sexta-feira, 10 de junho de 2011

Lua Nova, Capítulos 19 ao 24 (Últimos Capítulos)

19. CORRIDA 

Chegamos a nosso vôo com segundos de folga, e então a tortura começou. O avião permaneceu na pista enquanto as comissárias de bordo andavam – com muita despreocupação – de um lado a outro do corredor, dando tapinhas nas malas no compartimento no alto para se assegurar de que estava tudo ajustado. Os pilotos inclinaram-se para fora da cabine, conversando com elas quando passaram. A mão de Alice era dura em meu ombro, segurando-me em meu lugar enquanto eu quicava ansiosa na poltrona. – É mais rápido do que correr – lembrou-me ela numa voz baixa.Eu só assenti no ritmo de meu balanço. Enfim o avião saiu preguiçosamente do portão, ganhando velocidade com uma constância gradual que me torturou ainda mais. Eu esperava algum tipo de alívio quando chegamos à decolagem, mas minha impaciência frenética não se atenuou. Alice ergueu o telefone nas costas da poltrona da frente antes que terminássemos de subir, dando as costas para as comissárias que a olhavam com reprovação. Algo na expressão dela impediu que as comissárias de bordo viessem protestar. Tentei não sintonizar no que Alice murmurava com Jasper; eu não queria ouvir as palavras de novo, mas parte delas escapou. – Não tenho certeza, eu continuo vendo-o fazer coisas diferentes, ele fica mudando de idéia... Uma matança pela cidade, atacando a guarda. Levantando um carro no alto na praça principal... Principalmente atitudes que os exporiam... Ele conhece a forma mais rápida de forçar uma reação... Não, você não pode. – A voz de Alice diminuiu até que ficou quase inaudível, embora eu estivesse sentada a centímetros dela. Ao contrário, eu me esforcei mais para ouvir. – Diga a Emmett que não... Bom, vá atrás de Emmett e de Rosalie e traga-os de volta... Pense nisso, Jasper. Se ele vir qualquer um de nós, o que acha que vai fazer?
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Ela assentiu. – Exatamente. Acho que Bella é a única chance... Se houver uma chance... Vou fazer de tudo o que puder, mas prepare Carlisle; as probabilidades não são boas. Ela então riu e houve um embaraço na voz dela. – Pensei nisso... Sim, prometo. – Sua voz ficou suplicante. – Não venha atrás de mim. Eu prometo, Jasper. De uma forma ou de outra, vou sair... E eu te amo. Ela desligou, recostando-se na poltrona de olhos fechados. – Odeio mentir para ele. – Me diga uma coisa, Alice – pedi. – Eu não entendi. Por que você disse a Jasper para impedir Emmett, por que eles não podem nos ajudar? – Por dois motivos – sussurrou ela de olhos ainda fechados. – O principal eu disse a ele. Nós poderíamos impedir Edward sozinhos... Se Emmett conseguisse pôr as mãos nele, poderíamos detê-lo por tempo suficiente para convencê-lo de que você está viva. Mas não podemos nos aproximar sorrateiramente de Edward. E se ele pressentir nossa aproximação, vai agir muito mais rápido. Vai atirar um Buick num muro ou coisa assim, e os Volturi o pegarão. E, então, vem o segundo motivo, o motivo que não pude dizer a Jasper. Porque, se eles estiverem lá, e os Volturi matarem Edward, eles vão lutar, Bella. Ela abriu os olhos e me fitou, suplicante. – Se houvesse alguma possibilidade de vencermos... Se houvesse um modo de um de nós quatro salvar meu irmão lutando junto com ele, talvez fosse diferente. Mas não podemos, e, Bella, eu não posso perder Jasper desse jeito. Percebi por que seus olhos suplicavam por minha compreensão. Ela estava protegendo Jasper, a nossa custa e talvez à custa de Edward também. Eu entendi e não pensei mal dela. Assenti. – Mas Edward não poderia ouvir você? – perguntei. – Ele não saberia, assim que ouvisse seus pensamentos, que eu estava viva, que não havia sentido nenhum nisso?
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Não que existisse alguma justificativa, de um modo ou de outro. Eu ainda não conseguia acreditar que ele era capaz de reagir desse jeito. Não fazia sentido! Lembrei-me da clareza dolorosa de suas palavras naquele dia no sofá, enquanto víamos Romeu e Julieta se matarem, um depois do outro. Eu não ia viver sem você, disse-me, como se fosse uma conclusão óbvia. Mas as palavras que ele dissera no bosque, quando me deixou, anularam todas as outras – à força. – Se ele estivesse ouvindo – explicou ela. – Mas, você pode não acreditar, é possível mentir com os pensamentos. Se você tivesse morrido, eu ainda tentaria detê-lo. E estaria pensando “Ela está viva, ela está viva” com a maior intensidade que pudesse. Ele sabe disso. Cerrei os dentes numa frustração muda. – Se houvesse alguma maneira de fazer isso sem você, Bella, eu não a colocaria assim em perigo. É muito errado de minha parte. – Não seja idiota. Sou a última coisa com que deve se preocupar. – Sacudi a cabeça com impaciência. – Me explique o que você quis dizer quando falou em odiar mentir para Jasper. Ela deu um sorriso melancólico. – Eu prometi a ele que sairia de lá antes que eles me matassem também. Não é algo que eu possa garantir... de maneira nenhuma. – Ela ergueu as sobrancelhas, como se me incitasse a levar o perigo mais a sério. – Quem são esses Volturi? – perguntei num sussurro. – O que os torna muito mais perigosos do que Emmett, Jasper, Rosalie e você? – Era difícil imaginar algo mais assustador do que isso. Ela respirou fundo, depois de repente lançou um olhar sombrio por sobre meu ombro. Virei-me a tempo de ver o homem na poltrona do corredor desviando os olhos como se não estivesse nos ouvindo. Parecia um executivo, num terno escuro com uma gravata de cor elétrica e um laptop nos joelhos. Enquanto eu o olhava irritada, ele abriu o computador e muito disfarçadamente colocou os fones de ouvido. Inclinei-me para mais perto de Alice. Seus lábios estavam em minha orelha quando ela sussurrou a história.
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– Fiquei surpresa de você reconhecer o nome – disse ela. – Que você entendesse tão de imediato o que eu quis dizer... Quando falei que ele ia para a Itália. Pensei que eu tivesse de explicar. Até que ponto Edward contou a você? – Ele só disse que era uma família antiga e poderosa... Como a realeza. Que não se criariam problemas com eles a não ser que se quisesse... morrer – sussurrei. A última palavra foi difícil de pronunciar. – Você precisa entender – disse ela, a voz mais lenta, mais estudada agora. – Nós, os Cullen, somos singulares de muitas maneiras, além das que você conhece. É... anormal que tanto de nós vivam juntos em paz. O mesmo acontece com a família de Tanya, no norte, e Carlisle especula que a abstinência torna mais fácil sermos civilizados, formar vínculos baseados no amor e não na sobrevivência ou na convivência. Até o pequeno bando de James, com apenas três, era incomumente grande... E você viu com que facilidade Laurent os deixou. Nossa espécie viaja sozinha, ou em duplas, em geral. A família de Carlisle é a maior que existe, pelo que sei, com uma exceção. Os Volturi. Eles eram originalmente três: Aro, Caius e Marcus. – Eu os vi – murmurei. – No quadro no estúdio de Carlisle. Alice assentiu. – Duas mulheres se juntaram a eles com o passar do tempo, e os cinco formam uma família. Não sei bem, mas desconfio de que é a idade deles que lhe permite a vida em paz juntos. Eles têm bem mais de 3.000 anos. Ou talvez seus dons confiram uma tolerância a mais. Como Edward e eu, Aro e Marcus são... talentosos. Ela continuou antes que eu pudesse perguntar. – Ou talvez eles sejam unidos pelo amor que têm pelo poder. A realeza é uma descrição adequada. – Mas se eles são só cinco... – Cinco que formam uma família... – corrigiu ela. – Isso não inclui a guarda deles. Respirei fundo. – Isso parece... importante.
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– Ah, e é mesmo – garantiu-me ela. – Havia nove membros permanentes da guarda, da última vez que eu soube. Outros são mais... transitórios. Muda muito. E muitos também são dotados... de poderes formidáveis, perto dos quais o que fazemos parece truque mágico. Os Volturi os escolhem por suas habilidades, físicas ou outras.Abri a boca, depois a fechei. Acho que não queria saber que as chances eram tão ruins. Ela assentiu de novo, como se entendesse exatamente o que eu estava pensando. – Eles não são confrontados muitas vezes. Ninguém é idiota para criar caso com eles. Ficam em sua cidade, saindo só para os chamados do dever. – Dever? – perguntei. – Edward não lhe contou o que eles fazem? – Não – eu disse, sentindo a expressão perplexa em meu rosto. Alice olhou por sobre minha cabeça de novo, para o executivo; e encostou os lábios gelados em minha orelha. – Há um motivo para que ele os tenha chamado de realeza... A classe governante. Com o passar dos milênios, eles assumiram o encargo do cumprimento de nossas regras... O que pode ser traduzido como castigar os transgressores. E eles cumprem esse dever até o fim. Meus olhos saltaram, arregalados de choque. – Existem regras? – perguntei numa voz que saiu alta demais. – Shhh! – Não deveriam ter falado disso comigo antes? – cochichei com raiva. – Quer dizer, eu queria ser uma... uma de vocês! Não deveriam ter me explicado as regras? Alice riu de minha reação. – Não é assim tão complicado, Bella. Só há uma restrição essencial... E, se você pensar bem, pode deduzir isso sozinha. Eu pensei no assunto. – Não, não faço idéia. Ela sacudiu a cabeça, decepcionada.
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– Talvez seja óbvia demais. Temos que manter nossa existência em segredo. – Ah – murmurei. Era mesmo óbvia. – Faz sentido, e a maioria de nós não precisa ser policiada – continuou ela. – Mas, depois de alguns séculos, às vezes alguém fica entediado. Ou louco. Não sei. E então os Volturi interferem antes que isso possa comprometê-los ou ao restante de nós. – Então Edward... – Pretende desconsiderar isso na cidade deles... A cidade que eles mantêm secretamente há três mil anos, desde a época dos etruscos. Eles protegem tanto sua cidade que não permitem que cacem dentro de seus muros. Volterra deve ser a cidade mais segura do mundo... Pelo menos de ataque de vampiros. – Mas você disse que eles não saem. Como eles comem? – Eles não saem. Buscam a comida deles fora, às vezes muito longe. Isso dá a guarda algo para fazer, quando não estão aniquilando dissidentes fora dali. Ou protegendo Volterra da exposição... – De situações como esta, como Edward – concluí a frase por ela. Agora era incrivelmente fácil dizer o nome dele. Eu não tinha certeza de qual seria a diferença. Talvez porque eu não pretendesse na realidade viver muito mais tempo sem vê-lo. Ou apenas viver, se chegássemos tarde demais. Era reconfortante saber que eu tinha uma saída fácil. – Duvido de que eles tenham visto uma situação dessas – murmurou ela, revoltada. – Não se conhecem muitos vampiros suicidas. O som que escapou de minha boca era muito baixo, mas Alice pareceu entender que era um grito de dor. Ela passou o braço magro e forte por meus ombros. – Vamos fazer o que for possível, Bella. Ainda não acabou. – Ainda não. – Deixei que ela me reconfortasse, embora soubesse que ela considerava pequenas as nossas chances. – E os Volturi vão nos pegar se fizermos besteira. Alice se enrijeceu. – Você diz isso como se fosse algo bom.
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Eu dei de ombros. – Pare com isso, Bella, ou vamos descer em Nova York e voltar para Forks. – O quê? – Você sabe. Se chegarmos atrasadas a Edward, eu vou fazer o máximo possível para levá-la de volta a Charlie, e não quero nenhum problema vindo de você. Entendeu isso? – Claro, Alice. Ela recuou um pouco para me olhar. – Sem problemas. – Palavra de escoteiro – murmurei. Ela revirou os olhos. – Agora preciso me concentrar. Estou tentando ver o que ele está planejando. Ela manteve o braço à minha volta, mas deixou a cabeça tombar no banco e fechou os olhos. Comprimiu a mão livre na face, esfregando a ponta dos dedos na têmpora. Eu a observei, fascinada, por um bom tempo. Por fim, ela ficou completamente imóvel, seu rosto como uma escultura de pedra. Os minutos se passaram, e, se não a conhecesse bem, pensaria que estava dormindo. Não me atrevi a interrompê-la para perguntar o que estava havendo. Eu queria ter algo seguro em que pensar. Não podia me permitir considerar os horrores para onde estávamos indo ou, mais pavoroso ainda, a possibilidade de fracassarmos – não se eu quisesse reprimir um grito. Eu não podia esperar nada também. Talvez, se tivéssemos muita, muita, mas muita sorte mesmo, talvez eu fosse capaz de salvar Edward de algum modo. Mas eu não era idiota a ponto de pensar que salvá-lo significaria que ficaria com ele. Eu não estava diferente, não era mais especial do que antes. Não haveria nenhum motivo para ele me querer agora. Vê-lo e perdê-lo de novo... Lutei contra a dor. Esse era o preço que eu tinha de pagar por salvar a vida dele. E eu pagaria.
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Exibiram um filme no avião e meu vizinho colocou os fones de ouvido. Às vezes eu via as figuras se mexerem na pequena tela, mas não conseguia sequer dizer se o filme era romântico ou de terror. Depois de uma eternidade, o avião começou a descer em Nova York. Alice continuava em seu transe. Eu estremeci, estendendo a mão para tocá-la, mas puxei de volta. Isso aconteceu uma dezena de vezes antes de o avião tocar a cidade com um impacto vibrante. – Alice – eu disse por fim. – Alice, temos que ir. Toquei seu braço. Seus olhos se abriram muito devagar. Ela sacudiu a cabeça por um momento. – Alguma novidade? – perguntei em voz baixa, consciente do homem ouvindo do outro lado. – Não exatamente – sussurrou ela numa voz que eu mal pude entender. – Ele está se aproximando. Está decidindo como vai pedir. Tivemos de correr para pegar nossa conexão, mas isso foi bom – melhor do que ter de esperar. Assim que o avião ganhou o ar, Alice fechou os olhos e deslizou para o mesmo estupor de antes. Esperei com a maior paciência que pude. Quando ficou escuro de novo, levantei a cobertura da janela para olhar para fora, para a completa escuridão que não era melhor do que a o vidro coberto. Fiquei grata por ter tantos meses de prática no controle de meus pensamentos. Em vez de insistir nas possibilidades terríveis de que, independentemente do que Alice dissesse, eu não sobreviveria, concentrei-me nos problemas menores. Por exemplo, o que eu ia dizer a Charlie se voltasse? Esse era um problema espinhoso que me ocuparia várias horas. E Jacob? Ele prometera esperar por mim. Mas a promessa ainda seria válida? Eu terminaria em casa sozinha em Forks, sem ninguém? Talvez eu não quisesse sobreviver, acontecesse o que acontecesse. Pareciam ter se passado segundos quando Alice sacudiu meu ombro – eu não tinha percebido que dormira. – Bella – sibilou ela, a voz um pouco alta demais na cabine escura, cheia de humanos adormecidos.
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Eu não estava desorientada – não tinha desligado por tempo suficiente para isso. – Qual o problema? Os olhos de Alice cintilaram na luz fraca da lâmpada de leitura na fila atrás da nossa. – Não é problema. – Ela sorriu. – É bom. Eles estão deliberando, mas decidiram lhe dizer “Não”. – Os Volturi? – murmurei, grogue. – Claro, Bella, acorde. Posso ver o que eles vão dizer. – Me conte. Um comissário de bordo chegou na ponta dos pés pelo corredor. – Posso trazer um travesseiro para as senhoritas? – Seu sussurro era uma repreensão a nossa conversa comparativamente alta. – Não, obrigada – Alice abriu um sorriso radiante para ele, um sorriso escandalosamente encantador. A expressão do comissário era perplexa enquanto ele se virava e cambaleava de volta. – Me conte – sussurrei quase em silêncio. Ela cochichou em meu ouvido. – Eles estão interessados nele... Acham que seu talento pode ser útil. Vão oferecer um lugar com eles. – O que ele vai dizer? – Ainda não posso ver, mas aposto que será em cores. – Ela sorriu de novo. – Esta é a primeira notícia boa... A primeira pausa. Eles estão intrigados; na verdade, não querem destruí-lo... “Desperdício”, foi a palavra que Aro usou... E isso pode ser o bastante para obrigá-lo a ser criativo. Quanto mais tempo ele passar com seus planos, melhor para nós. Não foi o suficiente para me dar esperanças, para provocar em mim o alívio que ela sentia. Ainda havia muitas maneiras de nos atrasarmos. E se eu não conseguisse passar pelos muros da cidade dos Volturi, se eu não conseguisse impedir Alice de me arrastar de volta para casa? – Alice?
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– Sim? – Estou confusa. Como você vê isso com tanta clareza? E nas outras vezes, você viu coisas distantes... Coisas que não aconteceram? Seus olhos endureceram. Perguntei-me se ela adivinhava o que eu estava pensando. – Está claro porque é imediato e próximo, e eu estou realmente me concentrando. As coisas distantes que chegam sozinhas... estas são só vislumbres, possibilidades fracas. Além disso, vejo minha espécie com mais facilidade do que a sua. Edward é ainda mais fácil porque estou sintonizada com ele. – Às vezes você me vê – lembrei a ela. Ela sacudiu a cabeça. – Não com tanta clareza. Suspirei. – Queria muito que você pudesse estar certa a meu respeito. No começo, quando você viu coisas sobre mim, antes até de nos conhecermos... – O que quer dizer? – Você me viu como uma de vocês. – Eu mal sussurrei as palavras. Ela suspirou. – Na época, era uma possibilidade. – Na época – repeti. – Na verdade, Bella... – Ela hesitou, depois pareceu tomar uma decisão. – Sinceramente, acho que tudo isso está além do ridículo. Estou considerando se eu mesma transformo você. Eu a fitei, paralisada de choque. De imediato, minha mente resistiu às palavras dela. Eu não poderia suportar esse tipo de esperança se ela mudasse de idéia. – Assustei você? – perguntou ela. – Pensei que fosse o que você queria. – Eu quero! – arfei. – Ah, Alice, faça isso agora! Posso ajudar tanto você... E eu não seria mais tão lenta. Me morda!
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– Shhh – alertou ela. O comissário olhava para nós novamente. – Procure ser razoável – sussurrou. – Não temos tempo para isso. Temos que chegar a Volterra amanhã. Você vai ficar se retorcendo de dor durante dias. – Ela fez uma careta. – E não acho que os outros passageiros vão reagir bem. Mordi meu lábio. – Se você não fizer agora, vai mudar de idéia. – Não. – Ela franziu o cenho, a expressão infeliz. – Não acho que vá. Ele vai ficar furioso, mas o que poderá fazer? Meu coração bateu mais rápido. – Absolutamente nada. Ela riu baixinho, depois suspirou. – Você tem muita confiança em mim, Bella. Não sei bem o que eu [i]posso[/i] fazer. É provável que eu acabe matando você. – Eu arrisco. – Você é tão estranha, até para uma humana. – Obrigada. – Ah, mas a essa altura isso é puramente hipotético, de qualquer modo. Primeiro temos que sobreviver ao dia de amanhã. – Bom argumento. – Pelo menos eu tinha motivos para ter esperança, e conseguíssemos. Se Alice cumprisse sua promessa, e se ela não me matasse, Edward poderia correr atrás das distrações que quisesse, e eu o seguiria. Eu não o deixaria se distrair. Talvez, quando eu fosse linda e forte, ele não quisesse mais distrações. – Volte a dormir – estimulou-me ela. – Vou acordá-la quando houver alguma novidade. – Tudo bem – grunhi, certa de que agora o sono era uma causa perdida. Alice pôs as pernas na poltrona, passando os braços por elas e encostando a testa nos joelhos. Ela se balançava para se concentrar. Eu pousei minha cabeça na poltrona, observando-a, e em seguida só o que vi foi ela fechando a cortina para obstruir o brilho fraco do céu, a leste. – O que está acontecendo? – murmurei. – Eles disseram “Não” – disse ela rapidamente.
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Percebi de imediato que seu entusiasmo se fora. Minha voz ficou presa na garganta, de pânico. – O que ele vai fazer? – No começo, foi caótico. Só peguei vislumbres, ele estava mudando de planos com muita rapidez. – Que tipo de planos? – pressionei. – Houve uma hora ruim – sussurrou ela. – Ele decidiu sair para caçar. Ela me olhou, vendo a incompreensão em meu rosto. – Na cidade – explicou ela. – Chegou muito perto. Mudou de idéia no último minuto. – Ele não ia querer decepcionar Carlisle – murmurei. – Não no fim. – É provável – concordou ela. – Haverá tempo? – Enquanto eu falava, houve uma alteração na pressão da cabine. Pude sentir o avião descendo. – Espero que sim... Se ele se prender à última decisão que tomou, talvez. – Qual foi? – Ele vai agir da forma mais simples. Apenas vai andar para o sol. Só andar para o sol. Só isso. Seria o bastante. A imagem de Edward na campina – cintilante, faiscando como se sua pele fosse feita de um milhão de facetas de diamantes – ardia em minha memória. Nenhum humano que visse aquilo se esqueceria. Os Volturi não permitiriam. Não se quisessem manter a cidade discreta. Olhei a luz cinzenta que brilhava pelas janelas abertas. – Vamos chegar tarde demais – sussurrei, minha garganta se fechando de pânico. Ela sacudiu a cabeça. – Neste momento, ele tende ao melodramático. Ele quer a maior platéia possível, então vai escolher a praça principal, sob o relógio da torre. Os muros são altos ali. Ele vai esperar até que o sol esteja a pino.
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– Então temos até o meio-dia? – Se tivermos sorte. Se ele se prender a essa decisão. O piloto falou no intercomunicador, anunciando, primeiro em francês e depois em inglês, nosso pouso iminente. As luzes dos cintos de segurança se acenderam e piscaram. – A que distância Volterra fica de Florença? – Depende da velocidade a que você dirige... Bella? – Sim? Ela me lançou um olhar especulativo. – Até que ponto você se oporia a um roubo de carro? Um Porsche amarelo-vivo cantou pneu e parou a alguns metros de onde eu andava, a palavra TURBO escrita em letra cursiva prata na traseira. Todos do meu lado na calçada lotada do aeroporto se viraram para olhar. – Rápido, Bella! – gritou Alice com impaciência pela janela do carona. Corri para a porta e me joguei para dentro, sentindo que podia muito bem estar usando uma meia preta na cabeça. – Meu Deus, Alice – reclamei. – Não podia ter roubado um carro mais discreto? O interior era de couro preto e as janelas, fumê. Eu me senti mais segura ali dentro, como na hora de dormir. Alice já estava costurando no trânsito, rápido demais, passando pelo tráfego intenso do aeroporto – entrando por espaços minúsculos entre os carros enquanto eu me encolhia e me atrapalhava com o cinto de segurança. – O que me importa – corrigiu-me ela – é se eu podia ter roubado um carro mais rápido, e acho que não. Eu tive sorte. – Tenho certeza de que isso será muito reconfortante num bloqueio da polícia. Ela deu uma risada.
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– Confie em mim, Bella. Se alguém montar um bloqueio, será atrás de nós. – Ela então pisou no acelerador, como se quisesse provar seu argumento. Eu devia ter olhado pela janela enquanto a cidade de Florença e a paisagem de Toscana disparavam por nós numa velocidade de borrão. Era minha primeira viagem a algum lugar, e talvez fosse também a última. Mas a direção de Alice me apavorava, apesar do fato de eu saber que podia confiar nela atrás do volante. E eu estava torturada demais de ansiedade para realmente ver as colinas ou as cidades muradas que pareciam castelos ao longe. – Você vê algo mais? – Algo está acontecendo? – murmurou Alice. – Uma espécie de festival. As ruas estão cheias de gente e bandeiras vermelhas. Que dia é hoje? Eu não sabia muito bem. – Dezenove, talvez? – Ora, que ironia. É o Dia de São Marcos. – O que isso significa? Ela riu sombriamente. – A cidade promove uma comemoração todo ano. Segundo a lenda, um missionário cristão, um padre Marcos... na verdade, Marcus dos Volturi... expulsou todos os vampiros de Volterra há mil e quinhentos anos. A história diz que ele foi martirizado na Romênia, ainda tentando eliminar a praga de vampiros. É claro que isso é um absurdo... Ele jamais saiu da cidade. Mas é daí que vêm algumas superstições sobre coisas como crucifixos e alho. O padre Marcus as usava com sucesso. E os vampiros não perturbam Volterra, então elas devem ter funcionado. – Seu sorriso era sardônico. – Passou a ser mais uma celebração da cidade, o reconhecimento pela força policial... Afinal, Volterra é uma cidade incrivelmente segura. A polícia leva o crédito. Eu estava percebendo o que ela queria dizer quando falou que era irônico. – Não vão ficar muito felizes se Edward criar confusão para eles no Dia de São Marcos, não é?
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Ela sacudiu a cabeça, a expressão melancólica. – Não. Vão agir com muita rapidez. Olhei para fora, lutando contra meus dentes enquanto eles tentavam romper a pele de meu lábio inferior. Um sangramento não era uma boa idéia agora. O sol estava terrivelmente alto no céu azul-claro. – Ele ainda pretende fazer isso ao meio-dia? – verifiquei. – Sim. Está decidido a esperar. E eles estão esperando por ele. – Me diga o que tenho de fazer. Ela mantinha os olhos na estrada sinuosa – o ponteiro do velocímetro tocava a extremidade mais distante do mostrador. – Não tem de fazer nada. Ele só precisa ver você antes de ir para a luz. E precisa ver você antes de me ver. – Como vamos fazer isso? Um carrinho vermelho parecia estar correndo de ré enquanto Alice passou zunindo por ele. – Vou colocar você o mais perto possível, e depois você vai correr na direção que eu apontar. Eu assenti. – Procure não tropeçar – acrescentou ela. – Hoje não temos tempo para uma concussão. Eu grunhi. Isso seria bem típico – eu estragar tudo, destruir o mundo, num momento de trapalhada. O sol continuava a subir no céu enquanto Alice corria contra ele. Era forte demais, e isso me deixou em pânico. Talvez ele não achasse necessário esperar até o meio-dia, afinal. – Lá – disse Alice de repente, apontando a cidade encastelada no alto da colina mais próxima. Olhei, sentindo a primeira pontada de um novo tipo de medo. A cada minuto, desde a manhã de ontem – parecia ter se passado uma semana –, quando Alice falou o nome dele ao pé da escada, só houve um medo. E, no entanto, agora, ao fitar os antigos muros castanho-avermelhados e as torres que coroavam o alto da colina íngreme, senti um tipo mais egoísta de medo percorrer meu corpo.
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Imaginei que a cidade era linda. Isso me apavorou completamente. – Volterra – anunciou Alice numa voz monótona e gélida.
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20. VOLTERRA 

Começamos a subida íngreme e a estrada ficou congestionada. À medida que seguíamos, os carros ficavam juntos demais para que Alice costurasse como louca por entre eles. Reduzimos a velocidade, quase parando, atrás de um pequeno Peugeot caramelo. – Alice – gemi. O relógio no painel parecia estar se acelerando. – É a única maneira de entrar – ela tentou me tranqüilizar. Mas sua voz era tensa demais para ser reconfortante. Os carros continuavam a avançar, um de cada vez. O sol caía intensamente, parecendo já estar a pino. Os carros se arrastaram um por um para a cidade. À medida que nos aproximávamos, pude ver os carros estacionados dos dois lados da rua, as pessoas saindo para seguir a pé o restante do caminho. De início pensei que era só impaciência – algo que eu podia entender com facilidade. Mas depois chegamos a uma curva e pude ver o estacionamento lotado fora dos muros da cidade, a multidão passando pelos portões a pé. Ninguém tinha permissão para entrar de carro. – Alice – sussurrei com urgência. – Eu sei – disse ela. O rosto esculpido em gelo. Agora que eu estava prestando atenção, e que nos arrastávamos bem devagar para perceber, vi que ventava muito. As pessoas que se espremiam pelo portão seguravam os chapéus e tiravam o cabelo do rosto. As roupas se inflavam em volta delas. Também percebi que a cor vermelha estava em tudo. Camisetas vermelhas, chapéus vermelhos, bandeiras vermelhas pendendo como fitas compridas de cada lado do portão, chicoteando ao vento – enquanto eu olhava, o lenço vermelho brilhante que uma mulher prendera no cabelo soltou-se numa súbita rajada de vento. Girou no ar, acima dela, retorcendo-se como se estivesse vivo. Ela estendeu a mão, pulando, mas ele continuou a flutuar para o alto, um retalho cor de sangue contra os muros antigos e opacos.
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– Bella. – Alice falou rapidamente numa voz feroz e baixa. – Não consigo ver o que o guarda aqui vai decidir agora... Se não der certo, você terá de ir sozinha. Vai ter de correr. Apenas vá perguntando pelo Palazzo dei Priori e corra na direção que lhe apontarem. Não se perca. – Palazzo dei Priori, Palazzo dei Priori – repeti o nome várias vezes, tentando gravá-lo. – Ou “A torre do relógio”, se falarem sua língua. Vou dar a volta e tentar encontrar um lugar isolado atrás da cidade, onde possa pular o muro. Eu assenti. – Palazzo dei Priori. – Edward estará sob o relógio da torre, no lado norte da praça. Há um beco estreito à direita, e ele estará ali, na sombra. Você precisa chamar a atenção dele antes que ele ande para o sol. Assenti furiosamente. Alice estava quase na frente da fila. Um homem de uniforme azul-marinho orientava o fluxo do trânsito, direcionando os carros para longe do estacionamento cheio. Estes manobravam e voltavam para encontrar uma vaga no acostamento da estrada. Então chegou a voz de Alice. O homem uniformizado movimentava-se preguiçosamente, desatento. Alice acelerou, passando por ele e indo para o portão. Ele gritou alguma coisa, mas ficou onde estava, acenando frenético para evitar que o carro seguinte seguisse nosso mau exemplo. O homem no portão vestia um uniforme igual. À medida que nos aproximávamos dele, as hordas de turistas passavam, abarrotando as calçadas, olhando com curiosidade para o Porsche abusado e berrante. O guarda foi para o meio da rua. Alice posicionou o carro com cuidado antes de parar. O sol batia em minha janela, e ela estava na sombra. Ela estendeu a mão depressa para trás do banco e pegou algo na bolsa. O guarda contornou o carro com uma expressão irritada e bateu na janela com raiva.
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Ela baixou a janela até a metade e eu o vi vacilar ao ver o rosto por trás do vidro escuro. – Desculpe, só ônibus de turismo podem entrar na cidade hoje, senhorita – disse em inglês, com forte sotaque. Ele agora se desculpava, como se quisesse ter notícias melhores para a mulher incrivelmente bonita. – É um tour particular – disse Alice, abrindo um sorriso sedutor. Ela estendeu a mão pela janela, para a luz do sol. Fiquei paralisada até perceber que ela usava luvas caramelo até o cotovelo. Alice pegou a mão dele, ainda levantada depois de bater na janela, e a puxou para o carro. Colocou algo na palma da mão e dobrou os dedos dele em volta. O rosto do homem estava perplexo quando ele recolheu a mão e olhou o grosso rolo de notas que segurava. A de fora era de mil dólares. – É alguma piada? – murmurou ele. O sorriso de Alice era ofuscante. – Só se você achar engraçado. Ele a fitou, os olhos arregalados. Olhei nervosa para o relógio do painel. Se Edward mantivesse seus planos, só nos restavam cinco minutos. – Estou com um pouquinho de pressa – sugeriu ela, ainda sorrindo. O guarda piscou duas vezes, depois meteu o dinheiro no colete. Afastou-se um passo da janela e acenou para seguirmos. Nenhuma das pessoas que passavam pareceu perceber a troca silenciosa. Alice entrou na cidade e nós duas suspiramos de alívio. A rua era muito estreita, pavimentada com pedras da mesma cor das construções marrom-canela desbotadas que escureciam a rua com sua sombra. Tinha a aparência de um beco. Bandeiras vermelhas decoravam as paredes a poucos metros umas das outras, voando no vento que assoviava pela rua estreita. O caminho estava abarrotado e o tráfego a pé atrapalhava nosso progresso.
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– Só um pouco mais – Alice me encorajou; eu agarrava a maçaneta da porta, pronta para me atirar na rua assim que ela mandasse. Ela dirigia arrancando apressada e parando de repente, e as pessoas na multidão agitavam os punhos para nós e diziam palavras de irritação que fiquei feliz por não entender. Ela entrou numa viela que não devia ter sido feita para carros; pessoas chocadas tiveram de se espremer na soleira das portas enquanto passávamos de raspão. Encontramos outra rua no final. As construções eram mais altas ali; elas se aproximavam no alto, de modo que nenhum sol tocava o pavimento – as bandeiras vermelhas que se agitavam de cada lado quase se encontravam. A multidão era mais compacta ali do que em qualquer outro lugar. Alice freou o carro. Abri minha porta antes que parássemos completamente. Ela apontou para onde a rua se abria num trecho claro. – Lá... Estamos na extremidade sul da praça. Atravesse correndo, para a direita do relógio da torre. Vou encontrar um caminho por trás... Sua respiração parou de repente, e quando ela falou de novo a voz era um silvo. – Eles estão em toda parte! Fiquei onde estava, mas ela me empurrou para fora do carro. – Esqueça eles. Você tem dois minutos. Vá, Bella, vá! – gritou, saindo do carro ao falar. Não parei para ver Alice se misturar às sombras. Não parei para fechar a porta do carro. Empurrei uma mulher pesadona para fora do caminho e corri, de cabaça baixa, prestando pouca atenção a qualquer coisa que não fossem as pedras irregulares sob meus pés. Ao sair da rua escura, o sol forte que batia na praça principal ofuscou minha visão. O vento sibilou em mim, fazendo meu cabelo voar para os olhos e me cegando ainda mais. Não admira que eu só tenha visto o muro de gente quando esbarrei nele. Não havia caminho, nenhuma fresta entre os corpos espremidos. Empurrei-os furiosamente, lutando contra as mãos que me empurravam para trás.
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Ouvi exclamações de raiva e até de dor enquanto lutava para passar, mas nenhuma em uma língua que eu entendesse. Os rostos eram um borrão de raiva e surpresa, cercados pelo vermelho onipresente. Uma loura fez cara feia para mim, o cachecol vermelho enrolado em seu pescoço parecia uma ferida horrenda. Uma criança, erguida nos ombros de um homem para ver por sobre a multidão, sorriu para mim, os lábios esticados sobre presas falsas de vampiro. A multidão empurrava à minha volta, girando-me para o lado errado. Fiquei feliz porque o relógio era bem visível, ou nunca manteria o rumo certo. Mas os dois ponteiros apontavam para o sol impiedoso e, embora eu me enfiasse violentamente entre a multidão, sabia que era tarde demais. Eu não estava nem na metade do caminho. Não conseguiria. Era idiota, lenta e humana, e todos morreríamos por causa disso. Desejei que Alice fugisse. Desejei que me visse de alguma sombra escura e soubesse que eu tinha falhado, assim poderia ir para casa, para Jasper. Apurei os ouvidos, acima das exclamações de raiva, tentando ouvir o som da descoberta: o ofegar, talvez o grito, enquanto Edward entrava no campo de visão de alguém. Mas houve uma brecha na multidão – pude ver uma bolha de espaço à frente. Empurrei com urgência naquela direção, sem perceber, até ferir as canelas nos tijolos, que era uma fonte quadrada e larga instalada no meio da praça. Quase gritei de alívio quando mergulhei a perna na beira e corri com a água até os joelhos. Ela se espalhava ao meu redor enquanto eu atravessava a fonte. Mesmo no sol, o vento era glacial e a água tornava o frio realmente doloroso. Mas a fonte era enorme; pude atravessar o centro da praça em segundos. Não parei quando cheguei à outra borda – usei o muro baixo como trampolim, atirando-me na multidão. As pessoas agora se afastavam mais facilmente de mim, evitando a água gelada que se espalhava pingando de minhas roupas molhadas enquanto eu corria. Olhei o relógio de novo.
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Um carrilhão grave e retumbante ecoou pela praça. Fez pulsarem as pedras sob meus pés. As crianças gritaram, tapando as orelhas. E comecei a gritar enquanto corria. – Edward! – gritava, sabendo que era inútil. A multidão era ruidosa demais e minha voz estava fraca por causa do esforço. Mas eu não conseguia parar de gritar. O relógio soou de novo. Passei correndo por uma criança nos braços da mãe – eu cabelo era quase branco no sol ofuscante. Uma roda de homens altos, todos de blazer vermelho, me advertiu gritando quando irrompi por eles. O relógio soou novamente. Do outro lado dos homens de blazer, havia uma brecha na multidão, um espaço entre os espectadores que vagavam a esmo à minha volta. Meus olhos procuraram a passagem escura e estreita à direita do prédio quadrado e largo sob a torre. Eu não conseguia ver no nível da rua – ainda havia gente demais no caminho. O relógio soou outra vez. Agora era difícil enxergar. Sem a multidão para bloquear o vento, ele açoitava meu rosto e ardia em meus olhos. Não tinha certeza de ser esse o motivo de minhas lágrimas ou se era por causa da derrota, enquanto o relógio soava novamente. Uma pequena família de quatro pessoas estava mais perto da entrada do beco. As duas meninas estavam de vestido vermelho, com fitas da mesma cor prendendo os cabelos escuros para trás. O pai não era alto. Parecia que eu podia ver algo brilhante nas sombras, pouco além de seu ombro. Corri para eles, tentando enxergar através das lágrimas urticantes. O relógio bateu e a menina menor apertou as mãos contra as orelhas. A mais velha, que batia na cintura da mãe, abraçou-se à perna dela e olhou as sombras atrás deles. Enquanto eu observava, ela cutucou o cotovelo da mulher e apontou para a escuridão. O relógio bateu e agora eu estava muito perto. Eu estava bastante perto para ouvir a voz aguda da menina. O pai me encarou surpreso quando abri caminho entre eles, gritando sem parar o nome de Edward.
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A menina mais velha riu e fez um comentário para a mãe, gesticulando para as sombras de novo, impacientemente. Eu me desviei do pai – ele tirou o bebê de meu caminho – e disparei para a fresta escura atrás deles, enquanto o relógio soava sobre minha cabeça. – Edward, não! – gritei, mas minha voz se perdeu no rugido do carrilhão. Agora eu podia vê-lo. E podia ver que ele não podia me ver. Era ele mesmo, desta vez não era alucinação. Percebi que minhas ilusões eram mais falhas do que eu pensara; elas nunca lhe fizeram justiça. Edward estava de pé, imóvel como uma estátua, a apenas alguns metros da entrada do beco. Seus olhos estavam fechados, as olheiras de um roxo-escuro, os braços relaxados ao lado do corpo, a palma das mãos voltada para a frente. Sua expressão estava muito tranqüila, como se estivesse tendo sonhos agradáveis. A pele marmórea de seu peito estava à mostra – havia um pequeno monte de tecido branco a seus pés. A luz refletida pelo calçamento da praça brilhava fraca em sua pele. Nunca vi nada mais lindo – mesmo enquanto eu corria, ofegando e gritando, pude perceber. E os últimos sete meses nada significaram. E as palavras dele no bosque nada significaram. E não importava se ele não me quisesse. Eu jamais desejaria nada a não ser ele, não importa o quanto vivesse. O relógio bateu e ele deu um longo passo para a luz. – Não! – gritei. – Edward, olhe para mim! Ele não ouvia. Sorria de modo muito sutil. Levantou o pé para dar o passo que o colocaria diretamente sob o sol. Eu me choquei contra ele com tanta intensidade que a força teria me atirado no chão se os braços dele não tivessem me agarrado e segurado. Perdi o fôlego e minha cabeça pendeu para trás. Seus olhos escuros se abriram devagar enquanto o relógio soava novamente. Ele olhou para mim numa surpresa muda.
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– Incrível – disse ele, a linda voz cheia de admiração, um tanto divertida. – Carlisle tinha razão. – Edward – tentei dizer, ofegante, mas minha voz não saía. – Você tem de voltar para a sombra. Tem de sair daqui! Ele parecia bestificado. Sua mão afagou meu rosto com delicadeza. Ele não pareceu perceber que eu tentava obrigá-lo a voltar. Eu podia estar empurrando as paredes do beco, a julgar pelo progresso que fazia. O relógio soou, mas ele não reagiu. Foi muito estranho, porque eu sabia que nós dois corríamos um risco mortal. Ainda assim, naquele instante, eu me senti bem. Inteira. Pude sentir meu coração batendo no peito, o sangue pulsando quente e rápido por minhas veias de novo. Meus pulmões encheram-se do doce aroma que vinha da pele dele. Era como se nunca tivesse havido um buraco em meu peito. Eu estava perfeita – não curada, mas como se nunca tivesse havido nenhuma ferida. – Nem acredito em como foi rápido. Não senti nada... Eles são muito bons – refletiu ele, fechando outra vez os olhos e apertando os lábios contra meu cabelo. A voz dele era como mel e veludo. – A morte, que sugou todo o mel de teu doce hálito, não teve poder nenhum sobre tua beleza – murmurou ele, e reconheci a fala de Romeu junto ao túmulo. O relógio soou sua última badalada. – Você tem exatamente o mesmo cheiro de sempre – continuou. – Então talvez isso seja o inferno. Não me importo. Eu aceito. – Não estou morta – interrompi. – Nem você! Por favor, Edward, temos de sair daqui. Eles não devem estar longe! Lutei em seus braços e sua testa se franziu de confusão. – O que foi isso? – perguntou ele educadamente. – Não estamos mortos, ainda não! Mas temos que sair daqui antes que os Volturi... A compreensão faiscou em seu rosto enquanto eu falava. Antes que eu pudesse terminar, ele de repente me puxou da beira da sombra e me girou sem esforço, pondo-me atrás dele, com as costas coladas à parede de tijolos, enquanto olhava o beco. Seus braços se abriram, protetores, na minha frente.
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Olhei por baixo de seu braço e vi duas formas negras destacadas no escuro. – Saudações, cavalheiros – a voz de Edward era superficialmente calma e agradável. – Não acho que vou precisar de seus serviços hoje. Agradeceria muito, porém, se transmitissem minha gratidão a seus senhores. – Não deveríamos ter esta conversa em um lugar mais apropriado? – sussurrou uma voz suave de forma ameaçadora. – Não acredito que será necessário. – A voz de Edward agora era mais dura. – Sei de suas instruções, Felix. Não quebrei nenhuma regra.– Felix se referia apenas à proximidade do sol – disse a outra sombra num tom brando. Os dois estavam ocultos por mantos cinza até o chão que ondulavam ao vento. – Procuraremos um abrigo melhor. – Estarei bem atrás de vocês – disse Edward num tom seco. – Bella, por que não volta para a praça e desfruta do festival? – Não, traga a garota – disse a primeira sombra, de algum modo imprimindo um tom faminto a seus sussurros. – Acho que não. – A falsa civilidade desaparecera. A voz de Edward era seca e gélida. Sua postura mudou minimamente e pude ver que ele se preparava para lutar. – Não – murmurei a palavra. – Shhhh – murmurou ele, só para mim. – Felix – alertou a segunda sombra, mais razoável. – Aqui não. – Ele se virou para Edward. – Aro quer apenas falar com você de novo, se afinal decidiu não nos forçar a agir. – Claro – concordou Edward. – Mas a menina fica livre. – Temo que não seja possível – disse com pesar a sombra educada. – Temos regras a obedecer. – Então eu temo que seja incapaz de aceitar o convite de Aro, Demetri. – Está bem – rugiu Felix.
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Meus olhos estavam se adaptando à sombra escura e pude ver que Feliz era muito alto, grande e de ombros largos. Seu tamanho me lembrou Emmett. – Aro ficará decepcionado – suspirou Demetri. – Tenho certeza de que sobreviverá a decepção – respondeu Edward. Felix e Demetri aproximaram-se sorrateiros da entrada do beco, separando-se um pouco para que pudessem atacar Edward dos dois lados. Eles pretendiam obrigá-lo a penetrar ainda mais no beco, para evitar uma cena. Nenhuma luz refletida chegava à pele deles; estavam seguros dentro do manto. Edward não se mexeu um centímetro. Estava condenando a si mesmo ao me proteger. De repente, Edward girou a cabeça para a escuridão do beco tomado pelo vento e Demetri e Felix fizeram o mesmo, em resposta a algum som ou movimento sutil demais para meus sentidos. – Vamos nos comportar, sim? – sugeriu uma voz cadenciada. – Há senhoras presentes. Alice colocou-se de maneira casual ao lado de Edward, numa atitude despreocupada. Não havia nenhum sinal de tensão disfarçada. Ela parecia muito pequena e frágil. Seus braçinhos balançavam como os de uma criança. E, no entanto, Demetri e Felix se endireitaram, os mantos oscilando um pouco enquanto uma rajada de vento se afunilava no beco. A expressão de Felix se tornou amarga. Ao que parecia, não lhes agradava ficar em mesmo número. – Não estamos sós – ela advertiu. Demetri olhou por sobre o ombro. A alguns metros na praça, a pequena família, com as meninas de vestido vermelho, nos observava. A mãe falava insistentemente com o marido, de olho em nós cinco. Ela virou o rosto quando Demetri encontrou seu olhar. O homem se afastou alguns passos para dentro da praça e deu um tapinha no ombro de um dos homens de blazer vermelho. Demetri sacudiu a cabeça. – Vamos ao menos discutir isso em particular.
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Seis homens de vermelho se juntaram à família enquanto nos observavam com uma expressão ansiosa. Eu estava muito consciente da posição protetora de Edward, à minha frente – certa de que tinha sido isso que alarmara as pessoas. Queria gritar para que corressem. Os dentes de Edward trincaram de forma audível. – Não. Felix sorriu. – Basta. A voz era alta, aguda, e veio de trás de nós. Espiei por sobre outro braço de Edward e vi uma forma pequena e escura vindo em nossa direção. Pelo modo como a silhueta ondulava, eu sabia que devia ser outro deles. Quem mais? De início pensei que fosse um garoto. O recém-chegado era minúsculo como Alice, tinha cabelos castanho-claros curtos e lisos. O corpo sob o manto – que era mais escuro, quase negro – era magro e andrógino. Mas o rosto era bonito demais para um menino. Os olhos grandes e os lábios cheios fariam um anjo de Botticelli parecer uma gárgula. Mesmo considerando as íris opacas e vermelhas. Seu tamanho era tão insignificante que a reação ao seu aparecimento me confundiu. Felix e Demetri relaxaram de imediato, recuando de suas posições ofensivas para se juntarem novamente às sombras das paredes enormes. Edward baixou os braços e também relaxou – mas de derrota. – Jane – suspirou ele, em reconhecimento e resignação. Alice cruzou os braços, a expressão impassível. – Acompanhem-me – falou Jane de novo, a voz infantil e monótona. Ela deu de costas para nós e vagou em silêncio para o escuro. Felix gesticulou para que fôssemos primeiro, com um sorriso falso.
Alice seguiu a pequena Jane de imediato. Edward passou o braço em minha cintura e me puxou para o lado dele. O beco descia um pouco à medida que se estreitava. Eu o encarei com perguntas frenéticas nos olhos, mas ele apenas sacudiu a cabeça. Embora eu
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não pudesse ouvir os outros atrás de nós, tinha certeza de que estavam ali. – Bem, Alice – disse Edward de forma despreocupada enquanto andávamos. – Acho que não deveria me surpreender de ver você aqui. – O erro foi meu – respondeu Alice no mesmo tom. – Era obrigação minha corrigi-lo. – O que aconteceu? – A voz dele era educada, como se ele mal estivesse interessado. Imaginei que isso se devesse aos ouvidos atrás de nós.–É uma longa história. – Os olhos de Alice bateram em mim e se desviaram. – Em resumo, ela pulou de um penhasco, mas não estava tentado se matar. Bella anda praticando esportes radicais ultimamente. Corei e voltei meus olhos para a frente, procurando a sombra escura que não conseguia mais ver. Podia imaginar que agora ele estava ouvindo os pensamentos de Alice. Quase-afogamento, perseguição de vampiros, amigos lobisomens... – Hmmm – disse Edward brevemente, e o tom despreocupado de sua voz sumira. Havia uma curva aberta para o beco, ainda descendo, então não enxerguei o final chegando até que alcançamos o paredão de tijolos plano, sem janelas. A pequenina Jane não estava em lugar nenhum que eu visse. Alice não hesitou, não diminuiu o ritmo enquanto andava para a parede. Depois, com uma graça tranqüila, ela deslizou para uma abertura na rua. Parecia um ralo, afundado no ponto mais baixo do calçamento. Não o tinha notado até Alice desaparecer, mas a grade já estava puxada meio de lado. O buraco era pequeno e escuro. Empaquei. – Está tudo bem, Bella – disse Edward em voz baixa. – Alice vai pegar você.
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Olhei o buraco, na dúvida. Imaginei que ele teria ido primeiro se Demetri e Felix não estivessem esperando, presunçosos e em silêncio, atrás de nós. Eu me agachei, balançando as pernas na abertura estreita. – Alice? – sussurrei, a voz trêmula. – Estou bem aqui, Bella – garantiu-me ela. Sua voz vinha de muito longe para que eu me sentisse melhor. Edward pegou meus pulsos – suas mãos pareciam pedras no inverno – e me abaixou na escuridão. – Pronta? – perguntou ele. – Largue-a – gritou Alice. Fechei os olhos para não ver a escuridão, apertando-os de pavor, trancando a boca para não gritar. Edward me soltou. Foi silencioso e curto. O ar passou por mim durante meio segundo e depois, com um sopro enquanto eu soltava o ar, os braços de Alice me pegaram. Eu ia ficar com hematomas; os braços eram muito duros. Ela me colocou de pé. No fundo havia pouca luz, mas não era escuro. A claridade que vinha do buraco proporcionava um brilho suave, refletindo-se úmida nas pedras sob meus pés. A luz desapareceu por um segundo e Edward era uma radiância branca e fraca a meu lado. Ele passou o braço em mim, segurando-me a seu lado, e começou a me conduzir rapidamente para a frente. Envolvi sua cintura fria com os braços, tropecei e cambaleei pela superfície de pedra irregular. O som da grade pesada deslizando pelo bueiro atrás de nós soou como um ponto final metálico. A luz fraca da rua logo se perdeu na escuridão. O som de meus passos vacilantes ecoava pelo espaço negro; parecia muito largo, mas eu não tinha certeza. Não houve outros sons além de meu coração frenético e de meus pés nas pedras molhadas – exceto uma vez, quando um suspiro impaciente surgiu atrás de mim.
Edward me segurava com firmeza. Ele estendeu a mão livre para segurar meu rosto também, o polegar suave acompanhando meus lábios. De vez em quando, sentia seu rosto apertado contra meu
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cabelo. Percebi que aquele era o único reencontro que teríamos e me apertei mais junto dele. Naquele momento, parecia que ele me queria, e isso foi o bastante para afugentar o pavor do túnel subterrâneo e dos vampiros à espreita atrás de nós. Provavelmente, não passava de culpa – a mesma culpa que o compelira a vir aqui para morrer quando ele acreditou que eu me matara por causa dele. Mas senti seus lábios pressionando silenciosamente minha testa e não me importei com seus motivos. Pelo menos eu podia estar com ele mais uma vez antes de morrer. Isso era melhor do que uma vida longa. Desejei poder perguntar a ele o que de fato estava para acontecer. Queria desesperadamente saber como iríamos morrer – como se saber de antemão de algum modo tornasse aquilo melhor. Mas eu não podia falar, nem mesmo aos sussurros, cercados como estávamos. Os outros podiam ouvir tudo – cada respiração minha, cada batimento cardíaco. O caminho sob nossos pés continuava a descer, fazendo-nos penetrar mais fundo no chão, e isso me deixou claustrofóbica. A única coisa que me impediu de gritar foi a mão de Edward, suave em meu rosto. Eu não sabia de onde vinha a luz, mas ela lentamente transformou o negro em cinza-escuro. Estávamos em um túnel baixo, em arco. Faixas longas de uma água cor de ébano escorriam pelas pedras cinzentas, como se elas estivessem sangrando tinta. Eu tremia e pensei que fosse de medo. Só quando meus dentes começaram a bater percebi que estava com frio. Minhas roupas ainda estavam molhadas e a temperatura sob a cidade era invernal. Como a pele de Edward. Ele percebeu isso ao mesmo tempo que eu e me soltou, segurando apenas minha mão. – N-n-não – gaguejei, atirando os braços a seu redor. Eu não me importava de congelar. Quem sabia quanto tempo ainda tínhamos? Sua mão fria esfregou meu braço, tentando me aquecer com o atrito.
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Corremos pelo túnel, ou me parecia que estávamos correndo. Meu progresso lento irritou alguém – acho que Felix – e o ouvi suspirar de vez em quando. No final do túnel havia uma grade – as barras de ferro estavam enferrujados, mas eram grossas como meu braço. Uma porta pequena feita de barras mais finas entrelaçadas estava aberta. Edward passou por ela e foi depressa para um espaço de pedra maior e mais iluminado. A grade se fechou com um cleng, seguido pelo estalo de uma tranca. Eu estava com medo demais para olhar para trás. Do outro lado do espaço comprido havia uma porta de madeira pesada e baixa. Era muito grossa – pude perceber porque essa, também, estava aberta. Passamos pela porta e eu olhei em volta surpresa, relaxando automaticamente. A meu lado, Edward se contraiu, a mandíbula trincada.
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21. VEREDICTO 

Estávamos num corredor nada extraordinário, bem iluminado. As paredes eram quase brancas, o chão acarpetado de um cinza industrial. Lâmpadas fluorescentes retangulares e comuns espaçavam-se uniformemente pelo teto. Estava mais quente ali, e fiquei grata por isso. O corredor parecia muito agradável depois da escuridão dos horripilantes esgotos de pedra. Edward não parecia concordar com minha avaliação. Olhava sombriamente o longo corredor, na direção da figura magra e escura no final, parada perto de um elevador. Ele me puxou consigo, e Alice seguiu a meu lado. A porta pesada se fechou rangendo atrás de nós, depois ouve o baque de uma tranca sendo posta no lugar. Jane esperava junto ao elevador, com uma das mãos mantendo as portas abertas para nós. Sua expressão era apática. Dentro do elevador, os três vampiros que pertenciam aos Volturi relaxaram ainda mais. Jogaram os mantos, deixando que o capuz caísse nos ombros. Felix e Demetri tinham a pele meio azeitonada – era estranha, combinada com a palidez de giz. O cabelo preto de Felix era curto, mas o de Demetri caía em ondas até os ombros. As íris eram de um vermelho-escuro nas bordas, escurecendo até que ficavam pretas em volta da pupila. Sob os mantos, as roupas eram modernas, claras e indefiníveis. Eu me espremi no canto, encolhendo-me junto a Edward. Sua mão ainda esfregava meu braço. Ele não tirou os olhos de Jane. O elevador fez uma viagem curta; saímos no que parecia a elegante recepção de uma empresa. As paredes eram revestidas de madeira, o piso com um carpete grosso, verde-escuro. Não havia janelas, mas pinturas grandes e muito iluminadas do interior da Toscana penduradas em toda parte as substituíam. Sofás de couro claro estavam arrumados em grupos aconchegantes e as mesas reluzentes tinham vasos de cristal cheios de buquês de cores vibrantes. O cheiro das flores me lembrou um velório.
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No centro da sala havia um balcão de mogno encerado. Olhei pasma a mulher atrás dele. Ela era alta, de pele morena e olhos verdes. Seria muito bonita em qualquer outra companhia – mas não naquela. Porque era tão humana quanto eu. Não consegui compreender o que aquela humana estava fazendo ali, totalmente à vontade, cercada de vampiros. Ela deu um sorriso de boas-vindas educado. – Boa tarde, Jane – disse. Não houve surpresa em seu rosto quando ela olhou para quem acompanhava Jane. Nem para Edward, com seu peito nu cintilando um pouco nas luzes brancas, nem para mim, desgrenhada e comparativamente horrível. Jane a cumprimentou com a cabeça. – Gianna. – Ela seguiu para um grupo de portas duplas nos fundos da sala, e nós fomos atrás. Do outro lado das portas de madeira havia um tipo de recepção diferente. O rapaz pálido de terno cinza pérola podia muito bem ser gêmeo de Jane. Seu cabelo era mais escuro e os lábios não eram tão cheios, mas era tão lindo quanto. Ele veio nos receber. Sorriu, estendendo a mão. – Jane. – Alec – respondeu ela, abraçando o rapaz. Eles se beijaram no rosto. Depois ele olhou para nós. – Mandaram-na pegar um e você voltou com dois... e meio – observou ele, olhando para mim. – Bom trabalho. Ela riu. O som era vivo de prazer, como os de um bebê. – Bem-vindo de volta, Edward – Alec o cumprimentou. – Você parece estar com o humor melhor hoje. – Um pouco – concordou Edward num tom monótono. Olhei sua expressão dura e me perguntei como seu humor poderia ter estado mais sombrio antes. Alec riu e me examinou enquanto eu grudava ao lado de Edward. – E essa é a causa de todo o problema? – perguntou, cético. Edward limitou-se a sorrir, a expressão desdenhosa. Depois ficou parado.
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– É minha – disse Felix casualmente de trás. Edward se virou, um rosnado baixo se formando em seu peito. Felix sorriu – a mão estava erguida, a palma para cima; ele dobrou os dedos duas vezes, convidando Edward a avançar. Alice tocou o braço de Edward. – Paciência – alertou. Eles trocaram um longo olhar e desejei poder ouvir o que ela lhe dizia. Imaginei que tivesse algo a ver com não atacar Felix, porque Edward respirou fundo e se virou para Alec. – Aro ficara muito satisfeito por vê-lo novamente – disse Alec, como se nada tivesse acontecido. – Não vamos fazê-lo esperar – sugeriu Jane. Edward assentiu uma vez. Alec e Jane, de mãos dadas, foram na frente por outro corredor largo e ornamentado – haveria afinal um fim? Ignoraram as portas no final do corredor – inteiramente folheadas de ouro –, parando no meio do caminho e deslocando parte do revestimento, expondo uma porta de madeira comum. Não estava trancada. Alec a manteve aberta para Jane. Eu quis gemer quando Edward me puxou para o outro lado da porta. Era a mesma pedra antiga da praça, do beco e dos esgotos. E estava escuro e frio de novo. A antecâmara de pedra não era grande. Abria-se logo em um espaço oco e mais iluminado, perfeitamente redondo, como um torreão imenso de castelo... O que provavelmente devia ser. Dois andares acima, longas fendas lançavam seus retângulos de sol no piso de pedra. Não havia luz artificial. A única mobília na sala eram várias cadeiras de madeira imensas, como tronos, espaçadas de forma irregular, alinhadas nas paredes curvas de pedra. No meio do círculo, numa leve depressão, havia outro ralo. Perguntei-me se eles usavam aquilo como saída, como o buraco na rua.
A sala não estava vazia. Algumas pessoas se reuniam numa conversa que aparentava ser relaxada. O murmúrio de vozes baixas e suaves era um zumbido delicado no ar. Enquanto eu observava, duas mulheres pálidas com vestidos de verão pararam em um trecho de luz
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e, como prismas, a pele delas lançou uma luz em centelhas de arco-íris nas paredes castanho-avermelhadas. Todos os belos rostos viraram-se para nosso grupo enquanto entrávamos na sala. A maioria dos imortais estava vestida de calças e blusas discretas – peças que não chamariam nenhuma atenção nas ruas. Mas o homem que falou primeiro usava um dos mantos longos, preto feito breu e roçando no chão. Por um momento, pensei que seu cabelo longo e preto fosse o capuz do manto. – Jane, minha cara, você voltou! – disse ele com evidente prazer. A voz era apenas um suspiro suave. Ele avançou e o movimento fluiu com uma graça tão surreal que fiquei estarrecida e boquiaberta. Até Alice, de quem cada movimento parecia uma dança, não se comparava com aquilo. Fiquei ainda mais pasma quando ele se aproximou flutuando e pude ver seu rosto. Não era como os rostos extraordinariamente atraentes que o cercavam – porque ele não se aproximou de nós sozinho; todo o grupo convergiu em volta dele, alguns atrás, outros à frente, com a postura atenta de guarda-costas. Eu não conseguia decidir se o rosto era bonito ou não. Acho que as feições eram perfeitas. Mas ele era tão diferente dos vampiros a seu lado quanto eles eram de mim. A pele era de um branco translúcido, como papel de seda, e parecia muito delicada – era um contraste chocante com o cabelo preto e comprido que emoldurava o rosto. Senti um impulso estranho e apavorante de tocar sua face, para ver se era mais macia do que a de Edward ou a de Alice, ou se era poeirenta, como giz. Os olhos eram vermelhos, como os dos dois outros vampiros em torno dele, mas a cor era enevoada e leitosa; imaginei se a névoa interferia em sua visão. Ele deslizou até Jane, pegou seu rosto nas mãos de papiro, beijou-a de leve nos lábios cheios e flutuou um passo para trás. – Sim, meu senhor. – Jane sorriu; a expressão a deixava parecida com uma criança angelical. – Eu o trouxe de volta vivo, como era de seu desejo. – Ah, Jane. – Ele também sorriu. – Você é um grande conforto para mim.
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Ele virou os olhos enevoados para nós e o sorriso de iluminou – tornando-se extático. – E também Alice e Bella! – rejubilou-se, unindo as palmas das mãos finas. – Isso sim é uma surpresa feliz! Maravilhoso! Olhei chocada enquanto ele falava nossos nomes informalmente, como se fôssemos velhos amigos passando para uma visita inesperada. Ele se virou para nossa escolta volumosa. – Felix, seja gentil e conte a meus irmãos sobre nossa companhia. Tenho certeza de que não gostariam de perder isso. – Sim, meu senhor. – Felix assentiu e desapareceu por onde viemos. – Está vendo, Edward? – O vampiro estranho se virou e sorriu para Edward como um avô afetuoso mas rabugento. – O que eu lhe disse? Não está feliz por eu não lhe ter dado o que queria ontem? – Sim, Aro, estou – concordou ele, apertando o braço em minha cintura. – Adoro finais felizes. – Aro suspirou. – São tão raros! Mas quero a história toda. Como isso aconteceu? Alice? – Ele voltou o olhar enevoado e curioso para Alice. – Seu irmão parecia pensar que você era infalível, mas parece que houve algum equívoco. – Ah, estou longe de ser infalível. – Ela abriu um sorriso estonteante. Parecia perfeitamente à vontade, exceto pelas mãos fechadas em punhos. – Como pode ver hoje, causo problemas com a mesma freqüência com que os resolvo. – Você é muito modesta – repreendeu Aro. – Já vi algumas de suas façanhas mais inacreditáveis e devo admitir que nunca observei nada como seu talento. Maravilhoso! Alice olhou às pressas para Edward. O que não passou despercebido a Aro.
– Lamento, ainda não fomos apresentados adequadamente, não é? É que tenho a sensação de que já conheço você e acabo me precipitando. Seu irmão nos apresentou ontem, de maneira peculiar. Veja você, compartilho de alguns talentos de seu irmão, mas sou
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limitado de uma forma que ele não é. – Aro sacudiu a cabeça; seu tom era de inveja. – E é também exponencialmente mais poderoso – acrescentou Edward num tom seco. Ele olhou para Alice enquanto explicava rápido. – Aro precisa de contato físico para ouvir seus pensamentos, mas ele ouve muito mais do que eu. Sabe que só posso ouvir o que está se passando em sua cabeça no momento. Aro ouve cada pensamento que sua mente já teve. Alice ergueu as sobrancelhas delicadas e Edward inclinou a cabeça. Aro também não deixou passar essa. – Mas ser capaz de ouvir a distância... – suspirou, gesticulando para os dois e para o diálogo que acabara de acontecer. – Isso seria muito conveniente. Aro olhou por sobre o ombro. Todas as outras cabeças viraram-se na mesma direção, inclusive Jane, Alec e Demetri, que se postavam em silêncio perto de nós. Eu fui a mais lenta. Felix estava de volta, e atrás dele flutuavam mais dois homens de manto preto. Os dois eram muito parecidos com Aro, um deles tinha até o mesmo cabelo preto e delicado. O outro tinha cabelos brancos como a neve – do mesmo tom de sua pele – que roçavam os ombros. Os rostos tinham a mesma pele de papel de seda. O trio do quadro de Carlisle estava completo, inalterado pelos últimos trezentos anos desde que fora pintado. – Marcus, Caius, vejam! – sussurrou Aro. – Bella está viva afinal, e Alice está aqui com ela! Não é ótimo? Nenhum dos outros dois deu a impressão de que ótimo seria a palavra de sua escolha. O de cabelo preto parecia completamente entediado, como se tivesse visto muitos milênios do entusiasmo de Aro. A expressão do outro era amargurada sob o cabelo de neve. O desinteresse deles não refreou o deleite de Aro. – Conte-nos a história. – Aro, com sua voz leve, quase cantava.
O vampiro ancião de cabelos brancos se afastou, deslizando para um dos tronos de madeira. O outro parou ao lado de Aro e
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estendeu a mão, e de início pensei que fosse para pegar a mão dele. Mas ele apenas tocou a palma e logo a largou. Aro ergueu uma das sobrancelhas pretas. Perguntei-me como sua pele de papiro não se amassou com o esforço. Edward bufou muito baixo e Alice o olhou, curiosa. – Obrigado, Marcus – disse Aro. – Isso é muito interessante. Percebi, um segundo atrasada, que Marcus estava deixando que Aro lesse seus pensamentos. Marcus não parecia interessado. Afastou-se de Aro para se unir ao que devia ser Caius, sentado junto à parede. Dois dos vampiros que o acompanhavam seguiram atrás dele em silêncio. – guarda-costas, como pensei antes. Pude ver que as duas mulheres de vestido de verão foram se colocar ao lado de Caius da mesma maneira. A idéia de um vampiro precisar de segurança era ridícula para mim, mas talvez os antigos fossem tão frágeis quanto sua pele sugeria. Aro sacudiu a cabeça. – Incrível – disse ele. – Absolutamente incrível. A expressão de Alice era de frustração. Edward virou-se para ela e de novo explicou numa voz baixa e rápida: – Marcus vê relacionamentos. Ele está surpreso com a intensidade do nosso. Aro sorriu. – Muito conveniente – repetiu para si mesmo. Depois falou conosco: – É preciso muito para surpreender Marcus, posso lhes garantir. Olhei o rosto apático de Marcus e acreditei nisso. – É que é tão difícil de entender, mesmo agora – refletiu Aro, olhando o braço de Edward em minha cintura. Para mim, era difícil acompanhar a linha de raciocínio caótica de Aro. Eu me esforçava para entender. – Como pode ficar assim tão perto dela? – Não sem esforço – respondeu Edward calmamente. – Mas ainda assim... La tua cantante! Que desperdício! Edward riu uma vez, sem nenhum humor. – Vejo isso mais como um preço. Aro estava cético.
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– Um preço muito alto. – Apropriado. Aroriu. – Se eu não tivesse sentido o cheiro dela em suas lembranças, não teria acreditado que o apelo do sangue de alguém pudesse ser tão forte. Nunca senti nada parecido. A maioria de nós daria muito por um presente desses, e no entanto você... – Desperdiço – concluiu Edward, a voz agora sarcástica. Aro riu outra vez. – Ah, como sinto falta de meu amigo Carlisle! Faz-me lembrar dele... Só que ele não era tão irritável. – Carlisle é melhor que eu de muitas outras maneiras. – Certamente, entre tudo mais, nunca imaginei ver Carlisle ser suplantado na questão do autocontrole, mas você o supera. – Dificilmente. – Edward parecia impaciente. Como se estivesse cansado das preliminares. Isso me deu mais medo; não pude deixar de imaginar o que ele esperava que acontecesse. – Sinto-me recompensado pelo sucesso dele – refletiu Aro. – Suas lembranças de Carlisle são uma dádiva para mim, embora me tenham atordoado de maneira extraordinária. Estou surpreso pelo modo como isso... me agrada, o sucesso dele na via heterodoxa que escolheu. Esperava que ele se desgostasse, que enfraquecesse com o tempo. Ridicularizei seus planos de encontrar outros que compartilhassem sua visão peculiar. E, no entanto, de algum modo, fico feliz por ter me enganado. Edward não respondeu. – Mas o seu controle! – Aro suspirou. – Não sabia que essa força era possível. Habituar-se contra tal canto de sereia, não apenas uma vez, mas repetidamente... Se eu próprio não sentisse, não teria acreditado. Edward retribuiu o olhar de admiração de Aro sem nenhuma expressão. Eu conhecia bem seu rosto – o tempo não mudara isso – para supor que algo fervilhava sob a superfície. Lutei para manter minha respiração constante.
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– Só de me lembrar o apelo que ela tem a você... – Aro riu. – Fico com sede. Edward se contraiu. – Não fique perturbado – Aro o tranqüilizou. – Não pretendo causar nenhum dano a ela. Mas estou muito curioso com uma questão em particular. – Ele me olhou com vivo interesse. – Posso? – perguntou ansiosamente, erguendo a mão. – Peça a ela – sugeriu Edward numa voz monótona. – Claro, que grosseria a minha! – exclamou Aro. – Bella – ele agora se dirigia a mim. – Estou fascinado que você seja a única exceção ao talento impressionante de Edward... É tão interessante que aconteça uma coisa dessas! E estava me perguntando, uma vez que nossos talentos são em muitos aspectos semelhantes, se você faria a gentileza de me permitir tentar... ver se você é uma exceção também para mim? Meus olhos voaram apavorados para o rosto de Edward. Apesar da gentileza explícita de Aro, eu não acreditava que de fato tivesse alternativa. Estava apavorada com a idéia de permitir que ele me tocasse, e, no entanto, também perversamente intrigada com a possibilidade de sentir sua pele estranha. Edward assentiu, encorajando-me – se foi porque ele tinha certeza de que Aro não ia me machucar ou porque não havia alternativa, eu não sabia. Virei-me de novo para Aro e ergui a mão lentamente diante de mim. Eu tremia. Ele se aproximou, e acredito que sua intenção fosse mostrar uma expressão tranqüilizadora. Mas suas feições de papiro eram estranhas demais, fora do comum e assustadoras demais para me acalmarem. O olhar em seu rosto era mais confiante do que as palavras que dissera. Aro estendeu a mão, e como que para me cumprimentar, e comprimiu a pele de aparência insubstancial na minha pele. Era dura, mas pareceu frágil – de xisto e não de granito – e ainda mais fria do que eu esperava.
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Os olhos turvos sorriram para mim e foi impossível desviar o olhar. Eles eram hipnóticos, de maneira estranha e desagradável. A expressão de Aro mudou enquanto eu observava. A confiança oscilou e se tornou primeiro dúvida, depois incredulidade antes de ele se acalmar numa máscara de simpatia. – Muitíssimo interessante – disse ao soltar minha mão e recuar. Meus olhos dispararam para Edward, e embora seu rosto estivesse composto, achei que ele parecia um pouco presunçoso. Aro continuou a se mover, com uma expressão pensativa. Ficou em silêncio por um momento, os olhos adejando entre nós três. Depois, de repente, sacudiu a cabeça. – É um começo – disse a si mesmo. – Pergunto-me se ela é imune a nossos outros talentos... Jane, minha cara? – Não! – Edward rosnou a palavra. Alice pegou seu braço com ímpeto. Ele se livrou dela. A pequena Jane sorria feliz para Aro. – Sim, meu senhor? Edward agora rosnava mesmo, o som saindo rasgado e dilacerado, e encarava Aro com olhos mortais. A sala ficou em silêncio, todos o observavam com uma descrença assombrada, como se ele estivesse cometendo uma gafe social constrangedora. Vi Felix sorrir esperançoso e avançar um passo. Aro o olhou uma vez e ele ficou imóvel, o sorriso transformando-se numa expressão carrancuda. Depois ele falou com Jane. – Imagino, minha querida, se Bella é imune a você. Eu mal podia ouvir Aro com os rosnados furiosos de Edward. Ele me soltou, movendo-se para me esconder da visão deles. Caius veio em nossa direção com sua comitiva, para olhar. Jane virou-se para nós com um sorriso beatifico. – Não! – Alice gritou enquanto Edward se atirava para a menina. Antes que eu pudesse reagir, antes que alguém pudesse se colocar entre eles, antes que os seguranças de Aro pudessem se compor, Edward estava no chão.
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Ninguém o tocou, mas ele estava no chão de pedra retorcendo-se numa agonia evidente, enquanto eu olhava apavorada. Agora Jane sorria para ele, e tudo se encaixou. O que Alice dissera sobre os dons formidáveis, por que todos tratavam Jane com tanta deferência e por que Edward se atirara em seu caminho antes que ela pudesse fazer aquilo comigo. – Pare! – gritei, minha voz ecoando no silêncio, e pulei para me interpor entre eles. Mas Alice atirou os braços ao meu redor num aperto insuportável e ignorou meu esforço. Nenhum som saiu dos lábios de Edward enquanto ele se contorcia nas pedras. Parecia que minha cabeça ia explodir com a dor de assistir àquilo. – Jane. – Aro a chamou com a voz tranqüila. Ela lançou-lhe um olhar rápido, ainda sorrindo de prazer, os olhos indagativos. Assim que Jane desviou o olhar, Edward ficou imóvel. Aro inclinou a cabeça para mim. Jane voltou seu sorriso na minha direção. Eu nem encontrei seu olhar. Vi Edward pela prisão dos braços de Alice, ainda lutando em vão. – Ele está bem – sussurrou Alice numa voz áspera. Enquanto ela falava, ele se sentou, depois se colocou ligeiramente de pé. Seus olhos encontraram os meus, e estavam tomados de horror. De início pensei que o horror era pelo que ele tinha sofrido. Mas depois ele olhou depressa para Jane, e de novo para mim – e seu rosto relaxou de alívio. Olhei para Jane também e ela não sorria mais. Encarava-me, o maxilar trincado devido à intensidade de sua concentração. Eu me encolhi, esperando pela dor. Nada aconteceu. Edward estava a meu lado de novo. Tocou o braço de Alice e ela me entregou a ele. Aro começou a rir. – Rá, rá, rá – gargalhava ele. – Isso é maravilhoso!
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Jane sibilou de frustração, inclinando-se para a frente como se estivesse se preparando para atacar. – Não fique aborrecida, minha querida – disse Aro num tom reconfortante, colocando a mão leve e poeirenta no ombro dela. – Ela confunde a todos nós. O lábio superior de Jane se retraiu, mostrando os dentes, enquanto ela continuava a me encarar. – Rá, rá, rá. – Aro riu de novo. – Você é muito corajoso, Edward, para suportar em silêncio. Pedi a Jane para fazer isso comigo uma vez... Só por curiosidade. – Ele sacudiu a cabeça, admirado. Edward o encarava enojado. – E o que vamos fazer com vocês agora? – Aro suspirou. Edward e Alice se enrijeceram. Essa era a parte que eles esperavam. Eu comecei a tremer. – Não suponho que haja alguma possibilidade de você ter mudado de idéia? – perguntou Aro a Edward, cheio de esperança. – Seu talento seria um excelente incremento para nossa pequena companhia. Edward hesitou. Pelo canto do olho, vi Felix e Jane torcerem a cara. Edward parecia pesar cada palavra antes de pronunciá-las. – Eu... prefiro... não. – Alice? – perguntou Aro, ainda com esperanças. – Estaria talvez interessada em se juntar a nós? – Não, obrigada – disse Alice. – E você, Bella? – Aro ergueu as sobrancelhas. Edward sibilou baixo em meus ouvidos. Olhei apático para Aro. Estaria ele brincando? Ou realmente me perguntava se eu queria ficar para o jantar? Foi Caius, o de cabelos brancos, quem rompeu o silêncio. – O quê? – ele perguntou a Aro; sua voz, embora não mais que um sussurro, era uniforme.
– Caius, com certeza você vê o potencial – Aro o repreendeu afetuosamente. – Não vejo um possível talento tão promissor desde
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que encontramos Jane e Alec. Pode imaginar as possibilidades quando ela for uma de nós? Caius desviou os olhos com uma expressão cáustica. Os olhos de Jane cintilaram de indignação com a comparação. Edward se enfureceu a meu lado. Conseguia ouvir o trovão em seu peito, formando um rosnado. Eu não podia deixar que seu gênio o ferisse. – Não, obrigada – falei no que mal passava de um sussurro, minha voz falhando de medo. Aro suspirou. – É lamentável. Um desperdício. Edward sibilou. – Unir-se ou morrer, não é? Desconfiei disso quando fomos trazidos a esta sala. Bem de acordo com suas leis. O tom de sua voz me surpreendeu. Ele parecia colérico, mas havia algo premeditado no modo como falou – como se tivesse escolhido as palavras com muito cuidado. – É claro que não. – Aro piscou, atordoado. – Já estávamos reunidos aqui, Edward, esperando pelo retorno de Heidi. Não por você. – Aro – sibilou Caius. – A lei os reclama. Edward fitou Caius. – Como assim? – perguntou ele. Aro devia saber o que Caius estava pensando, mas parecia decidido a obrigá-lo a falar em voz alta. Caius apontou um dedo esquelético para mim. – Ela sabe demais. Você expôs nossos segredos. – A voz era fina como papel, exatamente como sua pele. – Também há alguns humanos em seu teatro aqui – Edward o lembrou, e pensei na recepcionista bonita lá embaixo. A face de Caius se retorceu numa nova expressão. Seria aquilo um sorriso?
– Sim – concordou ele. – Mas quando não nos forem mais úteis, servirão para nos sustentar. Não é seu plano para essa. Se ela
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trair nossos segredos, está preparado para destruí-la? Acho que não – zombou ele. – Eu não... – comecei, ainda sussurrando. Caius me silenciou com um olhar gélido. – Também não pretende torná-la uma de nós – continuou Caius. – Portanto, ela é uma vulnerabilidade. Admitindo que isso seja verdade, nesse caso, só ela perde o direito à vida. Você pode partir, se desejar. Edward mostrou os dentes. – Foi o que pensei – disse Caius, com algo parecido com prazer. Felix se inclinou para a frente, ansioso. – A não ser... – interrompeu Aro. Ele parecia infeliz com o rumo que a conversa tomara. – A não ser que pretenda dar-lhe a imortalidade. Edward franziu os lábios, hesitando por um momento antes de responder. – E se eu der? Aro sorriu, feliz de novo. – Assim estaria livre para ir para casa e levar meus cumprimentos a meu amigo Carlisle. – Sua expressão tornou-se mais hesitante. – Mas receio que tenha de estar sendo sincero. Aro ergueu a mão diante dele. Caius, que começara a fazer uma carranca furiosa, relaxou. Os lábios de Edward se estreitaram numa linha feroz. Ele me olhou nos olhos e eu retribuí. – Seja sincero – sussurrei. – Por favor. Seria mesmo uma idéia tão repugnante? Então ele preferia morrer a me modificar? Parecia que eu tinha levado um chute na barriga. Edward olhou-me de cima com uma expressão torturada. E depois Alice se afastou de nós, indo até Aro. Nos viramos para olhar. Sua mão estava erguida, como a dele.
Ele não disse nada e Aro afastou os seguranças ansiosos quando eles se moveram para impedir a aproximação dela. Aro a
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encontrou a meio caminho e pegou sua mão com um brilho de ansiedade e cobiça nos olhos. Ele inclinou a cabeça na direção das mãos que se tocavam, os olhos se fechando ao se concentrar. Alice ficou imóvel, o rosto inexpressivo. Ouvi os dentes de Edward trincando. Ninguém se mexeu. Aro parecia congelado junto à mão de Alice. Os segundos se passaram e eu fui ficando cada vez mais estressada, perguntando-me quanto tempo se passaria antes que fosse tempo demais. Antes que significasse que havia algo errado – mais errado do que já estava. Outro momento de agonia se passou, depois a voz de Aro quebrou o silêncio. – Rá, rá, rá – ele riu, a cabeça mais tombada para a frente. Ele olhou para cima devagar, os olhos brilhando de emoção. – Isso foi fascinante! Alice deu um sorriso seco. – Fico feliz que tenha gostado. – Ver as coisas que você viu... Em especial aquelas que ainda não aconteceram! – Ele sacudiu a cabeça, maravilhado. – Mas acontecerão – ela comentou, a voz calma. – Sim, sim, está bem determinado. Certamente não há problema. Caius parecia amargamente decepcionado – uma sensação que ele parecia compartilhar com Felix e com Jane. – Aro – queixou-se Caius. – Meu caro Caius. – Aro sorriu. – Não se aflija. Pense nas possibilidades! Eles não se unirão a nós hoje, mas sempre podemos ter esperança quanto ao futuro. Imagine a alegria que a jovem Alice, sozinha, poderia trazer à nossa pequena família... Além disso, estou terrivelmente curioso para ver como Bella ficará! Aro parecia convencido. Não percebera o quanto as visões de Alice eram subjetivas? Que ela podia se resolver a me transformar hoje, amanhã mudar de idéia? Um milhão de decisões mínimas, as decisões dela e de tantos outros – de Edward – podiam alterar seu rumo e, como ele, o futuro.
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E importava mesmo que Alice estivesse disposta a fazer, faria alguma diferença se eu me tornasse vampira, se a idéia era tão repulsiva para Edward? Se para ele a morte era uma alternativa melhor do que me ter perto dele para sempre, um aborrecimento imortal? Apavorada como estava, senti-me afundando na depressão, afogando-me nela... – Então agora estamos livres para partir? – perguntou Edward numa voz monótona. – Sim, sim – disse Aro com satisfação. – Mas, por favor, volte a nos visitar. Foi absolutamente fascinante! – E nós também os visitaremos – prometeu Caius, os olhos subitamente semicerrados como o olhar de pálpebras pesadas de um lagarto. – Para nos assegurarmos de que sua parte foi cumprida. Em seu lugar, eu não me demoraria muito. Não oferecemos uma segunda chance. O maxilar de Edward trincou, mas ele assentiu uma vez. Caius deu um sorriso malicioso e voltou para onde Marcus ainda estava sentado, imóvel e desinteressado. Felix grunhiu. – Ah, Felix. – Aro sorriu, divertindo-se. – Heidi estará aqui a qualquer momento. Paciência. – Hmmm. – A voz de Edward tinha certa tensão. – Nesse caso, talvez seja melhor partimos o quanto antes. – Sim – concordou Aro. – É uma boa idéia. Acidentes acontecem. Mas, por favor, esperem até que escureça, se não se importam. – Claro – concordou Edward, enquanto eu me encolhia com a idéia de esperar que o dia acabasse antes de podermos escapar. – E tome – acrescentou Aro, sinalizando para Felix com um dedo. Felix deu um passo à frente e Aro abriu o manto cinza que o imenso vampiro usava, tirando-o de seus ombros. Ele o atirou a Edward – Pegue isto. Você chama um pouco a atenção. Edward pôs o longo manto, deixando o capuz abaixado. Aro suspirou. – Cabe em você.
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Edward riu, mas parou de repente, olhando por sobre o ombro. – Obrigado, Aro. Vamos esperar lá embaixo. – Adeus, jovens amigos – disse Aro, os olhos brilhantes ao fitar na mesma direção. – Vamos – disse Edward, agora com urgência. Demetri gesticulou para que o seguíssemos, depois partiu pelo caminho que havíamos tomado para chegar, a única saída, ao que parecia. Edward me puxava rapidamente junto de si. Alice estava perto, do outro lado, a expressão severa. – Não está rápido o suficiente – murmurou ela. Olhei para ela, assustada, mas ela só parecia pesarosa. Foi então que percebi o balbuciar de vozes – altas, rudes – vindo da antecâmara. “Ora, isso é incomum”, trovejou uma voz vulgar de homem. “Tão medieval”, respondeu entusiasmada uma voz feminina e de um estridente desagradável. Uma multidão passava pela pequena porta, enchendo a câmara de pedra menor. Demetri fez sinal para abrirmos espaço. Nós nos encostamos na parede fria para que eles passassem. O casal na frente, aparentemente de americanos, olhou em volta com olhos minuciosos. – Bem-vindos, convidados! Bem-vindos a Volterra! – pude ouvir Aro cantar da sala grande do torreão. Os demais, talvez uns quarenta, faziam fila atrás do casal. Alguns examinavam o lugar como turistas. Uns poucos até tiraram fotos. Outros pareceram confusos, como se a história que os levara àquela sala não fizesse sentido algum. Percebi particularmente uma mulher morena e baixinha. Em seu pescoço havia um rosário e ela agarrava firme o crucifixo com uma das mãos. Andava mais devagar do que os outros, tocando alguém de vez em quando e fazendo uma pergunta numa língua desconhecida. Ninguém pareceu entendê-la e o pânico aumentou em sua voz. Edward puxou meu rosto para seu peito, mas era tarde demais. Eu já havia entendido.
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Assim que a menor brecha surgiu, Edward me empurrou depressa para a porta. Pude sentir a expressão de pavor em meu rosto e as lágrimas começando a se acumular em meus olhos. O corredor ornado de dourado estava silencioso e vazio, a não ser por uma mulher linda e escultural. Ela nos olhava com curiosidade, a mim em particular. – Bem-vinda ao lar, Heidi – Demetri a cumprimentou atrás de nós. Heidi sorriu distraidamente. Ela me lembrava Rosalie, embora não fossem nada parecidas – era apenas sua beleza, também excepcional e inesquecível. Eu não conseguia desviar meus olhos. Ela estava vestida para destacar seus atributos. As pernas maravilhosamente longas, escurecidas com meias, estavam expostas por uma minissaia curtíssima. A blusa de mangas compridas era alta no pescoço, mas muitíssimo apertada e feita de vinil vermelho. O longo cabelo cor de mogno brilhava e seus olhos tinham o mais estranho tom de violeta – uma cor que podia resultar as lentes de contato azuis sobre íris vermelhas. – Demetri – respondeu ela numa voz sedosa, os olhos disparando entre meu rosto e o manto cinza de Edward. – Boa pescaria – Demetri a cumprimentou, e eu de repente entendi a roupa chamativa que ela usava... Ela não era só a pescadora, mas também a isca. – Obrigada. – Ela abriu um sorriso estonteante. – Não vai entrar?– Num minuto, guarde um pouco para mim. Heidi assentiu e passou pela porta com um último olhar de curiosidade dirigido a mim. Edward seguiu num ritmo que me fez correr para acompanhar. Mas ainda assim não conseguimos passar pela porta ornamentada no final do corredor antes de começarem os gritos.
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22. VÔO 

Demetri nos deixou na recepção agradavelmente opulenta onde a mulher, Gianna, ainda estava em seu posto atrás do balcão encerado. Uma música animada e inofensiva soava de alto-falantes embutidos. – Não saiam até que escureça – ele nos alertou. Edward assentiu e Demetri se afastou às pressas. Gianna não pareceu nada surpresa com a troca, embora olhasse o manto emprestado em Edward com uma especulação maliciosa. – Você está bem? – perguntou Edward em voz baixa, baixa demais para a mulher humana ouvir. A voz era áspera, se é que veludo pode ser áspero, de ansiedade. Ainda estressada por nossa situação, imaginei. – É melhor fazê-la sentar antes que caia – disse Alice. – Ela vai desmoronar. Foi só então que percebi que eu tremia, tremia muito, todo o meu corpo vibrando até que meus dentes bateram e a sala em volta de mim pareceu oscilar e ficar embaçada em meus olhos. Em um segundo de desvario, perguntei-me se era assim que Jacob se sentia antes de explodir em um lobisomem. Ouvi um som que não fazia sentido, um equivalente cortante e estranho do fundo musical animado. Distraída pelo tremor, eu não sabia de onde vinha. – Shhh, Bella, shhh – disse Edward enquanto me puxava para o sofá mais distante da humana curiosa na recepção. – Acho que ela está com uma crise histérica. Talvez você deva lhe dar um tapa – sugeriu Alice. Edward lançou a ela um olhar frenético. Depois eu entendi. Ah. O barulho era meu. O som cortante era o choro subindo de meu peito. Era isso que me fazia tremer. – Esta tudo bem, você está segura, está tudo bem – entoava Edward sem parar. Ele me colocou em seu colo e passou o manto grosso de lã à volta do meu corpo, protegendo-me de sua pele fria.
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Eu sabia que era idiotice reagir daquela forma. Quem poderia dizer quanto tempo eu tinha para olhar o rosto dele? Ele estava salvo, eu estava salva, e ele podia me deixar assim que estivéssemos livres. Ter os olhos tão cheios de lágrimas, a ponto de não poder ver as feições dele com clareza, era um desperdício – uma insanidade. Mas, por trás dos olhos, onde as lágrimas não podiam lavar a imagem, eu ainda conseguia ver o rosto de pânico da mulher baixinha com o rosário. – Toda aquela gente – solucei. – Eu sei – sussurrou ele. – É tão horrível. – Sim, é. Queria que não tivesse precisado ver isso. Encostei minha cabeça em seu peito frio, usando o manto grosso para enxugar os olhos. Respirei fundo algumas vezes, tentando me acalmar. – Posso lhes trazer alguma coisa? – perguntou educadamente uma voz. Era Gianna, inclinando-se por sobre o ombro de Edward com um olhar que era ao mesmo tempo preocupado e, no entanto, profissional e distanciado. Não parecia incomodá-la que seu rosto estivesse a centímetros de um vampiro hostil. Ou era totalmente ignorante, ou era muito boa em seu trabalho. – Não – respondeu Edward com frieza. Ela assentiu, sorriu para mim e desapareceu. Esperei até que Gianna não pudesse ouvir. – Ela sabe o que está acontecendo aqui? – perguntei, minha voz baixa e rouca. Eu começava a me controlar, minha respiração se acalmava. – Sim. Ela sabe de tudo – disse-me Edward. – Ela sabe que um dia eles vão matá-la? – Sabe que há essa possibilidade – disse ele. Isso me surpreendeu. O rosto de Edward era difícil de interpretar. – Espera que eles decidam ficar com ela. Senti o sangue fugir de meu rosto. – Ela quer ser um deles?
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Ele assentiu uma vez, os olhos penetrantes em meu rosto, observando minha reação. Tremi. – Como ela pode querer isso? – sussurrei, mais para mim mesma do que procurando de fato uma resposta. – Como pode ver as pessoas fazendo fila para entrar numa sala horrenda e querer participar daquilo? Edward não respondeu. Sua expressão mudou, em reação a alguma coisa que eu dissera. Enquanto eu fitava seu rosto tão lindo, tentando entender a mudança, de repente em ocorreu que eu realmente estava ali, nos braços de Edward, embora por pouco tempo, e que não estávamos – naquele exato momento – prestes a ser mortos. – Ah, Edward – eu disse, e estava chorando de novo. Era uma reação tão idiota. As lágrimas eram espessas demais para que eu visse seu rosto de novo, e isso era indesculpável. Eu só tinha até o pôr-do-sol, sem dúvida. Como um conto de fadas outra vez, com prazos que encerravam a magia. – Qual é o problema? – perguntou ele, ainda ansioso, afagando minhas costas de modo gentil. Passei os braços em seu pescoço – qual era a pior coisa que ele podia fazer? Só me afastar – e abracei-o com força. – É muito doentio de minha parte ficar feliz agora? – perguntei. Minha voz falhou duas vezes. Ele não me afastou. Puxou-me com firmeza para perto de seu peito gelado, tão firme que mal conseguia respirar, mesmo com meus pulmões sem dúvida intactos. – Sei exatamente o que quer dizer – sussurrou ele. – Mas temos muitos motivos para ficar felizes. Primeiro, estamos vivos. – Sim – concordei. – Esse é um bom motivo. – E juntos – sussurrou ele. Seu hálito era tão doce que fez minha cabeça girar. Eu só assenti, certa de que ele não colocaria o mesmo peso que eu nessa consideração. – E com alguma sorte ainda estaremos vivos amanhã.
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– Espero que sim – disse, inquieta. – A perspectiva é muito boa – garantiu-me Alice. Ela estivera tão quieta que quase me esqueci de sua presença. – Vou ver Jasper em menos de vinte e quatro horas – acrescentou num tom satisfeito. Alice tinha sorte. Podia confiar em seu futuro. Não conseguia tirar os olhos do rosto de Edward por muito tempo. Eu o fitava, querendo mais do que nunca que o futuro jamais acontecesse. Que aquele momento durasse para sempre ou, se não fosse possível, que eu parasse de existir quando acabasse. Edward retribuiu meu olhar, seus olhos escuros suaves, e era fácil fingir que ele sentia o mesmo. E foi o que fiz. Eu fingi, para tornar o momento mais maravilhoso. As pontas de seus dedos acompanharam os círculos sob meus olhos.– Você parece muito cansada. – E você parece estar com sede – sussurrei, examinando as manchas roxas sob as íris negras. Ele deu de ombros. – Não é nada. – Tem certeza? Posso me sentar com Alice – propus, de má vontade; eu preferia que ele me matasse ali a que se afastasse um centímetro que fosse de onde eu estava. – Não seja ridícula – Ele suspirou; o hálito doce acariciou meu rosto. – Nunca tive mais controle desse aspecto de minha natureza do que tenho agora. Eu tinha um milhão de perguntas para ele. Uma delas escapou para meus lábios naquela hora, mas mordi a língua. Não queria estragar o momento, por mais imperfeito que fosse, ali, naquela sala que me deixava doente, sob os olhos da candidata a monstro.
Ali, nos braços dele, era muito fácil fantasiar que ele me queria. Naquele momento, eu não queria pensar em suas motivações – se ele agia daquela forma para me manter calma enquanto ainda corríamos perigo, ou se apenas se sentia culpado por onde estávamos e aliviado por não ser responsável por minha morte. Talvez o tempo que passamos separados tivesse sido suficiente para que eu não o
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incomodasse por enquanto. Mas isso não importava. Eu estava feliz demais fingindo. Fiquei parada em seus braços, memorizando novamente seu rosto, fingindo... Ele olhava meu rosto como se estivesse fazendo o mesmo, enquanto discutia com Alice como chegar em casa. As vozes eram tão rápidas e baixas que eu sabia que Gianna não podia entender. Eu mesma perdi metade do que disseram. Mas parecia envolver mais algum roubo. Imaginei em vão se o Porsche amarelo já havia voltado para seu dono. – O que foi toda aquela conversa de cantoras? – perguntou Alice a certa altura. – La tua cantante – disse Edward. A voz dele transformava as palavras em música. – Sim, isso – disse Alice, e eu me concentrei por um momento. Na hora, também me perguntei sobre isso. Senti Edward encolher os ombros junto a mim. – Eles têm um nome para quem tem o cheiro que Bella tem para mim. Chamam de minha cantora... Porque o sangue dela canta para mim. Alice riu. Eu estava cansada o suficiente para dormir, mas tentei combater a exaustão. Não perderia nem um segundo do tempo que tinha com ele. De vez em quando, enquanto conversava com Alice, ele de repente se inclinava e me beijava – os lábios suaves como vidro roçando em meu cabelo, em minha testa, na ponta de meu nariz. A cada vez era como receber um choque elétrico em meu coração há muito dormente. O som de seu batimento parecia encher a sala toda. Era o paraíso – bem no meio do inferno.
Perdi completamente a noção do tempo. Assim, quando os braços de Edward me apertaram, e ele e Alice olharam preocupados o fundo da sala, entrei em pânico. Encolhi-me contra o peito de Edward enquanto Alec – os olhos agora de um rubi vívido, mas ainda
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imaculado em seu terno cinza-claro, apesar da refeição da tarde – passou pelas portas duplas. Eram boas notícias. – Estão livres para partir agora – disse-nos Alec, o tom de voz tão caloroso que parecia que éramos todos velhos amigos. – Pedimos que não se demorem na cidade. Edward não se preocupou em fingir ao responder; sua voz era de uma frieza gélida. – Isso não será problema. Ale sorriu, aquiesceu e desapareceu novamente. – Sigam o corredor à direita até o primeiro grupo de elevadores – disse-nos Gianna enquanto Edward me ajudava a me levantar. – Dois andares abaixo ficam o saguão e a saída para a rua. Então, adeus – acrescentou, num tom agradável. Perguntei-me se sua competência seria suficiente para salvá-la. Alice lançou a ela um olhar sombrio. Fiquei aliviada por haver outra saída; não tinha certeza se podia lidar com outro tour pelos subterrâneos. Saímos por um saguão luxuoso e de bom gosto. Fui a única a olhar para trás, para o castelo medieval que abrigava a elaborada fachada de empresa. Não consegui ver o torreão e fiquei grata por isso. A festa ainda estava todo vapor nas ruas. As luzes dos postes começavam a se acender enquanto andávamos rápido pelas estreitas vias de pedra. O céu era de um cinza-claro e opaco, mas as construções eram tão próximas nas ruas que parecia mais escuro. A festa também estava mais sombria. O manto longo de Edward arrastava no chão, mas não se destacava tanto quanto teria ocorrido numa noite normal em Volterra. Agora havia outros vestindo mantos de cetim preto, e as presas plásticas que eu vira as crianças na praça pareciam muito populares entre os adultos. – Ridículo – murmurou Edward. Não percebi quando Alice desapareceu de meu lado. Olhei para lhe fazer uma pergunta, e ela se fora. – Onde está Alice? – sussurrei, em pânico.
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– Foi buscar as bolsas de vocês onde as escondeu esta manhã. Eu me esquecera de que tinha acesso a uma escova de dente. Isso iluminou consideravelmente minha perspectiva. – Ela está roubando um carro também, não é? – supus. Ele sorriu. – Só quando estivermos lá fora. Parecia um longo caminho até a entrada. Edward percebeu que eu estava exausta; passou o braço em minha cintura e sustentou a maior parte de meu peso enquanto andávamos. Estremeci quando ele me puxou pelo arco escuro de pedra. A imensa e antiga grade levadiça no alto era como uma porta de gaiola, ameaçando cair sobre nós, nos trancar lá dentro. Ele me levou para um carro escuro que esperava com o motor ligado numa poça de sombra à direita do portão. Para minha surpresa, ele entrou no banco traseiro comigo, em vez de insistir em dirigir.Alice se desculpou. – Sinto muito. – Ela gesticulou vagamente para o painel. – Não havia muitas opções. – Está tudo bem, Alice – Ele sorriu. – Não dava para todos serem um Turbo 911. Ela suspirou. – Talvez possa adquirir um daquele legalmente. Era fabuloso. – Vou lhe dar um de presente de Natal – prometeu Edward. Alice virou-se radiante para ele, o que me preocupou, porque ao mesmo tempo ela já acelerava pela colina escura e sinuosa. – Amarelo – disse-lhe. Edward me manteve apertada em seus braços. Dentro do manto cinza, eu estava aquecida e confortável. Mais do que confortável. – Pode dormir agora, Bella – murmurou ele. – Acabou. Eu sabia que ele se referia ao perigo, ao pesadelo na cidade antiga, mas ainda tive de engolir em seco antes de responder.
– Não quero dormir. Não estou cansada. – Apenas a segunda parte era mentira. Eu não fecharia os olhos. Só os controles do painel
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iluminavam um pouco o carro, mas era suficiente para enxergar o rosto dele. Edward apertou os lábios na depressão sob minha orelha. – Tente – ele incentivou. Sacudi a cabeça. Ele suspirou. – Você é ainda a mesma teimosa. Eu era mesmo teimosa; lutei contra minhas pálpebras pesadas e venci. A estrada escura foi a parte mais difícil; as luzes fortes no aeroporto de Florença tornaram a situação mais fácil para mim, assim como a oportunidade de escovar os dentes e vestir roupas limpas; Alice comprou roupas para Edward também, e ele largou o manto escuro numa pilha de lixo em um beco. A viagem de avião até Roma foi tão curta que não houve oportunidade real de o cansaço me tomar. Eu sabia que o vôo de Roma para Atlanta seria completamente diferente, então pedi à comissária de bordo uma Coca-Cola. – Bella – disse Edward, censurando-me. Ele sabia de minha baixa tolerância à cafeína. Alice estava atrás de nós. Pude ouvi-la murmurando com Jasper ao telefone. – Não quero dormir – lembrei a ele. Eu lhe dei uma desculpa plausível por ser verdadeira. – Se fechar os olhos agora, vou ver coisas que não quero. Terei pesadelos. Ele não discutiu comigo depois disso. Teria sido uma hora muito boa para conversar, para conseguir as respostas de que precisava – precisava, mas não queria realmente; já estava me desesperando ao pensar no que podia ouvir. Tínhamos um período de tempo ininterrupto pela frente e ele não podia escapar de mim dentro de um avião – bom, não com facilidade, pelo menos. Ninguém nos ouviria, exceto Alice; era tarde e a maioria dos passageiros estava apagando as luzes e pedindo travesseiros aos sussurros. Conversar me ajudaria a combater a exaustão.
Mas, perversamente, mordi a língua para impedir a enxurrada de perguntas.Meu raciocínio devia estar prejudicado pelo cansaço, mas eu esperava que, adiando a conversa, pudesse ganhar mais
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algumas horas com ele num momento seguinte – prolongar aquilo por outra noite, no estilo Sherazade. Então fiquei bebendo refrigerante e resistindo até ao impulso de piscar. Edward parecia perfeitamente satisfeito em me segurar nos braços, os dedos roçando meu rosto sem parar. Eu toquei seu rosto também. Não consegui me controlar, embora tivesse medo de que isso me magoasse mais tarde, quando estivesse sozinha de novo. Ele continuava a beijar meu cabelo, minha testa, meus pulsos... Mas nunca meus lábios, e isso era bom. Afinal, de quantas maneiras um coração pode ser destroçado e ainda continuar batendo? Nos últimos dias, eu tinha passado por muitas experiências que poderiam ter acabado comigo, mas isso não me deixou mais forte. Ao contrário, eu me sentia horrivelmente frágil, como se uma única palavra pudesse me despedaçar. Edward não falou. Talvez estivesse esperando que eu dormisse. Talvez não tivesse nada a dizer. Venci a luta contra as pálpebras pesadas. Estava acordada quando chegamos ao aeroporto de Atlanta e ate vi o sol começar a nascer sobre o manto de nuvens de Seattle antes de Edward cobrir a janela. Estava orgulhosa de mim mesma. Não perdi nem um minuto. Nem Alice nem Edward ficaram surpresos com a recepção que esperava por nós no aeroporto Sea-Tac, mas fui pega desprevenida. Jasper foi o primeiro que vi – ele nem pareceu me enxergar. Seus olhos eram só para Alice. Ela foi depressa para o lado dele; eles não se abraçaram como os outros casais que se encontravam lá. Só se olharam nos olhos, e, no entanto, e algum modo, o momento era tão íntimo que ainda senti a necessidade de desviar o rosto. Carlisle e Esme esperavam num canto silencioso, longe da fila de detectores de metal, na sombra se uma pilastra larga. Esme estendeu os braços para mim, abraçando-me num ímpeto, mas sem jeito, porque Edward também mantinha os braços ao meu redor. – Muito obrigada – disse ela em meu ouvido. Depois atirou os braços em Edward e sua aparência era a de quem estaria chorando, se isso fosse possível. – Nunca mais me faça passar por isso – ela quase grunhiu.
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Edward sorriu, arrependido. – Desculpe, mãe. – Obrigado, Bella – disse Carlisle. – Devemos uma a você. – De jeito nenhum – murmurei. A noite insone de repente me dominou. Minha cabeça parecia desligada do corpo. – Ela está morta de cansaço – Esme repreendeu Edward. – Vamos levá-la para casa. Sem saber se ir para casa era o que eu queria àquela altura, cambaleei quase sem enxergar pelo aeroporto, Edward me carregando de um lado e Esme do outro. Não sabia se Alice vinha ou não atrás de nós e estava exausta demais para olhar. Acho que eu dormia, embora ainda estivesse andando, quando chegamos ao carro deles. A surpresa de ver Emmett e Rosalie encostados no sedã preto sob as luzes fracas do estacionamento me despertou um pouco. Edward se enrijeceu. – Não – sussurrou Esme. – Ela está se sentindo péssima. – Devia mesmo – disse Edward, sem qualquer tentativa de manter a voz baixa. – Não é culpa dela – eu disse, minhas palavras emboladas pelo cansaço. – Deixe-a se desculpar – pediu Esme. – Nós vamos com Alice e Jasper. Edward olhou de cara feia para a vampira loura e absolutamente linda que esperava por nós. – Por favor, Edward – eu disse. Não queria ir de carona com Rosalie mais do que ele, mas eu já havia causado discórdia demais naquela família. Ele suspirou e me levou até o carro. Emmett e Rosalie entraram nos bancos da frente sem falar, enquanto Edward outra vez me empurrou para o banco traseiro. Sabia que não ia conseguir mais lutar contra minhas pálpebras e deitei, derrotada, a cabeça em seu peito, deixando que elas se fechassem. Senti o carro roncar ao ser ligado. – Edward – começou Rosalie. – Eu sei. – O tom brusco de Edward não era generoso.
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– Bella? – perguntou Rosalie numa voz delicada. Minhas pálpebras se abriram de choque. Era a primeira vez que ela falava diretamente comigo. – Sim, Rosalie? – perguntei, hesitante. – Me desculpe, Bella. Eu me senti péssima com relação a cada parte disso, e muito grata por você ter tido coragem de ir salvar meu irmão depois do que fiz. Por favor, diga que me perdoa. As palavras eram desajeitadas e formais, devido a seu constrangimento, mas pareciam sinceras. – Claro, Rosalie – murmurei, agarrando minha oportunidade de fazer com que ela me odiasse um pouco menos. – Não foi sua culpa. Fui eu que pulei da droga do penhasco . e claro que perdôo você. As palavras saíram piegas. – Não vale enquanto ela não estiver inconsciente, Rose – Emmett riu. – Estou consciente – eu disse; mas pareceu um suspiro deturpado. – Deixem que ela durma – insistiu Edward, mas sua voz era um pouco mais calorosa. Fez-se silêncio então, a não ser pelo ronco suave do motor. Devo ter dormido, porque tive a impressão de que se passaram segundos quando a porta se abriu e Edward estava me carregando do carro. Meus olhos não se abriam. No início pensei que ainda estivéssemos no aeroporto. E depois ouvi Charlie. – Bella! – gritou ele de certa distância. – Charlie – murmurei, tentando me arrancar do estupor. – Shhh – sussurrou Edward. – Está tudo bem; você está em casa e segura. Durma. – Não posso acreditar que tem coragem de mostrar sua cara aqui – berrou Charlie para Edward, a voz agora muito mais perto. – Pare com isso, pai – eu grunhi. Ele não me ouviu. – O que ela tem? – perguntou Charlie. – Ela só está muito cansada, Charlie – garantiu-lhe Edward em voz baixa. – Por favor, deixe que ela descanse.
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– Não me diga o que fazer! – gritou Charlie.– Me dê minha filha. Tire as mãos dela! Edward tentou me passar para Charlie, mas eu me agarrava a ele com os dedos travados e decididos. Pude sentir meu pai puxando meu braço. – Pare com isso, pai – eu disse mais alto. Consegui resistir às pálpebras de novo e fitei Charlie com olhos turvos. – Fique chateado comigo. Estávamos na frente de minha casa. A porta estava aberta. A camada de nuvens no alto era densa demais para se saber a hora do dia. – Pode apostar que ficarei – prometeu Charlie. – Trate de entrar.– Tá bom. Me ponha no chão – suspirei. Edward me colocou de pé. Eu podia ver que estava ereta, mas não conseguia sentir minhas pernas. Em todo caso, arrastei-me para a frente, até que a calçada girou até meu rosto. Os braços de Edward me pegaram antes que eu batesse no concreto. – Só me deixe colocá-la lá em cima – disse Edward. – Depois vou embora. – Não! – gritei, em pânico. Eu ainda não tinha minhas respostas. Ele precisava ficar pelo menos para isso, não é? – Não estarei longe – prometeu Edward, sussurrando tão baixo em meu ouvido que Charlie não tinha a menor chance de escutar. Não ouvi a resposta de Charlie, mas Edward entrou na casa. Meus olhos só conseguiram ficar abertos até a escada. A última coisa que senti foram as mãos frias de Edward soltando meus dedos de sua camisa.
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23. A VERDADE 

Tive a sensação de que dormi por muito tempo – meu corpo estava rígido, como se eu não tivesse me mexido nem uma vez em todo esse intervalo. Minha mente estava confusa e lenta; sonhos estranhos e coloridos – sonhos e pesadelos – giravam de forma vertiginosa em minha cabeça. Eram muito nítidos. O terrível e o celestial, todos misturados numa confusão bizarra. Havia impaciência e medo profundos, ambos parte daquele sonho frustrante em que seus pés não se movem rápido o suficiente... E havia muitos monstros, demônios de olhos vermelhos que eram ainda mais medonhos devido a sua cortês civilidade. O sonho ainda permanecia – podia até me lembrar dos nomes. Mas a parte mais intensa e mais clara não foi o pavor. Foi o anjo, o mais nítido de todos. Foi difícil abandoná-lo e acordar. Esse sonho não queria ser afugentado para o cofre de sonhos que eu me recusava a revisitar. Lutei contra ele enquanto minha mente ficava mais alerta, concentrando-se na realidade. Não conseguia lembrar que dia da semana era, mas tinha certeza de que Jacob, a escola, o trabalho ou outra coisa esperavam por mim. Respirei fundo, imaginando como enfrentar mais um dia. Algo frio tocou minha testa com a mais suave pressão. Fechei meus olhos ainda mais apertados. Pelo visto eu ainda estava sonhando, e parecia anormalmente real. Estava tão perto de acordar... a qualquer segundo, e ele iria embora. Mas percebi que parecia real demais, real demais para ser bom para mim. Os braços de pedra que imaginei me envolvendo eram substanciais demais. Se deixasse aquilo ir adiante me arrependeria mais tarde. Com um suspiro resignado, abri minhas pálpebras para dispersar a ilusão. – Oh! – disse ofegante, e cobri os olhos com os punhos.
Bem, estava claro que eu tinha ido longe demais; talvez tivesse sido um erro ter deixado minha imaginação tão fora de controle. Tudo bem, então “deixar” era a palavra errada. Eu a obrigara a sair
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de controle – na verdade perseguira minhas alucinações – e agora minha mente tinha pifado. Levei menos de um segundo para perceber que, como estava verdadeiramente louca, podia muito bem desfrutar das ilusões enquanto elas fossem agradáveis. Abei os olhos de novo – e Edward ainda estava ali, seu rosto perfeito a centímetros do meu. – Eu a assustei? – Sua voz baixa era ansiosa. Isso era muito bom, as ilusões continuavam. O rosto, a voz, o aroma, tudo – muito melhor do que me afogar. A linda invenção de minha imaginação observava alarmada a mudança de minhas expressões. Suas íris eram negras, no alto de sombras feito hematomas. Isso me surpreendeu; meus Edwards alucinatórios em geral estavam mais bem alimentados. Pisquei duas vezes, tentando com desespero me lembrar da última coisa que tinha certeza de que era real. Alice fazia parte de meu sonho, e me perguntei se ela havia realmente voltado ou se era só o preâmbulo. Pensei que ela tivesse voltado no dia em que quase me afoguei... – Ah, droga – grasnei. Minha garganta estava áspera com o sono. – Qual é o problema, Bella? Franzi infeliz o cenho para ele. Seu rosto ficou ainda mais ansioso do que antes. – Morri, não é? – gemi. – Eu me afoguei. Droga, droga, droga! Isso vai matar Charlie. Edward franziu o cenho também. – Você não está morta. – Então por que não estou acordando? – desafiei, erguendo as sobrancelhas. – Você está acordada, Bella. Sacudi a cabeça.
– Ah, sim, claro. É o que você quer que eu pense. E depois vai ser pior quando eu acordar. Se eu acordar, o que não vai acontecer,
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porque estou morta. Isso é péssimo. Coitado de Charlie. E Renée e Jake... – Eu me interrompi apavorada com o que tinha feito. – Entendo que possa me confundir com um pesadelo. – Seu sorriso curto era soturno. – Mas não imagino o que pode ter feito para parar no inferno. Você cometeu muitos assassinatos enquanto estive fora? Fiz uma careta. – É claro que não. Se eu estivesse no inferno, você não estaria comigo. Ele suspirou. Minha cabeça estava clareando. Meus olhos se desviaram do rosto dele – de má vontade – por um segundo, para a janela aberta e escura, e depois de volta para ele. Comecei a me lembrar dos detalhes... E senti um rubor leve e estranho na pele, no alto das bochechas, enquanto percebia devagar que Edward estava realmente, de verdade, ali comigo, e eu estava desperdiçando tempo sendo uma idiota.– Então tudo aquilo aconteceu mesmo? – Era quase impossível transferir meu sonho para a realidade. Eu não conseguia assimilar aquilo.– Depende. – O sorriso de Edward ainda era severo. – Se está se referindo a nós quase sendo massacrados na Itália, então, sim. – Que estranho – refleti. – Eu fui mesmo a Itália. Sabia que eu nunca tinha ido mais longe do que Albuquerque? Ele revirou os olhos. – Talvez deva voltar a dormir. Você está incoerente. – Não estou mais cansada. – Agora estava ficando claro. – Que horas são? Quanto tempo fiquei dormindo? – Agora é só uma da manhã. Então, umas catorze horas. Eu me espreguicei enquanto ele falava. Estava muito rígida. – Charlie? – perguntei. Edward franziu a testa.
– Dormindo. Você deve saber que estou quebrando as regras agora. Bem, não tecnicamente, uma vez que ele disse que eu nunca
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voltaria a passar pela porta, e eu entrei pela janela... Mas, ainda assim, a intenção foi clara. – Charlie proibiu sua entrada aqui em casa? – perguntei, a incredulidade logo se transformando em fúria. Os olhos dele estavam tristes. – Esperava outra reação? Meus olhos estavam zangados. Ia ter uma conversinha com meu pai – talvez fosse uma boa hora para lembrá-lo de que, legalmente, eu já era maior de idade. Isso não importava tanto, é claro, a não ser na teoria. Muito em breve não haveria motivos para a proibição. Voltei meus pensamentos para rumos menos dolorosos. – Qual é a história? – perguntei, genuinamente curiosa, mas também tentando de modo desesperado manter a conversa despreocupada, assim não o espantaria com a ansiedade frenética e aflitiva que grassava dentro de mim. – O que quer dizer? – O que vou dizer a Charlie? Qual será a desculpa para ter desaparecido por... Quanto tempo fiquei fora, aliás? – Tentei contar as horas mentalmente. – Só três dias. – Seus olhos se apertaram, mas desta vez ele sorriu com mais naturalidade. – Na verdade, eu estava esperando que você tivesse uma boa explicação. Não tenho nenhuma. Eu gemi. – Ótimo. – Bom, talvez Alice pense em algo – propôs ele, tentando me reconfortar. E fiquei reconfortada. Quem se importava com o que eu teria de enfrentar mais tarde? Cada segundo em que ele estava ali – tão perto, o rosto impecável cintilando na luz fraca dos números de meu despertador – era precioso e não seria desperdiçado. – Então – comecei, escolhendo a pergunta menos importante, ainda que de vital interesse, para começar. Eu estava entregue, segura, em casa, e ele poderia decidir partir a qualquer momento. Precisava mantê-lo falando.
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Além disso, aquele paraíso temporário não estava inteiramente completo sem o som de sua voz. – O que você andou fazendo até três dias atrás? O rosto dele ficou cauteloso por um instante. – Nada de terrivelmente emocionante. – É claro que não – murmurei. – Por que está fazendo essa cara? – Bom... – Franzi os lábios, pensando. – Se no final das contas você fosse só um sonho, esse seria o tipo exato de resposta que você daria. Minha imaginação deve estar acostumada. Ele suspirou. – Se eu contar, você vai enfim acreditar que não está tendo um pesadelo? – Pesadelo! – repeti com desdém. Ele esperou por minha resposta. – Talvez – eu disse depois de pensar duas vezes. – Se você me contar. – Eu estava... caçando. – É o melhor que pode fazer? – critiquei. – Isso, definitivamente, não prova que estou acordada. Ele hesitou, depois falou devagar, escolhendo as palavras com cuidado. – Não estava caçando para me alimentar... Estava me testando em... seguir rastros. Não sou muito bom nisso. – Que rastro você estava seguindo? – perguntei, intrigada. – Nada de importante – As palavras não combinavam com sua expressão; ele parecia aborrecido, pouco à vontade. – Não entendi. Ele hesitou; o rosto cintilando com o estranho brilho verde da luz do despertador estava dilacerado.
– Eu... – Ele respirou fundo. – Devo-lhe desculpas. Não, é claro que devo muito, muito mais do que isso. Mas você precisa saber... – As palavras começaram a fluir tão rápido, como eu lembrava que ele falava às vezes, quando estava agitado, que tive de me concentrar para assimilar todas elas. –, precisa saber que eu não fazia a menor idéia. Não percebi a confusão que estava deixando para
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trás. Pensei que aqui fosse seguro para você. Muito seguro. Não fazia idéia de que Victoria – Seus lábios se retraíram quando ele disse o nome. – voltaria. Devo admitir que quando a vi daquela vez prestei muito mais atenção aos pensamentos de James. Mas não vi que ela podia ter esse tipo de reação. Tampouco que ela tivesse tamanho vínculo com ele. Acho que agora percebo por que... Ela era tão confortante com relação a James que nunca lhe ocorreu a idéia de ele falhar. Foi o excesso de confiança que encobriu os sentimentos dela por ele... Isso me impediu de ver a intenção entre os dois, o vínculo que existia ali. Ele continuou: – Não que haja alguma desculpa para o que deixei para você enfrentar. Quando soube do que você contou a Alice... o que ela própria viu... quando percebi que você colocara sua vida nas mãos de lobisomens, imaturos, voláteis, a pior coisa que há lá fora, além da própria Victoria. – Ele estremeceu, e a enxurrada de palavras parou por um breve segundo. – Por favor, entenda que eu não fazia idéia de nada disso. Sinto-me aflito, aflito em meu âmago, mesmo agora, quando posso ver e sentir você segura em meus braços. Eu sou o mais miserável pretexto para... – Pare com isso – eu o interrompi. Ele me fitou com olhos agoniados, e tentei encontrar as palavras certas, as palavras que o libertariam de sua obrigação imaginária que lhe causava tanta dor. Eram palavras difíceis de dizer. Não sabia se podia pronunciá-las sem sucumbir. Mas eu precisava tentar fazer aquilo direito. Não queria ser uma fonte de culpa e angústia na vida dele. Ele devia ser feliz, por mais que isso me custasse. Na verdade eu esperava deixar de lado essa parte de nossa última conversa. Ia dar um fim a tudo muito mais cedo. Recorrendo a todos os meus meses de prática tentando ser normal com Charlie, mantive o rosto tranqüilo.
– Edward – disse. O nome ardeu um pouco em minha garganta ao sair. Eu podia sentir o fantasma do buraco, esperando para se abrir de novo assim que ele desaparecesse. Não via como sobreviver desta
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vez. – Isso tem que parar agora. Não pode pensar nos fatos desse jeito. Você não pode deixar que essa... essa culpa... domine sua vida. Não pode assumir a responsabilidade pelo que me acontece aqui. Nada disso é culpa sua, apenas faz parte de como a vida é para mim. Então, se eu tropeçar na frente de um ônibus ou o que quer que seja da próxima vez, precisa saber que não cabe a você assumir a culpa. Não pode simplesmente correr para a Itália porque se sente mal por não ter me salvado. Mesmo que eu tivesse pulado daquele penhasco para morrer, isso teria sido opção minha, não culpa sua. Sei que é da sua... da sua natureza assumir a culpa por tudo, mas não pode deixar que isso o leve a esses extremos! É muito irresponsável... Pense em Esme, Carlisle e... Eu estava prestes a perder o controle. Parei para respirar fundo, na esperança de me acalmar. Precisava libertá-lo. Tinha de ter certeza de que aquilo nunca mais aconteceria. – Isabella Marie Swan – sussurrou ele, a expressão mais estranha atravessando seu rosto. Parecia quase louco. – Você acha que pedi aos Volturi para me matarem porque me sentia culpado? Pude sentir a incompreensão absoluta em meu rosto. – E não foi? – Sentindo culpa? Intensamente. Mais do que você pode compreender. – Então... Do que está falando? Não entendo. – Bella, eu fui aos Volturi porque pensei que você estivesse morta – disse ele, a voz suave, os olhos ferozes. – Mesmo que eu não tivesse nada a ver com sua morte – Ele estremeceu as sussurrar a última palavra. –, mesmo que não fosse minha culpa, eu teria ido a Itália. Claro que devia ter sido mais cuidadoso... Devia ter falado diretamente com Alice, em vez de aceitar o relato repassado por Rosalie. Mas, na realidade, o que eu devia pensar quando o garoto disse que Charlie estava no enterro? Quais eram as chances? As chances... – murmurou então, distraído. A voz era tão baixa que eu não sabia se tinha ouvido direito. – As chances sempre estavam contra nós. Um erro depois do outro. Nunca mais vou criticar Romeu.
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– Mais ainda não entendo – eu disse. – Essa é toda a questão para mim. E daí? – Como? – E se eu estivesse mesmo morta? Ele me olhou em dúvida por um longo tempo antes de responder. – Não se lembra de nada do que eu lhe disse antes? – Lembro-me de tudo o que me disse. – Inclusive das palavras que negavam todo o restante. Ele roçou a ponta do dedo frio em meu lábio inferior. – Bella, parece que você é vítima de um mal-entendido. – Ele fechou os olhos, sacudindo a cabeça com um meio sorriso no lindo rosto. Não era um sorriso feliz. – Pensei que já tivesse explicado com clareza. Bella, não posso viver num mundo onde você não exista. – Eu estou... – Minha cabeça girou enquanto eu procurava pela palavra adequada. – confusa. – Essa estava boa. Não conseguia encontrar sentido no que ele dizia. Ele olhou no fundo de meus olhos; o olhar sincero e franco. – Eu minto muito bem, Bella, tenho de ser assim. Fiquei paralisada, meus músculos se contraindo como se recebessem um impacto. O rasgo em meu peito se abriu; a dor me tirou o fôlego. Ele sacudiu meu ombro, tentando me fazer relaxar. – Deixe-me terminar! Eu minto bem, mas, ainda assim, você acredita em mim com muita rapidez. – Ele estremeceu. – Foi... doloroso. Esperei, ainda paralisada. – Quando estávamos na floresta, quando eu lhe disse adeus... Não permiti a mim mesma a lembrança. Lutei para me manter só no momento presente. – Você não ia aceitar – sussurrou ele. – Eu sabia. Não queria fazer aquilo... Parecia que fazer aquilo ia me matar... Mas eu sabia que se não conseguisse convencê-la de que não a amava mais você levaria muito mais tempo para seguir com sua vida. Esperava que se você pensasse que eu estava em outra, também partiria para outra.
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– Um rompimento sem dor – sussurrei através dos lábios imóveis. – Exato. Mas nunca imaginei que seria tão fácil fazer você acreditar! Pensei que seria praticamente impossível... Que você teria tanta certeza da verdade que eu teria de mentir por horas para pelo menos plantar a semente da dúvida em sua mente. Eu menti, e lamento muito... Lamento porque magoei você, lamento por ter sido um esforço inútil. Lamento por não tê-la protegido do que sou. Menti para salvá-la, e não deu certo. Perdoe-me. Ele continuou: – Mas como pôde acreditar em mim? Depois de todas as milhares de vezes que eu disse que a amava, como pôde deixar que uma palavra anulasse sua fé em mim? Não respondi. Estava chocada demais para formular uma resposta racional. – Pude ver isso em seus olhos, que você sinceramente acreditou que eu não a queria mais. A idéia mais absurda e mais ridícula... Como se houvesse algum modo de eu existir sem precisar de você! Eu ainda estava paralisada. As palavras dele eram incompreensíveis, por que eram impossíveis. Edward sacudiu meus ombros de novo, não com força, mas o bastante para meus dentes baterem um pouco. – Bella – suspirou ele. – Francamente, o que você estava pensando? E então comecei a chorar. As lágrimas se acumularam e jorraram de maneira lastimável por meu rosto. – Eu sabia – falei entre soluços. – Sabia que estava sonhando. – Você é impossível – disse ele, e riu uma vez. Um riso severo e frustrado. – Como posso explicar de modo que acredite em mim? Você não está dormindo e não está morta. Estou aqui e eu amo você. Sempre amei você e sempre amarei. Fiquei pensando em você, vendo seu rosto em minha mente, durante cada segundo que me ausentei. Quando lhe disse que não a queria, foi o tipo mais atroz de blasfêmia.
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Sacudi a cabeça enquanto as lágrimas continuavam a escorrer pelo canto de meus olhos. – Não acredita em mim, não é? – sussurrou ele, o rosto mais pálido do que o normal; pude ver isso mesmo na luz fraca. – Por que pode acreditar na mentira, mas não na verdade? – Me amar nunca fez sentido para você – expliquei, minha voz falhou duas vezes. – Sempre soube disso. Os olhos dele se estreitaram, o maxilar se contraiu. – Vou provar que está acordada – prometeu ele. Ele pegou meu rosto com firmeza entre as mãos de ferro, ignorando meu esforço quando tentei desviar a cabeça. – Não, por favor – sussurrei. Ele parou, os lábios a um centímetro dos meus. – Por que não? – perguntou. O hálito soprou em meu rosto, fazendo minha cabeça girar. – Quando eu acordar... – Ele abriu a boca para protestar, então me corrigi. – Tudo bem, esqueça isso... Quando você partir de novo, já será bem difícil sem isso. Ele me afastou um pouco para ver meu rosto. – Ontem, quando eu ia tocar em você, você estava tão... hesitante, tão cautelosa, e no entanto ainda está assim agora. Eu preciso saber por quê. É porque cheguei tarde demais? Porque a magoei muito? Porque você deixou mesmo tudo para trás, como dei a entender que fizesse? Isso seria... muito justo. Não vou contestar sua decisão. Então não tente poupar meus sentimentos, por favor... Só me diga agora se você ainda pode me amar ou não, depois de tudo o que a fiz passar. Pode? – sussurrou ele. – Que tipo de pergunta idiota é essa? – Só responda. Por favor. Eu o fitei sombriamente por um longo tempo. – O que sinto por você jamais vai mudar. É claro que amo você... E não há nada que você possa fazer com relação a isso! – Era tudo o que eu precisava ouvir.
Depois disso, sua boca estava na minha, e não pude lutar contra ele. Não porque ele fosse muitas milhares de vezes mais forte que eu,
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mas porque minha vontade virou pó no segundo em que nossos lábios se encontraram. O beijo não era tão cauteloso quanto os outros de que me lembrava, o que me pareceu ótimo. Se ia me dilacerar depois, podia muito bem ganhar o máximo possível em troca. Então retribuí o beijo, meu coração martelando um ritmo irregular e desarticulado enquanto minha respiração transformava-se num arquejo e meus dedos moviam-se cobiçosos até seu rosto. Pude sentir seu corpo de mármore contra cada linha do meu e fiquei feliz demais por ele não ter me ouvido – não havia dor no mundo que teria justificado não aproveitar. As mãos dele memorizavam meu rosto, como as minhas seguiam suas feições, e nos breves segundos em que seus lábios se libertaram, ele sussurrou meu nome. Quando estava começando a ficar tonta, ele se afastou, só para colocar o ouvido em meu coração. Fiquei deitada ali, desnorteada, esperando que meu arfar se acalmasse e sossegasse. – A propósito – disse ele num tom despreocupado. – Não vou deixar você. Não falei nada e ele pareceu ouvir o ceticismo em meu silêncio. Ele levantou a cabeça para contemplar meu olhar. – Não vou a lugar nenhum. Não sem você – acrescentou num tom mais sério. – Só a deixei antes porque queria que tivesse a oportunidade de ter uma vida humana feliz e normal. Podia ver o que estava fazendo com você... Mantendo-a constantemente à beira do perigo, tirando-a do mundo a que pertencia, arriscando sua vida em cada momento em que estava comigo. Então eu precisava tentar. Tinha que fazer alguma coisa, e parecia que o único caminho era deixá-la. Se eu não achasse que você ficaria melhor, jamais teria tido coragem de partir. Sou egoísta demais. Só você podia ser mais importante do que o que eu queria... do que eu precisava. O que quero e preciso é ficar com você, e sei que nunca serei forte o bastante para partir de novo. Tenho desculpas demais para ficar... Felizmente! Parece que você não consegue ficar segura, por maior que seja a distância que eu coloque entre nós.
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– Não me prometa nada – sussurrei. Se eu me permitisse ter esperanças e nada acontecesse... Isso me mataria. Todos aqueles vampiros impiedosos não conseguiram acabar comigo, mas a esperança conseguiria. A raiva brilhou como metal em seus olhos escuros. – Acha que estou mentindo para você agora? – Não... Não está mentindo. – Sacudi a cabeça, tentando pensar em tudo com coerência. Examinar a hipótese de que ele me amava permanecendo ao mesmo tempo objetiva e realista, assim não cairia na armadilha da esperança. – Você pode estar sendo sincero... agora. Mas e amanhã, quando pensar em todos os motivos da sua partida? Ou no mês que vem, quando Jasper me der uma dentada? Ele vacilou. Pensei naqueles últimos dias de minha vida antes de ele me deixar, tentando vê-los com a perspectiva do que ele me dizia agora. Desse ângulo, imaginando que ele me abandonou me amando, me deixou por mim, seu mau humor e os silêncios frios assumiam um significado diferente. – Você pensou bem na primeira decisão que tomou, não foi? – deduzi. – Vai terminar fazendo o que acha que é certo. – Não sou tão forte como você pensa – disse ele. – O certo e o errado deixaram de significar grande coisa para mim; ia voltar de qualquer modo. Antes de Rosalie me dar a notícia, eu já deixara de tentar viver uma semana de cada vez, ou mesmo um dia. Lutava para suportar uma única hora. Era só uma questão de tempo... e não muito... para eu aparecer em sua janela e implorar que me recebesse de volta. Eu imploraria com prazer agora, se assim você quisesse. Fiz uma careta. – Não brinque, por favor. – Ah, não estou brincando – insistiu ele, agora radiante. – Poderia, por favor, procurar ouvir o que estou lhe dizendo? Vai me deixar tentar explicar o que você significa para mim? Ele esperou, examinando meu rosto enquanto falava, para ter certeza de que eu realmente ouvia.
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– Antes de você, Bella, minha vida era uma noite sem lua. Muito escura, mas havia estrelas... Pontos de luz e razão... E depois você atravessou meu céu como um meteoro. De repente tudo estava em chamas; havia brilho, havia beleza. Quando você se foi, quando o meteoro caiu no horizonte, tudo ficou negro. Nada mudou, mas meus olhos ficaram cegos pela luz. Não pude mais ver as estrelas. E não havia mais razão para nada. Eu queria acreditar nele. Mas era minha vida sem ele que Edward descrevia, não o contrário. – Seus olhos vão se acostumar – murmurei. – É esse o problema... Eles não conseguem. – E suas distrações? Ele riu sem nenhum vestígio de humor. – Só fazem parte da mentira, meu amor. Não existem distrações para a agonia. Meu coração não batia havia quase noventa anos, mas isso era diferente. Era como se meu coração não estivesse ali... Como se eu estivesse oco. Como se eu tivesse deixado com você tudo o que havia aqui dentro. – Engraçado – murmurei. Ele arqueou uma sobrancelha perfeita. – Engraçado? – Eu quis dizer estranho... Pensei que fosse só comigo. Também faltaram muitos pedaços de mim. Não consegui respirar por muito tempo. – Enchi os pulmões, deleitando-me com a sensação. – E meu coração. Esse estava definitivamente perdido. Ele fechou os olhos e colocou o ouvido em meu coração de novo. Deixei meu rosto junto de seu cabelo, sentindo a textura em minha pele, sentindo o aroma delicioso. – Então rastrear não foi uma distração? – perguntei, curiosa e também precisando me distrair. Eu corria sérios riscos de ter esperanças. Não conseguiria me refrear por muito tempo. Meu coração pulsava, cantando em meu peito. – Não. – Suspirou ele. – Nunca foi uma distração. Era uma obrigação. – Como assim?
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– Embora eu nunca tivesse esperado nenhum perigo de Victoria, não ia deixar que ela se safasse... Bem, como eu disse, fui péssimo nisso. Eu a rastreei até o Texas, mas depois segui uma pista falsa até o Brasil... E ela na verdade tinha vindo para cá. – Ele grunhiu. – Eu não estava nem no continente certo! E nesse meio tempo, pior do que meus piores temores... – Você estava caçando Victoria? – Eu emiti um som agudo assim que consegui encontrar minha voz, subindo duas oitavas. Os roncos distantes de Charlie falharam, depois recuperaram um ritmo regular. – Não me saí bem – respondeu Edward, examinando minha expressão de ultraje com um olhar confuso. – Mas farei melhor da próxima vez. Ela não vai poluir o ar perfeito respirando por muito mais tempo. – Isso está... fora de cogitação – consegui falar. Que insanidade! Mesmo que Emmett ou Jasper o ajudassem. Mesmo que Emmett e Jasper o ajudassem. Era pior do que as outras imagens que eu tinha: Jacob Black no caminho da figura violenta e felina de Victoria. Não suportaria imaginar Edward lá, muito embora ele fosse muito mais resistente do que meu melhor amigo semi-humano. – É tarde demais para ela. Posso ter deixado escapar a outra oportunidade, mas não agora, não depois... Eu o interrompi de novo, tentando parecer calma. – Você não prometeu que não ia embora? – perguntei, lutando com as palavras à medida que as dizia, sem deixar que elas se plantassem em meu coração. – Isso não é lá muito compatível com uma longa expedição de rastreamento, não é? Ele franziu o cenho. Um rosnado começou a se formar em seu peito.– Vou cumprir minha promessa, Bella. Mas Victoria... – O rosnado tornou-se mais pronunciado – vai morrer. Logo. – Não sejamos precipitados – eu disse, tentando esconder meu pânico. – Talvez ela não volte. O bando de Jake deve tê-la espantado. Não há motivo real para procurar por ela. Além disso, tenho problemas maiores do que Victoria.
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Edward semicerrou os olhos, mas assentiu. – É verdade. Os lobisomens são um problema. Eu bufei. – Não estava falando de Jacob. Meus problemas são muito piores do que alguns lobisomens adolescentes se metendo em encrenca. Edward parecia estar prestes a dizer algo, mas pensou melhor. Seus dentes trincaram e ele falou baixo, resmungando: – É mesmo? – perguntou ele. – Então qual seria seu maior problema? O que, em comparação, faria da volta de Victoria uma questão menor? – Que tal o segundo maior problema? – experimentei. – Tudo bem – concordou ele, desconfiado. Eu parei. Não tinha certeza se podia dizer o nome. – Existem outros que virão atrás de mim – lembrei a ele num sussurro reprimido. Ele suspirou, mas a reação não foi tão forte como eu imaginava depois de como ele reagira com relação a Victoria. – Os Volturi são o segundo maior problema? – Você não parece se incomodar muito com isso – observei. – Bem, temos muito tempo para pensar no assunto. O tempo para eles significa algo muito diferente do que para você, ou até para mim. Eles contam os anos como você conta os dias. Não me surpreenderia se você tivesse 30 anos antes de passar pela cabeça deles de novo – acrescentou ele alegremente. O pavor me inundou. Trinta! Então as promessas que ele fez nada significavam, no final das contas. Se um dia eu ia fazer 30 anos, ele não podia estar pretendendo ficar por muito tempo. A dor severa de saber disso me fez perceber que eu já começara a ter esperanças, sem dar permissão a mim mesma para isso. – Não precisa ter medo – disse ele, ansioso ao ver lágrimas se acumularem de novo no canto de meus olhos. – Não vou deixar que a machuquem.
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– Enquanto você estiver aqui. – Não que me importasse com o que aconteceria a mim quando ele fosse embora. Ele pegou meu rosto entre as suas mãos de pedra, segurando-o com firmeza enquanto seus olhos de meia-noite cintilavam nos meus com a força gravitacional de um buraco negro. – Nunca mais a deixarei. – Mas você disse 30 – sussurrei. As lágrimas transbordaram. – O quê? Você vai ficar mais deixar que eu envelheça assim mesmo? Tudo bem. Seus olhos se suavizaram, enquanto a boca continuou severa. – É exatamente o que vou fazer. Que escolha eu tenho? Não posso viver sem você, mas não vou destruir sua alma. – Isso é mesmo... – Tentei manter a voz tranqüila, mas a pergunta era muito difícil. Eu me lembrei de seu rosto quando Aro quase implorou a ele que considerasse me tornar imortal. Aquele olhar de repulsa. Será que a fixação por me manter humana realmente dizia respeito a minha alma, ou era porque ele não tinha certeza de que ia me querer por perto por tanto tempo? – Sim? – indagou ele, esperando por minha pergunta. Fiz outra pergunta. Quase, mas não tão difícil. – Mas e quando eu ficar tão velha que as pessoas vão pensar que sou sua mãe? Sua avó? – Minha voz era fraca de revolta; eu podia ver o rosto de minha avó de novo no espelho do sonho. O rosto de Edward agora era totalmente tranqüilo. Ele espalhou as lágrimas de meu rosto com os lábios. – Isso não significa nada para mim – sussurrou ele em minha pele. – Você sempre será a coisa mais linda de meu mundo. É claro que... – Ele hesitou, vacilando um pouco. – se você ficar mais madura do que eu... Se quiser algo mais... eu entenderei, Bella. Prometo que não vou atrapalhar se você quiser me deixar. Seus olhos eram de um ônix fluido e completamente sinceros. Ele falava como se tivesse dedicado um tempo interminável pensando naquele plano bobo. – Entende que um dia vou morrer, não é? – perguntei. Ele também pensara nessa parte.
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– Vou logo depois de você, assim que puder. – Isso é seriamente... – procurei pela palavra certa. – doentio. – Bella, é a única maneira certa... – Vamos recapitular por um minuto – eu disse. A sensação de raiva tornou muito mais fácil ser clara e decisiva. – Lembra-se dos Volturi, não é? Não posso ficar humana para sempre. Eles vão me matar. Mesmo que só pensem em mim quando eu tiver 30 anos – sibilei a palavra –, acha mesmo que vão esquecer? – Não – respondeu ele devagar, sacudindo a cabeça. – Eles não vão esquecer. Mas... – Mas? Ele sorriu enquanto eu o fitava com cautela. Talvez eu não fosse a única louca ali. – Tenho alguns planos. – E esses planos – eu disse, minha voz ficando mais áspera a cada palavra. – Esses planos estão baseados na minha permanência como humana. Minha atitude endureceu sua expressão. – Naturalmente. – Seu tom era rude, o rosto divino, arrogante. Nós nos encaramos por um longo minuto. Depois respirei fundo, estiquei os ombros e afastei os braços dele para poder me sentar. – Quer que eu saia? – perguntou ele, e isso fez meu coração se agitar ao ver que a idéia o magoava, embora ele procurasse não demonstrar. – Não – eu disse. – Eu estou saindo. Ele me observou desconfiado enquanto eu levantava da cama e remexia pelo quarto escuro, procurando meus sapatos. – Posso perguntar aonde você vai? – indagou. – Vou até sua casa – eu disse, ainda tateando às cegas. Ele se levantou e veio para o meu lado. – Tome seus sapatos. Como pretende chegar lá? – Na minha picape. – Isso provavelmente vai acordar Charlie – sugeriu ele para me dissuadir.
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Suspirei. – Eu sei. Mas, com sinceridade, do jeito como as coisas estão, vou ficar de castigo durante semanas mesmo. Que problemas mais posso ter? – Nenhum. Ele vai me culpar, não a você. – Se tiver uma idéia melhor, sou toda ouvidos. – Fique aqui – sugeriu ele, mas sua expressão não era esperançosa. – Nada feito. Mas você pode ficar, sinta-se em casa – eu o incentivei, surpresa ao ver como minha ironia parecia natural, e fui para a porta. Ele chegou antes de mim, bloqueando minha passagem. Franzi a cara e me virei para a janela. Não ficava muito distante do chão e embaixo havia grama... – Tudo bem – ele suspirou. – Vou lhe dar uma carona. Dei de ombros. – Tanto faz. Mas acho que você talvez devesse estar lá também. – E por que isso? – Porque você é muito apegado a suas opiniões, e tenho certeza de que vai querer ter a oportunidade de expressá-las. – Minhas opiniões sobre que assunto? – perguntou ele entre os dentes.–Não se trata mais de você. Você não é o centro do universo, sabe disso. – É claro que meu universo particular era outra história. – Se você vai trazer os Volturi até nós por algo tão idiota como me manter humana, então sua família deve se pronunciar. – Se pronunciar sobre o quê? – perguntou ele, cada palavra distinta. – Minha mortalidade. Vou colocá-la em votação.
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24. VOTAÇÃO 

Ele não ficou satisfeito, isso foi fácil ver em seu rosto. Mas, sem discutir, pegou-me nos braços e disparou com agilidade pela janela, pousando sem o menor solavanco, como um gato. A altura era um pouco maior do que eu imaginara. – Então, tudo bem – disse ele, a voz agitada de reprovação. – Suba.Ele me ajudou a subir em suas costas e partiu correndo. Mesmo depois de todo esse tempo, parecia normal. Fácil. Evidentemente, aquilo era algo que nunca se esquece, como andar de bicicleta. Estava muito silencioso e muito escuro enquanto ele corria pela floresta, sua respiração lenta e constante – bastante escuro para que as árvores que pareciam voar quando passávamos ficassem quase invisíveis –, e só o ar batendo em meu rosto revelava de fato nossa velocidade. O ar era úmido; não ardia em meus olhos como o vento da grande praça, e isso era reconfortante. E também era noite, depois daquela claridade terrível. Como o cobertor grosso sob o qual eu brincava quando criança, o escuro parecia familiar e protetor. Lembrei-me de que no passado ficava assustada por correr pelo bosque desse jeito, que precisava fechar os olhos. Agora isso me parecia uma reação boba. Mantive os olhos bem abertos, meu queixo encostado em seu ombro, a bochecha contra seu pescoço. A velocidade era estimulante. Cem vezes melhor do que a moto. Virei o rosto para ele e apertei meus lábios na pele fria de pedra de seu pescoço. – Obrigado – disse ele, enquanto formas escuras e vagas de árvores disparavam por nós. – Isso significa que você concluiu que está acordada? Eu ri. O som era relaxado, natural, espontâneo. Soou como deveria. – Para ser bem sincera, não. É que na verdade, seja como for, não estou tentando acordar. Não esta noite.
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– Vou de algum jeito recuperar sua confiança – murmurou ele, mais para si mesmo. – Nem que seja meu último ato. – Eu confio em você – garanti. – É em mim que não confio. – Explique, por favor. Ele diminuiu o ritmo para o de uma caminhada – só percebi porque o vento cessou –, e imaginei que não estávamos longe da casa. Na realidade, pensei que podia identificar o som do riacho correndo em algum lugar perto, na escuridão. – Bom... – Lutei para encontrar o modo certo de dizer. – Não confio em mim mesma para ser... o bastante. Para merecer você. Não há nada em mim que possa prender você. Ele parou e voltou-se para me tirar de suas costas. As mãos delicadas não me soltaram; depois de me colocar no chão, ele me tomou nos braços com força e me abraçou contra seu peito. – Sua prisão é permanente e inviolável – sussurrou ele. – Jamais duvide disso. Mas como não poderia duvidar? – Você ainda não me disse... – murmurou ele. – O quê? – Qual é seu maior problema. – Vou deixar que você adivinhe. – Eu suspirei e toquei a ponta de seu nariz com o indicador. Ele assentiu. – Sou pior do que os Volturi – disse ele sombriamente. – Acho que mereci isso. Revirei os olhos. – O pior que os Volturi podem fazer é me matar. Ele esperou com os olhos tensos. – Você pode me deixar – expliquei. – Os Volturi, Victoria... Eles nada são comparados a isso. Mesmo no escuro, pude ver a angústia distorcendo o rosto dele – lembrou-me de sua expressão sob o olhar torturante de Jane; eu me senti mal e me arrependi de ter falado a verdade. – Não – sussurrei, tocando seu rosto. – Não fique triste.
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Ele ergueu o canto da boca friamente, mas a expressão não chegou a seus olhos. – Se houvesse uma única maneira de fazer você entender que não consigo deixá-la – sussurrou ele. – O tempo, imagino, acabará por convencê-la. Gostei da idéia do tempo. – Tudo bem – concordei. Seu rosto ainda estava atormentado. Tentei distraí-lo com amenidades. – E, então... já que você vai ficar. Pode devolver minhas coisas? – perguntei, no tom mais tranqüilo que consegui. Minha tentativa deu certo, até certo ponto: ele riu. Mas seus olhos continuaram sofrendo. – Suas coisas nunca desapareceram – disse ele. – Eu sabia que era errado, uma vez que lhe prometi paz sem lembrança. Foi idiota e infantil, mas queria deixar algo de mim com você. O CD, as fotos, as passagens... Está tudo debaixo do assoalho de seu quarto. – É mesmo? Ele assentiu, parecendo um pouco mais animado com o nítido prazer que senti com esse fato banal. Não foi o bastante para curar completamente a dor em seu rosto. – Eu acho – disse devagar – não tenho certeza, mas imagino... acho que talvez eu soubesse disso o tempo todo. – Soubesse do quê? Eu só queria tirar a agonia de seus olhos, mas as palavras, ao serem pronunciadas, pareciam mais verdadeiras do que eu esperava. – Parte de mim, talvez meu subconsciente, nunca deixou de acreditar que você ainda se importava se eu estava viva ou morta. Deve ter sido por isso que fiquei ouvindo vozes. Houve um silêncio profundo por um momento. – Vozes? – perguntou ele num tom monótono.
– Bom, só uma voz. A sua. É uma longa história.– A preocupação em seu rosto me fez desejar não ter levantado esse assunto. Será que ele, como todos os outros, pensaria que eu estava louca? Será que todo mundo estava certo sobre isso? Mas pelo menos
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naquela expressão, que dava a entender que algo ardia dentro dele, desapareceu. – Eu tenho tempo. – Sua voz era artificialmente tranqüila. – É bem ridículo. Ele esperou. Eu não sabia bem como explicar. – Lembra o que Alice disse sobre esportes radicais? Ele falou as palavras sem inflexão nem ênfase. – Você pulou de um penhasco para se divertir. – Hã, isso mesmo. E, antes disso, com a moto... – Moto? – perguntou ele. Eu conhecia sua voz muito bem para ouvir algo borbulhando por trás da calma. – Acho que não contei essa parte a Alice. – Não. – Bom, sobre isso... Olhe, descobri que... quando fazia algo perigoso ou idiota... conseguia me lembrar de você com mais clareza – confessei, sentindo-me completamente retardada. – Conseguia me lembrar de como era sua voz quando você estava com raiva. Podia ouvi-la, como se você estivesse bem ali ao meu lado. Na maior parte do tempo eu tentava não pensar em você, mas desse jeito não doía tanto... Era como se você estivesse me protegendo de novo. Como se não quisesse que eu me machucasse. E, bom, imagino se o motivo para ouvi-lo com tanta clareza não era porque, lá no fundo, eu sempre soube que você não tinha deixado de me amar. Outra vez, enquanto eu falava, as palavras eram carregadas de convicção. De exatidão. Algum lugar no fundo de mim reconhecia a verdade. As palavras dele saíram quase estranguladas. – Você... estava... arriscando sua vida... para ouvir... – Shhh – eu o interrompi. – Espere um segundo. Acho que estou tendo uma revelação agora. Pensei naquela noite em Port Angeles, quando tive minha primeira ilusão. Eu pensara em duas opções: insanidade ou satisfação de um desejo. Não vi uma terceira opção.
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Mas e se... E se você sinceramente acreditasse que uma coisa era verdadeira, mas estivesse cem por cento enganada? E se você estivesse tão obstinadamente certa de que tinha razão que nem considerasse a verdade? A verdade seria silenciada ou tentaria irromper? Opção três: Edward me amava. O vínculo forjado entre nós não era do tipo que podia ser quebrado com a ausência, a distância ou o tempo. E por mais especial, lindo, inteligente ou perfeito que ele pudesse ser, estava tão irreversivelmente transformado como eu. Assim como eu sempre pertenceria a ele, ele sempre seria meu. Era isso o que eu estivera tentando dizer a mim mesma? – Ah! – Bella? – Ah! Tudo bem. Entendi. – Sua revelação? – perguntou ele, a voz agitada e tensa. – Você me ama – disse admirada. A convicção e a correção me inundaram de novo. Embora seus olhos ainda estivessem angustiados, o sorriso torto que eu amava cintilou em seu rosto. – Sinceramente, amo. Meu coração inflou como se fosse estourar por minhas costelas. Ocupava meu peito e bloqueava minha garganta, e assim não consegui falar. Ele de fato me queria como eu o queria – para sempre. Era só o medo por minha alma, pelas coisas humanas que não queria tirar de mim, que o fazia me manter mortal com tanto desespero. Comparado com o medo de que ele não me quisesse, esse probleminha – minha alma – era quase insignificante. Ele pegou meu rosto com firmeza entre as mãos frias e me beijou até que fiquei tão tonta que a floresta girava. Depois ele encostou a testa na minha e eu não era a única que tinha dificuldade para respirar. – Você é melhor nisso do que eu, sabia? – disse ele. – Melhor em quê?
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– Em sobreviver. Você, pelo menos, se esforçou. Levantava-se de manhã, tentava ser normal com Charlie, seguiu mo padrão de sua vida. Quando eu não estava rastreando, ficava... totalmente inútil. Não conseguia ficar com minha família... Não podia ficar perto de ninguém. Estou muito constrangido de admitir que, mais ou menos, me voltei para mim mesmo e deixei que a infelicidade me tomasse. – Ele sorriu com timidez. – Foi muito mais ridículo do que ouvir vozes. E é claro que você sabe que ouço também. Fiquei muitíssimo aliviada por ele parecer entender – reconfortada por tudo aquilo fazer sentido para ele. De qualquer modo, ele não me olhava como se eu fosse louca. Olhava como... se me amasse. – Só ouvi uma voz – eu o corrigi. Ele riu e me colocou à sua direita, começando a me conduzir para a frente. – Só estou satisfazendo sua vontade. – Ele fez um gesto amplo para a escuridão diante de nós à medida que andávamos. Havia ali algo pálido e imenso; a casa, percebi. – O que eles disserem nada importa. – Isso agora os afeta também. Ele deu de ombros, indiferente. Edward me levou pela porta aberta para dentro da casa escura e acendeu as luzes. A sala estava exatamente como eu lembrava – o piano, os sofás alvos e a escada clara e imensa. Sem pó, sem lençóis brancos. Edward chamou os nomes com um volume que não era mais alto do que o que eu usava numa conversa. – Carlisle? Esme? Rosalie? Emmett? Jasper? Alice? – Eles ouviriam. Carlisle de repente estava parado a meu lado, como se estivesse ali havia muito tempo. – Bem vinda de volta, Bella. – Ele sorriu. – O que podemos fazer por você? Imagino, devido à hora, que não seja uma visita puramente social. Assenti.
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– Gostaria de conversar com todos vocês, se não houver problema. Sobre um assunto importante. Não pude deixar de olhar o rosto de Edward. Sua expressão era crítica, mas resignada. Quando voltei a olhar Carlisle, ele também fitava Edward. – Claro – disse Carlisle. – Por que não conversamos na outra sala? Carlisle seguiu na frente pelo cômodo muito iluminado, contornou a sala de jantar e acendeu as luzes ao passar. As paredes eram brancas, o teto alto, como o da sala de estar. No meio da sala, sob o candelabro que pendia baixo, havia uma grande mesa oval e encerada, cercada de oito cadeiras. Carlisle puxou uma cadeira para mim na cabeceira. Nunca vi os Cullen usarem a mesa de jantar – aquilo era só para constar. Eles não comiam na casa. Assim que me virei para me sentar na cadeira, vi que não estávamos sós. Esme seguia Edward, e atrás dela o restante da família fazia fila. Carlisle se sentou à minha direita e Edward à minha esquerda. Todos os outros assumiram seus lugares em silêncio. Alice, com um largo sorriso, já estava inteirada da trama. Emmett e Jasper olhavam curiosos, e Rosalie sorria para mim com insegurança. Meu sorriso de resposta foi igualmente tímido. Seria necessário algum tempo para nos acostumarmos com aquilo. Carlisle acenou para mim. – A palavra é sua. Engoli em seco. Os olhos de todos me encarando me deixavam nervosa. Edward pegou minha mão sob a mesa. Olhei para ele, mas ele observava os outros, seu rosto de repente feroz. – Bom – comecei. – Imagino que Alice já tenha contado a vocês tudo o que aconteceu em Volterra. – Tudo – garantiu-me Alice. Lancei-lhe um olhar sugestivo. – E no caminho para lá? – Isso também – assentiu ela.
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– Que bom! – Suspirei de alívio. – Então estamos todos em pé de igualdade. Eles esperaram pacientemente enquanto eu tentava ordenar meus pensamentos. – Então, temos um problema – comecei. – Alice prometeu aos Volturi que eu me tornaria uma de vocês. Eles vão mandar alguém para verificar, e tenho certeza de que isso é ruim... Que deve ser evitado. E assim, agora, a questão envolve vocês todos. Lamento por isso. Olhei cada um dos lindos rostos, poupando o mais bonito para o fim. A boca de Edward se curvava para baixo numa careta. – Mas, se vocês não me quiserem, não vou forçar minha presença, quer Alice esteja disposta a isso ou não. Esme abriu a boca para falar, mas ergui o dedo para impedi-la. – Por favor, deixe-me terminar. Todos vocês sabem o que quero. E tenho certeza de que também sabem o que Edward pensa. Acho que a única maneira justa de decidir isso é todos darem seu voto. Se vocês decidirem que não me querem, então... Acho que volto para a Itália sozinha. Não posso permitir que eles venham aqui. – Minha testa se vincou enquanto eu pensava nisso. Houve um rosnado fraco no peito de Edward. Eu o ignorei. – Levando em consideração, então, que não vou colocar nenhum de vocês em perigo, seja qual for a decisão, quero que votem sim ou não sobre a questão de me tornar vampira. Dei um meio sorriso com a última palavra e gesticulei para Carlisle começar. – Só um minutinho – interrompeu-me Edward. Olhei-o pelos olhos semicerrados. Ele ergueu as sobrancelhas para mim, apertando minha mão. – Tenho algo a acrescentar antes da votação. Eu suspirei. – Sobre o perigo a que Bella se refere – continuou ele. – Não acho que precisemos ficar muito ansiosos com isso. Sua expressão ficou mais animada. Ele colocou a mão livre na mesa reluzente e se inclinou para a frente.
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– Vejam só – explicou ele, olhando em torno da mesa enquanto falava – houve mais de um motivo para eu não querer apertar a mão de Aro lá no final. Há um detalhe em que eles não pensaram, e eu não quis lembrar isso a eles. – Ele deu um sorriso malicioso. – Qual? – sondou Alice. Tive certeza de que minha expressão era tão cética quanto a dela. – Os Volturi são excessivamente confiantes, e por um bom motivo. Quando decidem encontrar alguém, não é de fato um problema. Lembra-se de Demetri? – Ele olhou para mim. Eu dei de ombros. Ele tomou isso como um sim. – Ele encontra as pessoas... É o talento dele, e por isso que eles o mantêm. Agora, todo o tempo em que ficamos com eles, fiquei sondando o cérebro de todos em busca de qualquer indicação que pudesse nos salvar, obtendo o máximo de informações possível. Então vi como funciona o talento de Demetri. Ele é um rastreador... Um rastreador mil vezes mais dotado do que James. Sua capacidade está um pouco relacionada com o que eu faço, ou com o que Aro faz. Ele pega o... sabor? Não sei como descrever... o teor... da mente de alguém e depois o segue. Funciona a distâncias imensas. Mas depois dos pequenos experimentos de Aro, bem... – Edward deu de ombros. – Você acha que ele não vai conseguir me encontrar – eu disse apática. Ele ficou presunçoso. – Tenho certeza disso. Ele depende totalmente desse outro sentido. Quando não funcionou com você, todos eles ficaram cegos. – E como isso resolve alguma coisa? – É muito óbvio, Alice poderá dizer quando eles planejam uma visita e eu vou esconder você. Eles vão ficar impotentes – disse ele com um prazer feroz. – Será como procurar uma agulha num palheiro! Ele e Emmett trocaram um olhar e um sorriso malicioso. Aquilo não fazia sentido. – Mas eles podem encontrar você – lembrei a ele. – E eu posso me cuidar.
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Emmett riu e esticou o braço para o irmão sobre a mesa, estendendo um punho. – Excelente plano, meu irmão – disse com entusiasmo. Edward esticou o braço para bater o punho no de Emmett. – Não – sibilou Rosalie. – Absolutamente não – concordei. – Que legal. – A voz de Jasper indicava seu prazer. – Idiotas – murmurou Alice. Esme só olhava para Edward. Endireitei-me na cadeira, concentrando-me. Aquela era a minha reunião. – Muito bem, então. Edward propôs uma alternativa para a consideração de todos – eu disse com frieza. – Vamos votar. Desta vez, olhei para Edward; seria melhor ter a opinião dele de uma vez por todas. – Quer que eu me uma à sua família? Seus olhos eram duros e pretos como sílex. – Não desse jeito. Deve continuar humana. Assenti uma vez, mantendo a expressão pragmática, depois segui adiante. – Alice? – Sim. – Jasper? – Sim – disse ele, a voz grave. Fiquei um tanto surpresa; eu não tinha certeza de seu voto, mas reprimi minha reação e continuei. – Rosalie? Ela hesitou, mordendo o lábio inferior perfeito. – Não. Mantive minha expressão vazia e virei a cabeça de leve para continuar, mas ela ergueu as mãos, as palmas para a frente. – Deixe-me explicar – pediu Rosalie. – Não quis dizer que tenho alguma aversão a você como irmã. É só que... esta não é a vida que eu teria escolhido para mim mesma. Eu queria que tivesse havido alguém para votar “Não” por mim. Assenti devagar, depois virei-me para Emmett.
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– Que diabos, sim! – Ele sorria. – Podemos encontrar outro jeito de arrumar uma briga com esse Demetri. Eu ainda estava fazendo uma careta quando olhei para Esme. – Sim, é claro, Bella. Eu já penso em você como parte de minha família. – Obrigada, Esme – murmurei ao me voltar para Carlisle. De repente fiquei nervosa, desejando ter pedido o voto dele primeiro. Eu tinha certeza de que este era o voto que mais importava, o voto que contava mais do que qualquer maioria. Carlisle não olhava para mim. – Edward – disse ele. – Não – grunhiu Edward. Seu queixo estava tenso, os lábios repuxados nos dentes. – É a única opção que faz sentido – insistiu Carlisle. – Você escolheu não viver sem ela e isso não me deixa alternativa. Edward largou minha mão, deixando a mesa. Saiu da sala, rosnando baixo. – Acho que você sabe qual é meu voto – suspirou Carlisle. Eu ainda olhava para Edward. – Obrigada – murmurei. Um estrondo ensurdecedor ecoou do outro cômodo. Eu me encolhi e falei rapidamente. – É só disso que preciso. Obrigada. Por me aceitarem. Eu sinto exatamente o mesmo com relação a todos vocês. – Minha voz estava entrecortada de emoção no final. Esme estava a meu lado num átimo, os braços frios em volta de mim. – Minha querida Bella – sussurrou ela. Retribuí seu abraço. Pelo canto do olho, notei Rosalie de cabeça baixa e percebi que minhas palavras podiam ser interpretadas de duas maneiras. – Bom, Alice – eu disse quando Esme me soltou. – Onde quer fazer isso? Alice me encarou, os olhos arregalados de pavor.
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– Não! Não! NÃO! – rugiu Edward, voltando às pressas à sala. Estava bem diante do meu rosto antes que eu tivesse tempo para piscar, curvando-se sobre mim, a expressão distorcida de fúria. – Ficou louca? – gritou ele. – Você perdeu todo o juízo? Eu me afastei, as mãos nos ouvidos. – Hmmm, Bella – intrometeu-se Alice numa voz ansiosa. – Não acho que eu esteja pronta para isso. Vou precisar me preparar... – Você prometeu – lembrei a ela, olhando por baixo do braço de Edward. – Eu sei, mas... É sério, Bella! Não faço a menor idéia de como não matar você. – Você pode fazer isso – eu a encorajei. – Eu confio em você. Edward rosnou de fúria. Alice sacudiu a cabeça rápido, aparentando pânico. – Carlisle? – Eu me virei e olhei para ele. Edward pegou meu rosto, obrigando-me a olhar para ele. A outra mão estava estendida, a palma voltada para Carlisle. Carlisle ignorou isso. – Eu posso fazer – respondeu ele à minha pergunta. Eu queria poder ver sua expressão. – Você não correria o perigo de eu perder o controle. – Que bom. – Eu esperava que ele pudesse entender; era difícil falar com clareza com Edward segurando meu queixo daquele jeito. – Espere – disse Edward entre dentes. – Não precisa ser agora. – Não há motivo para que não seja agora – eu disse, as palavras saindo distorcidas. – Posso pensar em alguns. – É claro que pode – eu disse asperamente. – Agora me solte. Ele libertou meu rosto e cruzou os braços. – Daqui a duas horas, Charlie estará aqui procurando por você. Não duvido nada que ele vá envolver a polícia. – Todos os três policiais. – Mas franzi o cenho.
Essa sempre era a parte mais difícil. Charlie, Renée. Agora Jacob também. As pessoas que eu perderia, as pessoas que magoaria.
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Eu queria que houvesse um modo de ser a única a sofrer, mas sabia que isso era impossível. Ao mesmo tempo, eu os estava magoando mais permanecendo humana. Colocando Charlie em perigo constante com a minha proximidade. Colocando Jake num perigo ainda maior ao atrair os inimigos dele para o território que ele se sentia destinado a proteger. E Renée – eu não podia sequer arriscar uma visita para ver minha própria mãe por medo de levar meus problemas letais comigo! Eu era um imã para o perigo; tinha de admitir isso. Ao admitir, eu sabia que precisava ser capaz de cuidar de mim mesma e de proteger aqueles a quem amava, mesmo que isso significasse que não podia estar com eles. Eu precisava ser forte. – No interesse de continuarmos imperceptíveis – disse Edward, ainda falando entre dentes, mas olhando agora para Carlisle –, sugiro que deixemos essa conversa de lado pelo menos até que Bella termine o ensino médio e saia da casa de Charlie. – Este é um pedido razoável, Bella – assinalou Carlisle. Pensei na reação de Charlie quando ele acordasse naquela manhã, se – depois de tudo que a vida fizera com ele na semana anterior, com a perda de Harry, e depois do que eu provocara com meu desaparecimento inexplicado – ele encontrasse minha cama vazia. Charlie merecia mais do que isso. Era só um pouco mais de tempo; a formatura não estava tão longe assim... Eu franzi os lábios. – Vou pensar nisso. Edward relaxou. Seu queixo se distendeu. – Tenho que levar você para casa – disse ele, mais calmo agora, mas claramente com pressa para me tirar dali. – Para o caso de Charlie acordar cedo. Olhei para Carlisle. – Depois da formatura? – Tem minha palavra. Respirei fundo, sorri e me virei para Edward. – Tudo bem. Pode me levar para casa.
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Edward correu comigo para fora da casa antes que Carlisle pudesse me fazer alguma outra promessa. Ele me levou pelos fundos, então não pude ver o que estava quebrado na sala de estar. Foi uma viagem silenciosa para casa. Eu me sentia triunfante e meio presunçosa. Morta de medo também, é claro, mas tentei não pensar nessa parte. Não me fazia bem me preocupar com a dor – física ou emocional. Não até que eu a sentisse. Quando chegamos em casa, Edward não parou. Disparou parede acima e entrou por minha janela em meio segundo. Depois tirou meus braços do pescoço e me colocou na cama. Achei que tinha uma boa idéia do que ele estava pensando, mas sua expressão me surpreendeu. Em vez de furiosa, era calculista. Ele andava em silêncio de um lado para outro de meu quarto escuro enquanto eu o observava com uma desconfiança crescente. – O que quer que esteja planejando, não vai dar certo – eu disse a ele. – Shhh. Estou pensando. – Argh – gemi, atirando-me de volta na cama e puxando o cobertor sobre a cabeça. Não houve som algum, mas de repente ele estava ali. Ele puxou a coberta para me ver. Estava se deitando ao meu lado. Sua mão tirou o cabelo de meu rosto. – Se não se importa, prefiro que não esconda seu rosto. Eu vivi sem ele por mais tempo do que podia suportar. Agora... me diga uma coisa.– O quê? – perguntei, de má vontade. – Se pudesse ter alguma coisa no mundo, qualquer coisa, o que seria?Pude sentir o ceticismo em seus olhos. – Você. Ele sacudiu a cabeça com impaciência. – Algo que você não tenha. Eu não sabia aonde ele tentava me levar, então pensei bem antes de responder. Pensei numa coisa que era ao mesmo tempo verdade e provavelmente impossível.
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– Eu queria... que Carlisle não tivesse que fazer isso. Queria que você me mudasse. Observei sua reação com cautela, esperando mais fúria que vira em sua casa. Fiquei surpresa que sua expressão não tivesse se alterado. Ainda era calculista e pensativa. – O que estaria disposta a dar em troca? Não consegui acreditar no que ouvia. Fitei pasma seu rosto sério e soltei a resposta antes de pensar nela. – Qualquer coisa. Ele deu um sorriso fraco, depois franziu os lábios. – Cinco anos? Meu rosto se retorceu numa expressão em algum ponto entre o pesar e o pavor. – Você disse qualquer coisa – lembrou-me ele. – Sim, mas... Você vai usar o tempo para encontrar uma maneira de se livrar disso. Tenho que aproveitar enquanto tenho oportunidade. Além disso, é perigoso demais ser humana... Para mim, pelo menos. Então, tudo menos isso. Ele franziu a testa. – Três anos? – Não! – Então não vale qualquer coisa para você? Pensei no quanto eu queria aquilo. Concluí que era melhor manter uma expressão impassível e não deixar que ele soubesse o quanto eu queria. Isso me daria mais poder. – Seis meses? Ele revirou os olhos. – Não basta. – Então um ano – eu disse. – É meu limite. – Me dê pelo menos dois. – De jeito nenhum. Vou fazer 19 anos. Mas não vou chegar a lugar nenhum perto dos 20. Se você vai ficar adolescente para sempre, eu também vou. Ele pensou por um minuto.
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– Tudo bem. Esqueça os limites do tempo. Se quer que seja comigo... terá de cumprir uma condição. – Condição? – Minha voz ficou apática. – Que condição? Seus olhos eram cautelosos – ele falava lentamente. – Case-se comigo primeiro. Eu o fitei, esperando... – Tudo bem. Qual é a piada? Ele suspirou. – Está ferindo meu ego, Bella. Acabo de lhe pedir em casamento e você acha que é brincadeira. – Edward, por favor, fale sério. – Estou falando completamente a sério. – Ele me fitou sem humor algum no rosto. – Ah, sem essa – eu disse com uma pontada de histeria na voz. – Só tenho 18 anos. – Bom, eu tenho quase 110. Está na hora de sossegar. Virei a cara, olhando pela janela escura, tentando controlar o pânico antes que ele me entregasse. – Veja bem, o casamento não é bem uma de minhas prioridades, sabia? Foi como o beijo da morte para Renée e Charlie. – Uma escolha de palavras interessante. – Você entendeu o que eu quis dizer. Ele respirou fundo. – Francamente, não me diga que tem medo de se comprometer – Sua voz era incrédula e eu entendi suas implicações. – Não é bem isso – tentei escapar. – Eu... tenho medo por Renée. Ela tem algumas opiniões fortes sobre se casar antes dos 30 anos. – Porque ela prefere que você seja uma eterna amaldiçoada a que se case. – Ele deu um riso sombrio. – Você acha que está brincando. – Bella, se comparar o nível de compromisso entre uma união conjugal e trocar sua alma pela eternidade como vampira... – Ele sacudiu a cabeça. – Se não tem coragem de se casar comigo, então...
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– Bom – interrompi. – E se eu quisesse? E se lhe dissesse para me levar a Las Vegas agora? Eu seria uma vampira em três dias? Ele sorriu, os dentes faiscando no escuro. – Claro – disse ele, caindo em meu blefe. – Vou pegar meu carro.– Mas que droga – murmurei. – Vou lhe dar dezoito meses. – Nada feito – disse ele, sorrindo. – Eu gosto dessa condição. – Ótimo. Vou pedir a Carlisle para fazer quando me formar. – Se é o que você quer mesmo. – Ele deu de ombros e seu sorriso tornou-se absolutamente angelical. – Você é impossível – grunhi. – Um monstro. Ele riu. – É por isso que não quer se casar comigo? Eu grunhi de novo. Ele se inclinou para mim; seus olhos escuros como a noite derreteram e arderam, estilhaçando minha concentração. – Por favor, Bella? – sussurrou ele. Por um momento, esqueci como se respira. Quando me recuperei, sacudi a cabeça rapidamente, tentando clarear minha mente de repente confusa. – Seria melhor se eu tivesse tempo para comprar uma aliança? – Não! Nada de alianças! – eu quase gritei. – Agora você conseguiu – sussurrou ele. – Epa. – Charlie está se levantando; é melhor eu ir – disse Edward com resignação. Meu coração parou de bater. Ele viu minha expressão por um segundo. – Seria infantilidade minha me esconder em seu armário, então?– Não – sussurrei ansiosa. – Fique. Por favor. Edward sorriu e desapareceu.
Fiquei agitada no escuro enquanto esperava que Charlie viesse me ver. Edward sabia exatamente o que estava fazendo, e eu estava disposta a apostar que toda a surpresa magoada era parte da trama. É
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claro que eu ainda tinha a opção de Carlisle, mas agora que havia uma possibilidade de Edward me modificar, eu queria isso de modo desesperado. Ele era um trapaceiro e tanto. Minha porta foi entreaberta. – Bom dia, pai. – Ah, oi, Bella. – Ele ficou constrangido por ser flagrado. – Não sabia que estava acordada. – É. Estava esperando que você acordasse para poder tomar banho. – Comecei a me levantar. – Espere – disse Charlie, acendendo a luz. Pestanejei na claridade repentina e mantive os olhos cuidadosamente longe do armário. – Vamos conversar um minutinho primeiro. Não consegui controlar minha careta. Eu tinha me esquecido de pedir uma desculpa a Alice. – Você sabe que está encrencada. – É, eu sei. – Eu simplesmente fiquei louco nos últimos três dias, cheguei em casa do enterro de Harry e você tinha sumido, Jacob só pôde me dizer que você saíra correndo com Alice Cullen e que ele achava que você tinha algum problema. Você não me deixou telefone nenhum e não ligou. Eu não sabia onde você estava nem quando... ou se... ia voltar. Tem alguma idéia de como... como... – Ele não conseguiu terminar a frase. Inspirou fundo fazendo um som agudo e continuou: – Pode me dar um só motivo para eu não mandar você para Jacksonville neste segundo? Meus olhos se estreitaram. Então seria por ameaças, é? Era um jogo para dois. Eu me sentei, puxando o cobertor em volta de mim. – Porque eu não vou. – Agora espere um minuto, mocinha... – Olhe, pai, assumo completa responsabilidade por meus atos e você tem o direito de me deixar de castigo pelo tempo que quiser. Vou cumprir todas as tarefas e lavar a roupa e os pratos até que você ache que aprendi a lição. E acho que você tem o direito, se quiser, de me expulsar daqui também... Mas isso não vai me fazer voltar para a Flórida.
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Seu rosto ficou vermelho-vivo. Ele respirou fundo algumas vezes antes de responder. – Você poderia explicar onde esteve? Ah, merda. – Houve uma... emergência. Ele ergueu as sobrancelhas de expectativa por minha brilhante explicação. Enchi as bochechas de ar e soprei-o com um ruído. – Não sei o que dizer a você, pai. Foi principalmente um mal-entendido. Um disse-me-disse. Eu perdi o controle. Ele esperou com uma expressão desconfiada. – Ouça, Alice disse a Rosalie que eu pulei do penhasco... – Eu lutava freneticamente para que aquilo desse certo, para me manter o mais próximo da verdade possível, assim minha incapacidade de mentir sendo convincente não estragaria a desculpa. Mas, antes que eu pudesse continuar, a expressão de Charlie me lembrou de que ele não sabia nada do penhasco. Epa dos grandes. Como se eu já não estivesse ferrada. – Acho que não lhe contei sobre isso – eu disse com a voz sufocada. – Não foi nada. Só estava brincando, nadando com Jake. De qualquer modo, Rosalie contou a Edward e ele ficou transtornado. Ela meio que por acaso deu a impressão de que eu estava tentando me matar ou algo assim. Ele não atendia ao telefone, então Alice me arrastou para... Los Angeles, para explicar em pessoa. – Dei de ombros, esperando desesperadamente que ele não ficasse muito distraído por meu lapso e perdesse a brilhante explicação que lhe dei.A fisionomia de Charlie estava congelada. – Você estava tentando se matar, Bella? – Não, é claro que não. Só me divertindo com Jake. Mergulhando do penhasco. Os garotos de La Push fazem isso o tempo todo. Como eu disse, não foi nada. A fisionomia de Charlie esquentou – foi de congelada a quente de fúria.
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– E o que Edward Cullen tem a ver com isso, afinal? – ladrou ele. – Esse tempo todo ele só deixou você esperando, sem dar uma palavra... Eu o interrompi. – Outro mal-entendido. Seu rosto corou de novo. – Então ele voltou? – Não sei bem quais são os planos. Eu acho que todos eles voltaram. Ele sacudiu a cabeça, a veia na testa pulsando. – Quero que fique longe dele, Bella. Não confio nele. Ele não serve para você. Não vou permitir que atrapalhe sua vida daquele jeito de novo. – Tudo bem – eu disse rapidamente. Charlie girou nos calcanhares. – Ah! – Ele pensou por um segundo, suspirando alto de surpresa. – Pensei que iria criar dificuldades. – Mas eu vou – Eu o olhei nos olhos. – Eu quis dizer: “Tudo bem, eu vou sair de casa.” Seus olhos esbugalharam; o rosto ficou arroxeado. Minha decisão oscilou enquanto eu começava a me preocupar com a saúde dele. Ele não era mais novo do que Harry... – Pai, eu não quero me mudar – eu disse num tom mais suave. – Eu te amo. Sei que está preocupado, mas precisa confiar em mim. E vai ter que pegar leve com Edward se quiser que eu fique. Quer que eu more aqui ou não? – Isso não é justo, Bella. Sabe que quero que você fique. – Então seja legal com Edward, porque ele estará onde eu estiver – Eu disse isso com confiança. A convicção de minha revelação ainda era forte. – Não debaixo do meu teto – trovejou Charlie. Soltei um suspiro pesado. – Olhe, não vou lhe dar mais nenhum ultimato esta noite... ou melhor, já é de manhã. Só pense nisso por alguns dias, está bem? Mas não se esqueça de que Edward e eu somos como um pacote só.
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– Bella... – Pense bem – insisti. – E enquanto estiver pensando, poderia me dar alguma privacidade? Eu realmente preciso de um banho. A fisionomia de Charlie era de um tom estranho de roxo, mas ele saiu, batendo a porta ao passar. Ouvi-o marchar com fúria pela escada. Atirei o cobertor para o lado e Edward já estava ali, sentado na cadeira de balanço como se tivesse estado presente durante toda a conversa. – Desculpe por isso – sussurrei. – Acho que mereço coisa muito pior – murmurou ele. – Não comece uma briga com Charlie por minha causa, por favor. – Não se preocupe – sussurrei, pegando minhas coisas do banheiro e uma muda de roupas limpas. – Vou começar exatamente o que for necessário e não mais do que isso. Ou está tentando me dizer que não tenho para onde ir? – Arregalei os olhos com um falso alarme. – Você se mudaria para uma casa cheia de vampiros? – Deve ser o lugar mais seguro para alguém como eu. Além disso... – Eu sorri. – Se Charlie me expulsar, então não há necessidade do prazo da formatura, não é? Seu queixo enrijeceu. – Tão ansiosa pela danação eterna – murmurou ele. – Sabe que não acredita mesmo nisso. – Ah, não acredito? – Ele ficou furioso. – Não. Você não acredita. Ele me fuzilou com os olhos e começou a falar, mas o interrompi. – Se acreditasse de verdade que perdeu sua alma, então, quando eu o encontrei em Volterra, você teria percebido imediatamente o que estava acontecendo, em vez de pensar que nós dois estávamos mortos juntos. Mas não pensou assim... Você disse: “Incrível. Carlisle tinha razão.” – lembrei a ele, triunfante. – Há esperanças para você, afinal. Pela primeira vez, Edward ficou sem fala.
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– Então vamos os dois ter esperanças, sim? – sugeri. – Não que isso importe. Se você ficar, não preciso do paraíso. Ele se levantou devagar e veio colocar as mãos em meu rosto enquanto fitava meus olhos. – Para sempre – jurou ele, ainda meio confuso. – É só o que estou lhe pedindo – eu disse, e fiquei na ponta dos pés para colocar meus lábios nos dele.

ECLIPSE


EPÍLOGO: PACTO

Quase tudo voltou ao normal – o normal bom, de pré-zumbi – em menos tempo do que eu julgava ser possível. O hospital acolheu Carlisle de volta de braços abertos e ansiosos, sem sequer se incomodar em esconder seu deleite por Esme ter achado a vida em Los Angeles medíocre demais para o gosto dela. Graças a prova de cálculo que perdi enquanto estava no exterior, Alice e Edward estavam em melhor situação para se formar do que eu, e de repente a faculdade era uma prioridade (a faculdade ainda era o plano B, a oferta que Edward me fazia na eventualidade de falhar a opção de pós-formatura de Carlisle). Muitos prazos finais passaram por mim, mas Edward tinha uma nova pilha de formulários de universidades para eu preencher a cada dia. Ele já passara por Harvard, então não o incomodava que, graças a meus adiamentos, nós terminássemos na Peninsula Community College no ano seguinte. Charlie não estava satisfeito comigo, nem falava com Edward. Mas pelo menos Edward tinha permissão – durante meu horário de visita – para entrar lá em casa de novo. Eu é que não tinha permissão de sair dela. A escola e o trabalho eram as únicas exceções, e as paredes amarelas, melancólicas e opacas de minhas salas de aula tornaram-se estranhamente convidativas para mim. Isso tinha muito a ver com a pessoa que se sentava na carteira a meu lado. Edward reassumira seu horário do início do ano, o que o recolocou na maioria de minhas aulas. Meu comportamento fora tal no outono passado, depois da suposta mudança dos Cullen para Los Angeles, que o lugar a meu lado nunca foi ocupado. Até Mike, sempre ansioso para tirar algum proveito, manteve uma distância segura. Com Edward de volta, era quase como se os últimos oito meses tivessem sido só um pesadelo perturbador.
Quase, mas não exatamente. Havia a situação de ficar presa em casa, primeiro. E, além disso, antes eu não tinha Jacob Black como
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meu melhor amigo. Então é claro que eu não sentia falta dele na época.Eu não tinha liberdade para ir a La Push e Jacob não vinha me ver. Ele não atendia a meus telefonemas. Eu ligava quase sempre à noite, depois de Edward ter sido expulso – às nove em ponto por um Charlie inflexivelmente alegre – e antes de Edward se esgueirar por minha janela, quando Charlie estava dormindo. Escolhi essa hora para as minhas ligações infrutíferas porque percebi que Edward fazia uma careta toda vez que eu falava no nome de Jacob. Meio reprovadora e preocupada... Talvez até com raiva. Imaginei que ele tinha algum preconceito recíproco contra os lobisomens, embora ele não verbalizasse isso, como Jacob fizera sobre os “sanguessugas”. Assim, eu não falava muito em Jacob. Com Edward perto de mim, era difícil pensar em coisas tristes – até em meu ex-melhor amigo, que devia estar infeliz agora, por minha causa. Quando eu pensava em Jake, sempre me sentia culpada por não pensar mais nele. O conto de fadas tinha voltado. O príncipe retornara, o feitiço fora quebrado. Eu não sabia exatamente o que fazer com o personagem não resolvido que sobrara. Onde estaria o feliz para sempre dele? As semanas se passaram e Jacob ainda não atendia a meus telefonemas. Começou as e tornar uma preocupação constante. Como uma torneira pingando no fundo de minha mente que eu não conseguia fechar nem ignorar. Pinga, pinga, pinga. Jacob, Jacob, Jacob.Assim, embora eu não falasse muito em Jacob, às vezes minha frustração e minha angústia entravam em ebulição. – É uma grosseria! – Deixei escapar numa tarde de sábado quando Edward me pegou no trabalho. Ficar com raiva dos fatos era mais fácil do que me sentir culpada. – É um insulto completo! Eu variava meu padrão, na esperança de uma resposta diferente. Dessa vez, eu tinha ligado para Jake do trabalho, mas só consegui falar com um Billy que não ajudou em nada. De novo.
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– Billy disse que ele não quer falar comigo. – Eu estava furiosa, encarando a chuva que escorria pelo vidro do carona. – Que ele estava lá, e não ia dar três passos para pegar o telefone! Em geral Billy só diz que ele saiu, que está ocupado, dormindo ou algo assim. Quer dizer, até parece que não sei que está mentindo para mim, mas pelo menos é uma forma educada de lidar com isso. Acho que agora Billy me odeia também. Não é justo! – Não é você, Bella – disse Edward em voz baixa. – Ninguém odeia você. – Parece que é assim – murmurei, cruzando os braços. Não passava de um gesto de teimosia. Agora não havia buraco ali; eu mal conseguia me lembrar da sensação de vazio. – Jacob sabe que voltamos e tenho certeza de sabe que estou com você – disse Edward. – Ele não chega perto de mim. A inimizade é profundamente arraigada. – Isso é idiotice. Ele sabe que você não é... como os outros vampiros. – Ainda é um bom motivo para guardar uma distância segura. Olhei às cegas pelo pára-brisa, vendo apenas o rosto de Jacob preso na máscara de amargura que eu odiava. – Bella, nós somos o que somos – disse Edward baixinho. – Posso me controlar, mas duvido que ele possa. Ele é muito novo. Será muito provável começar uma briga, e não sei se posso evitar que eu o m... – Ele se interrompeu, depois continuou, depressa: – Que eu o machuque. Você ficaria infeliz. Não quero que isso aconteça. Lembrei-me do que Jacob tinha dito na cozinha, ouvindo as palavras com a recordação perfeita de sua voz rouca. Não sei se sou controlado o suficiente para lidar com isso... você, provavelmente, não ia gostar muito se eu matasse sua amiga. Mas ele fora capaz de lidar com isso, daquela vez... – Edward Cullen – sussurrei. – Você ia dizer “que eu o mate”? Ia? Ele desviou os olhos, encarando a chuva. Na nossa frente, o sinal vermelho que eu não vira ficou verde e ele partiu com o carro de novo, dirigindo bem devagar. Não era seu jeito habitual de dirigir.
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– Eu me esforçaria... muito... para não fazer isso – disse Edward por fim. Eu o encarei boquiaberta, mas ele continuou a olhar para frente. Estávamos parados na placa de pare da esquina. De repente, lembrei-me do que aconteceu com Páris quando Romeu voltou. As orientações de palco eram simples: Eles brigam. Páris cai. Mas isso era ridículo. Impossível. – Bom – eu disse, respirando fundo, sacudindo a cabeça para dispersar as palavras de minha mente. – Não vai acontecer nada parecido com isso, então não há motivo para preocupação. E você sabe que Charlie está disparando o cronômetro agora. É melhor me levar para casa antes que eu fique mais encrencada por me atrasar. Virei na direção dele, para sorrir sem entusiasmo. Toda vez que eu olhava seu rosto, aquele rosto inacreditavelmente perfeito, meu coração batia com força e saúde, e bem ali em meu peito. Dessa vez, a batida foi mais acelerada do que seu ritmo embriagado. Reconheci a expressão no rosto imóvel de estátua. – Você está encrencada, Bella – sussurrou ele pelos lábios imóveis. Eu me aproximei, segurando o braço dele enquanto seguia seu olhar para ver o que ele via. Não sei o que esperava – talvez Victoria parada no meio da rua, o cabelo vermelho de fogo soprando ao vento, ou uma fila de mantos pretos... Ou uma matilha de lobisomens coléricos. Mas não vi nada disso. – Que foi? O que é? Ele respirou fundo. – Charlie... – Meu pai? – guinchei. Ele olhou para mim então, e sua expressão era bastante calma para atenuar parte de meu pânico. – Charlie... provavelmente não vai matar você, mas ele está pensando nisso – ele me disse. Começou a dirigir de novo, pela minha rua, mas passou da casa e estacionou na beira do bosque.
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– O que foi que eu fiz? – eu disse ofegante. Edward olhou a casa de Charlie. Eu segui seu olhar e só então percebi o que estava estacionado na entrada, perto da viatura. Vermelha, brilhante, impossível de esquecer. Minha moto, exposta sozinha na entrada de carros. Edward tinha dito que Charlie estava pronto para me matar, então ele devia saber que... que a moto era minha. Só havia uma pessoa que podia estar por trás dessa traição. – Não! – ofeguei. – Por quê? Por que Jacob faria isso comigo? – A pontada da traição inundou meu corpo. Eu confiara em Jacob cegamente, confiara a ele cada segredo que tinha. Ele devia ser meu porto seguro, a pessoa em quem eu sempre confiaria. É claro que a situação agora estava tensa, mas eu não acreditava que nada nos alicerces da nossa amizade tivesse mudado. Não achava que pudesse mudar!O que eu teria feito para merecer isso? Charlie ficaria tão chateado – e, pior ainda, ele ficaria magoado e preocupado. Será que ele já não tinha muito com que se preocupar? Eu nunca poderia imaginar que Jake pudesse ser tão mesquinho e tão cruel. As lágrimas saltaram, ardentes, de meus olhos, mas não eram lágrimas de tristeza. Eu fora traída. De repente estava com tanta raiva que minha cabeça pulsava como se fosse explodir. – Ele ainda está aqui? – sibilei. – Está. Está esperando por nós. – Edward me disse, fazendo um sinal para a trilha estreita que dividia em duas a margem escura da floresta. Pulei do carro, correndo para as árvores com as mãos já cerradas em punhos para o primeiro soco. Por que Edward tinha de ser tão mais rápido do que eu? Ele me pegou pela cintura antes que eu chegasse à trilha. – Me solte! Eu vou matá-lo! Traidor! – gritei para as árvores. – Charlie vai ouvir você – alertou-me Edward. – E depois de colocar você para dentro, talvez lacre a porta com tijolos.
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Olhei a casa por instinto, e parecia que a moto vermelha e reluzente era tudo o que eu podia ver. Eu estava vendo vermelho. Minha cabeça latejou de novo. – Só me dê um round com Jacob, depois vou lidar com Charlie. – Eu lutava inutilmente para me libertar. – Jacob Black quer me ver. É por isso que ele ainda está aqui. Isso me esfriou – arrancou a luta de mim. Minhas mãos ficaram moles. Eles brigam; Páris cai. Eu estava furiosa, mas não tão furiosa. – Para conversar? – perguntei. – Mais ou menos. – Mais para mais? – Minha voz tremia. Edward tirou meu cabelo do rosto. – Não se preocupe, ele não veio aqui para lutar comigo. Está agindo como... um porta-voz do bando. – Ah! Edward olhou a casa de novo, depois envolveu minha cintura com o braço e me empurrou para o bosque. – Precisamos nos apressar. Charlie está ficando impaciente. Não foi preciso ir muito longe; Jacob esperava a pouca distância na trilha. Esperava encostado num tronco musgoso, a fisionomia séria e amargurada, exatamente como eu sabia que estaria. Ele olhou para mim, depois para Edward. A boca de Jacob se esticou num esgar sem humor e ele se afastou da árvore. Colocou-se sobre os calcanhares dos pés descalços, inclinando-se um pouco para a frente, as mãos trêmulas cerradas em punho. Ele parecia maior do que a última vez que o vira. De algum modo, impossível, ele ainda estava crescendo. Lado a lado, ele era mais alto que Edward. Mas Edward parou assim que o vimos, deixando um amplo espaço entre nós e Jacob. Edward virou o corpo, passando-me para trás dele. Fiquei um pouco de lado para encarar Jacob – para acusá-lo com os olhos.
Achava que ver sua expressão ressentida e cínica só me deixaria mais irritada. Em vez disso, lembrei-me da última vez que o vi, com lágrimas nos olhos. Minha fúria se atenuou, vacilante,
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enquanto eu o fitava. Já se passara um bom tempo desde que o vira – eu odiava que nosso reencontro tivesse de ser assim. – Bella – disse Jacob, inclinando a cabeça para mim sem desviar os olhos de Edward. – Por quê? – sussurrei, tentando esconder o som do bolo em minha garganta. – Como pôde fazer isso comigo, Jacob? O esgar desapareceu, mas seu rosto continuava sério e rígido. – É para o seu bem. – O que é que isso significa? Quer que Charlie me estrangule? Ou quer que ele tenha um ataque cardíaco, como Harry? Por mais chateado que você esteja comigo, como pôde fazer isso com ele? Jacob estremeceu e suas sobrancelhas se uniram, mas ele não respondeu. – Ele não quer magoar ninguém... Só quer que você fique de castigo, assim você não terá permissão para ficar comigo – murmurou Edward, explicando os pensamentos que Jacob não exprimira. Os olhos de Jacob cintilaram de ódio ao fitarem Edward novamente. – Ai, Jake! – gemi. – Eu já estou de castigo! Por que acha que não fui a La Push para te dar um chute por evitar meus telefonemas? Os olhos de Jacob lampejaram para mim, confusos pela primeira vez. – Foi por isso? – perguntou ele, depois cerrou o queixo, como se lamentasse ter falado. – Ele pensou que eu a estivesse impedindo, não Charlie – explicou Edward de novo. – Pare com isso – rebateu Jacob. Edward não respondeu. Jacob deu de ombros uma vez, depois trincou os dentes com a mesma força com que cerrava os punhos. – Bella não exagerou sobre suas... habilidades – disse ele entre os dentes. – Então já deve saber por que estou aqui. – Sim – concordou Edward numa voz tranqüila. – Mas, antes que comece, preciso dizer uma coisa.
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Jacob esperou, abrindo e cerrando as mãos como se tentasse controlar os tremores que percorriam seus braços. – Obrigado – disse Edward, e sua voz pulsava com a profundidade de sua franqueza. – Nunca serei capaz de lhe dizer o quanto sou grato. Vou ficar lhe devendo pelo resto de minha... existência. Jacob o olhou sem expressão, os ombros imobilizados de surpresa. Ele trocou um olhar rápido comigo, mas meu rosto estava igualmente pasmo. – Por manter Bella viva – esclareceu Edward, a voz áspera e fervorosa. – Quando eu... não fiz isso. – Edward – comecei a dizer, mas ele ergueu a mão, os olhos em Jacob. A compreensão inundou o rosto de Jacob antes que a mascara severa voltasse. – Não fiz isso por você. – Sei. Mas isso não anula a gratidão que sinto. Achei que você devia saber. Se houver algo a meu alcance que eu possa fazer por você... Jacob ergueu uma sobrancelha escura. Edward sacudiu a cabeça. – Isso não está a meu alcance. – De quem, então? – grunhiu Jacob. Edward olhou para mim. – Dela. Aprendo rápido Jacob Black, e não cometo o mesmo erro duas vezes. Fico aqui enquanto ela não me mandar embora. Por um momento fiquei imersa em seu olhar dourado. Não era difícil entender o que eu perdera na conversa. A única coisa que Jacob podia querer de Edward seria sua ausência. – Nunca – sussurrei, ainda presa nos olhos de Edward. Jacob soltou um som nauseado. Libertei-me, sem vontade, do olhar de Edward para franzir o cenho para Jacob.
– Queria mais alguma coisa, Jacob? Você queria me criar problemas... Missão cumprida. Charlie pode me mandar para a
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academia militar. Mas isso não vai me afastar de Edward. Não há nada que possa fazer isso. O que mais você quer? Jacob não tirava os olhos de Edward. – Eu só precisava lembrar a seus amigos sanguessugas de alguns pontos importantes do pacto que fizemos. O pacto que é o único motivo que me impede de dilacerar a garganta dele neste exato minuto. – Nós não nos esquecemos – disse Edward ao mesmo tempo que eu perguntava: “Que pontos importantes?” Jacob ainda encarava Edward, mas a resposta foi para mim. – O pacto é muito especifico. Se algum deles morder um humano, a trégua acabou. Morder, não matar – destacou ele. Por fim, ele me olhou. Seus olhos eram frios. Só precisei de um segundo para apreender a distinção, depois meu rosto ficou frio como o dele. – Isso não é da sua conta. – Uma ova que... – foi só o que ele conseguiu dizer. Eu não esperava que minhas palavras rudes provocassem uma reação tão violenta. Apesar do aviso que viera dar, ele não devia saber. Devia ter pensado que o aviso era só uma precaução. Ele não tinha percebido – ou não queria acreditar – que eu já tomara minha decisão. Que eu já pretendia ser membro da família Cullen. Minha resposta deixou Jacob quase em convulsões. Ele pressionou com força os punhos contra as têmporas, fechando bem os olhos e curvando-se sobre si mesmo, à medida que tentava controlar os espasmos. Em vez da pele avermelhada, seu rosto tornou-se pálido. – Jake? Você está bem? – perguntei, ansiosa. Dei meio passo na direção dele, mas Edward me pegou e me puxou para trás de seu corpo. – Cuidado! Ele está fora de controle – alertou-me. Mas Jacob já se recuperava; agora só os braços tremiam. Ele fechou a cara para Edward com puro ódio. – Argh. Eu nunca a machucaria.
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Nem Edward nem eu deixamos passar a inflexão, ou a acusação ali. Um silvo baixo escapou dos lábios de Edward. Jacob cerrou os punhos por reflexo. – BELLA! – O rugido de Charlie ecoou da casa. – ENTRE EM CASA AGORA MESMO! Todos nós ficamos paralisados, ouvindo o silêncio que se seguiu. Eu fui a primeira a falar; minha voz tremia. – Merda. A expressão furiosa de Jacob vacilou. – Eu lamento por isso – murmurou ele. – Eu precisava fazer o que pudesse... Tinha que tentar... – Obrigada. – O tremor em minha voz arruinou o sarcasmo. Olhei a trilha, como se estivesse esperando que Charlie viesse marchando pelas samambaias úmidas como um touro enfurecido. Eu seria a capa vermelha neste cenário. – Só mais uma coisa – disse-me Edward, depois olhou para Jacob. – Não encontramos rastro de Victoria em nosso lado do limite... Vocês encontraram? Ele soube a resposta logo que Jacob pensou nela, mas Jacob falou assim mesmo. – Da última vez foi quando Bella estava... fora. Deixamos que ela pensasse que conseguiria passar... Estávamos fechando o círculo, nos preparando para emboscá-la... O gelo desceu por minha coluna. – Mas depois ela fugiu como o diabo da cruz. Pelo que sabemos, ela sentiu o cheiro de sua femeazinha e desistiu. Desde então, não chegou perto de nosso território. Edward assentiu. – Quando ela voltar, não será mais problema de vocês. Nós vamos... – Ela matou em nossas terras – sibilou Jacob. – Ela é nossa! – Não... – Comecei a protestar contra as duas declarações.
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– BELLA! ESTOU VENDO SEU CARRO E SEI QUE ESTÁ AÍ FORA! SE NÃO ENTRAR NESTA CASA EM UM MINUTO...! – Charlie não se incomodou em terminar a ameaça. – Vamos – disse Edward. Olhei para Jacob, dilacerada. Será que o veria outra vez? – Desculpe – sussurrou ele tão baixo que tive de ler seus lábios para entender. – Tchau, Bells. – Você prometeu – lembrei a ele com desespero. – Ainda somos amigos, não é? Jacob sacudiu a cabeça devagar e o nó em minha garganta quase me estrangulou. – Sabe o quanto tentei manter a promessa, mas... não vejo como continuar tentando. Não agora... – Ele lutava para manter a máscara severa, mas ela oscilou e depois desapareceu. – Sinto sua falta – murmurou. Uma de suas mãos se estendeu para mim, os dedos esticados, como se ele quisesse que fossem bastante longos para cruzar a distância entre nós. – Eu também – eu disse, engasgada. Minha mão se estendeu para ele no espaço amplo. Como se estivéssemos conectados, o eco de sua dor se retorceu dentro de mim. A dor dele, minha dor. – Jake... – Dei um passo para ele. Eu queria abraçá-lo e apagar a expressão de infelicidade em seu rosto. Edward me puxou de volta, os braços restritivos, não defensivos. – Está tudo bem – garanti a ele, olhando para ver seu rosto com a confiança em meus olhos. Ele entenderia. Seus olhos eram insondáveis, sua face, sem expressão. Fria. – Não está, não. – Solte-a – rosnou Jacob, furioso de novo. – Ela quer! – Ele avançou dois passos longos. Uma centelha de expectativa faiscava em seus olhos. Seu peito parecia inchar enquanto tremia. Edward me puxou para trás, girando para encarar Jacob. – Não! Edward...! – ISABELLA SWAN!
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– Vamos! Charlie está irritado! – Minha voz era de pânico, mas agora não por causa de Charlie. – Rápido! Eu dei um puxão e ele relaxou um pouco. Ele me puxou para trás devagar, sempre de olho em Jacob enquanto nos retirávamos. Jacob nos observou com uma carranca sombria na face amargurada. A expectativa desaparecera de seus olhos e depois, pouco antes de a floresta se interpor entre nós, seu rosto de repente se enrugou de dor. Eu sabia que o último vislumbre de seu rosto me assombraria até que eu o visse sorri outra vez. E exatamente ali eu jurei que o veria sorrir, e em breve. Eu encontraria um jeito de manter meu amigo. Edward mantinha o braço apertado em minha cintura, segurando-me perto dele. Só por isso as lágrimas não despencaram de meus olhos. Eu tinha sérios problemas. Meu melhor amigo me colocava na conta de seus inimigos. Victoria ainda estava à solta, colocando em perigo todos a quem eu amava. Se eu não me tornasse vampira logo, os Volturi me matariam. E agora parecia que se eu fizesse isso os lobisomens quileutes tentariam fazer eles mesmos o trabalho – além de tentar matar minha futura família. Eu não acreditava que tivessem alguma chance, mas será que meu melhor amigo iria morrer tentando? Problemas muito graves. Então, por quede repente eles pareciam insignificantes quando passamos pela última árvore e eu vi a expressão na fisionomia arroxeada de Charlie? Edward me apertou com suavidade. – Estou aqui. Respirei fundo. Era verdade, Edward estava ali, com os braços me envolvendo. Eu podia enfrentar qualquer coisa, uma vez que aquilo era verdade. Alinhei os ombros e andei para encontrar minha sina, com meu destino solidamente a meu lado.

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