frente.
Adiantou-se... Esticou a mão para o puxador e...
— Fechado — disse o Sr. Malfoy ao balcão. — Vamos, Draco! Harry enxugou a testa na manga ao ver Draco se afastar — Bom dia para o senhor, Sr. Borgin. Aguardo-o amanhã em casa para apanhar a mercadoria.
No instante em que a porta se fechou, o Sr. Borgin abandonou seus modos untuosos.
— Bom dia para o senhor, Senhor Malfoy, e, se as histórias que correm forem verdadeiras, o senhor não me vendeu metade do que tem escondido em sua casa... E, continuando a resmungar ameaçador, o Sr. Borgin desapareceu no quarto dos fundos.
Harry esperou um pouco, caso ele voltasse, e, em seguida, o mais silenciosamente que pôde, saiu do armário, passou pelos mostruários de vidro e pela porta afora.
Harry olhou para os lados, segurando os óculos partidos. Saíra em uma ruela sombria que parecia totalmente ocupada por lojas que se dedicavam às Artes das Trevas. A que ele acabara de deixar, a Borgin & Burkes, parecia ser a maior, mas em frente havia uma grande coleção de cabeças jívaras na vitrine, e duas portas abaixo, uma enorme gaiola pululava com gigantescas aranhas negras. Dois bruxos mal vestidos o observavam da sombra de um portal, cochichando entre si. Apreensivo, Harry saiu caminhando, tentando segurar os óculos no lugar e esperando, sem muita esperança, conseguir encontrar uma saída daquele lugar.
Uma velha placa de madeira, pendurada acima de uma loja que vendia velas envenenadas, informava que ele se encontrava na Travessa do Tranco. Isto não adiantou muito, pois Harry nunca ouvira falar naquele lugar. Imaginou que talvez não tivesse falado com bastante clareza ao entrar na lareira dos Weasley porque tinha a boca cheia de cinzas. Pensou no que fazer, tentando ficar calmo.
— Não está perdido, está querido? — disse uma voz ao seu ouvido, assustando-o.
Uma bruxa idosa estava ao lado dele, segurando uma bandeja com objetos que se pareciam horrivelmente com unhas humanas. Ela riu dele mostrando dentes cobertos de limo. Harry recuou.
— Estou bem, obrigado — disse. — Só estou...
— HARRY! O que você está fazendo aqui?
O coração de Harry deu um salto. O da bruxa também: as unhas cascatearam por cima dos seus pés e ela começou a xingar ao mesmo tempo que a forma maciça de Hagrid, o guarda-caças de Hogwatts veio se aproximando em grandes passadas, seus olhinhos de besouros negros faiscando por cima da barba arrepiada.
— Hagrid! — exclamou Harry revelando alivio na voz rouca. Eu me perdi... Pó de Flu...
Hagrid agarrou Harry pela nuca e afastou-o da bruxa, derrubando a bandeja que ela levava, O guincho que ela soltou acompanhou-os durante todo o trajeto pelas ruelas tortuosas até tornarem a ver a luz do sol. Harry divisou a distancia um edifício de mármore muito branco que já conhecia: o Banco de Gringotes.  Hagrid o levara direto ao Beco Diagonal.
— Você está horrível! — exclamou Hagrid, espanando a fuligem que cobria Harry com tanta força que quase o derrubou numa barrica de bosta de dragão à porta da farmácia. — Se esquivando pela Travessa do Tranco, não sei, não, um lugar suspeito, Harry, não quero que ninguém o veja lá...
— Isso eu percebi — disse Harry, abaixando-se quando Hagrid fez menção de espaná-lo outra vez. — Eu lhe falei, eu me perdi, que é que você estava fazendo lá?
— Eu estava procurando repelente para lesmas carnívoras; rosnou Hagrid. — Elas estão acabando com os repolhos da escola. Você não está sozinho?
— Estou na casa dos Weasley, mas nos separamos – explicou Harry. — Tenho que encontrá-los...
Os dois começaram a descer a rua juntos.
— Por que é que você nunca respondeu às cartas?— perguntou Hagrid a Harry enquanto caminhavam (o garoto tinha que dar três passos para cada passada das enormes botas de Hagrid).
Harry explicou tudo sobre Dobby e os Dursley.
— Trouxas nojentos — rosnou Hagrid. — Se eu tivesse sabido...
— Harry! Harry! Aqui!
Harry ergueu os olhos e viu Hermione Granger parada no alto das escadas brancas de Gringotes. A garota desceu correndo ao encontro deles, os cabelos castanhos e fartos esvoaçando para trás.
— Que aconteceu com os seus óculos? Alô, Hagrid... Ah, que maravilha rever vocês...
— Vai entrar no Gringotes, Harry?
— Assim que eu encontrar os Weasley — respondeu Harry.
— Você não vai ter que esperar muito — disse Hagrid com sorriso.
Harry e Hermione se viraram: correndo pela Rua cheia de gente vinham Rony, Fred, Jorge, Percy e o Sr. Weasley.
— Harry — ofegou o Sr. Weasley. — Tivemos esperança de que você só tivesse ultrapassado uma grade de lareira... — Ele enxugou a careca reluzente. — Molly está alucinada... Aí vem ela.
— Onde foi que você saiu? — perguntou Rony.
— Na Travessa do Tranco — informou Hagrid de cara feia.
— Que ótimo!— exclamaram Fred e Jorge juntos.
— Nunca nos deixaram entrar lá — comentou Rony invejoso.
— Ainda bem — rosnou Hagrid.
A Sra. Weasley aproximava-se correndo, a bolsa balançando loucamente em uma das mãos, Gina agarrada à outra.
— Ah, Harry, ah, meu querido, você podia ter ido parar em qualquer lugar...
Tomando fôlego ela tirou uma grande escova de roupas da bolsa e começou a escovar a fuligem que Hagrid não conseguira espanar. O Sr. Weasley apanhou os óculos de Harry, deu-lhes uma batida com a varinha e os devolveu, como se fossem novos.
— Bom, tenho que ir andando — disse Hagrid, cuja mão era apertada pela Sra. Weasley ("Travessa do Tranco! Se você não o tivesse encontrado, Hagrid!"). -Vejo vocês em Hogwarts! — E o guarda-caças se afastou a passos largos, a cabeça e os ombros mais altos do que os de todo mundo na rua cheia.
— Adivinhem quem eu encontrei na Borgin & Burkes? — perguntou Harry a Rony e a Hermione enquanto subiam as escadas do Gringotes. — Malfoy e o pai dele.
— Lúcio Malfoy comprou alguma coisa? — perguntou o Sr. Weasley sério logo atrás deles.
— Não, ele estava vendendo.
— Então está preocupado — comentou o Sr. Weasley com cruel satisfação. — Ah, eu adoraria pegar Lúcio Malfoy por alguma coisa...
— Tenha cuidado, Arthur — disse a Sra. Weasley com severidade quando eram cumprimentados pelo duende à porta do banco. — Aquela família significa confusão.  Não abocanhe mais do que você pode mastigar.
— Então você não acha que sou adversário para o Lúcio Malfoy? — respondeu o Sr. Weasley indignado, mas foi distraído quase no mesmo instante pela visão dos pais de Hermione, que estavam parados nervosos no balcão que ia de uma ponta a outra do saguão de mármore, esperando que Hermione os apresentasse.
— Mas vocês são trouxas! — exclamou o Sr. Weasley encantado. — Precisamos tomar um drinque! Que é que têm aí? Ah, estão trocando dinheiro de trouxas.
— Molly, olhe! — Ele apontou excitado para as notas de dez libras na mão do Sr. Granger.
— Te encontro lá no fundo — disse Rony a Hermione quando os Weasley e Harry foram conduzidos aos cofres subterrâneos por outro duende de Gringotes.
Chegava-se aos cofres a bordo de vagonetes pilotados por duendes, que os manobravam em alta velocidade por trilhos de bitola estreita através dos túneis subterrâneos do banco.
Harry curtiu a viagem vertiginosa até o cofre dos Weasley, mas se sentiu muito mal, muito pior do que se sentira na Travessa do Tranco, quando eles o abriram. Havia uma pequena pilha de sicles de prata lá dentro e apenas um galeão de ouro. A Sra. Weasley tateou pelos cantos antes de varrer tudo para dentro da bolsa. Harry se sentiu ainda pior quando chegaram ao seu cofre. Tentou bloquear a visão do conteúdo enquanto enfiava, apressadamente, mãos cheias de moedas em uma bolsa de couro.
De volta aos degraus de mármore, eles se separaram. Percy murmurou qualquer coisa sobre a necessidade de comprar uma pena nova. Fred e Jorge tinham visto um amigo de Hogwarts, Lino Jordan. A Sra. Weasley e Gina iam a uma loja de vestes de segunda mão. O Sr. Weasley insistia em levar os Granger ao Caldeirão Furado para tomar um drinque.
— Vamos nos encontrar na Floreios e Borrões dentro de uma hora para comprar o material escolar — disse a  Sra. Weasley, se afastando com Gina. — E nem pensar em entrar na Travessa do Tranco! — gritou ela para os gêmeos que seguiam na direção oposta.
Harry, Rony e Hermione caminharam pela Rua tortuosa, calçada de pedras. A bolsa de ouro, prata e bronze que retinia alegremente no bolso de Harry estava pedindo para ser gasta, de modo que ele comprou três grandes sorvetes de morango e manteiga de amendoim, que os três lamberam felizes enquanto subiam o beco, examinando as vitrines fascinantes das lojas. Rony admirou, cobiçoso, um conjunto completo de vestes da grife Chudley Cannon, na vitrine da Artigos de Qualidade para Quadribol, até que Hermione puxou os dois para irem comprar tinta e pergaminho na loja ao lado.
Na Gambol & Japes — Jogos de Magia, eles encontraram Fred, Jorge e Lino Jordan, que estavam fazendo um estoque de fogos de artifício. Dr. Filisbuteiro, que disparavam molhados e, não aqueciam, e num brechó cheio de varinhas quebradas, balanças de latão empenadas e velhas capas manchadas de poções, os garotos deram de cara com Percy, profundamente absorto na leitura de um livro muito chato intitulado Monitores-chefes que se tornaram poderosos.
— Um estudo dos monitores-chefes de Hogwarts e suas carreiras — leu Rony alto na quarta capa. — Parece fascinante...
— Dêem o fora — disse Percy com rispidez.
— E claro que ele é muito ambicioso, o Percy já planejou tudo... Quer ser Ministro da Magia... — comentou Rony para Harry e Hermione em voz baixa quando deixaram o irmão sozinho.
Uma hora depois eles rumaram para a Floreios e Borrões. Não eram de maneira alguma os únicos que se dirigiam à livraria. Ao se aproximarem, viram, para sua surpresa, uma quantidade de gente que se acotovelava à porta da loja, tentando entrar. A razão disso estava anunciada em uma grande faixa estendida nas janelas do primeiro andar.

GILDEROY LOCKHART
Autografa sua autobiografia
“O MEU EU MÁGICO”
Hoje das 12:30h às 16:30h

— Vamos poder conhecê-lo! — gritou Hermione esganiçada. — Quero dizer, ele é o autor de quase toda a nossa lista de livros!
A aglomeração parecia ser formada, em sua maioria, por bruxas mais ou menos da idade da Sra. Weasley. Um bruxo de ar atarantado estava postado à porta, dizendo:
— Calma, por favor, minhas senhoras... Não empurrem, isso... Cuidado com os livros, agora...
Harry, Rony e Hermione espremeram-se para entrar na loja. Uma longa fila serpeava até o fundo da loja, onde Gilderoy Lockhart autografava seus livros. Cada um dos meninos apanhou um exemplar de O Livro Padrão dos Feitiços, 2ª série, e se enfiaram sorrateiros no inicio da fila onde já aguardavam os outros meninos com o Sr. e a  Sra. Weasley.
— Ah, chegaram, que bom! — disse a Sra. Weasley. Ela parecia ofegante e não parava de ajeitar os cabelos. — Vamos vê-lo em um minuto...
Aos poucos Gilderoy Lockhart se tornou visível, sentado a uma mesa, cercado de grandes cartazes com o próprio rosto, todos piscando e exibindo dentes ofuscantes de tão brancos.
O verdadeiro Lockhart estava usando vestes azul-miosótis que combinavam à perfeição com os seus olhos; seu chapéu cônico de bruxo se encaixava em um ângulo pimpão sobre os cabelos ondulados.
Um homenzinho irritadiço dançava à sua volta, tirando fotos com uma máquina enorme que soltava baforadas de fumaça púrpura a cada flash enceguecedor.
— Saia do caminho, você ai — rosnou ele para Rony, recuando para se posicionar em um ângulo melhor. — Trabalho para o Profeta Diário.
— Grande coisa — disse Rony, esfregando o pé que o fotógrafo pisara.
Gilderoy ouviu-o. Ergueu os olhos. Viu Rony — e em seguida viu Harry Potter.
Encarou-o. Então se levantou de um salto e decididamente gritou:
— Não pode ser, Harry Potter!
A multidão se dividiu, murmurando agitada; Lockhart adiantou-se, agarrou o braço de Harry e puxou-o para frente. A multidão prorrompeu em aplausos. A cara de Harry estava em fogo quando Lockhart apertou sua mão para o fotógrafo, que batia fotos feito louco, dispersando fumaça sobre os Weasley.
— Dê um belo sorriso, Harry — disse Lockhart por entre os dentes faiscantes. — Juntos, você e eu valemos uma primeira página.
Quando ele finalmente soltou a mão de Harry, o garoto não conseguia sentir os dedos. E tentou se esgueirar para junto dos Weasley, mas Lockhart passou um braço pelos seus ombros e segurou-o com firmeza ao seu lado.
— Minhas senhoras e meus senhores — disse em voz alta, ao mesmo tempo que pedia silêncio com um gesto. — Que momento extraordinário este! O momento perfeito para anunciar uma novidade que estou guardando só para mim há algum tempo!
— Quando o jovem Harry entrou na Floreios e Borrões hoje, só queria apenas comprar a minha autobiografia, com a qual eu terei o prazer de presenteá-lo agora. — A multidão tornou a aplaudir. — Ele não fazia idéia —, continuou Lockhart, dando uma sacudidela em Harry que fez os óculos do menino escorregarem para a ponta do nariz, — que em breve estaria recebendo muito, muito mais do que o meu livro O Meu Eu Mágico. Ele e seus colegas irão receber o meu eu mágico em carne e osso.
— Sim, senhoras e senhores, tenho o grande prazer de anunciar que, em setembro próximo, irei assumir a função de professor de Defesa contra as Artes das Trevas na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts!
A multidão deu vivas e bateu palmas, e Harry se viu presenteado com as obras completas de Gilderoy Lockhart. Cambaleando sob o peso dos livros, ele conseguiu fugir das luzes da ribalta para a periferia do salão, onde Gina estava parada com o seu novo caldeirão.
— Fique com eles — murmurou Harry para a menina, virando os livros no caldeirão.
— Eu vou comprar os meus...
— Aposto que você adorou isso, não foi, Potter? — disse uma voz que Harry não teve problema em reconhecer. Ele endireitou o corpo e se viu cara a cara com Draco Malfoy, que exibia o sorriso de desdém de sempre.
— O Famoso Harry Potter —, continuou Malfoy. — Não consegue nem ir a uma livraria sem parar na primeira página do jornal.
— Deixe ele em paz, ele nem queria isso — disse Gina. Era a primeira vez que falava na frente de Harry. E olhava feio para Malfoy.
— Potter, você arranjou uma namorada! — disse Malfoy arrastando as sílabas.
Gina ficou escarlate enquanto Rony e Hermione lutavam para chegar até eles, sobraçando pilhas de livros de Lockhart.
— Ah, é você — exclamou Rony, olhando para Malfoy como se ele fosse uma coisa desagradável, grudada na sola do sapato. — Aposto como ficou surpreso de ver Harry aqui, hein?
— Não tão surpreso como estou de ver você numa loja, Weasley — retrucou Malfoy. — Imagino que seus pais vão passar fome um mês para pagar todas essas compras.
Rony ficou tão vermelho quanto Gina. Largou os livros no caldeirão, também, e partiu para cima de Malfoy, mas Harry e Hermione o agarraram pelo casaco.
— Rony! — chamou o Sr. Weasley, que procurava se aproximar com Fred e Jorge. — Que é que está fazendo? Está muito cheio aqui, vamos para fora.
— Ora, ora, ora, Arthur Weasley.
Era o Sr. Malfoy. Estava parado com a mão no ombro de Draco, com um sorriso de desdém igual ao do filho.
— Lúcio — disse o Sr. Weasley, dando um frio aceno com a cabeça.
— Muito trabalho no Ministério, ouvi dizer — falou o Sr. Malfoy. — Todas aquelas blitz... Espero que estejam lhe pagando hora extra!
Ele meteu a mão no caldeirão de Gina e tirou, do meio dos livros de capa lustrosa de Lockhart, um exemplar muito antigo e surrado de um Guia Sobre Transfiguração Para Principiante.
— É óbvio que não — concluiu o Sr. Malfoy. — Ora veja, de que serve ser uma vergonha de bruxo se nem ao menos lhe pagam bem para isso?
O Sr. Weasley corou com mais intensidade do que Rony e Gina.
— Nós temos idéias muito diferentes do que é ser uma vergonha de bruxo, Malfoy.
— Visivelmente — disse o Sr. Malfoy, seus olhos claros desviando-se para o Sr. e  Sra. Granger, que observavam apreensivos. — As pessoas com quem você anda, Weasley... E pensei que sua família já tinha batido no fundo do poço...
Ouviu-se uma pancada metálica quando o caldeirão de Gina saiu voando; o Sr. Weasley se atirara sobre o Sr. Malfoy, derrubando-o contra uma prateleira. Dúzias de livros de soletração despencaram com estrondo em sua cabeça; ouviu-se um grito "Pega ele, papai" — dado por Fred e Jorge; a Sra. Weasley gritava "Não, Arthur, não"; a multidão estourou, recuando e derrubando mais prateleiras.
— Senhores, por favor, por favor! — pedia o assistente, e, depois, mais alto que a algazarra reinante. — Vamos parar com isso, cavalheiros, vamos parar com isso...
Hagrid caminhava em direção aos dois atravessando um mar de livros. Num instante ele separou o Sr. Weasley e o Sr. Malfoy. O Sr. Weasley com o lábio cortado e o Sr. Malfoy fora atingido no olho por uma Enciclopédia dos sapos. Ele ainda segurava o livro velho de Gina sobre transfiguração. Atirou-o nela, os olhos brilhando de malícia.
— Aqui, tome o seu livro, é o melhor que seu pai pode lhe dar...
E, desvencilhando-se da mão de Hagrid, chamou Draco e saíram da loja.
— Você devia ter fingido que ele não existia, Arthur — disse Hagrid, quase erguendo o Sr. Weasley do chão enquanto este endireitava as vestes. — Podre até a alma, a família toda, todo mundo sabe disso. Não vale a pena dar ouvidos a nenhum Malfoy. Sangue ruim, é o que é. Vamos agora, vamos sair daqui.
O assistente parecia querer impedi-los de sair, mas mal chegava à cintura de Hagrid e pareceu pensar duas vezes. Eles subiram apressados a rua, os Granger tremendo de susto e a  Sra. Weasley fora de si de fúria.
— Um belo exemplo para os seus filhos... Saindo no tapa em público... Que é que o Gilderoy Lockhart deve ter pensado...
— Ele estava satisfeito — informou Fred. — Você não ouviu o que ele disse quando estávamos saindo? Perguntou àquele cara do Profeta Diário se ele podia incluir a briga na notícia, disse que tudo era publicidade.
Mas foi um grupo mais sereno que voltou à lareira do Caldeirão Furado, de onde Harry, os Weasley e todas as compras iriam retornar à Toca, usando o Pó de Flu. Eles se despediram dos Granger, que iriam atravessar o bar para chegar à rua dos trouxas, do outro lado; o Sr. Weasley começou a perguntar ao casal como funcionavam os pontos de ônibus, mas parou de repente ao ver o olhar da  Sra. Weasley.
Harry tirou os óculos e guardou-os bem seguros no bolso antes de se servir do Pó de Flu. Decididamente não era o seu meio de transporte favorito.



CAPÍTULO CINCO
O salgueiro lutador

O fim das férias de verão chegou muito depressa para o gosto de Harry. Ele estava ansioso para regressar a Hogwarts, mas aquele mês na Toca fora o mais feliz de sua vida. Era difícil não ter inveja de Rony quando pensava nos Dursley e no tipo de boas-vindas que poderia esperar na próxima vez que aparecesse na Rua dos Alfeneiros.
Na última noite de férias, a Sra. Weasley fez aparecer um jantar suntuoso que incluiu todos os pratos favoritos de Harry, terminando com um pudim caramelado de dar água na boca. Fred e Jorge encerraram a noite com uma queima de fogos Filibusteiro; encheram a cozinha de estrelas vermelhas e azuis que ricochetearam do teto para as paredes durante no mínimo uma hora. Então chegou a hora da última caneca de chocolate quente e de ir para a cama.
Eles demoraram para viajar na manhã seguinte. Acordaram ao nascer do sol, mas por alguma razão pareciam ter um bocado de coisas para fazer. A Sra. Weasley corria de um lado para outro mal-humorada, procurando meias desaparelhadas e penas de escrever; as pessoas não paravam de dar encontroes nas escadas, meio vestidas, levando pedaços de torradas nas mãos; e o Sr. Weasley quase quebrou o pescoço, ao tropeçar em uma galinha solta quando atravessava o quintal carregando o malão de Gina até o carro.
Harry não conseguiu imaginar como é que oito pessoas seis malôes, duas corujas e um rato iam caber em um pequeno Ford Anglia. É claro que ele não contara com os acessórios especiais que o Sr. Weasley acrescentara.
— Nem uma palavra a Molly — cochichou ele a Harry quando abriu a mala do carro e lhe mostrou como a aumentara por artes mágicas para que a bagagem coubesse sem problemas.
Quando finalmente todos tinham embarcado no carro, a Sra. Weasley olhou para o banco traseiro, onde Harry, Rony, Fred, Jorge e Percy estavam sentados confortavelmente lado a lado e disse:
— Os trouxas sabem mais do que nós queremos reconhecer, não é? — Ela e Gina entraram no banco dianteiro que fora aumentado de tal maneira que parecia um banco de jardim público. — Quero dizer, olhando de fora, a pessoa nunca imaginaria como o carro é espaçoso, não é?
O Sr. Weasley ligou o motor e saiu do quintal, enquanto Harry se virava para trás para dar uma última olhada na casa. Mal teve tempo para pensar quando a veria outra vez e já estavam de volta: Jorge esquecera a caixa de fogos Filibusteiro. Cinco minutos depois, tornaram a parar no quintal para Fred ir buscar depressa sua vassoura. Tinham quase chegado à rodovia quando Gina gritou que deixara o diário em casa. Na altura em que tornaram a embarcar no carro eles já estavam muito atrasados e muito mal-humorados.
O Sr. Weasley olhou para o relógio e depois para a sua mulher.
— Molly, querida...
— Não, Artur.
— Ninguém veria. Esse botãozinho aqui é um multiplicador de invisibilidade que instalei, isso nos faria decolar e voar acima das nuvens. Estaríamos lá em dez minutos e ninguém saberia...
— Eu disse não, Arthur, não em plena luz do dia.
Eles chegaram à estação de King’s Cross às quinze para onze. O Sr. Weasley disparou até o outro lado da Rua para buscar carrinhos para a bagagem e todos correram para a estação.
Harry tomara o Expresso de Hogwarts no ano anterior. A parte complicada era chegar à plataforma 9 e ½, que não era visível aos olhos dos trouxas. O que a pessoa tinha que fazer era atravessar uma barreira sólida que separava as plataformas 9 e 10. Não machucava, mas tinha que ser feito com cautela, de modo que os trouxas não vissem a pessoa desaparecer.
— Percy primeiro — disse a Sra. Weasley, consultando nervosa o relógio no alto, que indicava que tinham apenas cinco minutos para desaparecer pela barreira sem ser vistos.
Percy adiantou-se com passos firmes e desapareceu. O Sr. Weasley o seguiu; depois Fred e Jorge.
— Vou levar Gina e vocês dois venham logo atrás de nós — disse a Sra. Weasley a Harry e Rony, agarrando a mão de Guia e se afastando. Num piscar de olhos as duas tinham desaparecido.
-Vamos juntos, só temos um minuto — disse Rony a Harry.
Harry verificou se a gaiola de Edwiges estava bem encaixada em cima do malão e virou o carrinho de frente para a barreira. Sentia-se absolutamente confiante; isto não era nem de longe tão desconfortável quanto usar o Pó de Flu. Os dois se abaixaram sob a barra dos carrinhos e avançaram decididos para a barreira, ganhando velocidade. Quando faltavam apenas poucos passos eles desataram a correr e... TAPUM.
Os dois carrinhos bateram na barreira e quicaram de volta; o malão de Rony caiu com estrondo, Harry foi derrubado, a gaiola de Edwiges saiu saltando pelo chão encerado e ela rolou para fora, gritando indignada; as pessoas à volta olharam e um guarda próximo berrou:
— Que diabo vocês acham que estão fazendo?
— Perdi o controle do carrinho — ofegou Harry, apertando as costelas ao se levantar. Rony teve que recolher Edwiges, a coruja fazia tanto escândalo que muitos dos circunstantes resmungaram contra a crueldade para com os animais.
— Por que não podemos atravessar? — sibilou Harry para Rony.
— Não sei...
Rony olhou desorientado para os lados. Uns dez curiosos continuavam a observá-los.
— Vamos perder o trem — cochichou Rony. — Não entendo por que o portão se fechou...
Harry olhou para o enorme relógio no alto com uma sensação ruim na boca do estômago. Dez segundos... Nove segundos... Ele levou o carrinho à frente com cautela até encostá-lo na barreira e empurrou-o com toda a força. O metal continuou sólido. — Três segundos... Dois segundos... Um segundo...
— Já foi — disse Rony, parecendo atordoado. — O trem foi embora. E se papai e mamãe não conseguirem voltar para nós?  Você tem algum dinheiro de trouxas?
Harry deu uma risada cavernosa.
— Os Dursley não me dão dinheiro há uns seis anos.
Rony encostou o ouvido na barreira fria.
— Não ouço nada — informou tenso. — Que vamos fazer? Não sei quanto tempo vai levar para mamãe e papai voltarem.
Eles olharam para os lados. As pessoas continuavam a vigiá-los, principalmente por causa dos gritos de Edwiges que não paravam.
— Acho que é melhor irmos esperar ao lado do carro — sugeriu Harry. — Estamos atraindo atenção de mais...
— Harry! — exclamou Rony, com os olhos brilhando. — O carro!
— Que tem o carro?
— Podemos voar para Hogwarts no carro!
— Mas eu pensei...
— Estamos imobilizados, certo? E temos que voltar para a escola, não é? E até os bruxos de menor idade podem usar a magia quando há uma emergência grave, seção dezenove ou coisa assim da Lei de Restrição ao...
— Mas sua mãe e seu pai... — disse Harry, empurrando mais uma vez a barreira na esperança inútil de que ela cedesse. — Como é que vão chegar em casa?
— Eles não precisam do carro! — disse Rony impaciente. — Eles sabem aparatar, sabe, desaparecer aqui e reaparecer em casa! Eles só usam o Pó de Flu e o carro porque somos todos menores e ainda não temos permissão para aparatar.
A sensação de pânico de Harry de repente se transformou em excitação.
— Você sabe voar?
— Não tem problema — disse Rony, virando o carrinho de frente para a saída. — Anda, vamos. Se nos apressarmos poderemos seguir o Expresso de Hogwarts.
Passaram então pela aglomeração de trouxas curiosos, saíram da estação e voltaram à Rua secundária onde ficara estacionado o velho Ford Anglia.
Rony destrancou a enorme mala do carro com vários toques seguidos de varinha.
Tornaram a carregar a bagagem na mala, puseram Edwiges no banco traseiro e embarcaram.
— Veja se não tem ninguém olhando — disse Rony, ligando a ignição com outro toque de varinha. Harry meteu a cabeça para fora da janela: o tráfego roncava pela estrada principal adiante, mas a rua deles estava deserta.
— Tudo bem — falou.
Rony apertou um botãozinho prateado no painel. O carro em que estavam desapareceu — e eles também. Harry sentiu o banco vibrar embaixo dele, ouviu o ruído do motor, sentiu as mãos em cima dos joelhos e os óculos em cima do nariz, mas do que conseguia ver, virara um par de olhos que flutuavam acima do chão, numa rua suja cheia de carros estacionados.
— Vamos — disse a voz de Rony vindo da direita.
E o chão e os edifícios sujos de cada lado se distanciaram e foram desaparecendo de vista, à medida que o carro decolava; em segundos, Londres inteira estava lá embaixo, enfumaçada e cintilante.
Então ouviu-se um estampido e o carro, Harry e Rony reapareceram.
— Epa — exclamou Rony, batendo no botão da invisibilidade.
— Está com defeito.
Os dois socaram o botão. O carro desapareceu. E tornou a reaparecer aos pouquinhos.
— Segure firme! — berrou Rony e pisou fundo no acelerador; eles dispararam em linha reta para dentro de nuvens baixas e repolhudas e tudo ficou cinzento e enevoado.
— E agora? — perguntou Harry, piscando diante da camada sólida de nuvens que os comprimia de todos os lados.
— Temos que ver o trem para saber que direção vamos tomar — disse Rony.
— Mergulhe outra vez... Depressa.
Eles baixaram até ficar sob as nuvens e se viraram no banco, tentando ver o solo.
— Estou vendo! — gritou Harry. — Bem na nossa frente, lá.
O Expresso de Hogwarts ia correndo embaixo deles como uma cobra vermelha.
— Rumo norte — disse Rony, verificando a bússola no painel. — Tudo bem, só vamos precisar verificar de meia em meia hora mais ou menos, segure firme... — E eles dispararam para o alto, furando as nuvens. Um minuto depois, saíram numa camada banhada de sol.
Era um mundo diferente. Os pneus do carro roçavam de leve o mar de nuvens fofas, o céu um azul forte e infinito sob um sol claro de cegar — Agora só temos que nos preocupar com os aviões — disse Rony.
Eles se entreolharam e caíram na gargalhada; durante algum tempo não conseguiram parar.
Era como se tivessem mergulhado num sonho fabuloso. Isto, pensou Harry, era sem dúvida o único modo de viajar — deixando para trás os redemoinhos e as torrinhas de nuvens branquíssimas, em um carro inundado pela Luz quente e clara do sol, com um pacotão de caramelos no porta-luvas, e a perspectiva de ver as caras invejosas de Fred e Jorge quando eles aterrissassem, suave e espetacularmente, no vasto gramado diante do castelo de Hogwarts.
Eles verificavam regularmente a posição do trem durante o vôo que os levava cada vez mais para o norte e, em cada mergulho abaixo das nuvens, descortinavam uma paisagem diferente. Londres não tardou a ficar muito para trás, substituída por campos verdes e geométricos que, por sua vez, cederam lugar a grandes extensões de terra roxa, pantanosa, uma metrópole que pululava de carros que lembravam formigas multicoloridas, cidadezinhas com igrejas de brinquedo.
Várias horas tranqüilas depois, no entanto, Harry teve que admitir que o divertimento estava começando a cansar. Os caramelos tinham deixado os dois cheios de sede e não havia nada para beber. Ele e Rony tinham despido os suéteres, mas a camiseta de Harry estava grudando no encosto do banco, e seus óculos não paravam de escorregar pela ponta do nariz suado. Ele deixara de reparar nas formas fantásticas das nuvens e agora pensava com saudades no trem, quilômetros abaixo, onde podia comprar suco de abóbora bem gelado em um carrinho empurrado por uma bruxa gorducha. Porque não tinham podido chegar à plataforma 9 e ½?
— Não pode faltar muito mais, não é? — perguntou Rony rouco, horas depois, quando o sol começou a afundar pelo chão de nuvens, fingindo-o de rosa forte.
— Pronto para verificar outra vez a posição do trem?
O trem continuava embaixo deles, contornando uma montanha de pico nevado.  Escurecera bastante sob a abóbada de nuvens.  Rony pisou fundo no acelerador e fez o carro subir outra vez, mas ao fazer isto, o motor começou a soltar um silvo agudo.
Harry e Rony trocaram olhares apreensivos.
— Provavelmente ele está cansado — disse Rony. — Nunca foi tão longe antes...
E os dois fingiram não notar o ruído que ficava cada vez mais forte, à medida que o céu ia escurecendo cada vez mais. As estrelas espocavam na escuridão.
Harry tornou a vestir o suéter, tentando fingir que não via que os limpadores do pára-brisa agora se moviam devagar, como se protestassem.
— Falta pouco — disse Rony mais para o carro do que para Harry —, falta pouco agora — e deu umas palmadinhas nervosas no painel.
Quando voltaram a voar sob as nuvens um pouco mais tarde, tiveram que apurar a vista na escuridão para encontrar um marco que conhecessem.
— Ali! gritou Harry, sobressaltando Rony e Edwiges. — Bem em frente!
Recortado no horizonte escuro, no alto do penhasco sobre o lago, estavam as torres e torrinhas do castelo de Hogwarts.
Mas o carro começara a tremer e a perder velocidade.
— Vamos — disse Rony em tom de quem quer adular, dando uma sacudidela no volante-, quase chegamos, vamos...
O motor gemia. Finos penachos de fumaça saíam por debaixo do capô. Harry viu-se agarrando as bordas do banco com toda força ao voarem em direção ao lago.
O carro deu um estremeção feio. Ao espiar pela janela, Harry viu a superfície lisa, escura e espelhada da água, um quilômetro e meio abaixo. Os nós dos dedos de Rony estavam brancos de tanto apertar o volante. O carro estremeceu outra vez.
— Vamos — murmurou Rony.
Sobrevoaram o lago... O castelo estava bem à frente... Rony apertou o acelerador.  Ouviu-se uma batida metálica e alta, um engasgo e o motor morreu de vez.
— Epa — exclamou Rony, em meio ao silêncio.
O nariz do carro afundou. Estavam caindo, ganhando velocidade, rumando direto para a parede maciça do castelo.
— Nããâââao! — berrou Rony, dando um golpe de direção; erraram o escuro muro de pedra por centímetros, porque o carro descreveu um grande arco e voou sobre as estufas às escuras, depois sobre a horta e depois sobre os gramados sombrios, perdendo altura todo o tempo.
Rony largou de vez o volante e puxou a varinha do bolso traseiro.
— PARE! PARE! — berrou, golpeando o painel e o pára-brisa, mas eles continuaram a mergulhar, o chão voando ao seu encontro...
— CUIDADO COM AQUELA ÁRVORE! — urrou Harry, atirando-se sobre o volante, mas tarde demais... CREQUE.
Com um estrondo de ensurdecer, de metal batendo em madeira, eles colidiram com um tronco avantajado e despencaram no chão com um baque forte. O vapor que saía por baixo do capô amassado formava nuvens enormes. Edwiges guinchava de terror; um galo do tamanho de uma bola de golfe latejou na cabeça de Harry onde ele batera no pára-brisa e, à sua direita, Rony deixou escapar um gemido baixo e desesperado.
— Você está bem? — perguntou Harry com urgência na voz.
— Minha varinha — respondeu Rony com a voz trêmula. — Olhe a minha varinha.
Ela quase se partira em duas; a ponta balançava inerte, segura apenas por meia dúzia de farpas de madeira.
Harry abriu a boca para dizer que tinha certeza de que poderiam consertá-la na escola, mas nem chegou a falar. Naquele mesmíssimo instante, alguma coisa bateu na lateral do carro com a força de um touro furioso, atirando Harry contra Rony, ao mesmo tempo que outra pancada igualmente pesada atingia o teto.
— Que está acontecen... — exclamou Rony, arregalando os olhos para o pára-brisa, enquanto Harry virava a cabeça em tempo dever um galho grosso como uma jibóia que o amassava. A árvore em que tinham batido atacava os dois. Curvara o tronco quase ao meio e seus ramos nodosos socavam cada centímetro do carro que conseguiam alcançar.
— Caracas! —, exclamou Rony quando outro ramo retorcido fez uma grande mossa na porta do lado dele; o pára-brisa agora vibrava sob uma saraivada de golpes aplicados por galhinhos em forma de nós, e um galho grosso como um aríete socava furiosamente o teto, que parecia estar afundando...
— Se manda! —, gritou Rony, atirando todo o peso contra a porta, mas no segundo seguinte ele era empurrado de volta contra o colo de Harry por um direto no queixo dado por outro galho.
— Estamos perdidos! —, gemeu ele quando o teto afundou, mas de repente o fundo do carro começou a vibrar — o motor pegara outra vez.
— Dê marcha ré — berrou Harry, e o carro disparou para trás; a árvore continuava a tentar atingi-los; ouviam as raízes rangerem como se se rasgassem, tentando golpeá-los enquanto se afastavam dela a toda.
— Essa — ofegou Rony — foi por pouco. Muito bem, carro.
O carro, porém, chegara ao limite de suas forças. Com dois fortes trancos, as portas se escancararam e Harry sentiu o banco deslizar para um lado. No momento seguinte ele se viu estatelado no chão úmido. Pancadas fortes lhe informaram que o carro estava ejetando a bagagem deles da mala; a gaiola de Edwiges voou pelos ares e se abriu; ela soltou um guincho raivoso e voou veloz para o castelo, sem nem ao menos olhar para trás. Então, amassado, arranhado e fumegando o carro saiu roncando pela escuridão, as lanternas traseiras brilhando com raiva.
— Volte aqui! — gritou Rony para o carro, brandindo a varinha partida. — Papai vai me matar!
Mas o carro desapareceu de vista com uma última gargalhada do cano de descarga.
— Dá para acreditar na nossa sorte? — disse Rony infeliz, abaixando-se para recolher Perebas. — De todas as árvores em que podíamos ter batido, tínhamos que bater nessa que revida?
Ele espiou por cima do ombro a velha árvore, que continuava a agitar os ramos ameaçadoramente.
— Vamos — disse Harry cansado —, é melhor irmos logo para a escola...
Não se pareceu nada com a chegada triunfal que eles tinham imaginado. Os músculos duros, enregelados e contundidos, os dois apanharam as alças dos malões e começaram a arrastá-los pela encosta gramada acima, em direção à imponente porta de entrada de carvalho.
— Acho que a festa já começou — comentou Rony, largando a mala ao pé dos degraus da entrada e indo espiar silenciosamente por uma janela iluminada. — Ei, Harry vem ver, é a Seleção!
Harry correu à janela e juntos, ele e Rony contemplaram o Salão Principal.
Uma quantidade de velas pairava no ar sobre as quatro mesas compridas e lotadas, fazendo os pratos e taças de ouro faiscarem. No alto, o teto encantado, que sempre refletia o céu lá fora, pontilhado de estrelas.
Em meio à floresta de chapéus cônicos de Hogwarts, Harry viu uma longa fila de principiantes de cara assustada entrar no Salão. Gina estava entre eles, facilmente identificável pelos cabelos da família Weasley, muito vívidos. Entrementes a Profº. McGonagall, uma bruxa de óculos que usava os cabelos presos em um coque, estava colocando o famoso Chapéu Seletor sobre um banquinho diante dos recém-chegados.
Todo ano, aquele chapéu antigo, remendado, esfiapado e sujo, selecionava os novos alunos para as quatro casas de Hogwarts (Grifinória, Lufa-Lufa, Corvinal e Sonserina). Harry lembrava-se bem da noite em que o colocara na cabeça, exatamente há um ano, e esperara petrificado, a decisão do chapéu que murmurava audivelmente em seu ouvido. Por alguns segundos terríveis ele receara que o chapéu fosse colocá-lo na Sonserina, a casa de onde saía um número maior de bruxos e bruxas das trevas do que de qualquer outra — mas ele acabara indo para a Grifinória, junto com Rony, Hermione e o resto dos Weasley. No último trimestre letivo, Harry e Rony tinham ajudado a Grifinória a ganhar o Campeonato das Casas, vencendo Sonserina pela primeira vez em sete anos.
Um garoto muito pequeno, de cabelos castanho-acinzetados foi chamado para colocar o chapéu na cabeça. O olhar de Harry passou por ele e foi pousar no lugar em que Dumbledore, o diretor, assistia à cerimônia sentado à mesa dos funcionários, sua longa barba prateada e os óculos de meia-lua brilhando à luz das velas. Vários lugares adiante, Harry viu Gilderoy Lockhart, com suas vestes azuis. E lá na ponta sentava-se Hagrid, enorme e peludo, bebendo grandes goles de sua taça.
— Espere aí... — cochichou Harry para Rony. — Há uma cadeira vaga na mesa dos funcionários... Onde está o Snape?
Severo Snape era o professor de que Harry menos gostava. Por acaso Harry era o aluno de quem Snape menos gostava também. Cruel, irônico e detestado por todo mundo, exceto pelos alunos de sua própria casa (Sonserina), Snape ensinava Poções.
— Vai ver ele está doente! — disse Rony esperançoso.
— Vai ver ele foi embora — disse Harry —, porque não conseguiu o lugar de professor de Defesa contra as Artes das Trevas outra vez!
— Ou vai ver foi despedido! — disse Rony entusiasmado. — Quero dizer, todo mundo o detesta...
— Ou vai ver — disse uma voz muito seca atrás deles — está esperando para saber por que vocês dois não chegaram no trem da escola.
Harry virou-se depressa. Ali, as vestes negras ondeando à brisa gelada, achava-se parado Severo Snape. Era um homem magro, com a pele macilenta, um nariz curvo e cabelos negros e oleosos até os ombros e, naquele momento, sorria de um jeito que dizia a Harry e Rony que eles estavam numa baita encrenca.
— Me acompanhem — disse Snape.
Sem nem ousarem se entreolhar, Harry e Rony seguiram Snape pela escada e entraram no enorme saguão cheio de ecos, iluminado por tochas. Um cheiro delicioso de comida vinha do Salão Principal, mas Snape os levou para longe do calor e da luz e desceu uma estreita escada de pedra que levava às masmorras.
— Para dentro! — disse ele, indicando a porta que abrira no corredor frio.
Eles entraram na sala de Snape, trêmulos. As paredes sombrias estavam cobertas de prateleiras com grandes frascos, em que flutuava todo tipo de coisa nojenta de que, naquele momento, Harry nem queria saber o nome. A lareira estava apagada e vazia. Snape fechou a porta e virou-se para encará-los.
— Então — disse com suavidade — o trem não é bastante bom para o famoso Harry Potter e seu leal escudeiro Weasley. Queriam chegar acontecendo, não foi, rapazes?
— Não, senhor, foi a barreira na estação de King s Cross, ela...
— Silêncio — disse Snape secamente. — Que foi que fizeram com o carro?
Rony engoliu em seco. Não era a primeira vez que Snape dava a Harry a impressão de ser capaz de ler pensamentos. Mas um momento depois, ele compreendeu, quando Snape desdobrou o Profeta Vespertino daquele dia.
— Vocês foram vistos — sibilou o professor, mostrando a manchete: FORD ANGLIA VOADOR INTRIGA TROUXAS. E começou a ler em voz alta:
 "Dois trouxas em Londres, convencidos de terem visto um velho carro sobrevoar a torre dos Correios... Ao meio-dia em Norfolk, a Sra. Hetty Bayliss, quando pendurava roupa para secar... O Sr. Angus Fleet, de Peebles, comunicou à policia..."

— Um total de seis ou sete trouxas. Acredito que o seu pai trabalha no departamento que coíbe o mal uso de artefatos dos trouxas? — perguntou ele, erguendo os olhos para Rony com um sorriso ainda mais desagradável. — Tsk, tsk, tsk... O próprio filho dele...
Harry teve a sensação de que acabara de levar um direto no estômago, aplicado por um dos ramos mais parrudos da árvore maluca. Se alguém descobrisse que o Sr. Weasley havia enfeitiçado o carro... Não tinha pensado nisso...
— Reparei na minha busca pelo parque que houve considerável dano a um salgueiro lutador muito valioso — continuou Snape.
— Aquela árvore causou mais dano a nós do que nós a... — deixou escapar Rony.
— Silêncio! — disse Snape outra vez. — Infelizmente vocês não fazem parte da minha Casa, e a decisão de expulsá-los não cabe a mim. Vou buscar as pessoas que têm este prazeroso poder. Esperem aqui.
Harry e Rony se entreolharam pálidos. Harry não sentia mais fome. Sentia-se extremamente enjoado. Tentou não olhar para uma coisa grande e pegajosa que estava suspensa em um liquido verde, em uma prateleira atrás da escrivaninha de Snape.
Se Snape tivesse ido buscar a Profª. McGonagall, diretora da Casa Grifinória, eles tampouco estariam em melhor situação.  Poderia ser mais justa do que Snape, mas era rigorosíssima. Dez minutos depois, Snape voltou e não deu outra, era a Profª. McGonagall que o acompanhava. Harry já a vira várias vezes, mas ou se esquecera como a boca da professora ficava contraída, ou nunca a vira zangada antes.
Ela ergueu a varinha no momento em que entrou. Os dois, Harry e Rony se encolheram, mas ela meramente a apontou para a lareira apagada, onde as chamas irromperam instantaneamente.
— Sentem-se — disse, e os dois recuaram e se sentaram em cadeiras junto à lareira. — Expliquem-se — disse, os óculos brilhando agourentos.
Rony saiu contando a história a começar pela barreira da estação que se recusara a deixá-los passar.
— ... Então não tivemos outra escolha, professora, não podíamos embarcar no trem.
— Por que não nos mandaram uma carta por coruja? Creio que você tem uma coruja? — disse a Profª. McGonagall, olhando para Harry com frieza.
Harry ficou boquiaberto. Agora que ela dissera, parecia a coisa óbvia para ter sido feita.
— Eu... Não pensei...
— Isto — tornou a professora — é óbvio.
Ouviu-se uma batida na porta da sala, e Snape, agora com a cara mais feliz que nunca, abriu-a. Parado à porta achava-se o diretor, o Profº. Dumbledore.
O corpo de Harry inteiro ficou insensível. Dumbledore parecia anormalmente sério.  Olhou por cima daquele nariz curvo dele, e Harry, subitamente, viu-se desejando que ele e Rony ainda estivessem apanhando do salgueiro lutador.
Fez-se um longo silêncio. Então Dumbledore disse:
— Por favor, expliquem por que fizeram isso.
Teria sido melhor se tivesse gritado. Harry detestou o desapontamento que havia na voz dele. Por alguma razão, não conseguiu encarar Dumbledore nos olhos e, em vez disso, falou para os próprios joelhos. Contou a Dumbledore tudo, exceto que o Sr. Weasley era o dono do carro enfeitiçado, fazendo parecer que ele e Rony tinham encontrado o carro voador estacionado do lado de fora da estação, por acaso.
Ele sabia que Dumbledore perceberia a coisa na mesma hora, mas o diretor não fez perguntas sobre o carro. Quando Harry terminou, ele apenas continuou a observá-los através dos óculos de meia-lua.
— Vamos buscar as nossas coisas — disse Rony com a desesperança na voz.
— De que é que está falando, Weasley? — vociferou a Profª. McGonagall.
— Bem, os senhores vão nos expulsar, não é? — disse Rony.
Harry olhou rapidamente para Dumbledore.
— Hoje não, Sr. Weasley — disse Dumbledore. — Mas preciso incutir em vocês a gravidade do que fizeram. Vou escrever às duas famílias hoje à noite.  Devo também preveni-los de que se fizerem isto de novo, não terei escolha se não expulsar os dois.
Snape fez cara de quem acaba de ouvir que o Natal foi cancelado. Pigarreou e disse:
— Profº. Dumbledore, esses garotos zombaram da lei que restringe o uso de magia por menores, causaram sérios danos a uma árvore antiga e valiosa... Com certeza atos desta natureza...
— A Proaf. McGonagall é quem decidira sobre o castigo dos meninos, Severo — disse Dumbledore calmamente. — Fazem parte da Casa dela e, portanto são responsabilidade dela. — E se virou para a professora: — Preciso voltar para a festa, Minerva, tenho que dar alguns avisos. Vamos Severo, tem uma torta de abóbora deliciosa que quero provar.
Snape lançou um olhar de puro veneno a Harry e Rony ao se deixar levar embora da sala, deixando-os sozinhos com a Profª. McGonagall, que ainda os observava como uma águia atenta.
— É melhor ir à ala hospitalar, Weasley, você está sangrando.
— Não é nada demais — disse Rony, limpando depressa com a manga o corte sobre o olho. — Professora, eu queria ver a minha irmã ser selecionada...
— A cerimônia da Seleção já terminou — respondeu ela. — Sua irmã também ficou na Grifinória.
— Ah, que bom.
— E por falar na Grifinória... — disse McGonagall muito ríspida, mas Harry a interrompeu.
— Professora, quando apanhamos o carro, o ano letivo não tinha começado, por isso... Por isso Grifinória não deve perder pontos, deve? — terminou ele, observando-a ansioso.
A Profª. McGonagall lançou-lhe um olhar penetrante e ele teve certeza de que ela quase sorrira. Pelo menos ficara menos contraída.
— Não vou tirar pontos da Grifinória — e Harry sentiu o chão muito mais leve. — Mas os dois vão receber uma detenção.
Foi melhor do que Harry esperara. Quanto a Dumbledore escrever aos Dursley, isso não era nada. Harry sabia perfeitamente que eles só iriam ficar desapontados que o salgueiro lutador não o tivesse achatado de vez.
A Profª. McGonagall ergueu novamente a varinha e apontou-a para a escrivaninha de Snape. Um grande prato de sanduíches, duas taças de prata e uma jarra de suco de abóbora gelado apareceram com um estalo.
— Vocês vão comer aqui e depois vão direto para o dormitório — disse ela. — Eu também preciso voltar à festa.
Quando a porta se fechou, Rony deixou escapar um assobio baixo e longo.
— Achei que estávamos ferrados — disse ele, agarrando o sanduíche.
— Eu também — disse Harry, servindo-se.
— Mas dá para acreditar na nossa falta de sorte? — perguntou Rony com a voz pastosa porque tinha a boca cheia de galinha e presunto. — Fred e Jorge devem ter voado naquele carro umas cinco ou seis vezes e nunca nenhum trouxa viu os dois. — Ele engoliu e deu outra grande dentada. — Por que não conseguimos atravessar a barreira?
Harry sacudiu os ombros.
— Mas vamos ter que nos cuidar daqui para frente — disse, tomando um grande gole do suco de abóbora, cheio de gratidão. — Gostaria de termos podido ir à festa...
— Ela não queria que fôssemos nos exibir — disse Rony ajuizadamente. — Não quer que as pessoas pensem que somos sabidos, porque chegamos de carro voador.
Quando acabaram de comer tudo o que puderam (o prato sempre tornava a se encher sozinho) eles se levantaram e deixaram a sala, tomando o caminho familiar para a Torre da Grifinória. O castelo estava silencioso; parecia que a festa havia acabado. Os dois passaram pelos quadros que resmungavam e as armaduras que rangiam e subiram a estreita escada de pedra, até chegarem, finalmente, à passagem onde se escondia a entrada secreta para a Grifinória, atrás do retrato a óleo de uma mulher muito gorda, de vestido de seda rosa.
— Senha? — perguntou ela quando os dois se aproximaram.
— Ããã... Ã murmurou Harry.
Eles não sabiam a senha do novo ano, ainda não tinham encontrado o monitor da Grifinória, mas o socorro chegou quase imediatamente; ouviram um tropel de passos às costas e quando se viraram deram com Hermione que corria ao encontro deles.
— Aí estão vocês! Onde se meteram? Os boatos mais ridículos... Alguém disse que vocês foram expulsos por terem batido com um carro voador.
— Bem, não fomos expulsos — garantiu-lhe Harry.
— Vocês não vão me dizer que realmente chegaram aqui voando? — disse Hermione, em tom quase tão severo quanto o da Profª. McGonagall.
— Pode poupar o sermão — disse Rony impaciente — e nos dizer qual é a nova senha.
— É "maçarico” — respondeu Hermione impaciente —, mas não é isto que está em questão...
Suas palavras, porém, foram interrompidas, pois o retrato da mulher gorda se abriu em meio a uma repentina tempestade de aplausos. Parecia que todos os alunos da Grifinória ainda estavam acordados, espremidos na sala comunal redonda, trepados nas mesas fora de esquadro e nas poltronas que afundavam, esperando os dois chegarem.
Braços passaram pela abertura do retrato para puxar Harry e Rony para dentro, deixando Hermione subir depois e sozinha.
— Genial! — berrou Lino Jordan. — Um achado! Que entrada! Aterrissar um carro voador no salgueiro lutador, vão comentar isso durante anos!
"Parabéns", disse um quintanista com que Harry nunca falara antes; alguém dava palmadinhas em suas costas como se ele tivesse acabado de ganhar uma maratona; Fred e Jorge abriram caminho por entre os colegas aglomerados e perguntaram ao mesmo tempo:
— Por que não viemos no carro, hein? Rony estava com a cara vermelha e sorria constrangido, mas Harry acabava de ver uma pessoa que não parecia nada feliz.
Percy era visível por cima das cabeças de uns alunos de primeira série animados, e parecia estar querendo se aproximar o suficiente para começar a ralhar com eles. Harry cutucou Rony nas costelas e fez sinal em direção a Percy. Rony entendeu na mesma hora.
— Temos que subir... Um pouco cansados — disse ele e os dois começaram a abrir caminho em direção à porta do lado oposto da sala, que levava à escada circular e aos dormitórios.
— Noite — Harry falou por cima do ombro para Hermione, que estava com uma cara tão feia quanto Percy.
Os garotos conseguiram chegar ao outro lado da sala comunal, ainda recebendo palmadinhas nas costas, e alcançaram a paz das escadas. Subiram a escada correndo, direto para cima e, finalmente, chegaram à porta do antigo dormitório, que agora tinha um letreiro que dizia ALUNOS DE SEGUNDA SÉRIE. Entraram no quarto circular que já conheciam, com camas de quatro colunas e cortinas de veludo vermelho, e suas janelas altas e estreitas. Seus malões tinham sido trazidos até o quarto e colocados aos pés das camas.
Rony sorriu com ar de culpa para Harry.
— Sei que não devia ter curtido isso nem nada, mas...
A porta do dormitório se escancarou e por ela entraram os outros segundanistas da Grifinória, Simas Finnigan, Dino Thomas e Neville Longbottom.
— Inacreditável!— exclamou Simas radiante.
— Legal — disse Dino.
— Um assombro! — acrescentou Neville atônito.
Harry não conseguiu se controlar e sorriu também.

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