domingo, 24 de abril de 2011

Orgulho e Preconceito - Capítulos 51 ao 61 (Últimos Capítulos)

Capítulo LI


Afinal o dia do casamento chegou. Jane e Elizabeth fica­ram mais comovidas do que a própria Lydia. A carruagem foi enviada ao encontro dos noivos, que eram esperados à hora do jantar. Jane e Elizabeth viam com crescente apreensão se apro­ximar a hora da chegada. Jane especialmente, que atribuía a Lydia os sentimentos que sentiria se estivesse no lugar dela, se entristecia com a idéia do que a irmã iria sofrer.
Chegaram. A família estava reunida na sala de almoço pa­ra recebê-los. Mrs. Bennet se desmanchou em sorrisos assim que a carruagem parou à porta. Mr. Bennet tinha um olhar gra­ve e impenetrável. E suas filhas estavam alarmadas, ansiosas e inquietas.
Ouviram a voz de Lydia no vestíbulo. A porta foi aberta com força e ela entrou correndo na sala. A mãe adiantou-se, abraçou-a, com grandes demonstrações de alegria. Sorrindo afe­tuosamente, ela estendeu a mão para Wickham, desejando feli­cidade a ambos com uma alacridade que demonstrava bem que ela não duvidava nem um minuto da realização do seu desejo.
Mr. Bennet os recebeu muito menos cordialmente. Seu rosto se tornou ainda mais grave e ele mal abriu a boca. A ati­tude despreocupada do jovem casal era realmente uma provo­cação. Elizabeth ficou irritada e mesmo Jane ficou consternada. Lydia continuava a mesma. Imprudente, indomável, louca, rui­dosa, temerária. Cumprimentou cada uma das irmãs exigindo os parabéns, e depois que todos se sentaram começou a olhar em torno de si com curiosidade, notando as pequenas alterações que tinha havido na sala; depois observou com uma risada que há muito tempo não via aquele lugar. Wickham ficou mais per­turbado do que ela. Mas as suas maneiras eram sempre agradá­veis, e se o seu caráter fosse perfeito e o casamento tivesse se realizado segundo as regras, seus sorrisos e palavras teriam con­quistado toda a família. Elizabeth nunca o supusera capaz de tal cinismo. Mas ela sentou, resolvendo consigo mesma que para o futuro nunca mais traçaria limites à imprudência de um ho­mem sem escrúpulos. Corou e Jane também, mas os rostos que lhes causavam essa perturbação não se alteraram.
A conversação era incessante. A noiva e a mãe competiam em exuberância. E Wickham, que estava sentado perto de Eli­zabeth, começou a perguntar pelos conhecidos nas redondezas, com uma tranqüilidade bem-humorada que ela sentiu jamais poder imitar nas respostas. Tanto Wickham como a esposa só pareciam ter lembranças agradáveis na vida. Nenhum fato do passado era lembrado com amargura. Ela própria mencionava assuntos a que as irmãs por coisa alguma no mundo aludiriam.
Imagine, já faz três meses que fui embora — exclamou Lydia. — Não me parecem mais do que quinze dias. E no en­tanto aconteceram tantas coisas... Quando fui embora, nem sequer imaginava que um dia voltaria casada! Mas pensei que seria engraçado se o fizesse...
Mr. Bennet levantou os olhos. Jane ficou aflita e Eliza­beth olhou significativamente para Lydia; esta, porém, conti­nuou, como se nada tivesse visto:
Oh, mamãe, o pessoal daqui das redondezas sabe que eu me casei hoje? Tive receio de que não soubessem. No cami­nho encontramos William Goulding na sua charrete. E, para que ficasse sabendo, abaixei a vidraça, tirei a minha luva e apoiei a mão no rebordo da janela para que ele visse a minha aliança. Depois, então, eu o cumprimentei e me desmanchei em sorrisos.
Elizabeth achou que aquilo passava dos limites. Levantou-se, saiu, e só voltou quando os ouviu passar através do hall para ir à sala de jantar. Ao entrar, viu Lydia, com sinais de ansieda­de no rosto, aproximar-se do lugar à direita da mãe, dizendo para a irmã mais velha:
Ah, Jane, eu fico agora no seu lugar, você fica mais para baixo, pois agora sou uma mulher casada.
Não era crível que a solenidade do jantar desse a Lydia o constrangimento que até aquele instante não demonstrara. Ao contrário, o seu desembaraço e a sua alegria aumentaram. Es­tava louca de vontade de ver Mrs. Philips, os Lucas e todos os outros vizinhos, e ouvi-los chamá-la de Mrs. Wickham. Enquan­to essas pessoas não apareciam, logo depois, ela foi mostrar a aliança para Mrs. Hill e as duas criadas.
Bem, mamãe — disse ela quando voltou à sala —, que é que você acha do meu marido? Não é mesmo um homem encantador? Estou certa de que todas as minhas irmãs me in­vejam. Desejo só é que elas tenham metade da minha sorte. Precisam todas ir a Brighton. Lá é que é bom lugar para se arranjar marido. Que pena, mamãe, não termos ido todas!
É verdade; se me tivessem escutado, teríamos ido. Mas, minha querida Lydia, não gosto nada dessa idéia de você ir para tão longe. Será mesmo necessário?
Oh, sim, não vejo nenhum mal nisto. Tenho muita vontade de ir. A senhora, papai e minhas irmãs precisam ir nos visitar. Estaremos em New Castle todo o inverno. Vai haver muitos bailes e eu arranjarei bons pares para todas as que forem.
Eu bem que gostaria de ir — disse Mrs. Bennet.
E depois, quando regressar, poderão deixar comigo uma ou duas das minhas irmãs. Garanto que arranjarei mari­dos para elas antes do fim do inverno.
Agradeço pela parte que me toca — disse Elizabeth. — Mas não aprecio muito a sua maneira de arranjar maridos.
Os visitantes não poderiam demorar mais de dez dias. Mr. Wickham tinha sido nomeado antes de sair de Londres e haviam lhe concedido apenas quinze dias para se reunir ao regimento.
A não ser Mrs. Bennet, ninguém mais lamentou que eles demorassem tão pouco. Mrs. Bennet aproveitou o tempo da melhor forma possível, fazendo visitas com a filha e recebendo freqüentemente. Essas reuniões foram agradáveis para todos. Escapar ao círculo da família era mais agradável para os que pensavam do que para aqueles que não o faziam. A afeição de Wickham por Lydia era exatamente como Elizabeth tinha es­perado: inferior à que Lydia tinha por ele. Mesmo se não ti­vesse tido oportunidade de observá-los, chegaria à conclusão lógica de que a fuga tinha sido devido mais à paixão dela do que ao interesse dele. E, se não fosse a certeza de que ele tinha fugido porque a sua situação no lugar era insuportável, Eliza­beth se surpreenderia pelo fato de Wickham ter raptado a sua irmã sem possuir uma paixão violenta. Sendo este o caso, ele não resistiria à oportunidade de ter uma companheira para a viagem.
Lydia gostava imensamente de Wickham. Ele continuava a ser o seu querido Wickham. Ninguém podia competir com ele no seu coração. Fazia as coisas, segundo ela, melhor do que todo mundo. Certa manhã, pouco depois da sua chegada, es­tando sentada com as duas irmãs mais velhas, Lydia disse para Elizabeth:
Lizzy, creio que nunca lhe contei como foi o meu casa­mento. Você não estava presente quando descrevi tudo para mamãe e as outras. Não está curiosa por saber como tudo isto se passou?
Não, para falar a verdade — replicou Elizabeth —, penso que quanto menos se falar neste assunto, melhor.
Ora, você é tão esquisita! Mas vou contar como acon­teceu tudo... Nós nos casamos na Igreja de São Clemente, porque a residência de Wickham era naquela paróquia. Combi­namos nos encontrar lá às onze horas. Meus tios e eu devía­mos ir juntos. E os outros nos encontrariam na igreja. Bem, chegou segunda-feira de manhã, e eu estava numa aflição que você nem imagina! Tinha medo de que acontecesse alguma coisa e que a gente tivesse de adiar o casamento. Eu teria fica­do desesperada! Enquanto me vestia, minha tia continuou fa­lando todo o tempo, tal qual se estivesse fazendo um sermão. Mal entendi uma palavra, pois como você deve supor estava pensando no meu querido Wickham. Estava doida para saber se ele ia se casar com o casaco azul. Bem, almoçamos às dez, como de costume. Pensei que o almoço nunca mais ia acabar. Entre parênteses, meu tio e minha tia foram horrivelmente se­veros comigo durante todo o tempo que estive lá. Imagine que não me deixaram botar os pés fora de casa nem uma só vez, durante os quinze dias que passei em casa deles. Nem uma festa, nem uma reunião, nada. Naturalmente Londres estava bastante deserta. Mas o Pequeno Teatro estava aberto. Bem, na hora em que a carruagem parou à porta, meu tio foi chamado a ne­gócios por um sujeito horrível chamado Mr. Stone. E você sabe que, quando ele começa a falar em negócios, não acaba mais. Eu estava tão assustada que não sabia o que fazer, pois era meu tio quem me serviria de padrinho. E se a gente perdesse a hora teria que deixar o casamento para o dia seguinte. Mas, felizmente, ele tornou a voltar dentro de dez minutos, e então saímos todos. Mas depois me lembrei de que, mesmo se ele fosse impedido de ir, o casamento poderia se ter realizado, por­que Mr. Darcy o poderia ter substituído.
Mr. Darcy? — repetiu Elizabeth, com imenso espanto.
Sim, ele tinha ficado de vir com Wickham. Mas que é que eu estou dizendo! Eu me esqueci! Não devia ter dito nada! Prometi que não diria! Que é que Wickham vai dizer? Era segredo!
Se era segredo — disse Jane —, então não diga mais nada. Pode ficar certa de que não faremos outras indagações.
Decerto — disse Elizabeth, ardendo de curiosidade. _Nada perguntaremos a você.
Obrigada — disse Lydia —, pois se vocês perguntas­sem, eu certamente diria tudo. E depois Wickham ficaria mui­to zangado comigo.
Para resistir àquele encorajamento, Elizabeth foi obriga­da a fugir.
Mas era impossível viver na ignorância daquele detalhe. Ou pelo menos era impossível não tentar se informar. Mr. Dar­cy assistira ao casamento da sua irmã. Não poderia haver no mundo cena menos capaz de atrair o seu interesse. As conjeturas mais loucas atravessaram o seu espírito, sem que nenhu­ma a satisfizesse. As explicações que mais lhe agradavam, jus­tamente as que colocavam a conduta dele sob uma luz mais nobre, pareciam as menos prováveis. Ela não poderia suportar essa incerteza. E tomando uma folha de papel escreveu apres­sadamente uma curta missiva para a tia, pedindo-lhe a explica­ção do fato a que Lydia aludira, caso não fosse segredo.
"A senhora bem pode compreender", dizia Elizabeth, "que estou curiosa para saber como uma pessoa que não tem relações com qualquer uma de nós, e é comparativamente um estranho para a nossa família, pudesse estar presente ao casa­mento. Peço que escreva imediatamente e me explique tudo, a não ser que haja motivos muito fortes para guardar o segredo que Lydia parece achar necessário. Neste caso, terei de me re­signar à minha ignorância."
"Não, jamais me resignarei a isto", disse Elizabeth para si mesma. Em seguida terminou a carta.
"Minha querida tia, se a senhora não me disser isto por bem, serei obrigada a lançar mão de estratagemas para des­cobri-lo."
A delicadeza de Jane não lhe permitia que falasse em par­ticular com Elizabeth sobre o que Lydia tinha dito. Aliás, isto era agradável para Elizabeth. Ela preferia não ter uma confi­dente até saber se a sua curiosidade seria satisfeita.

Capítulo LII


Elizabeth teve a satisfação de receber uma resposta da carta e verificou que não era possível obtê-la mais prontamen­te. Assim que a carta chegou, correu para o pequeno bosque e, sentando-se num banco, preparou-se para ler tranqüilamente, sentindo-se feliz porque, pelo número de folhas, era fácil ve­rificar que não continha uma simples negativa.
"Gracechurch Street, 6 de setembro.
Minha cara sobrinha: acabo de receber a sua carta e devo­tarei toda esta manhã a lhe escrever a minha resposta, pois prevejo que em poucas linhas não poderei transmitir tudo o que tenho a dizer. Devo confessar que o seu interesse me surpre­ende. Não o esperava da sua parte. Não pense que eu esteja zangada, no entanto, pois o que desejo exprimir é que não es­perava que estas informações lhe fossem necessárias. Se prefere não compreender o que digo, perdoe a minha impertinência. Seu tio ficou tão espantado como eu. E nada, a não ser que você seja uma parte interessada, o teria levado a agir da ma­neira que fez. Mas se você é realmente inocente e ignorante, preciso ser mais explícita. No mesmo dia em que cheguei aqui de Longbourn, seu tio recebeu uma visita inesperada. Mr. Dar­cy veio à nossa casa e ficou em conferência com ele durante vá­rias horas. Quando cheguei, tudo isso já tinha acabado e por­tanto a minha curiosidade não foi tão intensamente despertada como a sua parece ter sido. Ele veio para dizer a seu tio que tinha descoberto o paradeiro de Mr. Wickham e da sua irmã e que já os tinha visto e conversado com ambos, com Wickham várias vezes e com Lydia apenas uma. Ao que parece, ele saiu do Derbyshire um dia depois da nossa partida. E veio a Lon­dres resolvido a procurar os fugitivos. O motivo alegado era sua convicção de que fora por sua causa que o caráter de Wick­ham não tinha sido bem conhecido, de maneira a que tornasse impossível que uma moça decente o amasse e confiasse nele.
Generosamente atribuiu tudo isto ao seu orgulho mal entendi­do, pois julgava estar acima da necessidade de expor aos outros os seus atos particulares. O seu caráter falava por si mesmo. Ele achava portanto que era o seu dever vir a público e ten­tar reparar o mal que ele julgava ter causado. Se tinha outro motivo, estou certa de que não era um motivo inconfessável. Passara alguns dias em Londres antes de descobrir os fugitivos. Mas ele possuía um elemento para dirigir a sua busca que nós não possuíamos: e este era o outro motivo para justificar a sua vinda. Existe uma senhora, ao que parece uma certa Mrs. Youn­ge, que foi durante algum tempo a governanta de Miss Darcy, tendo sido despedida por motivos que ele não nos contou. De­pois disto ela alugou uma grande casa em Edward Street e nela abriu uma pensão. Mr. Darcy sabia que esta Mrs. Younge era intimamente ligada a Wickham. E ele se dirigiu a ela em busca de informações, assim que chegou a Londres. Mas levou dois dias para obter dela o que desejava. Suponho que essa mulher não quisesse trair o segredo que lhe fora confiado sem receber um suborno, pois de fato ela conhecia o paradeiro do amigo dele. Wickham realmente tinha se dirigido a ela, logo depois de chegar a Londres, e se tivesse tido cômodos disponíveis, se­ria na sua casa que ele teria se instalado. Afinal o nosso bom amigo conseguiu obter o endereço desejado. Estavam na Rua ... Mr. Darcy esteve com Wickham e posteriormente insistiu em ver Lydia. O seu primeiro objetivo para com ela, reconhe­ceu ele, fora persuadi-la a abandonar a sua desonrosa situação atual e voltar para os seus amigos assim que eles consentissem em recebê-la, oferecendo o seu auxílio nesse sentido. Mas en­controu Lydia absolutamente resolvida a permanecer onde es­tava. Ela não queria saber dos amigos, não queria o auxílio dele e por coisa alguma deste mundo deixaria Wickham. Estava certa de que eles se casariam mais cedo ou mais tarde e que a data não tinha importância. Já que os seus sentimentos eram estes, pensou ele, restava apenas fazer com que se casassem o mais rapidamente possível. Logo na primeira conversação que teve com Wickham, compreendeu imediatamente que tal coisa nunca fora sua intenção. Aquele confessou que tinha deixado o regimento devido a algumas dívidas de honra muito urgentes. E não hesitava em atribuir unicamente à sua própria leviandade todas as más conseqüências da fuga de Lydia. Tinha também a intenção de resignar o seu posto imediatamente. E, quanto à sua futura situação, não sabia absolutamente o que fazer. Pre­cisava ir para algum lugar mas não sabia para onde. Sabia ape­nas que não tinha nenhum dinheiro para viver. Darcy pergun­tou por que ele não se tinha casado com a sua irmã imediata­mente. Embora não constasse que Mr. Bennet fosse muito rico, ainda assim poderia fazer alguma coisa por ele e a sua situação melhoraria com o casamento. Mas em resposta a esta pergunta, Mr. Darcy descobriu que Wickham ainda alimentava esperan­ça de fazer fortuna pelo casamento, em algum outro país. As­sim sendo, não seria prudente oferecer-lhe um auxílio imedia­to. Eles se encontraram várias vezes, pois havia muito que dis­cutir. Wickham, naturalmente, queria mais do que poderia obter. Mas afinal rendeu-se à evidência e tudo foi combinado entre eles. Mr. Darcy em seguida procurou o seu tio para lhe comunicar o que tinha feito. E ele esteve em Gracechurch Street na noite anterior à minha chegada. Mas não conseguiu encon­trar Mr. Gardiner, e Mr. Darcy descobriu então que seu pai ainda estava com ele, pois somente sairia de Londres na ma­nhã seguinte. Julgou então que era melhor entender-se com o seu tio do que com o seu pai. Resolveu, assim, adiar a entre­vista que teria com Mr. Gardiner para depois da partida daque­le. Ele não deixou o nome e, até voltar no dia seguinte, sabia-se apenas que um cavalheiro tinha procurado Mr. Gardiner a ne­gócios. No sábado reapareceu. Seu pai tinha partido, seu tio estava em casa e. como eu disse antes, tiveram uma longa en­trevista. Tornaram a se encontrar no domingo, e nesse dia eu o vi também. Só na segunda-feira ficou tudo combinado. E ime­diatamente um expresso foi despachado para Longbourn. Mas o nosso visitante se mostrou muito obstinado: creio, Lizzy, que afinal das contas a obstinação é o defeito real do seu caráter. Ele já foi acusado de muitas faltas, mas esta é a única verda­deira. Queria fazer tudo pessoalmente; embora eu estivesse certa (e não falo nisto para receber agradecimentos, e portanto não diga para ninguém) de que seu tio arranjaria tudo rapidamente. Discutiram durante muito tempo. Mais do que as duas pessoas em questão mereciam. Mas, afinal, seu tio foi forçado a ceder. Em vez de ser útil realmente à sua sobrinha, teve de se con­tentar com a fama, coisa que não lhe agradou de maneira algu­ma. E creio que a sua carta de hoje de manhã lhe deu um gran­de prazer, porque exigia uma explicação que o despojaria das suas falsas plumagens, restituindo a glória a quem de direito. Mas, Lizzy, isto não deve passar de você e de Jane, no máximo. Suponho que você deve saber muito bem o que foi feito para o jovem casal. As dívidas de Wickham, que sobem, creio eu, a muito mais de mil libras, precisam ser pagas. Outras mil são necessárias para o dote de Lydia. E a sua fiança ao posto que pretende tem de ser paga também. O motivo alegado para fa­zer tudo isto foi o que citei acima. Fora devido a ele, aos seus escrúpulos excessivos, que os outros se tinham enganado a res­peito do caráter de Wickham. E daí a confiança que tinham de­positado nele. Talvez haja uma certa verdade nisto, mas duvido que o seu silêncio ou o silêncio de qualquer outra pessoa possa ter sido a causa deste acontecimento. Mas, apesar de todas essas belas palavras, minha cara Lizzy, você pode ficar inteiramente certa de que o seu tio nunca teria cedido se ele não tivesse julga­do que Mr. Darcy tinha um outro interesse no assunto. Quando tudo isto ficou resolvido, ele voltou novamente para a compa­nhia dos amigos que ainda estavam em Pemberley, mas ficou combinado que voltaria a Londres novamente, no dia do casa­mento, para dar a última demão aos negócios de dinheiro. Creio que agora já lhe contei tudo. É um relato que, segundo vejo pela sua carta, lhe dará uma grande surpresa. Espero pelo me­nos que não lhe cause nenhum descontentamento. Lydia ficou morando conosco e Wickham esteve constantemente lá em ca­sa. Achei que ele era exatamente o mesmo rapaz que eu conheci no Hertfordshire. Mas eu não lhe contaria como me desagradou a conduta de Lydia, enquanto esteve conosco, se eu não tivesse percebido, pela carta de Jane que recebi na segunda-feira pas­sada, que o seu procedimento em Longbourn foi exatamente equivalente. E portanto o que lhe confesso agora não pode lhe causar novo desgosto. Conversei com ela várias vezes da manei­ra mais séria, mostrando-lhe o mal que tinha feito e toda a in­felicidade que causara à sua família. Se ela me ouviu foi por acaso. Estou certa de que não me prestou a menor atenção. Vá­rias vezes fiquei irritada. Nestes momentos eu me lembrava das minhas queridas Elizabeth e Jane, e por causa de vocês me ar­mei da maior paciência possível. Mr. Darcy voltou pontualmen­te e, como Lydia já lhe contou, assistiu ao casamento. Jantou conosco no dia seguinte e tencionava partir na quarta ou na quinta-feira. Espero que não se zangue comigo, minha cara Lizzy, por eu me aproveitar desta, oportunidade para lhe dizer uma coisa que antes nunca tinha ousado dizer: é que gosto mui­to dele. Seu procedimento para conosco foi sob todos os as­pectos tão agradável como quando estivemos no Derbyshire. Sua maneira de ver as coisas, suas opiniões, tudo me agrada muito. Só lhe falta um pouco mais de vivacidade. E isto, se ele se casar acertadamente, a mulher lhe poderá ensinar. Achei-o muito astuto. Quase nunca mencionou o seu nome. Mas a astúcia parece que está em moda. Peço-lhe que me perdoe se fui muito ousada ou pelo menos não me castigue a ponto de me excluir de P. Nunca me sentirei inteiramente feliz enquanto não tiver percorrido todo o pátio. Com um faéton baixo e uma boa parelha de pôneis, seria o ideal. Não posso escrever mais, as crianças já me esperam há meia hora. Sua tia muito afetuosa,
M. Gardiner."

O conteúdo desta carta lançou o espírito de Elizabeth nu­ma agitação em que era difícil determinar se o prazer ou a dor predominavam. Às vagas suspeitas acerca do que Mr. Darcy poderia ter feito para auxiliar o casamento da sua irmã, suspei­tas que tivera receios de encorajar, pois demonstravam uma grandeza de alma que dificilmente encontraria em alguém, sus­peitas cuja confirmação ao mesmo tempo temia por causa da obrigação que acarretariam, se tinham convertido em realida­de além das suas expectativas. Ele a seguira deliberadamente a Londres. Assumira todos os incômodos e mortificações ineren­tes a tal pesquisa. Tivera que suplicar a uma mulher que devia abominar e desprezar. Fora obrigado a se encontrar freqüente­mente, discutir, persuadir e finalmente subornar o homem que sempre mais desejara evitar e cujo simples nome lhe era detes­tável. Tudo isso tinha feito para uma moça que ele não podia nem admirar e nem estimar. Seu coração lhe dizia que fora uni­camente por sua causa. Mas esta esperança era logo sufocada por outras reflexões e ela sentiu que não era vaidosa a ponto de julgar que Darcy tinha afeição por uma mulher que já o re­jeitara, e que ele seria capaz de vencer um sentimento tão na­tural quanto a repugnância em se relacionar novamente com Wickham. Cunhado de Wickham! O orgulho mais elementar se revoltaria contra isto. Decerto ele já tinha feito muito. Eli­zabeth até se envergonhava de pensar em tudo o que lhe devia. Mas Darcy tinha apresentado um motivo para a sua interferên­cia, um motivo que não exigia sutilezas de interpretação. Não era natural que ele sentisse que agira erradamente. Era genero­so e tinha meios de exercer a sua generosidade. E, embora ela não se considerasse como a causa principal desta conduta, po­deria talvez supor que um resto de afeição por ela tivesse con­tribuído para os seus esforços numa causa de que dependia di­retamente a sua paz de espírito. Era doloroso, muito doloroso, saber que deviam tal obrigação a uma pessoa a quem nunca po­deriam pagar. Eles deviam a reabilitação de Lydia, sua restitui­ção ao seio da família, exclusivamente a Mr. Darcy. Elizabeth se arrependeu amargamente de todos os desprazeres que jamais lhe causara, de todas as palavras duras que lhe havia dirigido. Sentia-se humilhada consigo mesma, mas estava orgulhosa dele. Orgulhosa porque numa causa de honra, movido pela compai­xão, ele conseguira se dominar. Ao pensar na certeza, que tanto ela como seu tio sentiam, de que a afeição de Mr. Darcy por ela continuava a subsistir, sentia até um certo prazer, embora de mistura à mágoa.
Elizabeth foi arrancada das suas reflexões pela aproxima­ção de uma pessoa. Levantou-se, mas antes de fugir pelo outro caminho foi abordada por Wickham.
— Acha que estou interrompendo o seu passeio solitá­rio, minha cara irmã? — indagou ele, aproximando-se. — Sen­tiria muito se o fosse. Sempre fomos bons amigos. E agora mais do que nunca.
É verdade. Os outros não vêm passear?
Não sei... Mrs. Bennet e Lydia vão de carro a Mery­ton. Então, minha cara irmã, soube pelos meus tios que você já esteve em Pemberley.
Elizabeth respondeu afirmativamente.
Eu quase lhe invejo o prazer. No entanto acho que se­ria demasiado para mim. Sem o quê, iria até lá a caminho de New Castle. Naturalmente esteve com a velha caseira... Po­bre Mrs. Reynolds, ela gostava muito de mim! Mas suponho que ela não tenha falado em meu nome...
Falou, sim.
E o que foi que ela disse?
Que tinha entrado no Exército e parecia que não tinha dado boa coisa. Mas compreende, a tal distância as coisas che­gam bem deformadas...
Certamente — replicou ele, mordendo os lábios. Elizabeth supôs que o fizera silencioso, mas pouco depois ele disse:
Fiquei espantado de ver Darcy em Londres, da vez passada. Avistei-o várias vezes na rua. Que será que ele anda fazendo lá?
Talvez preparando o seu casamento com Miss de Bourgh — disse Elizabeth. — Ele deve ter tido ura motivo muito especial para vir a Londres nesta época do ano.
Sem dúvida. Viu Mr. Darcy alguma vez quando esteve em Lambton? Se não me engano, os Gardiner disseram-me isto.
Sim, ele me apresentou à irmã.
E que achou dela?
Gostei imensamente.
Realmente, ouvi dizer que ela melhorou extraordina­riamente nesses últimos dois anos. Da última vez em que a vi, não prometia muito. Espero que ela acabe bem.
Tenho certeza disto, pois já passou a idade mais pe­rigosa.
Passaram pela aldeia de Kympton?
Não me lembro.
Falo nisto porque é a sede da reitoria que devia ter sido minha. Um lugar encantador. A casa é excelente. Teria sido extremamente conveniente para mim. Muito. Eu teria conside­rado isto parte do meu dever, e o esforço, afinal, não seria tão grande assim. A gente não deve se queixar. Teria sido um lugar esplêndido para mim. A tranqüilidade daquela vida teria cor­respondido a todas as minhas idéias de felicidade. Mas não ti­nha que ser. Darcy lhe falou alguma coisa sobre o caso, enquan­to esteve no Kent?
Ouvi de uma pessoa, que considero tão bem informada quanto ele, que a reitoria lhe foi deixada apenas condicional­mente, ao arbítrio do atual proprietário.
Ah, sim? Realmente, existe alguma verdade nisto. Aliás, foi o que eu lhe disse desde o princípio, não se lembra?
Ouvi dizer também que, numa certa época da sua vida, a necessidade de fazer sermões não lhe era tão agradável quan­to atualmente. Ouvi dizer mesmo que tinha resolvido não se ordenar. E que neste sentido chegou a haver um acordo.
Ah, ouviu dizer isto? E não foi sem fundamento. Deve se lembrar do que lhe falei a este respeito, quando falamos pela primeira vez neste assunto.
Estavam quase à porta da casa, pois Elizabeth tinha anda­do depressa para se ver livre dele.
Não querendo mais provocá-lo, por causa da irmã, ela res­pondeu apenas com um sorriso cordial:
Vamos acabar com isto, Mr. Wickham, agora somos irmãos. Não devemos brigar por causa do passado. Para o fu­turo, espero que estejamos sempre de acordo.
Elizabeth estendeu a mão e ele a beijou com galante cor­dialidade, embora não soubesse que expressão tomar ao entrar em casa.

Capítulo LIII


Mr. Wickham ficou tão satisfeito com a conversação que nunca mais mencionou aquele assunto em presença de Elizabeth. Esta, por sua vez, ficou satisfeita de ter dito o suficiente para silenciá-lo.
Breve chegou o dia da partida de Lydia. E Mrs. Bennet foi obrigada a se submeter à separação, que provavelmente du­raria pelo menos um ano, pois Mr. Bennet se recusou terminantemente a aderir ao plano de irem todos a New Castle.
Oh, minha querida Lydia — exclamou ela —, quando nos tornaremos a ver?
Não sei. Daqui a dois ou três anos talvez.
Não deixe de me escrever sempre, meu bem.
Escreverei sempre que puder. Mas a senhora deve sa­ber que as mulheres casadas não têm muito tempo para escre­ver. Minhas irmãs podem, pois elas não têm nada que fazer.
As despedidas de Mr. Wickham foram muito mais afe­tuosas do que as de sua mulher. Sorriu, fez pose, disse muitas coisas bonitas.
É um ótimo rapaz — disse Mr. Bennet assim que o viu fora de casa. — Distribui sorrisinhos, gatimonhas e faz a corte a todo o mundo. Estou muito orgulhoso dele. Desafio o próprio Sir William Lucas a apresentar um genro melhor do que o meu.
A perda da filha fez Mrs. Bennet ficar triste vários dias.
Muitas vezes penso — disse ela — que não há nada mais doloroso do que o fato de se separar dos amigos. A gente se sente tão abandonada...
A senhora deve compreender, mamãe, que isto é a conseqüência de casar uma filha — disse Elizabeth. — Deve ficar contente, já que as suas outras quatro filhas continuam solteiras.
Não é nada disto. Eu tenho de me separar de Lydia, não porque ela esteja casada, mas porque o regimento do mari­do dela fica tão longe. Se estivesse mais próximo, não seria obrigada a partir tão cedo.
Mas o desânimo em que este acontecimento precipitou Mrs. Bennet foi breve atenuado por uma notícia que começou a circular. A caseira de Netherfield tinha recebido ordem de preparar a casa para a chegada do patrão que chegaria daí a um ou dois dias, e se demoraria lá várias semanas para caçar. Mrs. Bennet ficou muito agitada. Olhava para Jane, sorria e movia a cabeça de vez em quando. Fora Mrs. Philips quem trouxera a notícia.
Bem, bem, então Mr. Bingley está para chegar? Me­lhor, Não que eu faça muito caso disto, nós o conhecemos mui­to pouco, como sabe, e eu por mim não quero mais vê-lo. No entanto, acho que faz muito bem em vir para Netherfield. Quem sabe o que pode acontecer? Mas você bem sabe que há muito tempo resolvemos não falar mais nisto. Então é mesmo certa a chegada dele?
Pode contar com isto — replicou a outra. — Pois Mrs. Nichols esteve em Meryton ontem à noite. Eu a vi passando e saí de propósito para perguntar o que estava fazendo. E ela me disse que era verdade. Deve chegar na quinta-feira o mais tardar, ou talvez mesmo na quarta. Estava a caminho do açougue, disse-me ela, justamente para encomendar carne para quar­ta-feira. E ela tem três casais de patos prontos para serem mortos.
Jane, ao ouvir a notícia, não pôde deixar de empalidecer. Havia muitos meses que não mencionava o nome de Bingley a Elizabeth. Agora, estando as duas juntas, disse:
Reparei que você olhou hoje para mim, Lizzy, quando minha tia nos trouxe esta notícia. E eu sei que fiquei perturba­da. Mas não creio que tenha sido por uma causa à-toa. Só me senti assim porque vi que iam olhar para mim. Juro a você que esta notícia não me causa alegria nem sentimento algum. Só me alegro de uma coisa, é que ele não vem acompanhado; assim o veremos menos. Não que eu sinta medo de mim mesma, mas tenho horror às observações das outras pessoas.
Elizabeth não sabia o que pensar. Se ela não o tivesse visto no Derbyshire, podia aceitar o motivo que alegavam para a sua vinda. Mas achava que Bingley ainda gostava de Jane. E hesi­tava diante de duas outras explicações, que achava muito mais prováveis: se ele vinha porque o amigo o permitira ou se ou­sara espontaneamente tomar esta resolução.
Mas às vezes Elizabeth pensava: "Não vejo por que este pobre rapaz não possa vir à casa que alugou e é dele, sem des­pertar tamanha curiosidade. Não pensarei mais nele, vou aban­doná-lo à sua sorte".
Apesar do que a irmã lhe tinha declarado, e acreditava que ela tivesse falado sinceramente, Elizabeth percebia facil­mente que a perspectiva da chegada de Bingley a tinha afetado profundamente. Jane estava perturbada, agitada como poucas vezes a vira.
O assunto, que fora discutido tão calorosamente pelos seus pais, há um ano atrás aproximadamente, tornava agora a se apresentar.
Mr. Bingley está para vir, meu caro — disse Mrs. Bennet. — Você, naturalmente, irá visitá-lo...
Não, não, você me forçou a visitá-lo no ano passado e disse que se eu o fosse ver ele se casaria com uma das minhas filhas. Mas isto deu em nada e não vou tornar a fazer o pa­pel de tolo.
A mulher procurou convencê-lo de que isto era uma obri­gação que incumbia a todos os cavalheiros que residiam na região.
É uma etiqueta que desprezo — disse Mr. Bennet. — Se ele deseja a nossa companhia, que a procure. Sabe onde nós moramos. Não vou perder tempo correndo atrás dos meus vizinhos cada vez que eles vão embora e tornam a voltar.
Bem, tudo o que eu sei é que será uma abominável grosseria se você não for visitá-lo. No entanto, isto não impedi­rá que eu o convide a vir jantar conosco. Precisamos convidar Mrs. Long e os Goulding em breve. Contando conosco, sere­mos treze à mesa. E portanto haverá justamente um lugar para Mr. Bingley.
Consolada com esta resolução, Mrs. Bennet se sentiu com maior força para suportar a falta de cortesia do marido, embora fosse muito mortificante saber que por causa disto todos os vi­zinhos poderiam ver Mr. Bingley antes dos Bennet. Poucos dias antes da sua chegada, Jane disse para a irmã:
Estou começando a preferir que ele não venha. Não que eu dê importância ao fato, sou capaz de vê-lo com perfeita indiferença. Mas não suporto ouvir falar constantemente nesse assunto. A intenção da minha mãe é boa. Porém ela não sabe, ninguém sabe quanto sofro com o que dizem. Vou dar graças a Deus quando Mr. Bingley for embora de novo.
Eu poderia dizer alguma coisa que consolasse você — replicou Elizabeth. — Mas nada tenho realmente a dizer. Você deve saber disto. E a satisfação usual de recomendar paciência aos sofredores lhe seria negada, porque você já a tem de sobra.
Mr. Bingley chegou. Mrs. Bennet, por intermédio dos cria­dos, arranjou um meio para saber do fato o mais cedo possível, o que aumentava o período de ansiedade e agitação, prolon­gando a expectativa do jantar. Ela contou os dias que deviam decorrer antes de o convite ser enviado, pois durante esse tempo não havia esperança de vê-lo. Mas de manhã, três dias depois da sua chegada no Hertfordshire, Mrs. Bennet, que estava à janela do seu quarto de vestir, viu Mr. Bingley entrar a cava­lo pelo portão e se aproximar da casa.
Contentíssima, chamou as filhas para participarem da sua alegria. Jane continuou sentada no seu lugar, resolutamente. Mas Elizabeth, para contentar a mãe, foi até a janela, olhou e, vendo que Mr. Darcy vinha em companhia de Bingley, voltou a se sentar ao lado da sua irmã.
Vem outro cavalheiro com ele, mamãe — disse Kitty. — Quem será?
Deve ser um conhecido dele, meu bem, mas não sei quem é.
Ora, parece aquele homem que já esteve aqui com ele uma vez. Mr..., como é que ele se chama? Aquele homem alto, orgulhoso...
Quem, Mr. Darcy? E é mesmo... Bem, qualquer ami­go de Mr. Bingley será sempre bem recebido. Mas devo con­fessar que odeio aquele homem.
Jane olhou para Elizabeth com surpresa e inquietação. Ja­ne pouco sabia a respeito dos encontros que a irmã tivera com Mr. Darcy no Derbyshire. Supunha portanto que a irmã se sen­tiria muito embaraçada ao vê-lo depois da carta explicativa que recebera da sua parte. As duas irmãs se sentiam bastante em­baraçadas. Cada uma delas sentia pela outra e naturalmente por si própria. Mrs. Bennet continuou a falar sobre a antipa­tia que tinha por Mr. Darcy. E repetiu que estava disposta a tratá-lo amavelmente apenas porque era um amigo de Mr. Bin­gley. Mas as suas palavras não foram ouvidas por nenhuma das suas filhas. Elizabeth tinha motivos de inquietação de que a sua irmã não suspeitava, pois nunca tivera a coragem de mos­trar a Jane a carta de Mrs. Gardiner nem de lhe revelar a mu­dança dos seus sentimentos para com Mr. Darcy. Para Jane ele
continuava a ser o homem cujas propostas ela tinha recusado, e cujas qualidades ela subestimara. Mas para Elizabeth, que possuía outras informações, ele era a pessoa a quem toda a família devia o maior dos benefícios, e a quem ela própria vo­tava uma afeição, se não tão terna quanto a que Jane dedicava a Bingley, pelo menos tão razoável e tão justa. A surpresa cau­sada pela vinda dele a Netherfield e a sua visita a Longbourn, onde vinha espontaneamente para vê-la, era quase tão forte quanto a que sentira ao perceber a transformação que se tinha operado nele no Derbyshire.
As cores que tinham desaparecido do seu rosto tornaram a voltar com maior intensidade e um sorriso de prazer deu maior fulgor ao brilho dos seus olhos, durante alguns minutos; e disse a si mesma que provavelmente os sentimentos de Darcy continuavam inalterados. No entanto não queria se precipitar.
"Vamos ver primeiro como ele me trata", disse ela para si mesma. "Antes disso não convém ter esperanças."
Continuou atenta ao seu trabalho, procurando se acalmar, e sem ousar levantar os olhos, até que uma curiosidade ansiosa a levou a fitar o rosto da irmã, enquanto o criado se aproxima­va da porta. Jane parecia um pouco mais pálida do que de cos­tume, porém mais calma do que Elizabeth esperava. Quando os cavalheiros entraram, ela enrubesceu ligeiramente. No entanto recebeu-os com tranqüilidade e maneiras igualmente livres de qualquer sintoma de ressentimento, como de qualquer desejo exagerado de agradar.
Sem ser descortês, Elizabeth falou o menos possível. E voltou ao seu trabalho com um afinco que poucas vezes lhe de­dicava. Ela arriscara apenas um olhar para Darcy. A expressão dele era tão grave como de costume. Mais talvez do que no Hertfordshire e em Pemberley. Talvez não se sentisse tão à vontade na presença da mãe dela quanto na dos tios. Era uma história dolorosa, porém não de todo improvável.
Bingley, também, ela só vira de relance. E naquele ins­tante a sua expressão era ao mesmo tempo alegre e embaraçada. Mrs. Bennet o recebeu com tal cortesia, tão grande amabilida­de, que as filhas se sentiram envergonhadas. Especialmente quando viram a fria polidez com que ela cumprimentou o amigo dele.
Elizabeth, sobretudo, que sabia quanto a mãe devia a este último, cuja iniciativa lhe salvara a filha favorita de uma irre­mediável desonra, sentiu-se ferida e aflita com aquela distinção tão mal aplicada.
Darcy, depois de perguntar por Mr. e Mrs. Gardiner, per­gunta a que Elizabeth não pôde responder sem um certo emba­raço, quase mais nada falou. Não estava sentado perto de Eli­zabeth; talvez fosse este o motivo do seu silêncio. Porém no Derbyshire não procedera daquele modo. Lá, ele tinha palestra­do com os amigos de Elizabeth, quando não o podia fazer com ela própria. Agora decorriam vários minutos sem que se ouvisse o som da sua voz. E quando, às vezes, incapaz de resistir a um impulso de curiosidade, Elizabeth levantava os olhos e procura­va o seu rosto, via que ele olhava tanto para Jane como para ela própria, e freqüentemente olhava apenas para o chão. Aque­la atitude exprimia evidentemente maior despreocupação, me­nos ansiedade de agradar do que da última vez que tinham es­tado juntos. Ficou desapontada e depois zangada consigo mesma por ter cedido àquele sentimento.
"Podia eu esperar que fosse de outro modo?", exclamou ela para si própria. "Mas, se é assim, para que então ele veio?"
Ela não se sentia disposta a conversar com ninguém, a não ser consigo mesma. Faltava-lhe quase completamente a co­ragem para falar com Mr. Darcy. Perguntou pela irmã dele. Foi o máximo que conseguiu de si mesma.
Faz muito tempo, Mr. Bingley, que o senhor foi em­bora — disse Mrs. Bennet.
Ele concordou prontamente.
Eu tinha medo de que o senhor não viesse mais — continuou ela. — Andaram dizendo que tencionava abandonar Netherfield completamente, por ocasião da festa de São Mi­guel. Espero que não seja verdade. Têm acontecido muitas coi­sas aqui nas imediações desde que o senhor partiu. Miss Lucas está casada e uma das minhas filhas também. Acho que já deve ter ouvido falar nisto. Aliás, o senhor deve ter lido nos jor­nais. Saiu no Times e no Courier. Não saiu como devia, mas enfim... Dizia apenas: "Casamentos: George Wickham, Esquire, com Miss Lydia Bennet", sem acrescentar nem uma síla­ba a respeito do pai dela, do lugar onde vivia, nada. O contra­to foi feito por meu irmão Gardiner e a notícia também foi da­da por ele. Não sei como fez uma coisa tão sem graça assim. O senhor leu?
Bingley respondeu que tinha lido e lhe deu os parabéns.
Elizabeth não ousou levantar os olhos. Não sabia portanto qual a expressão do rosto de Mr. Darcy.
É uma coisa muito agradável ter uma filha bem casa­da — continuou Mrs. Bennet —, mas ao mesmo tempo, Mr. Bingley, é muito duro a gente se separar de uma filha. Eles fo­ram para New Castle. Um lugar situado muito para o norte, ao que parece. E eles têm que permanecer lá durante não sei quanto tempo. É lá que é a sede do regimento. O senhor deve ter ouvido dizer que ele saiu da milícia e entrou no Exército regular. Graças a Deus ele tem alguns amigos, embora talvez não tantos quanto mereça.
Elizabeth, que sabia que isto era dirigido a Mr. Darcy, sentiu tal vergonha e confusão que por pouco não se levantou e fugiu. Estas palavras, no entanto, conseguiram arrancá-la ao silêncio. E perguntou a Bingley se tencionava ficar algum tem­po na região. Ele disse que ficaria algumas semanas.
Depois que tiver matado todos os seus pássaros, Mr. Bingley — continuou Mrs. Bennet —, venha caçar aqui, matar tantos quanto queira. Estou certa de que Mr. Bennet se sen­tirá muito feliz com isto. E guardaremos todas as melhores caças para o senhor.
Essas atenções desnecessárias e exageradas faziam crescer o mal-estar de Elizabeth. Se agora surgissem para Jane as mes­mas possibilidades que no ano anterior, tudo se precipitaria para a mesma desastrosa confusão. Naquele instante ela sentiu que muitos anos de felicidade não poderiam compensar os mo­mentos desagradáveis que ela e Jane estavam passando.
"O maior desejo do meu coração", disse ela a si mesma, "é nunca mais estar em companhia de nenhum desses dois, por mais agradáveis que sejam; nada pode compensar esta miséria. Que eu nunca mais os veja, nem a um nem a outro." No entan­to a miséria, que anos de felicidade não poderiam compensar, pouco depois se atenuou de maneira muito sensível. Elizabeth observou que a beleza da sua irmã tornava a inflamar rapida­mente a admiração do antigo namorado. A princípio ele lhe falara pouco, mas cada minuto que passava parecia aumentar a admiração que lhe dedicava. Ele a achava tão bela quanto no ano passado, tão simples e natural, embora menos comunicativa. Jane se esforçava por não deixar perceber nenhuma diferen­ça na sua atitude, e estava realmente convencida de que con­versava tão animadamente como sempre. Seus pensamentos a absorviam tanto que ela não reparava nos momentos em que ficava calada.
Quando os cavalheiros se levantaram para partir, Mrs. Bennet se lembrou do convite que tencionava fazer, e eles fica­ram comprometidos para jantar em Longbourn daí a pou­cos dias.
— O senhor me deve uma visita, Mr. Bingley — acres­centou ela —, pois quando partiu para Londres no inverno pas­sado prometeu que tomaria parte num jantar de família assim que regressasse. Como o senhor está vendo, não me esqueci. Eu lhe asseguro que fiquei muito desapontada porque o senhor não voltou como tinha prometido.
Bingley pareceu um pouco embaraçado e falou vagamente que negócios urgentes o tinham impedido de vir e que sentia muito. Em seguida partiram.
Mrs. Bennet estivera fortemente inclinada a convidar os dois para jantar naquele mesmo dia. No entanto, embora tives­se sempre uma mesa muito boa, julgou que um jantar de me­nos de dois serviços não seria digno de um homem no qual tinha tantas esperanças, nem suficiente para satisfazer o apetite e o orgulho de outro que possuía dez mil libras de renda por ano.

Capítulo LIV


Assim que as visitas partiram, Elizabeth saiu para recupe­rar a tranqüilidade. Ou, em outras palavras, para refletir sem interrupção nesses assuntos, que na realidade só a perturbariam ainda mais. A atitude de Mr. Darcy a surpreendia e penalizava.
Para que teria ele vindo, perguntava a si mesma, se era para permanecer silencioso, grave e indiferente? Ela não en­contrava uma resposta que a satisfizesse.
"Ele continuou a se mostrar amável para com os meus tios, quando esteve em Londres. Por que não o é para comigo? Se tem medo de mim, por que veio aqui? Se ele não gosta mais de mim, por que é que fica silencioso? Que homem misterioso! Não pensarei mais nele."
Sua resolução foi cumprida involuntariamente por pouco tempo, devido à aproximação da irmã, que se juntara a ela com um ar alegre, que mostrava que tinha ficado muito mais satis­feita com a visita do que Elizabeth.
Agora que o primeiro encontro passou — disse ela —, sinto-me perfeitamente à vontade. Conheço as minhas forças e nunca mais me sentirei embaraçada quando ele vier. Estou contente que ele venha jantar aqui na terça-feira. Todos terão ocasião de ver que nos encontramos apenas como conhe­cidos comuns e indiferentes.
Oh, realmente muito indiferentes — disse Elizabeth, sorrindo. — Tome cuidado, Jane.
Minha querida Lizzy, você não há de pensar que eu seja tão fraca que esteja agora em perigo.
Acho que mais do que nunca você está em perigo de fazer com que ele se apaixone por você.
Não tornaram a ver Mr. Bingley e o seu amigo senão na terça-feira. E durante esse tempo Mrs. Bennet se entregara a todos os planos felizes que o bom humor e a polidez habitual de Bingley em meia hora de visita haviam reavivado,
Na terça-feira reuniu-se um grupo numeroso em Long­bourn. E as duas pessoas mais ansiosamente esperadas chega­ram pontualmente. No momento de entrar na sala de jantar, Elizabeth observou Bingley avidamente, para ver se ele tomava lugar como antigamente, ao lado da sua irmã. Sua mãe, que era uma pessoa prudente e que punha as idéias em prática, não o convidou para sentar ao seu lado. Ao entrar na sala ele pareceu hesitar. Mas por acaso Jane olhou em torno de si e, igualmen­te por acaso, sorriu. Foi suficiente para que ele se decidisse e fosse sentar ao lado dela.
Elizabeth, triunfante, olhou para Mr. Darcy. Ele recebeu o fato com nobre indiferença e Elizabeth teria imaginado que Bingley tinha recebido afinal licença para ser feliz se não tivesse visto que este olhava também para Mr. Darcy com um ar en­tre sorridente e alarmado.
Durante o jantar a atitude de Bingley para com a sua irmã persuadiu Elizabeth de que a sua admiração por Jane, embora mais reservada, levaria o caso rapidamente a uma solução feliz, caso não houvesse interferências alheias. E, embora não pudes­se confiar no resultado de olhos fechados, aquilo lhe dava um grande prazer, despertando nela toda a animação que era possí­vel sentir, pois não estava de humor muito alegre. Mr. Darcy estava sentado quase na outra extremidade da mesa. Estava ao lado da sua mãe. Ela sabia que essa situação daria muito pouco prazer a qualquer um dos dois. Com a distância a que se en­contrava, não podia ouvir o que diziam, mas via que raramente falavam um com o outro e que o faziam cerimoniosa e fria­mente. A hostilidade da mãe lembrava dolorosamente a Eliza­beth tudo o que deviam a Mr. Darcy. E às vezes sentia que te­ria feito qualquer sacrifício para poder lhe dizer que a sua bon­dade não era nem ignorada nem desdenhada pela totalidade da família.
Elizabeth tinha esperanças de que, à noite, tivessem opor­tunidade de ficar juntos. E que a visita toda não se passaria sem lhes dar ocasião de trocar palavras mais significativas do que as simples saudações de cortesia. Ansiosa e inquieta, o pe­ríodo que decorreu na sala antes da entrada dos cavalheiros foi aborrecido a um ponto que quase a tornou impolida. Ela con­centrara todas as suas esperanças no momento em que eles en­trariam na sala.
"Se ele não se dirigir a mim", pensou ela, "renunciarei a esse homem para sempre."
Os cavalheiros entraram. Por um momento Elizabeth pen­sou que as suas esperanças se iam realizar, mas infelizmente as senhoras se tinham reunido todas em volta da mesa, onde Jane estava fazendo chá e Elizabeth servindo café, e não havia lugar ao seu lado nem para uma cadeira. E, quando os cavalheiros se aproximaram, uma das moças acercou-se ainda mais dela e lhe disse ao ouvido:
Nós não queremos um homem aqui entre nós, não é?
Darcy se tinha dirigido para o outro lado da sala. Eliza­beth o acompanhou com os olhos, invejando todas as pessoas com quem ele falava. Serviu o café com impaciência e depois ficou irritada consigo mesma por ser tão idiota.
Um homem que foi recusado uma vez! Como podia ter esperanças de que ele tornasse a se declarar? Existiria uma só pessoa do seu sexo que não se revoltaria contra tão grande fra­queza? Não existe nada tão incompatível com o sentimento dos homens.
Elizabeth ficou mais animada, no entanto, quando ele veio pessoalmente trazer a sua xícara de café. E aproveitou a opor­tunidade para dizer:
A sua irmã está ainda em Pemberley?
Sim, ficará lá até o Natal.
E está sozinha? Todos os seus amigos já partiram?
Mrs. Annesley está com ela. Os outros foram para Scarborough para passar três semanas.
Elizabeth não encontrou mais nada para dizer; mas se ele quisesse conversar talvez fosse mais bem sucedido. No entanto, ficou ao seu lado, em silêncio, durante alguns minutos. E afinal, quando as moças vieram sussurrar novamente ao ouvido de Eli­zabeth, ele tornou a se afastar.
Quando o serviço de chá foi retirado e as mesas de jogo foram colocadas, todas as senhoras se levantaram. E Elizabeth teve outra vez esperança de vê-lo se aproximar. Porém todos os seus planos foram novamente destruídos; viu sua mãe se apoderar dele, para parceiro de uíste. Todo o prazer estava ago­ra acabado para ela. Seriam obrigados a passar a noite sentados em mesas diferentes e a única esperança que lhe restava era de que Darcy voltasse freqüentemente os olhos na sua direção e jogasse portanto tão mal quanto ela.
Mrs. Bennet tinha resolvido convidar os dois cavalheiros Netherfield para cear, mas infelizmente a carruagem deles foi chamada antes de qualquer uma das outras. E ela não teve outra oportunidade de vê-los.
_ Então, meninas — disse Mrs. Bennet, assim que fica­ram sós —, que é que vocês acharam da festa? Penso que tudo correu da melhor forma possível. O jantar estava excelente. O assado de cabrito estava realmente bom. Todos disseram que nunca viram uma perna tão gorda. A sopa estava incompara­velmente melhor do que a que serviram em casa dos Lucas na semana passada. E até Mr. Darcy reconheceu que as perdizes estavam notavelmente bem feitas. E calculo que ele tenha dois cozinheiros franceses, pelo menos. Você, minha querida Jane, estava tão bonita como nunca vi. Mrs. Long foi da mesma opi­nião. E sabe o que ela disse também? "Ah, Mrs. Bennet, acho que afinal a veremos instalada em Netherfield." Disse isto realmente. Acho Mrs. Long uma esplêndida criatura. E as so­brinhas dela são muito comportadas. E não são nada bonitas. Gosto delas imensamente.
Mrs. Bennet, em suma, estava de excelente humor. O que observara na atitude de Bingley para com Jane fora suficiente para convencê-la de que ele estava mesmo conquistado. E quan­do Mrs. Bennet estava de bom humor, as suas esperanças ma­trimoniais eram tão ilimitadas que no dia seguinte ficava de­sapontada de não ver o rapaz aparecer para fazer o pedido.
Foi um dia muito agradável — disse Jane para Eliza­beth. — Os convidados foram bem escolhidos e pareciam se dar todos admiravelmente. Espero que tornemos a nos reunir freqüentemente.
Elizabeth sorriu.
Lizzy, não faça isso. Você não deve suspeitar de mim. Isto me mortifica. Eu lhe asseguro que aprendi a gostar da con­versa dele; trata-se de um rapaz agradável e sensato. Garanto a você que não tenho outras intenções. Vejo perfeitamente, pela maneira como ele me trata, que nunca desejou realmente a mi­nha afeição. Só que ele é dotado de maneiras muito mais agra­dáveis, e de um desejo de agradar muito mais forte do que qual­quer outro homem.
Você está sendo cruel — disse Elizabeth. — Você me provoca e depois não quer que eu sorria.
Como é difícil às vezes fazer com que os outros acre­ditem em nós!
E como é impossível às vezes, para os outros, acreditar!
— Mas então, por que é que você quer me persuadir de que os meus sentimentos são mais complexos do que confessei?
— Isto é uma pergunta a que não sei como responder. Todos gostamos de instruir os outros, embora só possamos trans­mitir o que não é digno de ser ensinado. Perdoe, se você insis­tir na sua indiferença, não me tome por confidente.

Capítulo LV


Poucos dias depois daquela visita, Mr. Bingley tornou a aparecer. E desta vez veio sozinho. Seu amigo tinha partido na­quela manhã para Londres, ficando de voltar, porém, daí a dez dias. Mr. Bingley se demorou mais de uma hora. Estava de excelente humor. Mrs. Bennet o convidou para jantar. Ele res­pondeu que sentia imensamente, declarando que estava com­prometido.
Da próxima vez que vier — disse Mrs. Bennet —, es­pero que tenhamos mais sorte.
Ele teria imenso prazer em vir em qualquer outra ocasião, etc. etc. E, se Mrs. Bennet lhe desse permissão, viria muito breve.
Pode vir amanhã? — Sim.
Ele não tinha compromisso para o dia seguinte. E o con­vite foi aceito com entusiasmo.
Mr. Bingley veio — e tão pontualmente que as moças ainda não estavam vestidas, quando chegou. Mrs. Bennet cor­reu para o quarto das meninas, enrolada num robe de chambre, o cabelo ainda por fazer, e exclamou:
Jane, ande depressa! Corra lá para baixo! Ele chegou! Mr. Bingley chegou, chegou mesmo! Vá ligeiro, depressa! Sarah, venha ajudar Miss Bennet imediatamente a pôr o vestido. Deixe o cabelo de Miss Lizzy para depois.
Nós desceremos assim que pudermos — disse Jane. — Mas, entre nós, Kitty é mais ligeira do que todas. Já desceu há meia hora.
Oh, não se importe com Kitty, que tem ela a ver com isto? Vamos, vá ligeiro. Depressa! Onde está a sua echarpe?
Mas, depois que a mãe saiu, Jane se recusou a descer sem uma das irmãs.
Durante a visita Mrs. Bennet mostrou a mesma ansiedade que de costume para deixar Mr. Bingley e Jane a sós. Depois do chá, Mr. Bennet se retirou para a biblioteca, como sempre fazia. E Mary subiu para estudar piano. Dos cinco obstáculos, dois estavam suprimidos. Mrs. Bennet ficou olhando e piscando para Kitty e para Elizabeth durante um espaço de tempo considerá­vel, sem que nenhuma das duas se impressionasse com isto. Elizabeth fez que não via e Kitty disse inocentemente:
Que é, mamãe? Por que é que a senhora está piscan­do para mim? O que é que a senhora quer que eu faça?
— Nada, meu bem, nada, eu não pisquei para você!
Ela então continuou sentada durante mais cinco minutos. Mas, incapaz de perder uma ocasião tão preciosa, levantou-se e disse para Kitty:
Meu bem, quero falar com você!
E levou-a para fora da sala. Jane imediatamente lançou um olhar para Elizabeth, em que exprimia a contrariedade que aquela premeditação lhe causava e o seu desejo de que pelo menos a irmã não se prestasse àquela comédia. Poucos minu­tos depois, Mrs. Bennet entreabriu a porta e chamou:
Lizzy, meu bem, quero falar com você. Elizabeth foi forçada a ir.
É melhor deixá-los a sós — disse Mrs. Bennet, assim que entrou no hall. — Kitty e eu vamos lá para cima a fim de conversarmos no meu quarto de vestir.
Elizabeth resolveu não discutir com a mãe, porém per­maneceu tranqüilamente no hall e, assim que a mãe e Kitty ti­nham partido, voltou para a sala.
Naquele dia os planos de Mrs. Bennet foram inúteis. Bin­gley se mostrou encantador como sempre, mas a sua atitude não foi a de um pretendente. Seu bom humor e a sua simplicidade o tornavam um companheiro dos mais agradáveis. E ele suportou as inoportunas cortesias com que o cumulava Mrs. Bennet, e ouviu todas as suas observações disparatadas com uma paciên­cia e uma seriedade que encantaram a Jane.
Ele ficou para jantar sem que fosse preciso insistir. E an­tes de ir embora, graças à intervenção de Mrs. Bennet, assumiu o compromisso de vir na manhã seguinte para caçar com Mr. Bennet.
Depois daquele dia Jane não falou mais na sua indiferen­ça. Nem uma palavra foi trocada pelas irmãs acerca de Bingley. Mas Elizabeth foi para a cama contente com a certeza de que tudo chegaria breve a uma conclusão feliz, a não ser que Mr. Darcy voltasse tão breve quanto havia prometido. No entanto, ela estava até certo ponto persuadida de que tudo isso acontecia com a aquiescência dele.
No dia seguinte Bingley chegou pontualmente. Mr. Ben­net e ele passaram a manhã juntos, conforme tinham combina­do. Mr. Bennet encontrou no outro um companheiro muito mais agradável do que esperava; não havia em Bingley nenhu­ma pretensão que o tornasse ridículo nem nenhuma insensatez que fizesse Mr. Bennet se refugiar irritadamente no silêncio. Naquele dia ele estava mais comunicativo e menos excêntrico do que nunca. Bingley, naturalmente, voltou com ele para jan­tar, e à noite Mrs. Bennet lançou mão de todos os seus recur­sos para deixá-lo a sós com a filha. Elizabeth, que tinha uma carta para escrever, se retirou para a sala de almoço pouco de­pois do chá. Pois, já que os outros iam jogar cartas, a sua pre­sença não seria necessária para contrabalançar os planos da mãe.
Mas ao voltar para a sala, depois de acabar a carta, viu com infinita surpresa que havia vários motivos para temer que sua mãe tivesse sido mais engenhosa do que ela. Ao abrir a porta, viu que a irmã e Bingley estavam juntos, ao pé da larei­ra, como se conversassem sobre um assunto de extrema gra­vidade. E se este fato não bastasse para despertar suspeitas, a expressão de ambos, ao se virarem rapidamente e se afastarem, teria revelado tudo. A situação deles era bastante embaraçosa. Mas a sua própria, pensou Elizabeth, era pior ainda. Ninguém disse uma só palavra. E Elizabeth estava a ponto de se retirar novamente, quando Bingley, que, imitando o exemplo de Jane, se tinha sentado, subitamente se levantou novamente e, sussur­rando algumas palavras para Jane, saiu apressadamente da sala.
Jane não teria reserva para com a irmã. O assunto da con­fidencia era agradável demais para que Jane se mostrasse reser­vada. E, abraçando a irmã, imediatamente confessou com a mais viva emoção que ela era a criatura mais feliz do mundo.
É demasiado para mim — acrescentou ela. — Eu não o mereço. Por que é que todos não estão felizes como eu?
Elizabeth deu os parabéns com uma sinceridade, um calor, um entusiasmo que as palavras não poderiam exprimir. Cada uma das suas palavras era uma nova fonte de felicidade para Jane. Mas esta não poderia se demorar mais junto da irmã, nem tinha tempo para lhe dizer metade do que ainda lhe restava para contar.
Preciso imediatamente ir ver mamãe — exclamou ela. — Não quero deixá-la por mais tempo em suspenso; sua soli­citude por mim é tão carinhosa! Nem quero que ela saiba de tudo senão por meu intermédio. Ele já foi falar com papai. Oh, Lizzy, que prazer vai dar a toda a família o que eu tenho para dizer! Como poderei suportar tamanha felicidade?
Jane correu então para junto da mãe, que tinha interrom­pido o jogo de cartas propositadamente, e estava em cima com Kitty.
Elizabeth, que tinha ficado sozinha, sorriu da rapidez e da facilidade com que tinha resolvido um caso que lhes cau­sara ansiedade e incerteza durante tantos meses.
"E este", disse ela para si mesma, "é o fim de todos os cuidados e precauções do seu amigo, das mentiras e ardis da sua irmã, o fim mais feliz, mais justo e mais razoável!"
Poucos minutos depois, Bingley, cuja conferência com Mr. Bennet fora curta e decisiva, veio sé reunir a Elizabeth.
Onde está a sua irmã? — disse ele, ao abrir a porta.
Lá em cima com minha mãe. Ela descerá já. Bingley então fechou a porta e, aproximando-se, reclamou
os seus parabéns e a sua afeição de irmã. Elizabeth, sincera e cordialmente, exprimiu a sua alegria. Apertaram-se as mãos com grande cordialidade. Em seguida, até a irmã voltar, ela teve que ouvir tudo o que ele dizia sobre a sua própria felici­dade e sobre as perfeições de Jane. E, apesar de serem aquelas expressões de namorado, Elizabeth acreditava realmente no bem fundado de suas esperanças, porque elas tinham como base a excelente compreensão, o gênio esplêndido de Jane e uma se­melhança geral de sentimentos e gostos.
Aquela foi uma noite de grande alegria para todos. A fe­licidade de Jane dava-lhe ao rosto um brilho e uma doçura que o tornava mais belo do que nunca. Kitty dava risinhos e sorria, com a esperança de que a sua vez chegaria breve. Mrs. Bennet não encontrava termos bastante calorosos para exprimir o seu consentimento e a sua aprovação. E falou só nisto, durante meia hora. E quando Mr. Bennet apareceu, à hora da ceia, sua voz e suas maneiras mostravam claramente o contentamento que o possuía.
Nem uma só vez, no entanto, ele aludiu ao fato enquanto o visitante estava presente. Mas, assim que ele partiu, Mr. Ben­net se virou para a filha e disse:
Jane, dou-lhe os meus parabéns. Você será muito feliz. Jane se aproximou dele imediatamente, beijou-o e agrade­ceu a sua bondade.
— Você é uma boa menina — respondeu ele. — E te­nho grande prazer em vê-la bem casada. Não tenho a menor dúvida de que vocês se darão muito bem. Seus gênios são bas­tante semelhantes. Ambos são tão tolerantes que nunca toma­rão resoluções definitivas. Tão fáceis de levar, que todos os criados os enganarão. E tão generosos que sempre hão de gas­tar mais do que têm.
Espero que não. Imprudência ou imprevidência em matéria de dinheiro seriam imperdoáveis da minha parte.
Gastar mais do que têm! Meu caro Mr. Bennet! — exclamou a mulher. — Que é que você está dizendo? Ora, ele tem quatro ou cinco mil libras por ano e provavelmente ain­da mais...
Em seguida, virando-se para a filha:
Oh, minha querida Jane! Estou tão feliz! Estou certa de que não dormirei nem um só instante esta noite! Eu sabia que tudo ia acabar assim, eu sempre disse que isto se realizaria finalmente! Tinha certeza de que a sua beleza acabaria triunfante! Eu me lembro que quando ele chegou aqui no Hertford­shire, no ano passado, logo vi que era provável que vocês se dessem bem. Ele é o mais belo rapaz que jamais vi.
Wickham, Lydia, tudo o mais estava esquecido. Jane era, sem competição, a sua filha favorita. Naquele instante ela não pensava em nenhuma outra. As irmãs mais moças começaram logo a imaginar os proveitos e os prazeres que retirariam do casamento da irmã.
Mary pediu para usar a biblioteca de Netherfield e Kitty insistiu muito para que Jane desse alguns bailes lá durante o inverno.
Daquele dia em diante, naturalmente, Bingley veio diaria­mente a Longbourn. E muitas vezes chegava antes da primeira refeição e ficava até depois do jantar, a não ser quando algum cruel vizinho lhe tinha enviado um convite para jantar, convite este a que ele não se podia furtar.
Elizabeth dispunha agora de muito pouco tempo para con­versar com a irmã, pois enquanto Bingley estava presente Jane não podia dar atenção a mais ninguém. No entanto, Elizabeth verificou que era de utilidade considerável para ambos duran­te aquelas separações, que necessariamente ocorriam às vezes. Na ausência de Jane ele sempre se aproximava de Elizabeth para conversar. É, depois que Bingley tinha partido, Jane pro­curava idêntico alívio na conversa da irmã.
Ele me deu um grande prazer — disse Jane certa noite. — Ele me disse que ignorava totalmente que eu estives­se em Londres na primavera passada. Eu não acreditava que isto fosse possível.
Eu já suspeitava disso — replicou Elizabeth. — Mas como é que ele explicou o fato?
Deve ter sido coisa feita pelas irmãs dele. Decerto elas não viam com bons olhos as suas relações comigo, coisa aliás que acho muito natural, pois ele poderia ter feito uma escolha muito mais vantajosa sob todos os pontos de vista. Mas, quando elas virem que o irmão é feliz comigo, espero que se resignem e voltaremos a ficar de bem novamente, embora nunca mais possamos ter a mesma intimidade de antes.
Essas são as palavras mais severas que jamais ouvi você dizer — exclamou Elizabeth. — Ainda bem, eu ficaria realmente penalizada se a visse tornar a ser enganada pela falsa amizade de Miss Bingley.
Imagine, Lizzy, quando ele foi para Londres em novem­bro, já gostava de mim. E só não voltou porque o convenceram de que eu lhe era totalmente indiferente.
Ele cometeu um pequeno engano, decerto. Isto mostra pelo menos que é modesto.
Isto conduziu Jane naturalmente a fazer um panegírico da discrição de Bingley e do pouco valor que ele atribuía às suas boas qualidades.
Elizabeth ficou satisfeita por descobrir que ele não tinha revelado a interferência do amigo, pois, embora Jane tivesse o coração mais generoso do mundo, ela sabia que aquilo seria dificilmente perdoável.
Sou decerto a criatura mais feliz que jamais existiu — exclamou Jane. — Oh, Lizzy, por que é que fui eu a escolhida na minha família para receber tão grande graça? Se ao menos eu pudesse vê-la tão feliz quanto eu... Se existisse outro ho­mem igual àquele para você!
Mesmo se você me desse quarenta homens iguais para escolher, nunca seria tão feliz quanto você! Seria preciso que eu possuísse o seu gênio e a sua bondade. Não, não, deixe-me entregue ao meu próprio destino; talvez, se tiver muita sorte, eu encontre um dia um outro Mr. Collins.
A nova situação na família de Longbourn não podia per­manecer muito tempo em segredo. Mrs. Bennet sussurrou a no­vidade ao ouvido de Mrs. Philips e esta, embora sem nenhuma autorização, fez outro tanto para todos os vizinhos de Meryton.
Todos declararam que os Bennet eram a família mais afor­tunada do mundo, embora poucas semanas antes, quando Lydia tinha fugido, fossem considerados como pessoas marcadas pelo infortúnio.

Capítulo LVI


Certa manhã, uma semana depois do noivado de Jane, Mr. Bingley e o resto da família estavam sentados na sala de jantar, quando a sua atenção foi despertada de súbito pelo ruído de uma carruagem. E, chegando à janela, viram que era um coche puxado por quatro cavalos que se aproximava da casa. Era de­masiado cedo para uma visita e além disso aquela equipagem não era a de nenhum dos vizinhos. A carruagem era puxada por cavalos de posta; tanto a carruagem como a libré do criado que a precedia lhes eram desconhecidos. Como fosse certo no entanto que alguém estava chegando, Bingley propôs a Miss Bennet, imediatamente, que evitassem o intruso e fossem dar uma volta pelo bosque.
Eles saíram e as pessoas restantes continuaram a fazer as suas conjeturas, até que a porta se abriu e a visita entrou. Era Lady Catherine de Bourgh.
Todos estavam naturalmente preparados para uma surpre­sa. Mas o espanto foi muito maior do que esperavam. E o de Elizabeth foi ainda maior do que o de Mrs. Bennet e o de Kitty, embora Lady Catherine lhes fosse completamente desco­nhecida.
Ela entrou na sala com um ar ainda menos gracioso do que de costume. Limitou-se a responder à saudação de Elizabeth com uma ligeira inclinação da cabeça e sentou-se sem dizer uma palavra. Elizabeth mencionara o nome da visitante à mãe, em­bora Lady Catherine não tivesse solicitado uma apresentação.
Mrs. Bennet ficou espantadíssima e ao mesmo tempo en­vaidecida por receber uma visita tão importante, e a acolheu com a maior polidez. Depois de permanecerem sentadas duran­te algum tempo em silêncio, Lady Catherine disse, muito seca­mente, para Elizabeth:
— Espero que esteja passando bem, Miss Bennet. Supo­nho que aquela senhora seja sua mãe.
Elizabeth replicou de maneira concisa pela afirmativa.
— E aquela deve ser uma das suas irmãs.
— Sim, minha senhora — disse Mrs. Bennet, deliciada de poder falar com Lady Catherine em pessoa. — É a minha penúltima filha. A mais moça se casou recentemente. E a mais velha está passeando aí pelo parque com um rapaz que em breve se tornará membro da família.
A senhora tem um parque muito pequeno aqui — disse Lady Catherine, depois de um curto silêncio.
Não é nada em comparação com Rosings, mas é muito maior do que o de Sir William Lucas.
Esta sala deve ser muito inconveniente de tarde, no verão. As janelas dão todas para o oeste.
Mrs. Bennet acrescentou que nunca ficava ali depois do jantar, e em seguida disse:
Vossa Senhoria me permite a liberdade de perguntar se deixou Mr. e Mrs. Collins bem?
Sim, muito bem. Estive com eles a noite passada. Naquele momento Elizabeth supôs que Lady Catherine ia
tirar da bolsa uma carta de Charlotte, pois tal lhe parecia o mo­tivo mais provável da sua visita. No entanto a carta não apa­receu e Elizabeth ficou ainda mais intrigada.
Mrs. Bennet, com grande amabilidade, perguntou se Lady Catherine desejava tomar alguma coisa. Mas Lady Catherine, com grande resolução e pouca polidez, recusou. Em seguida, levantando-se, disse para Elizabeth:
Miss Bennet, parece que há um pequeno bosque bas­tante agradável atrás da sua casa. Eu gostaria de dar uma volta por lá, se quiser me conceder o favor da sua companhia.
Vá, meu bem — exclamou Mrs. Bennet. — E mostre a Lady Catherine os vários caminhos. Acho que ela gostará de ver o caramanchão.
Elizabeth obedeceu e foi correndo para o seu quarto bus­car a sombrinha e em seguida acompanhou a ilustre visitante. Ao atravessarem o hall, Lady Catherine abriu as portas que da­vam para as salas de jantar e de estar. Achou que eram salas bastante agradáveis e em seguida continuou o seu caminho.
A carruagem permanecia parada à porta e Elizabeth viu que a dama de companhia estava lá dentro. Caminharam em si­lêncio pela aléia ensaibrada até o bosque. Elizabeth estava re­solvida a não fazer nenhum esforço para entrar em conver­sação com uma mulher que naquele momento ainda se mostra­va mais insolente e desagradável do que de costume.

"Não sei como pude achar que ela se parecesse com o so­brinho", disse Elizabeth para si mesma, depois de olhar para o rosto de Lady Catherine. Logo que entraram no bosque, Lady Catherine começou a falar da seguinte maneira:
Sei que compreende, Miss Bennet, a razão da minha viagem até aqui. Seu coração, sua consciência, devem lhe reve­lar por que foi que eu vim!
Elizabeth olhou para ela com sincero espanto.
Realmente, está enganada, minha senhora. Não con­sigo absolutamente adivinhar o motivo da sua presença aqui.
Miss Bennet — replicou Lady Catherine num tom irritado —, deve compreender que eu não sou de brincadeiras. Se preferir ser pouco sincera, fique certa de que não farei o mesmo. Meu caráter é célebre pela sinceridade e franqueza. E num assunto de tamanha importância, como o presente, não me mostrarei diferente do que sou. Uma notícia da mais alar­mante natureza chegou aos meus ouvidos, há dois dias atrás. Disseram-me não somente que a sua irmã estava às vésperas de realizar um casamento dos mais vantajosos, como também que a senhora, Miss Elizabeth, estaria provavelmente muito em breve unida ao meu sobrinho, ao meu próprio sobrinho, Mr. Darcy! E, embora eu esteja certa de que isto é uma escandalosa falsidade, embora eu nunca tenha feito ao meu sobrinho a in­júria de supor que esta notícia seja verdadeira, resolvi imedia­tamente vir a este lugar a fim de lhe revelar claramente o que penso disto.
Se a senhora acha impossível que a notícia seja ver­dadeira — disse Elizabeth, corando de espanto e desdém —, não compreendo por que se deu ao trabalho de vir de tão longe. Que pretende, Lady Catherine, com isto?
Insistir exatamente para que tal notícia seja universal­mente desmentida.
Se esta notícia realmente existe — respondeu Eliza­beth, friamente —, o fato de a senhora vir a Longbourn para me visitar, e à minha família, constituiria antes uma confir­mação.
Sim! Pretende então ignorar a notícia? Não foi ela posta astutamente em circulação pela sua própria família? Não sabe que este boato corre por aí?
Nunca ouvi falar em tal coisa.
E pode declarar igualmente que não existe fundamen­to para ele?
— Não tenho a pretensão de ter a mesma franqueza, Lady Catherine. A senhora pode fazer perguntas a que eu prefiro não responder.
Isto é insuportável. Miss Bennet, exijo que me res­ponda. Meu sobrinho lhe fez alguma proposta de casamento?
Vossa Senhoria mesma declarou que isto era impos­sível.
Deve ser. É evidente, a menos que ele não esteja no uso da razão. Mas os seus artifícios e astúcias o podem ter leva­do a esquecer, num momento de fraqueza, o que ele deve a si próprio e a toda a sua família. É possível que o tenha seduzido.
Se o fiz, serei a última pessoa a confessá-lo.
Miss Bennet, sabe quem eu sou? Não estou acostumada a que me falem nesse tom. Sou quase o parente mais próximo que Mr. Darcy tem no mundo. E tenho direito de estar a par dos seus negócios mais íntimos.
Mas não tem esse direito quanto aos meus. E com a sua atitude jamais conseguirá que me torne mais explícita.
Permita que eu fale- mais claramente: esse casamento que tem a pretensão de ambicionar nunca se realizará. Mr. Darcy está noivo da minha filha. E agora, que tem a dizer?
Apenas isto: que sendo este o caso não precisa temer que ele me venha fazer uma proposta.
Lady Catherine hesitou por um momento, e depois res­pondeu:
O noivado deles é de natureza especial. Desde a infân­cia foram destinados um para o outro. Era o maior desejo da mãe dele, bem como o meu. Planejamos esta união enquanto ainda estavam no berço. E agora, quando o desejo de ambas as irmãs poderia ser realizado, uma moça de classe inferior, sem nenhuma importância na sociedade e totalmente estranha à fa­mília, ousaria se interpor entre eles, sem nenhuma consideração para com os amigos dele e o seu compromisso tácito para com Miss de Bourgh. Terá perdido todos os sentimentos de delica­deza e de equilíbrio? Não ouviu dizer que desde o seu nasci­mento ele foi destinado à prima?
Sim, já ouvi dizer isto antes. Mas que tenho a ver com isto? Se não existe outra objeção ao meu casamento com o seu sobrinho, o simples fato de saber que sua mãe e a sua tia queriam que ele casasse com Miss de Bourgh não me faria renunciar a ele. Planejando o seu casamento, fizeram tudo o que lhes era dado fazer. A sua realização depende de outras pessoas. Se Mr. Darcy não está ligado a esse casamento nem pela honra nem pela inclinação, por que motivo não poderá ele escolher outra pessoa? E se esta escolha recair sobre mim, por que não hei de aceitá-la?
Porque a honra, a decência, a prudência e até o inte­resse o impedem. Sim, Miss Bennet, o interesse. Pois não espere ser recebida pela família dele e pelos seus amigos se agir propositadamente contra a vontade de todos. Será censurada, humilhada e desprezada por todos os parentes de Mr. Darcy. Seu casamento será a sua infelicidade. Seu nome nunca será mencionado por qualquer um de nós.
Estes são graves infortúnios — replicou Elizabeth. — Mas a mulher de Mr. Darcy ficará numa posição tão privilegia­da e terá tantos motivos de felicidade que, em última análise, ela não terá motivo de se arrepender.
Menina teimosa e obstinada! Envergonho-me de você! E esta é a gratidão com que me paga as atenções com que a cumulei quando esteve em casa de Mr. Collins? Acha que não me deve nada por isto? Vamos sentar. Deve compreender, Miss Bennet, que vim decidida a resolver tudo isto. Nada me poderá dissuadir da minha resolução. Não fui habituada a me submeter aos caprichos dos outros. Não estou habituada a que resistam aos meus desejos.
Isto apenas tornará a sua situação presente mais la­mentável, mais desagradável. Mas não terá nenhum efeito sobre a minha pessoa.
Não me interrompa. Ouça-me em silêncio. Minha filha e meu sobrinho são feitos um para o outro. Ambos descendem pelo lado materno de uma nobre linhagem. E do lado paterno, de famílias respeitáveis, honradas e antigas, embora sem título. As fortunas de ambos são excelentes. É voz unânime nas respec­tivas famílias que eles estão destinados um para o outro. E quem pretende separá-los? Uma moça ambiciosa, que não pos­sui nem família, nem relações ou fortuna. Isto pode ser tole­rado? Não deve ser e não o será. Se pesasse os seus próprios interesses, não desejaria sair da esfera em que foi criada.
Não acho que se me casar com seu sobrinho sairei da minha esfera. Ele é um gentleman. Eu sou a filha de um gentle­man. Portanto, somos iguais.
De fato é a filha de um gentleman. Mas quem era a sua mãe? Quem são seus tios e tias? Não pense que ignoro a situação deles.
— Qualquer que seja a situação deles — respondeu Eliza­beth —, se o seu sobrinho não faz objeção a isto, não sei em que isto lhe pode interessar.
Diga-me francamente: está noiva dele?
Embora Elizabeth não quisesse responder a esta pergunta, com o único fito de não fazer a vontade de Lady Catherine, ela não pôde se impedir de dizer, depois de pensar alguns instantes:
Não estou.
Lady Catherine pareceu ficar satisfeita.
E promete nunca aceitar um tal compromisso?
Não farei nenhuma promessa dessa espécie.
Miss Bennet, estou ofendida e atônita. Esperava en­contrar uma moça mais razoável. Mas não se iluda pensando que eu jamais recuarei. Não irei embora antes de receber a garantia que exijo.
E pode estar certa de que nunca a darei. A senhora não poderá me intimidar nem me obrigar a fazer uma coisa tão pou­co razoável. A senhora quer que Mr. Darcy se case com a sua filha. Mas se eu lhe fizesse a promessa que deseja, isto tornaria o casamento deles mais provável? Suponha que ele tenha afei­ção por mim. Seria a minha recusa suficiente para que ele transferisse essa afeição para a sua filha? Permita-me dizer-lhe, Lady Catherine, que os argumentos com que procurou justificar este extraordinário pedido foram tão frívolos quanto o pedido, ele mesmo, foi insensato. A senhora se engana redondamente acerca do meu caráter se pensa que possa ser influída por per­suasões desta natureza. Não sei até que ponto o seu sobrinho permite que a senhora se imiscua nos negócios dele, mas a senhora não tem o menor direito de interferir nos meus. Peço-lhe portanto que não me importune mais a respeito deste assunto.
Mais devagar, faça o favor. Eu ainda não acabei. A todas as objeções que já apresentei, acrescentarei ainda uma outra: sei tudo a respeito da infame conduta da sua irmã mais moça. Sei todos os detalhes. Sei que o casamento foi uma coisa arranjada, às pressas, às expensas do seu pai e do seu tio. E é possível que essa moça se torne a irmã do meu sobrinho? E que o marido dela, que é o filho do intendente do seu pai, se torne também um parente dele? Deus do céu, em que está pensando? Serão os antepassados de Pemberley ofendidos desse modo?
Agora já nada mais terá a dizer — falou Elizabeth, ressentida. — Já me insultou de todas as maneiras. Com sua licença, vou voltar para casa.
E dizendo isto ela se levantou. Lady Catherine se levantou também, e elas regressaram. Sua Senhoria estava furiosa.
Então não tem a menor consideração pela honra e bom nome do meu sobrinho? Menina egoísta, não vê que o casa­mento com você o desonrará aos olhos de todo o mundo?
Lady Catherine, nada mais tenho a dizer! Já conhece a minha opinião.
Então está resolvida a obtê-lo?
Eu não disse tal coisa. Mas estou resolvida a agir de maneira a conquistar o que eu considero a felicidade, sem pedir os seus conselhos e nem os de qualquer outra pessoa estranha à minha família.
Está bem. Então recusa atender ao meu pedido? Recu­sa-se a reconhecer os direitos do dever, da honra e da gratidão? Está decidida a destruir o bom nome do meu sobrinho na opi­nião de todos os seus amigos? E torná-lo assim um objeto de desprezo para todo o mundo?
No presente caso, nem o dever, nem a honra, nem a gratidão têm quaisquer direitos sobre mim. Nenhum desses princípios será violado pelo meu casamento com Mr. Darcy. E, quanto à consideração ou ressentimento da sua família, ou a indignação do mundo, admitindo que eu a merecesse por este casamento, nada disto me daria a menor preocupação. E além disso as pessoas em geral têm bastante bom senso para desprezar os outros por motivo tão fútil.
Então esta é a sua verdadeira opinião. Esta é a sua decisão final. Muito bem, saberei agora como agir. Não imagine, Miss Bennet, que a sua ambição seja jamais satisfeita. Eu vim aqui para a experimentar. Esperei encontrar uma moça razoável. Pode ficar certa, entretanto, de que farei valer a minha vontade.
E Lady Catherine continuou falando deste modo até que chegaram à porta da carruagem. Aí ela se virou de súbito e acrescentou:
Não me despeço de você, Miss Bennet. Nem envio cum­primentos à sua mãe. Não merecem tal atenção. Estou seria­mente ofendida.
Elizabeth nada respondeu. E, sem procurar persuadir Lady Catherine a entrar novamente, virou as costas e se dirigiu cal­mamente para casa. Enquanto subia as escadas, ouviu a carrua­gem partir. Sua mãe, que estava impaciente, veio encontrá-la à porta da sala para indagar se Lady Catherine não tornaria a entrar a fim de descansar um pouco.
Ela não quis — respondeu Elizabeth. — Preferiu partir.
É uma senhora muito elegante. E a sua visita foi uma grande amabilidade, pois suponho que ela tenha vindo apenas para dizer que os Collins vão passando bem. Ela passou casual­mente e se lembrou que podia fazer uma visita. Suponho que ela não tivesse nada de particular para lhe dizer, não, Lizzy?
Elizabeth foi obrigada a inventar uma pequena história. Mas era impossível revelar o que se tinha passado.

Capítulo LVII


A agitação que essa extraordinária visita provocou no espí­rito de Elizabeth durou muito tempo. E durante várias horas ela não pôde deixar de pensar incessantemente naquilo. Lady Catherine, ao que parecia, tinha se dado ao trabalho de sair de Rosings com o único fito de desmantelar o seu suposto noi­vado com Mr. Darcy. O plano não era mau. Mas de onde se originava a notícia do noivado? Isto é que Elizabeth não podia determinar. Mas afinal refletiu que o fato de Mr. Darcy ser um amigo íntimo de Bingley e de ela ser a irmã de Jane era suficiente para sugerir a idéia de outro casamento. Elizabeth já compreendera naturalmente que o casamento da irmã deveria aproximá-la mais de Darcy. Provavelmente, os seus vizinhos de Lucas Lodge (e por seu intermédio, através dos Collins, a notícia chegara aos ouvidos de Lady Catherine) tinham apre­sentado como coisa quase certa e imediata aquilo que ela mesma encarava como uma remota possibilidade.
Refletindo sobre as expressões de Lady Catherine, Eliza­beth não podia deixar entretanto de sentir uma certa inquietude quanto às possíveis conseqüências da sua interferência. Pelo que ela dissera da sua resolução de impedir o casamento, Eliza­beth concluía que ela devia ter em mente uma entrevista com o sobrinho. E como receberia ele a descrição que Lady Catheri­ne lhe faria das funestas conseqüências de tal casamento? Eli­zabeth não sabia até que ponto ia a afeição de Mr. Darcy pela tia, nem a confiança que ele depositava nos seus julgamentos. Porém era natural supor que ele tivesse maior consideração por Lady Catherine do que ela, Elizabeth. Por outro lado, enume­rando as más conseqüências de um casamento com uma pessoa cujos parentes eram tão inferiores aos seus, sua tia o atacaria pelo lado mais fraco. Com os seus preconceitos de classe, ele sentiria provavelmente que os argumentos que a Elizabeth tinham parecido fracos e ridículos continham bom senso e um raciocínio sólido.
Se antes ele hesitara algumas vezes quanto ao que devia fazer, os conselhos e as exortações de uma pessoa que era sua parente próxima poderiam destruir todas as suas dúvidas e convencê-lo de uma vez para sempre a procurar a sua felicidade sem ofender os seus brasões de família. Neste caso ele não voltaria mais. Lady Catherine o encontraria em Londres, e a promessa a Bingley de voltar a Netherfield seria esquecida.
"Se portanto ele enviar qualquer desculpa ao seu amigo dentro desses próximos dias, dizendo que está impossibilitado de vir, saberei o que pensar", disse Elizabeth para si mesma. "Então desistirei de tudo. E, se ele se limitar a lamentar a minha perda, quando está nas suas mãos obter a minha afeição, renun­ciarei a ele, sem mágoa."

A surpresa das demais pessoas da família quando souberam quem tinha sido a visitante foi muito grande. Contentaram-se no entanto com as mesmas suposições que haviam aplacado a curiosidade de Mrs. Bennet. E Elizabeth não foi incomodada por causa disso.
No dia seguinte, de manhã, Elizabeth estava descendo as escadas, quando o pai, saindo da biblioteca, veio ao seu encon­tro com uma carta na mão.
Lizzy — disse ele —, eu ia à sua procura. Venha à biblioteca.
Elizabeth acompanhou-o. E a suposição de que o assunto que seu pai queria lhe comunicar se relacionava com a carta que ele tinha na mão aumentava a sua curiosidade. Ocorreu-lhe de súbito que a carta pudesse ser de Lady Catherine. Já se sentia desanimada, diante das explicações que teria de dar.
Sentaram-se diante da lareira. Então Mr. Bennet falou:
Recebi esta manhã uma carta que me surpreendeu extraordinariamente. Como o assunto mais importante da carta se refere a, você, é preciso que seja informada do seu conteúdo. Eu não sabia que tinha duas filhas próximas do casamento. Deixe que eu a cumprimente pela sua conquista. É muito importante.
O sangue afluiu ao rosto de Elizabeth e ela por um mo­mento supôs que a carta viesse do sobrinho e não da tia. E hesitava se devia se sentir contente porque ele se tinha expli­cado afinal, ou ofendida porque a carta não lhe fora dirigida, quando seu pai prosseguiu:
Você parece que compreendeu. As moças mostram grande penetração em assuntos desta natureza. No entanto, acho que posso desafiar mesmo a sua sagacidade. Não imagina quem seja o seu admirador. Esta carta é de Mr. Collins.
De Mr. Collins! E que é que ele tem a dizer?
O que ele tem a dizer vem muito a propósito, natural­mente. Começa congratulando-me pelo próximo casamento da minha filha mais velha. Coisa naturalmente que uma daquelas espevitadas da família Lucas lhe comunicou. Não vou ler o que ele diz sobre isto, para não provocar a sua impaciência. A parte que se refere à sua pessoa diz o seguinte:

"Tendo desse modo oferecido as sinceras congratulações de Mrs. Collins, bem como as minhas, pelo feliz acontecimento, permita que me refira agora sumariamente a outro assunto que chegou ao nosso conhecimento através da mesma fonte. Sua filha Elizabeth, ao que parece, não usará por mais muito tempo o nome de Bennet, depois que a irmã mais velha tiver renuncia­do ao mesmo. E o seu escolhido pode razoavelmente ser con­siderado uma das pessoas mais ilustres deste país".

Pode imaginar, Lizzy, quem seja esta pessoa?

"Este rapaz foi aquinhoado com tudo o que um coração mortal pode desejar: esplêndidas propriedades, nobres parentes, considerável influência. No entanto, apesar de todas estas van­tagens, permita que eu previna a minha prima Elizabeth e ao senhor mesmo acerca dos males que poderão advir de um con­sentimento precipitado às propostas daquele cavalheiro; propos­tas de que naturalmente se sentirão inclinados a tirar imediato proveito."

Você tem alguma idéia, Lizzy, de quem seja este ca­valheiro? Mas agora surge a revelação:

"O motivo que tenho para preveni-la é o seguinte: temos razões para acreditar que sua tia, Lady Catherine de Bourgh, não olha com bons olhos este casamento".

Está vendo, portanto, que se trata de Mr. Darcy. Está aí, Lizzy, creio que lhe dei uma grande surpresa. Poderiam Mr. Collins ou Lucas ter feito uma suposição mais absurda? Mr. Darcy, que nunca olha para uma mulher senão para criticar, e que provavelmente nunca olhou para você em toda a sua vida! É espantoso!
Elizabeth tentou achar graça, mas pôde apenas sorrir com relutância. Nunca o espírito do pai lhe parecera menos agra­dável.
Você não está achando graça?
Estou, sim, continue a ler.

''Tendo eu mencionado a possibilidade deste casamento a Lady Catherine ontem à noite, ela imediatamente exprimiu o que sentia acerca desse assunto, com a sua usual condescen­dência. Ela então proclamou que, devido a certas objeções de família, jamais daria o seu consentimento para o que, segundo a sua expressão, era um péssimo casamento. Achei que era do meu dever comunicar isto à minha prima para que ela e seu nobre admirador saibam o que estão fazendo e não se precipitem num casamento que não foi convenientemente sancionado."

E Mr. Collins acrescenta o seguinte: "Causa-me muita alegria saber que o triste caso da minha prima Lydia conseguiu ser abafado tão depressa! E o que me preocupa apenas é que outros tenham ficado sabendo que eles vivessem juntos antes de se casarem. Não posso, entretanto, esquecer os deveres do meu estado, nem deixar de manifestar o espanto que senti, ao ouvir dizer que o senhor recebeu o jovem casal na sua casa logo após o matrimônio. Considero isto um encorajamento ao vício, e se fosse o reitor de Longbourn ter-me-ia oposto a isto terminantemente. É certo que como cristãos os devia ter per­doado, porém jamais devia admiti-los em sua presença nem per­mitir que os seus nomes lhe fossem mencionados".

Esta é a noção que ele tem do perdão cristão das ofen­sas. O resto da carta trata apenas da situação da sua querida Charlotte e das esperanças que ele tem de um herdeiro. Mas, Lizzy, você parece que não está gostando. Espero que não leve a sério e nem vá ficar ofendida por causa deste boato tolo. Não vejo por que não possamos rir, do nosso lado, com o ridículo dos nossos vizinhos...
Oh — exclamou Elizabeth —, estou achando muita graça. Mas tudo isto é tão estranho!
— Sim, mas aí é que está a graça. Se eles tivessem esco­lhido outro homem qualquer, não haveria nada de estranho. Mas a perfeita indiferença de Mr. Darcy e a sua manifesta anti­patia tornam essa suposição tão absurda! Abomino escrever, mas por coisa alguma deste mundo desistiria da minha corres­pondência com Mr. Collins! Quando me chega uma carta dele, não posso deixar até de preferi-lo a Wickham. E prezo imen­samente a impudência e a hipocrisia do meu genro... Conte-me, Lizzy, que disse Lady Catherine acerca deste boato? Ela veio vê-la para recusar o seu consentimento?
A esta pergunta, sua filha respondeu apenas com uma risada. E, como ele de nada suspeitasse, Elizabeth não ficou embaraçada, mesmo quando ele repetiu a pergunta. Jamais sentira tamanha dificuldade em esconder os seus sentimentos. Era necessário rir e ela teria preferido chorar. O pai a tinha mortificado cruelmente pelo que dissera a respeito da indife­rença de Mr. Darcy. Aquela falta de sensibilidade a espantava. Por outro lado ela temia que, em vez de o pai ter visto pouco, ela é que tivesse esperado demasiadamente.

Capítulo LVIII


Mr. Bingley não recebeu nenhuma carta de escusas do seu amigo, como Elizabeth receava. Em vez disso, trouxe o amigo Darcy em visita a Longbourn, poucos dias depois do apareci­mento de Lady Catherine. Os cavalheiros chegaram cedo. Eli­zabeth, por um momento, teve medo de que Mrs. Bennet lhes contasse que tinham recebido a visita da sua tia. No entanto, antes que Mrs. Bennet pudesse falar, Bingley, que queria ficar a sós com Jane, propôs que todos saíssem a passear. Assim foi combinado. Mrs. Bennet não tinha o hábito de caminhar. Mary não podia perder tempo. E os cinco restantes partiram. Bingley e Jane, entretanto, deixaram os outros se distanciarem. Elizabeth, Kitty e Darcy foram na frente. Os três conversaram muito pouco. Kitty tinha medo de Darcy. Elizabeth tomava em segredo uma resolução desesperada. E ele talvez fizesse o mesmo.
Caminharam em direção à casa dos Lucas, pois Kitty que­ria fazer uma visita a Maria. E, depois que Kitty os deixou, Elizabeth continuou resolutamente com Darcy. Chegara agora o momento de executar o seu plano. E, antes que a sua cora­gem fraquejasse, falou:
Mr. Darcy, sou uma criatura muito egoísta. E, a fim de aliviar as incertezas dos meus sentimentos, vou talvez ferir os seus. Não posso adiar por mais tempo a obrigação de lhe agradecer a sua inestimável intervenção a favor de minha irmã. Desde que soube o que o senhor tinha feito, fiquei ansiosa por uma ocasião de lhe manifestar a minha gratidão. E, se as outras pessoas da minha família o soubessem, não lhe falaria apenas em meu nome.
Sinto imensamente — replicou Darcy, num tom de surpresa e emoção — que tenha sido informada de um fato que, mal interpretado, poderia causar-lhe contrariedade. Julguei que podia confiar na discrição de Mrs. Gardiner.
Não deve culpar a minha tia. Foi por uma leviandade de Lydia que eu soube que o senhor se tinha envolvido no caso; e naturalmente não descansei até conhecer todos os deta­lhes. Deixe-me agradecer novamente, em meu nome e no da minha família, pela generosidade com que agiu, sofrendo toda a sorte de incômodos e mortificações.
Se quiser me agradecer — respondeu ele —, faça-o apenas em seu próprio nome. Não nego que o desejo de lhe causar prazer tenha contribuído também para o que fiz. Mas a sua família não me deve nada. Respeito-a muito, mas creio que foi só em você que pensei.
Elizabeth ficou tão embaraçada que não soube o que res­ponder. Depois de uma curta pausa, seu companheiro acres­centou:
Tenho a certeza de que é generosa demais para fazer pouco-caso dos meus sentimentos. Se os seus são ainda os mes­mos que manifestou em abril passado, diga-o imediatamente. Minha afeição permanece inalterada; basta porém uma única palavra sua para fazer com que me cale para sempre.
Elizabeth, sentindo a difícil e aflitiva situação em que Darcy se encontrava, se esforçou para falar. E, embora de forma hesitante, deu-lhe a entender imediatamente que os seus senti­mentos tinham passado por tão grande transformação desde o período a que ele aludira, que agora podia aceitar as suas de­clarações com prazer e gratidão. A felicidade que essa resposta causou em Darcy foi a maior que até então conhecera. E ele a exprimiu nos termos mais calorosos que o seu coração de apai­xonado pôde encontrar. Se Elizabeth tivesse podido levantar os olhos, teria visto que a felicidade de Darcy se refletia no rosto, infundindo-lhe uma animação que o tornava belo. Se não podia ver, Elizabeth, no entanto, podia ouvir. E Darcy lhe revelou a importância que o afeto de Elizabeth tinha para ele. E a cada momento o seu amor crescia de importância aos olhos de Elizabeth.
Continuaram a caminhar sem uma direção precisa. Seus pensamentos os absorviam, e além disso tinham muito a sentir e a dizer. Elizabeth ficou sabendo que deviam o seu atual enten­dimento aos esforços da tia de Darcy. Lady Catherine, com efei­to, de passagem em Londres, fora visitar o sobrinho e lhe rela­tara a sua viagem a Longbourn, suas causas e a conversa que tivera com Elizabeth, repetindo enfaticamente cada uma das expressões desta última, expressões que aos olhos de Lady Catherine denotavam a perversidade e o cinismo da moça, com o intuito de desacreditá-la perante o seu sobrinho. Infelizmente para Sua Senhoria, o efeito tinha sido exatamente o oposto.
— Eu, que não tinha mais esperanças, voltei a tê-las — acrescentou Darcy. — Conhecendo seu caráter, sabia que, se estivesse absoluta e irrevogavelmente decidida a me recusar, tê-lo-ia dito a Lady Catherine com toda a franqueza.
Elizabeth enrubesceu e sorriu.
Sim, conhecia suficientemente a minha franqueza para saber que, se eu tinha sido capaz de tratá-lo de maneira tão abominável pessoalmente, não hesitaria em fazê-lo perante toda a sua família.
Não acho que me tenha tratado mal. Não disse nada que eu não merecesse. Embora suas acusações repousassem so­bre premissas falsas, minha atitude naquele tempo merecia as mais severas censuras. Era imperdoável. Não posso lembrar dela sem horror.
Não discutiremos a quem cabe a maior culpa na desa­vença daquela noite — disse Elizabeth. — A conduta de ne­nhuma das partes foi irrepreensível. Mas desde então creio que progredimos em cortesia. Pelo menos espero.
Não posso me reconciliar tão facilmente comigo mes­mo. A recordação de tudo o que eu disse, da minha conduta, das minhas maneiras e expressões tem sido durante muitos me­ses e continua a ser indizivelmente dolorosa. Nunca me esqueci da sua admoestação, que considero tão justa: "Se tivesse agido de forma mais cavalheiresca..." Foram estas as suas palavras. Não sabe, não pode nem de longe imaginar como essas suas palavras me torturaram. Custei a lhes reconhecer a justiça.
E eu estava muito longe de supor que elas lhe produ­ziriam uma impressão tão forte.
Acredito. Naquele tempo pensava que eu era destituído de todos os sentimentos humanos. Disso tenho certeza. Nunca me esquecerei da expressão do seu rosto quando me disse que nada a poderia ter persuadido a aceitar a minha mão.
Oh, não repita o que eu disse. Essas coisas não devem ser lembradas. Juro-lhe que há muito tempo que penso nelas com imensa vergonha.
Darcy mencionou a sua carta.
Queria saber — perguntou ele — se a carta me justi­ficou aos seus olhos. Acreditou no que eu dizia?
Elizabeth lhe explicou os efeitos que a sua carta tinham produzido e como, aos poucos, a sua má vontade se dissipara.
Eu sabia — continuou ele — que o que estava lhe escrevendo ia magoá-la, mas era necessário. Espero que tenha destruído a carta. Não descansarei enquanto não tiver a certeza de que não a pode mais ler, especialmente o começo da carta. Lembro-me de certas expressões que provocariam o seu ódio contra mim.
A carta será queimada se acredita que isto seja essen­cial para a preservação da minha estima. Mas, embora tenhamos ambos razões para pensar que as minhas opiniões não são intei­ramente inalteráveis, não creio por outro lado que sejam tão facilmente influenciáveis como parece supor.
Quando escrevi aquela carta — replicou Darcy —, pensava que me encontrava num estado de espírito perfeita­mente calmo e frio. Mas depois vi que estava extremamente amargurado e triste.
Talvez no princípio a carta fosse amarga, mas o final era uma caridosa despedida. Mas não pense mais na carta. Os sentimentos da pessoa que a recebeu e da pessoa que a escreveu são agora tão diferentes do que eram, que todas as circunstân­cias dolorosas relativas a ela devem ser esquecidas. E é preciso que aprenda um pouco da minha filosofia. Lembre-se apenas daquilo que lhe causa prazer.
Não creio que encontre dificuldade em aplicar esta filosofia à sua própria vida. As suas lembranças devem ser tão desprovidas de toda mácula que não é preciso nenhuma filosofia para sentir o contentamento que se origina delas. Mas comigo não é assim: quando penso no passado intervém muitas recor­dações dolorosas que não podem e não devem ser repelidas. Toda a minha vida fui um ser egoísta, se não na prática, pelo menos nos meus princípios. Em criança me ensinaram o que era direito, mas não me ensinaram a corrigir o meu gênio. Deram-me bons princípios. Mas deixaram-me praticá-los orgulhosamente. Infelizmente, sendo durante muito tempo único filho, e mais tarde único filho homem, fui mimado pelos meus pais e, embora eles fossem bons, meu pai sobretudo, que era a benevolência em pessoa, permitiram, encorajaram e quase me ensinaram a ser egoísta e tirânico, a pensar apenas nas pessoas da minha família, desprezar todos os outros e a pensar, com desprezo, no bom senso e valor das outras pessoas, comparados com os meus. Assim fui eu dos oito aos vinte e oito anos. E, se não fosse a minha querida e adorável Elizabeth, talvez ainda não me tivesse mudado. Que é que não lhe devo? A lição que me deu foi certa­mente a princípio muito dura, mas muito vantajosa. Por suas mãos recebi a humilhação que devia. Aproximei-me de você sem duvidar de que seria aceito. Revelou-me como eram insu­ficientes as minhas pretensões de agradar uma mulher digna de ser amada.
Estava mesmo persuadido de que realmente me senti­ria lisonjeada?
Confesso que estava. Que acha da minha vaidade? Eu acreditava que estava mesmo desejando e esperando as minhas propostas.
A culpa talvez caiba às minhas maneiras, mas não agi intencionalmente. Posso lhe jurar; jamais tencionei enganá-lo. Como deve ter me odiado depois daquela noite!
Odiá-la? Talvez a princípio eu me tivesse encolerizado. Mas logo dirigi esta cólera contra quem a merecia.
Tenho quase medo de lhe perguntar o que pensou de mim quando nos encontramos em Pemberley. Achou que eu tinha feito mal em ir?
— Não, de modo algum, senti apenas surpresa.
A sua surpresa não foi menor do que a minha ao veri­ficar que ainda se interessava por mim. Minha consciência me dizia que eu não merecia grandes cortesias e confesso que não contava receber mais do que me era devido.
Meu fito naquela ocasião — replicou Darcy — era lhe mostrar, por todos os meios, que não guardava um rancor mes­quinho do passado. Eu esperava obter o seu perdão e apagar o mau conceito que tinha de mim, dando-lhe a perceber que eu tinha levado em conta as suas censuras. Não posso lhe dizer exatamente em que momento outros desejos nasceram em mim, mas creio que foi meia hora depois de tê-la visto.
Darcy contou-lhe então o prazer que Georgiana tivera em conhecê-la e o desapontamento que sentira com a súbita inter­rupção da sua visita. Isto o levou naturalmente a falar nas causas desta interrupção. E Elizabeth ficou sabendo que ele tomara a resolução de segui-la e de partir em busca da sua irmã, antes mesmo de sair da hospedaria. E que se naquela ocasião se mostrava grave e pensativo, era porque debatia consigo mesmo a respeito desta idéia. Ela tornou a exprimir a sua gratidão, mas o assunto era demasiado penoso para ambos para que insistissem nele.
Depois de caminharem várias milhas sem destino, sem repararem para onde se dirigiam, viram nos seus relógios que era hora de ir para casa.
Que terá sido feito de Mr. Bingley e Jane?
Esta observação os levou naturalmente a discutir este caso. Darcy estava encantado com o noivado. Seu amigo lhe dissera tudo imediatamente.
Ficou surpreendido? — perguntou Elizabeth.
De modo algum. Quando parti, já sabia que isto devia acontecer.
Quer dizer que deu o seu consentimento? Desconfiava disto também.
Embora ele protestasse contra a expressão, Elizabeth com­preendeu que a sua suposição não estava muito longe da verdade.
Na noite antes da minha partida para Londres — disse Darcy —, eu fiz a Bingley uma confissão que, acredito, já devia ter feito há muito tempo. Contei-lhe tudo o que tinha ocorrido e disse que esses fatos me tinham feito compreender que a minha interferência no caso dele e de Jane tinha sido desastrosa. A sua surpresa foi grande. Ele não suspeitava de nada. Disse, além disso, que tinha razões para acreditar que me tinha enga­nado quando dissera que a sua irmã lhe era indiferente. E como vi imediatamente que a afeição dele por ela continuava inalte­rada, não tive dúvida de que viessem a ser muito felizes juntos.
Elizabeth não pôde deixar de sorrir da facilidade com que ele conduzia o amigo.
Foi a sua própria observação que o convenceu de que a minha irmã amava a Bingley ou se baseou apenas na minha informação?
Foi a minha observação. Durante as duas últimas vi­sitas que fiz aqui ultimamente, observei-a atentamente. Fiquei convencido de que ela o amava sinceramente.
E Bingley acreditou imediatamente na sua afirmação?
Acreditou. Bingley é de uma extraordinária modéstia. Foi o que o impediu de confiar no seu próprio julgamento, mas a confiança que ele tem em mim tornou tudo fácil. Fui obrigado a confessar uma coisa que o fez ficar ofendido comigo durante alguns dias. Não pude deixar de dizer que eu sabia que a sua irmã tinha estado em Londres durante três meses no inverno passado e que eu propositadamente escondera este fato dele. Ficou zangado, mas estou persuadido de que a sua cólera durou apenas enquanto tinha dúvidas acerca dos sentimentos da sua irmã. Ele agora me perdoou de todo o coração.
Elizabeth teve vontade de observar que Mr. Bingley tinha sido um amigo encantador. Sendo ele, como era, tão fácil de conduzir, possuía como amigo um valor inestimável. No entanto ela se conteve porque lembrou que Darcy ainda não aprendera a ser menos suscetível. E era ainda cedo para começar. Darcy continuou a falar sobre a felicidade que antecipava para Bingley, e que seria apenas menor do que a sua, até que chegaram em casa. No hall eles se separaram.

Capítulo LIX


Querida Lizzy, onde é que você tem andado?
Tal foi a pergunta que Elizabeth recebeu de Jane, assim que entrou na sala. E a mesma pergunta lhe foi dirigida por todas as pessoas, antes de se sentarem à mesa. Ela disse apenas que tinha se distraído e caminhado mais longe do que esperava. E, embora corasse ao dizer estas palavras, ninguém suspeitou da verdade.
A tarde passou calmamente sem que nada de extraordiná­rio ocorresse. Os noivos oficiais falaram e riram. Os não-oficiais ficaram calados. Darcy não era dessas pessoas em que a fe­licidade transborda em alegria; Elizabeth, agitada e confusa, tinha consciência da sua felicidade mas não a sentia propria­mente. Além dos obstáculos imediatos ainda existiam outros à sua frente. Ela antecipava as reações da sua família quando soubesse da sua decisão. Temia mesmo que a antipatia dos outros fosse de tal ordem que nem toda a fortuna e importância de Darcy a poderiam dissipar.
À noite abriu o coração para Jane. Embora Jane fosse uma pessoa muito pouco desconfiada, dessa vez Elizabeth esbarrou com a sua incredulidade.
Você está brincando, Lizzy. Não pode ser! Noiva de Mr. Darcy! Não, não, você não me engana! Eu sei que é impossível!
Este começo não é de fato muito animador. A única pessoa com quem eu contava era você. E se você não acreditar, sei que ninguém mais o fará! Sim, de fato eu falo seriamente. Digo apenas a verdade. Ele ainda me ama e estamos noivos.
Jane olhou para ela, incredulamente.
Oh, Lizzy, não pode ser! Bem sei como você o de­testa...
Você não sabe coisa alguma. Aquilo está tudo esque­cido. Talvez eu não o amasse antigamente tanto como agora, mas em casos como este a boa memória é um fato imperdoável. Esta é a última vez que recordo estas coisas.
Jane continuava atônita. Elizabeth tornou a lhe assegurar com a maior seriedade que estava falando a verdade.
Será possível! Mas agora tenho de acreditar no que diz — exclamou Jane. — Minha querida, querida Lizzy! Eu a felicito. Mas você tem certeza? Perdoe a minha pergunta, você tem certeza de que pode ser feliz com ele?
Quanto a isto não pode haver a menor dúvida. Ficou decidido entre nós que seremos o casal mais feliz do mundo. Mas você está contente, Jane? Você gostará de tê-lo como irmão?
Muito mesmo. Nada poderia causar mais prazer a Bin­gley e a mim. Nós até já conversamos sobre isto e achamos que era impossível. E você realmente gosta dele? Oh, Lizzy, prefira tudo a se casar sem afeição. Você tem certeza de que o ama como deve?
Oh, sim. Quando eu lhe contar tudo você até achará que a minha afeição excede os limites.
Que é que você quer dizer?
Ora, eu tenho que confessar que o amo mais do que a Bingley. Você vai ficar zangada?
Minha querida irmã, fale seriamente: quero conversar com você muito a sério. Conte-me imediatamente tudo o que você acha que eu devo saber. Há quanto tempo você gosta dele?
Isto aconteceu tão gradualmente que eu nem sei como começou. Mas acredito que a minha afeição data da primeira vez em que vi o belo parque de Pemberley.
Seguiu-se outra súplica para que ela falasse seriamente. Desta vez o pedido obteve o efeito desejado. E Elizabeth deu à irmã garantias as mais solenes da sua afeição por Darcy. Tran­qüilizada quanto a este ponto, Jane ficou satisfeita.
Agora sinto-me contente — disse ela. — Pois você será tão feliz quanto eu. Sempre o apreciei muito. Bastava aliás o amor dele por você para fazer com que eu o estimasse para sempre, mas agora, como amigo de Bingley e seu marido, só Bingley e você mesma terão precedência na minha afeição. Mas, Lizzy, você foi muito sonsa, muito reservada comigo. Não me contou quase nada do que aconteceu em Pemberley e em Lamb­ton. Devo tudo o que sei a outra pessoa.
Elizabeth lhe explicou por que tinha guardado segredo. Não quisera falar no nome de Bingley. E a incerteza dos seus próprios sentimentos fazia com que ela evitasse falar no nome de Darcy. Mas agora Elizabeth não podia esconder por mais tempo da irmã a participação de Darcy no caso de Lydia. Con­tou tudo. Passaram metade da noite em conversa.

Arre — exclamou Mrs. Bennet ao se aproximar da ja­nela na manhã seguinte. — Não é que aquele homem desagra­dável já vem aí com o nosso querido Bingley? Que deseja ele, com essas visitas contínuas? Não vê que nos importuna? Por que não vai caçar ou fazer outra coisa em vez de nos impingir a sua companhia? Que faremos com ele? Lizzy, é melhor você ir passear novamente com ele, para que não se meta no caminho de Bingley.
Elizabeth não pôde deixar de rir diante de proposta tão conveniente. No entanto ela estava realmente contrariada com aquelas manifestações de sua mãe.
Assim que entrou, Bingley olhou para Elizabeth tão signi­ficativamente e lhe apertou as mãos com tanto calor que não podia haver dúvida de que estivesse bem informado. E pouco depois ele disse, em voz alta:
Mrs. Bennet, a senhora não tem no seu parque outros caminhos em que Lizzy possa se perder?
Aconselho Mr. Darcy, Lizzy e Kitty — disse Mrs. Ben­net — a darem um passeio até Oakham Mount. É um belo e longo passeio e Mr. Darcy nunca viu a vista.
Está muito bem para os outros — replicou Mr. Bin­gley —, mas estou certo de que é longe demais para Kitty. Não é, Kitty?
Kitty confessou que preferia ficar em casa. Darcy declarou que estava muito curioso para ver a vista, e Elizabeth consentiu em silêncio. Enquanto subia as escadas para ir se aprontar, Mrs. Bennet a acompanhou, dizendo:
Sinto muito, Lizzy, que você tenha de fazer companhia àquele homem tão desagradável. Mas espero que você não faça caso. É para o bem de Jane, você sabe... E depois, não pre­cisa conversar muito com ele. Só de vez em quando. Portanto, não se dê muito trabalho.
Durante o passeio ficou resolvido que o consentimento de Mr. Bennet seria solicitado naquela mesma noite. Elizabeth se encarregou de falar com a mãe. Não sabia como Mrs. Bennet receberia aquela comunicação. E às vezes ela duvidava de que toda a fortuna e importância de Darcy seriam suficientes para vencer a antipatia que a mãe tinha por ele. Mas quer Mrs. Bennet se declarasse violentamente contra o casamento, ou vio­lentamente a favor, Elizabeth estava certa de que a sua atitude seria pouco conveniente e sensata. E Elizabeth não poderia to­lerar que Mr. Darcy ouvisse as primeiras manifestações da sua alegria ou a primeira veemência da sua desaprovação.

À noite, pouco depois de Mr. Bennet se levantar da mesa e entrar na biblioteca, Elizabeth viu Mr. Darcy se levantar igualmente e acompanhá-lo. Naquele momento a sua agitação foi extrema. Ela não receava a oposição de seu pai. Mas tinha certeza de que isto ia desgostá-lo. E a idéia de que ela, a sua filha favorita, lhe causaria uma grande decepção com a sua es­colha, enchendo-o de preocupação quanto ao seu futuro, fez com que ela ficasse angustiada e aflita até que Mr. Darcy tornou a aparecer. O sorriso que ele teve, ao vê-la, aliviou-a um pouco. Poucos minutos depois ele se aproximou da mesa onde Eliza­beth estava sentada com Kitty e, fingindo admirar o trabalho que ela fazia, sussurrou ao seu ouvido:
Vá à biblioteca. Seu pai quer falar com você. Elizabeth partiu imediatamente.
Mr. Bennet caminhava de um lado para outro na bibliote­ca, e sua expressão era grave e ansiosa.
Lizzy — disse ele —, que é que você está fazendo? Você está no seu juízo perfeito aceitando este homem? Você não o odiava?
Naquele momento Elizabeth desejou ardentemente que tivesse exprimido as suas opiniões mais moderadamente. Isto lhe teria poupado explicações embaraçosas. Mas agora era pre­ciso falar. E Elizabeth assegurou ao pai, um tanto confusa, que tinha muita afeição por Mr. Darcy.
Ou, em outras palavras, você está decidida a se casar com ele. Ele é rico, certamente, e você pode ter roupas e carrua­gens ainda mais belas do que as de Jane. Mas você será feliz?
O senhor tem outra objeção a não ser a sua suposição de que eu lhe seja indiferente?
Nenhuma. Todos sabemos que ele é um homem orgu­lhoso e desagradável. Mas isto não teria importância se você realmente o amasse.
Eu o amo — replicou Elizabeth, com lágrimas nos olhos —, eu o amo sinceramente. Asseguro-lhe que ele não tem nenhum orgulho injustificado. É um homem muito bom. O senhor, na realidade, não o conhece. Portanto, não me magoe falando nestes termos a seu respeito.
Lizzy — respondeu Mr. Bennet —, já dei o meu con­sentimento. Ele é realmente um desses homens a quem eu nun­ca recusaria alguma coisa que ele condescendesse em pedir. E agora torno a lhe dar o meu consentimento, se a isto está deci­dida. Mas aconselho-a a pensar melhor. Conheço o seu gênio, Lizzy, penso que jamais você seria feliz e equilibrada a não ser que estime realmente o seu marido, a não ser que possa considerá-lo como o seu superior. Sua vivacidade e inteligência a colocariam numa situação de grande perigo num casamento desigual. Ser-lhe-ia difícil salvar a sua reputação e a sua felici­dade. Minha filha, não me dê o desgosto de vê-la impossibili­tada de respeitar o seu companheiro de vida. Você não sabe a seriedade do passo que está dando.
Elizabeth, ainda mais emocionada, respondeu solene e gra­vemente. E afinal, afirmando repetidamente que Mr. Darcy era realmente o homem que ela tinha escolhido, explicando-lhe a mudança gradual por que tinha passado a sua estima por ele, relatando a absoluta certeza que tinha da sua afeição, que não era uma coisa de momento, mas tinha resistido à experiência de muitos meses de incerteza, enumerando com energia todas as qualidades do futuro marido, ela acabou convencendo o pai e reconciliando-o com a idéia do casamento.
Bem, minha querida — disse ele quando Elizabeth acabou de falar. — Nada mais tenho a dizer. Se este é o caso, ele a merece. Eu não me poderia separar de você, minha cara Lizzy, entregando-a a alguém que fosse menos digno da sua estima.
Para completar a impressão favorável do seu pai, ela então lhe relatou o que Mr. Darcy tinha feito voluntariamente por Lydia. Ele a ouviu com grande espanto.
Realmente, esta é uma noite de surpresas. Então Dar­cy fez tudo! Arranjou o casamento, deu dinheiro, pagou as dívidas do rapaz e lhe arranjou um posto? Tanto melhor. Pou­pa-me inúmeros incômodos e grande soma de dinheiro. Se tudo tivesse sido feito por seu tio, ficaria na obrigação de lhe pagar e de fato lhe pagaria. Mas estes jovens violentamente apaixo­nados fazem tudo de acordo com a sua vontade. Amanhã lhe proporei o pagamento, Ele protestará furiosamente, alegando o seu amor por você, e assim acabará a história.
Mr. Bennet se lembrou então do embaraço com que Eliza­beth ouvira poucos dias antes a leitura da carta de Mr. Collins; e depois de caçoar com ela durante algum tempo, deixou-a par­tir, dizendo, ao vê-la sair da sala:
Se chegarem rapazes para Mary ou Kitty, pode mandar entrar, pois não tenho nada que fazer.
Elizabeth se sentiu aliviada de um grande peso. E, depois de refletir calmamente no seu quarto durante meia hora, voltou para junto dos outros com o rosto tranqüilo. Tudo aquilo ainda era muito recente para que a sua alegria transbordasse. A noite passou tranqüilamente. Não havia mais nada a temer e a calma voltaria aos poucos.
Quando a mãe subiu para o quarto, Elizabeth a acompa­nhou e fez a importante comunicação. O efeito foi extraordi­nário, pois ao ouvi-la Mrs. Bennet permaneceu completamente imóvel, incapaz de dizer uma só palavra. Só depois de muitos e muitos minutos ela pôde compreender o que tinha ouvido, embora estivesse sempre atenta a tudo o que redundasse em proveito para a família, ou que se apresentasse sob o aspecto de um noivo para qualquer uma das suas filhas. Finalmente ela começou a voltar a si, a se mexer na cadeira; levantou-se, tornou a sentar, abriu a boca, persignou-se!
Meu Deus do céu! Deus me abençoe! Imagine! Ora essa! Mr. Darcy! Quem poderia supor? É verdade mesmo? Oh, minha querida Lizzy! Como você será rica e importante! Que mesadas, que jóias, que carruagens você terá! O casamento de Jane não é nada em comparação com o seu! Estou tão feliz, tão contente! Um homem tão encantador! Tão bonito! Tão alto! Oh, minha querida Lizzy! Perdoe-me por ter antipatizado com ele no princípio! Espero que ele me perdoe. Minha querida Lizzy... Uma casa em Londres! Tudo o que há de melhor! Três filhas casadas! Dez mil libras por ano! Meu Deus do céu, que será de mim? Vou ficar louca...
Essas exclamações eram suficientes para mostrar a Eliza­beth que não precisava duvidar da aprovação da mãe. E, congratulando-se por ser a única testemunha daquela efusão, Eliza­beth se retirou para o seu próprio quarto. Três minutos depois Mrs. Bennet apareceu.
Minha querida filha — exclamou ela —, não posso pensar noutra coisa. Dez mil libras por ano e provavelmente mais! É como se fosse um lorde! E vocês se casarão com uma licença especial. Faço questão de uma licença especial. Mas, meu bem, diga-me qual é o prato que Mr. Darcy prefere. Eu o farei amanhã.
Isto era um triste prenuncio do que poderia ser o compor­tamento da mãe para com o noivo. E Elizabeth descobriu que, embora de posse do mais caloroso dos afetos e tranqüila quanto ao consentimento dos pais, havia ainda alguma coisa a desejar. Mas o dia seguinte passou muito melhor do que ela tinha espe­rado. Mrs. Bennet, por sorte, tinha tanto respeito por seu futuro genro que só se atreveu a lhe dirigir a palavra para lhe dizer alguma amabilidade ou manifestar a deferência que sentia pelas suas opiniões.
Elizabeth teve a satisfação de ver o pai fazer esforços para entrar em comunicação com Darcy. Mr. Bennet lhe assegurou que a sua estima por ele crescia a cada momento.
— Admiro altamente todos os meus três genros. Wick­ham, talvez seja o meu favorito, mas acho que acabarei gostando do seu marido tanto quanto do de Jane.

Capítulo LX


Sentindo-se tranqüila, Elizabeth começou logo a gracejar. Pediu a Mr. Darcy que explicasse como se tinha apaixonado por ela.
Como pôde começar? — perguntou ela. — Posso com­preender perfeitamente que tenha continuado uma vez feito o primeiro passo, mas que foi que o impulsionou?
Não posso fixar a hora ou o lugar. Isto já foi há muito tempo. Eu já estava no meio e ainda não sabia que tinha co­meçado.
Minha beleza, você a tinha negado desde o princípio. E quanto às minhas maneiras, meu comportamento para com você sempre beirou a falta de educação. E quase sempre, quan­do me dirigia a você, era com o intuito de feri-lo. Agora seja sincero: foi por causa da minha impertinência que me admirou?
Pela vivacidade da sua inteligência, sim.
É melhor chamar logo de impertinência. Era pouco menos. O fato é que estava farto de amabilidades, deferências e atenções. Sentia-se enojado com as mulheres que falavam, agiam e pensavam com o único fito de conquistá-lo. Despertei a sua atenção porque era tão diferente delas. Se você não fosse realmente bom, teria me odiado. Mas, apesar do trabalho que teve para disfarçar os seus sentimentos, estes sempre foram nobres e justos. E no seu coração sempre desprezou as pessoas que o cortejavam tão assiduamente. Aí está: já lhe poupei o trabalho de uma explicação; e realmente, pensando bem, acho a minha hipótese muito razoável. Para falar a verdade, não me conhecia nenhuma boa qualidade. Mas ninguém pensa nisto quando se apaixona.
Então não havia bondade no que fez por Jane quando ela esteve doente em Netherfield?
Jane é uma pessoa querida. Quem não teria feito outro tanto por ela? Mas faça disso uma virtude, se quiser; minhas boas qualidades estão sob a sua proteção. Pode exagerá-las quan­to quiser. Em troca cabe-me o direito de provocá-lo e discutir com você todas as vezes que me apetecer. E eu começarei ime­diatamente, perguntando por que é que à última hora se mostrou tão indeciso. Por que se mostrou tão tímido comigo por ocasião da sua primeira visita e depois quando jantou aqui? E, espe­cialmente, por que a sua atitude era tão distante e fria?
Porque você estava grave, silenciosa e não me deu nenhum encorajamento.
Mas eu estava embaraçada.
E eu também.
Podia ter conversado comigo quando veio jantar.
Um homem menos apaixonado o teria feito.
É pena que encontre para tudo uma resposta razoável e que eu tenha o bom senso de aceitá-la. Mas pergunto a mim mesma quanto tempo teria levado para se declarar se eu nada lhe tivesse perguntado. Minha resolução de lhe agradecer a sua bondade para com Lydia teve certamente um grande efeito. Receio que até mesmo demasiado. Que será da moral se o nosso entendimento for devido a uma quebra de promessa? Já que eu não deveria ter mencionado o assunto. Isto assim não está bem.
Não precisa ficar preocupada. A moral está salva. As injustificadas tentativas de Lady Catherine para nos separar foram um meio de remover todas as minhas dúvidas. Não é ao seu ávido desejo de exprimir a sua gratidão que devo a minha atual felicidade. Eu não teria esperado. A comunicação de minha tia renovara as minhas esperanças. Eu estava decidido a saber de tudo imediatamente.
Lady Catherine nos foi de imensa utilidade. E isto devia torná-la feliz, pois ela gosta de ser útil. Mas diga-me, por que veio a Netherfield? Foi apenas para passear em Longbourn e ficar embaraçado? Ou tinha intenções mais sérias?
Meu fito real foi vê-la e verificar se eu ainda poderia ter a esperança de fazer com que me amasse. O motivo decla­rado, ou pelo menos aquele que confessei a mim mesmo, foi verificar se a sua irmã ainda gostava de Bingley e, caso ainda gostasse, fazer ao meu amigo a confissão que mais tarde eu realmente lhe fiz.
Você terá coragem de anunciar a Lady Catherine o que nos espera?
É mais fácil faltar-me o tempo do que a coragem. Mas, já que tem de ser feito, dê-me uma folha de papel e escreverei imediatamente.
— E se eu não tivesse também uma carta a escrever, sen­taria ao seu lado e admiraria a regularidade da sua caligrafia como certa moça, um dia, já fez. Mas eu tenho também uma tia e estou em falta com ela.
Para não responder que seus tios tinham exagerado o seu interesse por Mr. Darcy, Elizabeth ainda não respondera à carta de Mrs. Gardiner. Agora, porém, sabendo que ela receberia da melhor maneira possível a comunicação que tinha a fazer, Eli­zabeth se sentia quase envergonhada ao refletir que seu tio e sua tia já tinham perdido três dias de felicidade, e imediatamen­te respondeu o seguinte:

"Eu já teria escrito antes, minha querida tia, para lhe agra­decer, como devia, a sua longa e boa carta, cheia de detalhes satisfatórios, se, para falar a verdade, não estivesse aborrecida demais para escrever. A senhora supôs mais do que realmente existia, mas agora suponha tanto quanto quiser. Solte as rédeas da sua fantasia e entregue-se à sua imaginação, para os vôos mais arrojados. E, a não ser que suponha que já estou realmente casada, não poderá errar muito. Escreva-me novamente muito breve e faça a ele muito mais elogios do que na sua última car­ta. Não me canso de lhe agradecer por não me ter levado aos lagos. Não sei como pude ter a tolice de desejar esse passeio. A sua idéia dos pôneis é encantadora. Faremos a volta do par­que todos os dias. Sou a criatura mais feliz do mundo. Talvez outras pessoas já o tenham dito antes, mas não com tanta justiça. Sou mais feliz até do que Jane. Ela apenas sorri e eu rio. Mr. Darcy lhe envia todo o amor que ainda lhe resta. Estão todos convidados para vir a Pemberley pelo Natal. Sua, etc.

A carta de Mr. Darcy para Lady Catherine foi escrita em estilo diferente. Diferente também de ambas foi a carta que Mr. Bennet escreveu para Mr. Collins, em resposta à última daquele cavalheiro.

"Caro senhor:
Venho incomodá-lo mais uma vez com participações. Eli­zabeth será em breve a esposa de Mr. Darcy. Console Lady Catherine como puder. Mas, se estivesse em seu lugar, ficaria do lado do sobrinho. Ele tem mais a dar. Seu sinceramente, etc."

Os parabéns que Miss Bingley mandou para o irmão pelo casamento próximo foram tudo o que havia de mais afetuoso e insincero. Ela escreveu até para Jane, nesta ocasião, a fim de exprimir o seu contentamento e repetir todas as suas anteriores declarações de estima. Jane não se iludiu, mas ficou tocada. E, embora não tendo confiança nela, não pôde deixar de lhe escre­ver uma carta muito mais amável e carinhosa do que sabia que a outra merecia.
A alegria que Miss Darcy exprimiu ao receber uma infor­mação semelhante foi tão sincera quanto a do irmão ao enviá-la. Quatro páginas de papel foram insuficientes para conter toda a alegria que ela queria exprimir e o seu sincero desejo de ser estimada pela futura irmã.
Antes de chegar qualquer resposta de Mr. Collins, ou parabéns de Charlotte para Elizabeth, a família de Longbourn soube que os Collins em pessoa tinham chegado a Lucas Lodge. O motivo dessa súbita viagem tornou-se logo evidente. Lady Catherine se tinha enfurecido de tal modo com a carta do so­brinho, que Charlotte, que na realidade se alegrava com o casa­mento, ficou ansiosa para ir embora até que a tempestade pas­sasse. Naquele momento a chegada da amiga causou um sincero prazer a Elizabeth, muito embora todas as vezes que estivessem juntas esse prazer tivesse de ser pago a alto preço, quando veria Mr. Darcy exposto a todas as cortesias obsequiosas e pomposas de Mr. Collins. Darcy, no entanto, suportou tudo aquilo com uma calma admirável. Ouviu até com serenidade as palavras de Sir William Lucas, que o cumprimentou por ter conquistado a mais bela jóia do país, e exprimiu a esperança de que se en­contrassem todos freqüentemente em St. James. Se ele chegou a erguer os ombros, foi só depois que Sir William Lucas lhe tinha voltado as costas.
A vulgaridade de Mrs. Philips foi outra sobrecarga para a sua paciência, talvez ainda maior do que as outras. Embora Mrs. Philips, como a irmã, Mrs. Bennet, se sentisse atemori­zada diante de Darcy, que não tinha o bom humor de Bingley, todas as vezes que abria a boca era só para dizer coisas vulgares. Elizabeth fez tudo o que pôde para protegê-lo das freqüentes atenções de ambas, procurando intervalos para si mesma e para as pessoas da família com quem ele podia conversar sem se sentir mortificado. E, embora as contrariedades resultantes de tudo isso estragassem muito o prazer do seu noivado, faziam Elizabeth pensar com maior satisfação no futuro, antecipando a vida confortável que teriam, em Pemberley, longe daquela sociedade tão pouco agradável para ambos.

Capítulo LXI


Grato para os seus sentimentos maternais foi o dia em que Mrs. Bennet se viu livre de duas das mais queridas filhas. É fácil imaginar com que orgulho ela visitava, mais tarde, Mrs. Bingley, e conversava com Mrs. Darcy. Eu desejaria poder acres­centar, para bem da família, que a realização dos seus mais caros desejos tivera o feliz efeito de torná-la uma mulher sen­sata, discreta e interessante para o resto da sua vida. No entanto foi bom para o seu marido que assim não acontecesse, pois talvez ele não tivesse apreciado uma felicidade doméstica tão excepcional. Mrs. Bennet continuou invariavelmente nervosa e ocasionalmente tola.
Mr. Bennet sentiu grandemente a falta da segunda filha. A sua afeição por ela foi um dos motivos que daí por diante mais o obrigaram a sair de casa. Ele gostava muito de ir a Pemberley, principalmente quando não era esperado. Mr. Bin­gley e Jane ficaram em Netherfield apenas mais um ano. Tama­nha proximidade da mãe e dos conhecidos de Meryton não era desejável, mesmo levando em conta o gênio fácil de Bingley e o coração afetuoso de Jane. O grande desejo das irmãs de Bingley foi satisfeito: ele comprou uma propriedade nas proximidades do Derbyshire. E, em acréscimo a todas as suas outras felici­dades, Jane e Elizabeth tiveram a de residir a trinta milhas uma da outra.
Kitty passava a maior parte do seu tempo com as duas irmãs mais velhas. E isto foi de grande vantagem para ela. Numa sociedade tão superior à que ela tinha conhecido, fez grandes progressos. Kitty não tinha um gênio tão rebelde quanto Lydia. E, longe da influência e do exemplo da irmã, graças a certos cuidados e atenções, tornou-se menos irritável, menos ignorante e menos insípida. A sua família julgou dever preservá-la de qualquer nova influência da parte de Lydia. E, embora Mrs. Wickham freqüentemente a convidasse para passar tempos em sua casa, com promessas de bailes e de rapazes, o pai jamais consentia que ela fosse.
Mary foi a única filha que permaneceu em casa. E, como Mrs. Bennet não suportasse a solidão, ela foi de qualquer modo impedida de prosseguir no aperfeiçoamento dos seus talentos. Obrigada a freqüentar mais assiduamente a sociedade, continuou no entanto a tirar conclusões morais de cada visita que fazia. E como Mary não se mortificasse mais com as comparações entre a beleza das suas irmãs e a sua própria, seu pai desconfiou que ela aceitava sem muita relutância essa alteração dos seus hábitos.
Quanto a Wickham e Lydia, o casamento pouco os alterou. Wickham se resignou filosoficamente à convicção de que Eli­zabeth sabia agora de todas as suas ingratidões e mentiras. E, apesar de tudo isto, continuava a alimentar a esperança de que ela um dia pudesse convencer Darcy a fazer a sua fortuna. A carta que Elizabeth recebeu de Lydia por ocasião do seu casa­mento lhe revelou que tal esperança era acalentada pela mulher, se não pelo próprio marido. A carta dizia o seguinte:

"Minha cata Lizzy: desejo-lhe todas as felicidades possí­veis. Se o seu amor por Mr. Darcy é apenas metade do que eu sinto pelo meu querido Wickham, você deve ser muito feliz. É um grande consolo saber que você é tão rica. E, quando não tiver mais nada a fazer, espero que pense em nós. Wickham gostaria muito de ter uma situação na justiça. Não creio que tenhamos bastante dinheiro para viver sem algum auxílio. Qual­quer lugar de trezentas ou quatrocentas libras por ano serviria. No entanto não fale sobre isto a Mr. Darcy, se prefere ficar calada. Sua, etc."

Como Elizabeth preferia muito ficar calada, procurou, na sua resposta, pôr um termo a todos os pedidos desta natu­reza. No entanto ela lhes enviava tudo o que podia economizar das suas despesas particulares. Sempre lhe parecera evidente que a renda que eles tinham, dirigida por pessoas tão extrava­gantes nos seus desejos e tão descuidadas do futuro, seria insu­ficiente para o seu sustento. E quando o casal mudava de resi­dência, Jane ou Elizabeth podiam estar certas de receber um pedido de auxílio, pois havia sempre contas a pagar. Sua ma­neira de viver, mesmo quando possuíam uma casa, era a mais irregular possível. Estavam continuamente de mudança, de lu­gar para lugar, em busca de uma situação barata, e gastavam sempre mais do que possuíam. A afeição de Wickham por Lydia em breve se transformou em indiferença. A de Lydia resistiu por mais algum tempo. Apesar da mocidade e das suas maneiras, ela conservou intacta a reputação que o casamento lhe havia assegurado.
Embora Darcy nunca se pudesse resignar com a idéia de receber Wickham em Pemberley, graças à interferência de Eli­zabeth ajudou-o na carreira. Lydia os visitava, ocasionalmente, quando o marido tinha ido a Londres ou a Bath, para se di­vertir. Em casa dos Bingley, no entanto, eles se demoravam muito mais tempo, a ponto de esgotar o bom humor de Bin­gley. Uma vez ele chegou a dizer que ia lançar uma indireta para que eles fossem embora.
Miss Bingley ficou profundamente mortificada com o casa­mento de Darcy; mas, como julgava aconselhável conservar o direito de freqüentar Pemberley, sufocou todos os ressenti­mentos. Continuou a gostar de Georgiana, como antes, mos­trou-se quase tão atenciosa para com Darcy como antigamente, e pagou com juros todas as cortesias que devia a Elizabeth.
Georgiana foi residir em Pemberley. A afeição das duas novas irmãs correspondeu a todas as expectativas de Darcy, e até mesmo às intenções das duas moças. Georgiana tinha uma grande admiração por Elizabeth. A princípio ouvira com assom­bro e um pouco de terror os gracejos e brincadeiras de Eliza­beth. O irmão sempre lhe inspirara um respeito que quase sufocava a sua afeição. Começou a saber de coisas que ignorava. Elizabeth lhe explicou que uma esposa pode se permitir com o marido liberdades que um irmão nem sempre poderia tolerar na irmã dez anos mais moça do que ele.
Lady Catherine ficou extremamente indignada com o casa­mento do sobrinho. Dando largas à franqueza que a caracteri­zava, enviou uma resposta em termos tão violentos, especial­mente contra Elizabeth, à carta de participação do sobrinho, que durante algum tempo todas as relações foram cortadas. Mas afinal, Elizabeth conseguiu que o marido perdoasse a ofensa e procurasse uma reconciliação. Depois de alguma resistência, o ressentimento de Lady Catherine cedeu, talvez diante da afei­ção que tinha pelo sobrinho ou da curiosidade de ver como a sua esposa se conduzia; e ela consentiu em ir visitá-los em Pemberley, apesar da ofensa que seus ilustres antepassados tinham recebido, não somente pela presença de uma esposa de tão baixa extração, como pelas visitas dos seus tios de Londres.
Com os Gardiner eles ficaram sempre em termos muito íntimos. Darcy, a exemplo de Elizabeth, tinha a maior afeição por eles. E além disso nunca se esqueceram da gratidão que deviam às pessoas por cujo intermédio eles tinham reatado as suas relações, durante aquele passeio pelo Derbyshire.

FIM

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