quarta-feira, 20 de abril de 2011

Orgulho e Preconceito - Capítulos 11 ao 20

Capítulo XI


Quando as senhoras se retiraram depois do jantar, Eliza­beth correu para perto da irmã e, agasalhando-a contra o frio, conduziu-a até a sala, onde a convalescente foi saudada pelas duas amigas com grandes demonstrações de alegria. Elizabeth nunca vira aquelas senhoras se portarem tão amavelmente como durante a hora que decorreu antes de os cavalheiros aparece­rem. Sabiam conversar admiravelmente, sabiam descrever um baile com todos os detalhes, contar um episódio com graça e caçoar espirituosamente dos conhecidos. Mas, quando os cava­lheiros entraram, Jane deixou de ser o centro das suas atenções. Os olhos de Miss Bingley se voltaram imediatamente para Dar­cy; e ela encontrou logo o que dizer. Ele se dirigiu logo para Miss Bennet, dando-lhe amavelmente os parabéns; Mr. Hurst também se inclinou ligeiramente e afirmou que estava muito contente. Mas Bingley foi o único que mostrou realmente entu­siasmo e efusão. Cercou Miss Bennet de todas as atenções pos­síveis. Passou a primeira meia hora aumentando o fogo na la­reira, para que ela não sofresse a diferença de temperatura; fê-la mudar para o outro lado da lareira, para que ficasse o mais distante possível da porta. Em seguida sentou-se a seu lado e conversou quase que exclusivamente com ela. Elizabeth, que fazia o seu trabalho no canto oposto da sala, via tudo isto com grande prazer. Depois do chá, Mr. Hurst sugeriu em vão à cunhada que fizessem uma mesa de jogo. Ela sabia que Mr. Darcy não desejava jogar. E a proposta pública de Mr. Hurst também foi rejeitada. Miss Bingley lhe assegurou que ninguém queria jogar. E o silêncio geral que acompanhou estas palavras pareceu justificá-las. Mr. Hurst não teve portanto outra coisa a fazer senão se estender num dos sofás da sala e dormir. Darcy escolheu um livro para ler. Miss Bingley o imitou. E Mrs. Hurst, ocupada principalmente em brincar com os seus braceletes e anéis, tomava de vez em quando parte na conversa entre Miss Bennet e o seu irmão.
Miss Bingley estava tão ocupada em observar os progres­sos da leitura de Mr. Darcy quanto em ler o seu próprio livro; a todo momento fazia uma pergunta ou olhava a página do livro de Mr. Darcy, sem conseguir, entretanto, travar conver­sação. Ele se limitava a responder às suas perguntas e conti­nuava a ler. Afinal, exausta da tentativa de se distrair com o seu próprio livro, que escolhera apenas porque era o segundo vo­lume da obra que Darcy lia, deu um grande bocejo e disse:
Como é agradável passar a noite desse modo... De­claro que não há divertimento melhor do que a leitura. A gente se cansa menos facilmente de um livro do que de qualquer outra coisa. Quando eu tiver uma casa própria, sentir-me-ei infe­liz enquanto não possuir uma grande biblioteca.
Ninguém respondeu. Ela tornou a bocejar, pôs o livro de lado e relanceou o olhar pela sala, procurando outro diverti­mento. Ouvindo o seu irmão falar com Miss Bennet acerca de um baile, virou-se subitamente para ele e disse:
Por falar nisto, Charles, você está realmente resolvido a dar um baile em Netherfield? Aconselho-o, antes de tomar qualquer decisão, a consultar os desejos dos presentes. Ficaria muito surpreendida se não existisse uma pessoa aqui presente para quem um baile fosse antes um castigo do que um prazer.
Se você se refere a Darcy — exclamou Bingley —, ele pode ir para a cama, se quiser, antes de o baile começar. Mas, quanto ao baile, é uma coisa decidida; e assim que Nicholls tiver feito os seus preparativos culinários enviarei os meus convites.
A meu ver, os bailes seriam infinitamente mais diver­tidos se fossem organizados de uma maneira diferente; mas como são feitos, em geral, há sempre neles algo de insuporta­velmente enfadonho. Seria muito mais racional que, em vez de dança, a conversação estivesse na ordem do dia.
Muito mais racional, talvez, minha cara Caroline, mas nem de longe tão divertido.
Miss Bingley não respondeu e pouco depois se levantou e saiu da sala. Sua figura era elegante, ela sabia andar bem; mas Darcy, a quem se dirigiam essas exibições, continuava inflexivelmente absorto no livro. Desesperada, ela resolveu tentar um último esforço e, virando-se para Elizabeth, disse:
Miss Eliza Bennet, deixe-me persuadi-la a seguir o meu exemplo. Venha dar uma volta pela sala. Asseguro-lhe que é muito agradável depois de ter ficado tanto tempo na mesma posição.
Elizabeth ficou surpreendida, mas concordou imediata­mente. Miss Bingley alcançou o que realmente tencionava com aquela amabilidade: Mr. Darcy levantou os olhos, não menos surpreso do que Elizabeth com a inesperada cortesia da sua inimiga, e inconscientemente fechou o livro. Imediatamente foi convidado a reunir-se ao grupo, mas recusou, observando que só podia imaginar dois motivos que justificassem aquela cami­nhada pela sala, e que, com qualquer um deles, a sua presença só poderia interferir. Que quereria Darcy dizer com isso?, per­guntou Miss Bingley a si mesma. Em seguida perguntou a Eli­zabeth se ela compreendia aquilo.
Absolutamente — respondeu a outra. — Mas pode ficar certa de que ele nos quis criticar e a melhor maneira de desapontá-lo será não lhe pedir nenhuma explicação.
Miss Bingley, entretanto, sentia-se incapaz de desapontar Mr. Darcy, e portanto insistiu para que ele explicasse os dois motivos que invocara.
Não faço a menor objeção — respondeu Darcy. — Se escolheram este método de passar a noite, é porque têm com certeza alguma confidencia a fazer, algum assunto secreto a discutir, ou então porque acham que andando exibem de melhor maneira as suas graciosas figuras; no primeiro caso, eu me tor­naria indiscreto se aceitasse o seu convite, e no segundo, posso admirá-las muito melhor na posição em que estou.
Oh — exclamou Miss Bingley —, nunca ouvi nada tão abominável. Como poderemos castigá-lo?
Nada mais fácil, se esta é a sua intenção — respondeu Elizabeth. — Provoque-o, caçoe dele. Íntimos como são, deve saber um meio de fazê-lo.
Juro-lhe que não sei. Asseguro-lhe que a minha inti­midade nunca me ensinou tal coisa. Provocar pessoas imper­turbáveis, dotadas de uma tal presença de espírito! Não, não! Acho que ele pode nos desafiar neste terreno. È quanto a caçoar dele, não vamos nos expor ao ridículo de rir sem motivo.
É impossível rir de Mr. Darcy! — exclamou Elizabeth. — Ele possui uma virtude muito rara, que é ser impermeável ao ridículo. Espero que continue a ser rara, pois eu consideraria uma grande infelicidade possuir muitas relações desse gênero. Gosto muito de rir.
Miss Bingley me descreveu melhor do que sou — res­pondeu Darcy. — O melhor e o mais sábio dos homens, e mesmo a mais sábia e a melhor das ações pode ser ridicularizada por quem faz da ironia o seu único fim na vida.
Existem certamente pessoas assim — replicou Eliza­beth. — Mas espero que eu não seja uma delas. Espero nunca ridicularizar o que é sábio e bom. Loucuras e absurdos, manias e inconsistências, de fato me divertem. E rio delas quando pos­so. Mas isto, penso eu, são precisamente coisas de que o senhor carece.
Talvez seja impossível para qualquer um mas sempre me esforcei por evitar estas fraquezas, capazes de expor ao ridículo uma grande inteligência.
Tais como a vaidade e o orgulho.
Sim, a vaidade é de fato uma fraqueza, mas o orgulho pode ser bem controlado, quando existe uma verdadeira supe­rioridade de inteligência.
Elizabeth se virou para esconder um sorriso.
Presumo que o exame a que submeteu Mr. Darcy este­ja terminado — disse Miss Bingley. — E qual é o resultado?
Fiquei perfeitamente convencida de que Mr. Darcy não tem defeitos. Ele, aliás, não esconde a opinião que tem de si próprio.
Não — disse Darcy —, não tenho tal pretensão. Pos­suo bastantes defeitos, mas não de compreensão, assim o espe­ro. Quanto ao meu gênio, não garanto que seja muito bom, creio que é um pouco ríspido demais. Sim, certamente ríspido demais para as conveniências do mundo. Não consigo esquecer as loucuras e os vícios dos outros tão rapidamente como devia. Nem as ofensas que me fazem. Meus sentimentos não se infla­mam ao menor esforço ou tentativa. Meu temperamento pode ser chamado rancoroso. Uma vez perdida a boa opinião que te­nho de uma pessoa, está perdida para sempre.
Isto é realmente um defeito — exclamou Elizabeth. — O ressentimento implacável é um traço que marca um cará­ter. O senhor soube escolher bem o seu defeito. Realmente, não posso me rir dele. Não precisa ter medo de mim.
Acho que existe em todos os temperamentos uma ten­dência para determinada forma do mal, um vício natural que nem mesmo a melhor educação pode extinguir.
E o seu defeito é uma propensão a odiar todo o mundo.
E o seu — replicou ele, sorrindo — é o de se recusar a compreender os outros.
— Vamos tocar um pouco de música — exclamou Miss Bingley, cansada de uma conversa em que ela não tomava parte. — Louise, você não se importa que eu acorde Mr. Hurst, não é?
A irmã não fez a menor objeção e o piano foi aberto. Dar­cy, depois de refletir um instante, conformou-se com isto. Começava a sentir o perigo que havia em prestar demasiada atenção a Elizabeth.

Capítulo XII


Depois de combinar com a irmã, Elizabeth escreveu na manhã seguinte para a mãe, pedindo-lhe que enviasse a carrua­gem naquele dia. Mas Mrs. Bennet, que tinha calculado que as filhas permanecessem em Netherfield até a terça-feira seguinte, dia em que terminaria exatamente a semana de Jane, resolveu que se sentiria aborrecida se as meninas chegassem antes. Sua resposta portanto não foi propícia, pelo menos aos desejos de Elizabeth, que estava impaciente por regressar. Mrs. Bennet mandou dizer que não poderia dispor da carruagem antes de terça-feira; e num post-scriptum acrescentava que se Mr. Bin­gley e sua irmã insistissem para que Jane permanecesse, ela daria licença, com todo o prazer. Mas Elizabeth estava resol­vida a não ficar mais tempo. Nem tampouco esperava um con­vite neste sentido. Temerosa, ao contrário, de ser considerada intrusa, insistiu para que Jane pedisse emprestada a carruagem de Mr. Bingley imediatamente. E finalmente ficou decidido que manifestariam a sua intenção de deixar Netherfield naquela manhã mesmo e que fariam logo o pedido da carruagem.
A notícia arrancou muitos protestos de pura formalidade. E tanto insistiram para que as moças ficassem ao menos até o dia seguinte, que Jane cedeu. E a partida foi adiada para a ma­nhã seguinte. Miss Bingley se arrependeu de ter feito seme­lhante proposta, pois o ciúme e a antipatia que tinha por uma das irmãs excedia muitíssimo a afeição que tinha pela outra.
O dono da casa sentiu sinceramente que elas tivessem de partir tão cedo e procurou repetidamente persuadir Miss Ben­net de que a partida não era prudente, que ela não estava ainda restabelecida. Mas Jane era firme quando sabia qual era o seu dever. Mr. Darcy ficou satisfeito. Elizabeth já se demorara bastante em Netherfield. Ela o atraía mais do que ele desejava. E Miss Bingley mostrava-se pouco gentil para com ela, e mais provocante para com ele do que de costume. Resolveu ajuiza­damente mostrar-se mais cuidadoso e esconder os seus senti­mentos. Não queria dar nenhuma esperança a Elizabeth e sabia que a sua atitude durante o último dia teria uma importância decisiva neste sentido. Firme neste propósito, quase não lhe dirigiu a palavra durante todo o sábado. E, embora ficassem sozinhos durante meia hora, não despregou os olhos do livro e nem uma só vez olhou para Elizabeth.
Domingo, depois do serviço da manhã, teve lugar a sepa­ração, muito agradável para quase todos. A amabilidade de Miss Bingley para com Elizabeth cresceu de súbito rapidamente, bem como a sua afeição por Jane. E na hora da despedida, depois de assegurar a esta última o prazer que sempre teria em tomar a vê-la em Longbourn ou em Netherfield, beijando-a em seguida afetuosamente, dignou-se até a apertar a mão da primeira. Eliza­beth se despediu alegremente de todos.
Em casa, não foram recebidas muito cordialmente pela mãe. Mrs. Bennet ficou surpresa com o regresso, achou que elas faziam muito mal em lhe dar tanto trabalho e afirmou que Jane se tinha resfriado novamente. Mas o pai, embora muito lacônico nas suas expressões, ficou realmente contente ao vê-las. Sentira a importância que elas tinham no círculo da família. As palestras da noite, quando todos estavam reunidos, tinham perdido grande parte da animação e quase todo o sentido, com a ausência de Jane e de Elizabeth. Encontraram Mary, como sempre, profundamente absorta no estudo do contraponto e da natureza humana; tiveram que admirar novas citações e ouvir novas observações de moralidade convencional. Muito tinha sido feito e dito no regimento desde a quarta-feira precedente. Vários oficiais tinham jantado com seu tio, um soldado tinha sido fustigado e correra o boato de que o Coronel Forster ia se casar.

Capítulo XIII


Espero, minha cara — disse Mr. Bennet para a esposa, ao se sentarem à mesa para a primeira refeição da manhã —, espero que você tenha encomendado um bom jantar para hoje à noite, porque estou esperando uma visita.
A quem se refere você, meu caro? Não sei de ninguém que pudesse aparecer a não ser Charlotte Lucas, que pode che­gar casualmente. E espero que os meus jantares sejam dignos dela. Não creio que em casa ela veja muito freqüentemente jantares iguais aos meus.
A pessoa a que me refiro é um cavalheiro e um estra­nho.
Os olhos de Mrs. Bennet brilharam.
Um cavalheiro e um estranho! Então é Mr. Bingley ... Jane, e você nada disse! Pequena astuciosa! Bem, eu estou certa de que terei muito prazer em ver Mr. Bingley. Mas que pouca sorte! É impossível arranjar peixe para hoje. Lydia, meu bem, toque a campainha. Preciso falar com Hill imediatamente.
Não é Mr. Bingley — disse Mr. Bennet. — É uma pessoa que nunca vi em toda a minha vida.
Todos ficaram espantadíssimos e Mr. Bennet teve o prazer de ser avidamente interrogado pela mulher e pelas cinco filhas ao mesmo tempo.
Depois de se divertir algum tempo com a curiosidade de­las, deu a seguinte explicação:
Há um mês atrás recebi esta carta. E há quinze dias respondi. Julguei que era um caso delicado, que exigia atenção imediata. É do meu primo Mr. Collins, que, quando eu morrer, poderá expulsá-las todas desta casa, assim que o desejar.
Oh, meu caro — exclamou Mrs. Bennet —, não su­porto ouvir falar nisto. Por favor, não me fale neste homem odioso! Acho que é a coisa mais injusta deste mundo a sua pro­priedade ser arrebatada dos seus filhos; estou certa de que se eu fosse você já teria tomado uma providência há muito tempo.
Jane e Elizabeth procuraram explicar à sua mãe o aspecto jurídico do caso. Já o tinham tentado, muitas vezes antes, mas este era um assunto incompreensível para Mrs. Bennet. E ela continuava a queixar-se amargamente da crueldade de arreba­tar o patrimônio de uma família com cinco moças em favor de um homem indiferente a todos.
É certamente uma coisa iníqua — disse Mr. Bennet —, e nada pode atenuar a culpa de Mr. Collins de herdar Long­bourn. Mas se quiser ouvir esta carta, talvez se sinta um pouco abrandada pela maneira com que ele se exprime.
Não, estou certa de que não me sentirei assim. Acho que é um desaforo e uma hipocrisia da parte dele lhe escrever. Odeio os falsos amigos. Por que é que ele não continua brigado com você, como o pai?
Por quê, não sei. Como você verá, parece que ele tem alguns escrúpulos filiais a esse respeito.

"Hansford, perto de Westerham, Kent. 15 de outubro. Caro senhor:
A desavença que existia entre o senhor e meu falecido pai sempre me causou muito mal-estar. E desde que tive a infeli­cidade de perdê-lo, desejei muitas vezes remediar este conflito. Mas durante algum tempo as minhas dúvidas me retiveram. Temia que fosse desrespeitoso para com a memória do meu pai estar de bem com uma pessoa de quem ele sempre se manteve afastado. (Está vendo, Mrs. Bennet?) Cheguei agora comigo mesmo a uma decisão sobre o assunto, pois, tendo recebido ordens durante a Páscoa, tive a felicidade de ser distinguido com a proteção de Lady Catherine de Bourgh, viúva de Sir Louis de Bourgh, cuja largueza e generosidade me escolheram para preencher a importante reitoria daquela paróquia, onde me esforçarei por me conduzir sempre com o maior respeito para com Sua Excelência Lady Catherine, e onde estarei sem­pre preparado para cumprir os ritos e cerimônias da Igreja da Inglaterra. Além disso, como clérigo, sinto que me incumbe o dever de promover e lançar as bênçãos da paz sobre todas as famílias sobre as quais possa se estender a minha influência. E por este motivo espero que a minha presente oferta de boa vontade seja altamente louvável. E que as circunstâncias que me tornam o herdeiro mais próximo das terras de Longbourn não o conduzam a rejeitar o ramo de oliveira que lhe ofereço.
Não posso deixar de me afligir com uma situação que me obriga a prejudicar as suas estimáveis filhas. Peço que aceitem as mi­nhas desculpas e asseguro-lhe que estou pronto a conceder-lhe todas as possíveis reparações; mas deste assunto tratarei depois. Se o senhor não fizer objeção a receber-me em sua casa, propo­nho-me a satisfação de lhe fazer uma visita, na segunda-feira, 18 de novembro, às quatro horas. E tomarei provavelmente a liberdade de abusar da sua hospitalidade até o sábado próximo, coisa que posso fazer sem inconveniência, pois Lady Catherine não faz nenhuma objeção à minha ausência ocasional num do­mingo, contanto que outro possa me substituir nos deveres daquele dia. Com os meus respeitosos cumprimentos à sua esposa e filhas, subscrevo-me, seu atencioso amigo,
William Collins."

Às quatro horas, portanto, poderemos esperar a visita desse cavalheiro pacífico — disse Mr. Bennet, dobrando a carta. — Ele parece ser um rapaz consciencioso e polido. E não duvi­dem de que ele se torne uma relação valiosa, especialmente se Lady Catherine tiver a indulgência de permitir que ele nos ve­nha ver pessoalmente.
O que diz a respeito das meninas parece sensato, e se ele está disposto a oferecer-lhes reparação não lhe servirei de empecilho.
Embora seja difícil adivinhar de que maneira ele tenciona fazer o que diz — falou Jane —, o seu desejo é certa­mente louvável.
O que mais surpreendeu Elizabeth foi a extraordinária deferência que ele manifestava por Lady Catherine e a sua louvável intenção de casar, crismar e sepultar os seus paroquianos, em qualquer ocasião em que isto fosse necessário.
Ele deve ser uma raridade — disse Elizabeth. — Não consigo formar uma idéia a seu respeito. O estilo dele é muito pomposo e acho estranho que se desculpe por ser o herdeiro mais próximo. Que culpa lhe cabe nisto? Acha que pode ser um sujeito sensato, papai?
Não, meu bem, acho que não. Tenho grandes esperan­ças de que ele seja exatamente o contrário. Há um misto de servilidade e de prosápia na carta, que promete muita coisa. Estou impaciente para conhecê-lo.
Quanto à composição — disse Mary —, a carta não me parece muito deficiente. A idéia do ramo de oliveira talvez não seja muito nova, mas acho que ele a exprimiu bem.
Quanto a Katherine e a Lydia, nem a carta nem o autor lhes pareceram ter o menor interesse. Era praticamente impos­sível que o primo aparecesse num uniforme vermelho. E havia já algumas semanas que não encontravam nenhum prazer senão na companhia de homens que se vestissem daquela cor. Quanto a Mrs. Bennet, a carta de Mr. Collins tinha abrandado em parte a sua má vontade. E ela se preparou para recebê-lo com uma distinção que assombrou o marido e as filhas.
Mr. Collins chegou pontualmente e foi recebido muito amavelmente por toda a família. Mr. Bennet, aliás, pouco falou, mas as senhoras foram mais comunicativas e Mr. Collins mos­trou que não tinha necessidade de encorajamentos e não estava absolutamente disposto a ficar calado. Era um rapaz alto e en­corpado, de vinte e cinco anos de idade. Tinha um ar grave e imponente e maneiras cerimoniosas. Pouco depois de se sentar começou a cumprimentar Mrs. Bennet por ter tantas filhas encantadoras; disse que muito ouvira falar na beleza das me­ninas, mas que naquele caso a fama ficara aquém da verdade; e acrescentou que não duvidava de que Mrs. Bennet as visse dentro em pouco todas casadas. Esse galanteio não agradou muito a algumas das ouvintes, mas Mrs. Bennet, sempre dis­posta a receber elogios, respondeu prontamente:
É muita bondade sua; espero de todo o coração que as suas previsões se realizem, pois de outra maneira elas se encontrariam numa situação muito difícil. As coisas se arran­jam de um modo tão estranho ...
A senhora alude talvez à sucessão desta propriedade?
Ah, meu caro senhor, é isto mesmo. O senhor deve admitir que é uma triste situação para as minhas pobres filhas; não que eu o culpe disto, pois sei que estas coisas são uma questão de sorte neste mundo ...
Sou muito sensível às dificuldades das minhas primas, minha cara senhora, e muito poderia dizer sobre o assunto, se não temesse ser precipitado. Mas posso assegurar às jovens que vim disposto a admirá-las. No momento, não direi mais nada; talvez quando nos conhecermos melhor ...
Foi interrompido pela chamada para o jantar. E as meninas sorriram umas para as outras. Elas não constituíram o único objeto da admiração de Mr. Collins. O hall, a sala de jantar e todos os móveis foram examinados e louvados; e estes elogios teriam tocado o coração de Mrs. Bennet, não fosse a mortificante suposição de que ele olhava para tudo aquilo como para as suas futuras propriedades. O jantar também foi altamente apreciado; e Mr. Collins desejou saber a qual das belas primas deveria atribuir a excelência daqueles manjares. Mrs. Bennet respondeu um tanto asperamente que a família podia perfeita­mente pagar uma cozinheira e que suas filhas nada tinham a fazer na cozinha. Ele pediu perdão por ter sido desagradável a Mrs. Bennet. Ela respondeu, num tom mais brando, que não estava ofendida, mas ele continuou a se desculpar durante um quarto de hora.

Capítulo XIV


Durante o jantar, Mr. Bennet quase não abriu a boca. Mas, depois que os criados tiraram a mesa, achou que era tem­po de palestrar com o hóspede. E iniciou um assunto em que esperava ver o outro brilhar, observando que ele tivera muita sorte com a sua protetora, pois Lady Catherine parecia dis­posta a atender aos seus desejos e ter grande consideração pelo seu conforto. Ele, Mr. Bennet, não poderia ter escolhido me­lhor. Mr. Collins elogiou a protetora com eloqüência. O assunto o tornava ainda mais pomposo e ele declarou com ar muito importante que nunca na vida encontrara tamanha virtude, tanta afabilidade e condescendência numa pessoa da nobreza como em Lady Catherine. Ela lhe fizera a graça de elogiar am­bos os sermões que ele tivera a honra de pronunciar na sua presença. Convidara-o também duas vezes para jantar e man­dara-o chamar no sábado anterior para organizar uma partida de cartas. Muita gente considerava Lady Catherine orgulhosa; ele no entanto nunca encontrara nela senão afabilidade. Sempre lhe dirigira a palavra como a qualquer outro gentleman; nunca lhe fizera a menor objeção sobre as pessoas das vizinhanças que freqüentava, e nunca se opusera às suas ausências ocasionais, durante uma ou duas semanas, a fim de visitar as suas relações. Tivera mesmo a bondade de aconselhar que ele se casasse o mais cedo possível, contanto que escolhesse com prudência; e se dignara fazer-lhe uma visita no seu humilde presbitério. Apro­vara plenamente todas as alterações que ele tinha introduzido na casa, tendo até sugerido que pusesse umas estantes nos quar­tos do sobrado.
Tudo isto é muito amável — disse Mrs. Bennet —, e ela deve ser uma senhora muito agradável; é pena que as mulheres da nobreza não se pareçam todas com ela. E ela mora perto do senhor?
O jardim em que fica situada a minha humilde man­são se acha separado, apenas por uma alameda, de Rosings Park, a residência de Sua Excelência.
O senhor disse que ela era viúva. Tem família?
Possui apenas uma filha, a herdeira de Rosings e de uma grande fortuna.
Ah — exclamou Mrs. Bennet, sacudindo a cabeça —, então ela está em melhor situação do que muitas moças. E que espécie de moça é ela? Bonita?
É realmente encantadora. Lady Catherine diz até que Miss de Bourgh, em matéria de pura beleza, é muito superior às mais belas do seu sexo; pois existe em seus traços a marca da jovem de alto nascimento. Infelizmente ela é de constituição doentia e isso a impediu de realizar progressos em certas ma­térias, nas quais de outro modo não seria deficiente. Isso foi o que me informou a senhora que está encarregada da sua educação e que reside com elas. Miss de Bourgh é muito amá­vel, muitas vezes me concede a honra de uma visita e vem até a minha humilde habitação, no seu pequeno faéton, puxado por pôneis.
Ela já foi apresentada em St. James? Não me lembro de ter visto o nome dela entre as damas da corte.
O estado medíocre da sua saúde, infelizmente, não permite que ela resida na cidade; e, como eu disse a Lady Catherine certa vez, essas circunstâncias privaram a corte ingle­sa do seu mais brilhante ornamento. Sua Senhoria pareceu ter ficado muito contente com a idéia. E o senhor pode imaginar como me sinto feliz em oferecer de vez em quando esses pe­quenos cumprimentos delicados que as senhoras tanto apreciam. Mais de uma vez observei a Lady Catherine que a sua graciosa filha parecia ter nascido para ser uma duquesa, e que esta hon­ra, a mais alta que pode ser conferida, em vez de lhe dar impor­tância, seria, ao contrário, adornada por ela. Esses são os pe­queninos tributos que agradam a Sua Senhoria, e que eu me considero obrigado a prestar.
O senhor tem toda a razão — disse Mr. Bennet. — E, felizmente para o senhor, possui o talento de lisonjear com delicadeza. Terei licença de perguntar se essas agradáveis aten­ções procedem de um impulso momentâneo ou são o resultado de um cálculo prévio?
Originam-se principalmente do que ocorre no momento. E, embora eu às vezes me divirta arranjando e polindo esses pequenos galanteios a serem empregados em certas ocasiões, procuro sempre lhes dar um ar tão espontâneo quanto possível.
As esperanças de Mr. Bennet se realizaram integralmente. O primo era tão absurdo quanto ele esperara. Ouvia-o falar com o maior prazer, mantendo ao mesmo tempo a mais re­soluta seriedade. Deliciava-se sozinho com o espetáculo, e às vezes atirava um olhar furtivo e malicioso para Elizabeth.
À hora do chá, porém, Mr. Bennet achou que a dose fora suficiente. E de bom grado acompanhou o hóspede até a sala; terminado o chá, convidou-o a ler em voz alta para as senhoras. Mr. Collins consentiu prontamente. Entregaram-lhe um livro, mas ao lançar um olhar sobre o volume (tudo indicava que era de uma biblioteca circulante) ele se recusou e, desculpando-se, declarou que nunca lia romances. Kitty olhou-o fixamente, e Lydia teve uma exclamação de espanto. Foram buscar outros livros. E depois de examiná-los, escolheu os Sermões, de Fordyce. Lydia olhou atônita para o volume aberto e antes que ele tivesse lido três páginas com monótona solenidade, inter­rompeu-o, dizendo:
— Você sabe, mamãe, que meu tio Philips está com von­tade de despedir Richard? E que se o fizer o Coronel Forster ficará com ele? Foi minha tia quem me disse no sábado. Irei a Meryton amanhã, a fim de me informar melhor. E saber quan­do Mr. Denny deve voltar da cidade.
As duas irmãs mais velhas disseram a Lydia que calasse a boca. Mas Mr. Collins, muito ofendido, pôs o livro de lado e disse:
— Já observei como as meninas se interessam pouco por livros sérios, escritos aliás para o seu benefício. Confesso que isto me espanta, pois certamente nada pode haver de mais vantajoso para elas do que a instrução. Mas não importunarei mais a minha jovem prima.
Em seguida, virando-se para Mr. Bennet, ofereceu-se para parceiro de gamão. Mr. Bennet aceitou o desafio, observando que ele fazia bem em deixar as meninas se ocuparem com as suas futilidades. Mrs. Bennet e as filhas se desculparam com toda a civilidade pela interrupção de Lydia e prometeram que isto não aconteceria novamente, caso ele quisesse recomeçar a leitura. Mas Mr. Collins, depois de lhes assegurar que não guar­dava rancor contra a jovem prima, e jamais consideraria a sua conduta como um insulto, sentou diante de outra mesa com Mr. Bennet e se preparou para a partida.

Capítulo XV


Mr. Collins não era um homem sensato e as deficiências da sua natureza não tinham sido compensadas pela educação ou pelo meio; a maior parte da sua vida tinha decorrido sob a direção de um pai ignorante e avarento. Embora tivesse cursa­do uma das universidades, tinha apenas feito os cursos necessá­rios, sem travar nenhuma relação vantajosa. A sujeição em que o pai o mantivera o dotara, a princípio, de grande humildade de gênio, mas isto tinha sido em parte compensado pela tola presunção do seu espírito fútil, pelo isolamento e pela sua súbita e prematura prosperidade. Um acaso feliz fizera com que ele fosse recomendado a Lady Catherine de Bourgh no mo­mento em que a reitoria de Hunsford estava vaga, e o respeito que ele sentia pela posição social daquela senhora, a veneração que sentia pela sua protetora, de mistura com a sua vaidade, a sua autoridade como clérigo e os seus direitos como reitor tinham-no tornado um misto de orgulho e servilidade, presun­ção e humildade.
Dispondo agora de uma boa casa e de um rendimento mais que suficiente, Mr. Collins tencionava casar-se; e a sua intenção, ao se reconciliar com a família de Longbourn, era justamente escolher uma das filhas de seu parente, caso elas fossem tão bonitas e amáveis como se dizia. Estas eram as reparações que ele tencionava oferecer em troca da sua futura apropriação de Longbourn. Achava o plano excelente, conveniente, excessiva­mente generoso e desinteressado da sua parte.
O contato com as meninas não o fez alterar o plano. O lindo rosto de Miss Jane até o confirmou nas intenções; as suas preferências quadravam, aliás, com as severas noções que tinha do direito de primogenitura. E desde o primeiro momen­to a sua escolha recaiu sobre Jane. A manhã seguinte, entre­tanto, trouxe uma alteração. Durante uma conversa tête-à-tête com Mrs. Bennet pelo espaço de um quarto de hora da primeira refeição, a palestra que se iniciou acerca do seu presbitério conduziu-o naturalmente a confessar as suas esperanças de en­contrar uma dona-de-casa em Longbourn. Mrs. Bennet, entre sorrisos amáveis e outros encorajamentos, procurou dissuadi-lo da escolha que parecia recair sobre Jane. Quanto às filhas mais moças, ela não podia responder positivamente, mas não sabia ao certo de nenhum impedimento da parte delas. Em relação à filha mais velha, porém, ela se sentia na obrigação de avisar que provavelmente ela ficaria noiva dentro de pouco tempo.
Mr. Collins, com a maior naturalidade, transferiu o seu projeto de Jane para Elizabeth. E isto foi logo feito, enquanto Mrs. Bennet falava sobre o assunto. Elizabeth, que vinha logo em seguida a Jane, em idade e beleza, era a sucessora natural.
Mrs. Bennet registrou a alusão, e nutriu esperanças de em breve ter duas filhas casadas. E o homem cujo nome ainda na véspera a enfurecera conquistou um alto lugar nas suas boas graças.
O projeto do passeio até Meryton não foi esquecido. Todas as irmãs concordaram, com exceção de Mary. E Mr. Collins, a pedido de Mr. Bennet, que estava ansioso para se ver livre dele e dispor à vontade da sua biblioteca, prontificou-se a acompanhar as meninas. Depois da primeira refeição, Mr. Collins acompanhou o dono da casa à biblioteca e lá continuaria, indefinidamente, teoricamente ocupado em examinar um dos grandes in-fólios da coleção, mas na verdade falando sem cessar sobre a sua casa e o seu jardim de Hunsford, se Mr. Bennet não tivesse sugerido aquele passeio com as meninas. Estas invasões dos seus domínios irritavam Mr. Bennet extraordinariamente. Na sua biblioteca ele se sentia sempre seguro da sua tranqüili­dade e uma vez declarara a Elizabeth que, embora estivesse sempre certo de encontrar a loucura e a vaidade em todos os demais quartos da sua casa, ali podia se considerar livre do espetáculo dessas fraquezas. A sua amabilidade, portanto, le­vou-o facilmente a convidar Mr. Collins a acompanhar suas filhas no passeio que elas haviam planejado. E Mr. Collins, que tinha muito maior vocação para andar do que para ler, ficou extremamente satisfeito, fechou o grosso volume e partiu.
Entre pequenas frases pomposas da sua parte e amáveis assentimentos da parte de suas primas, o tempo passou até que chegaram a Meryton. Aí Mr. Collins foi obrigado a desistir dos seus esforços para atrair a atenção das duas primas mais moças. Imediatamente os olhares destas começaram a percorrer as ruas à procura de oficiais e, a não ser um chapéu muito elegante ou um novo corte de musselina numa vitrina, nada mais seria capaz de atrair-lhes novamente a atenção.
Aliás, todos os olhares foram atraídos imediatamente por um rapaz que nunca tinham visto antes e que parecia extrema­mente distinto e elegante. Vinha com um oficial do outro lado da rua. O oficial era aquele Mr. Denny, cujo regresso de Lon­dres Lydia viera investigar. Ao passar, ele cumprimentou-as. Todas ficaram impressionadas com o aspecto do desconhecido. A curiosidade era enorme. Kitty e Lydia, resolvidas a investigar o caso, fizeram o grupo passar para o outro lado da rua, sob pretexto de uma compra a fazer numa loja fronteira. Por sorte, apenas tinham pisado a calçada do outro lado, os dois rapazes, voltando sobre seus passos, chegaram ao mesmo lugar. Mr. Denny se dirigiu imediatamente para as moças e pediu permis­são para apresentar o amigo, Mr. Wickham, que viera com ele de Londres no dia anterior e que aceitara uma comissão no seu regimento. Isto era realmente a coisa desejável, pois só lhe fal­tava um uniforme para ser o mais encantador dos rapazes. Logo depois de apresentado, ele se pôs a conversar, pois era desem­baraçado e ao mesmo tempo perfeitamente correto e respeitoso. Todo o grupo se encontrava ainda na mesma posição, conversando muito agradavelmente, quando se ouviu um rumor, e Darcy e Bingley apareceram a cavalo. Ao avistar as senhoras, imediatamente se adiantaram para o grupo e as cumprimenta­ram com as cortesias de costume. Bingley se dirigiu logo a Miss Bennet. Estava, explicou ele, a caminho de Longbourn, a fim de saber notícias dela. Mr. Darcy confirmou com uma reverên­cia e estava a ponto de tomar a resolução de não olhar para Elizabeth, quando a presença do estranho lhe chamou a atenção. Elizabeth, que olhava para o rosto de ambos, viu com espanto que quando os seus olhos se encontraram um corou e o outro empalideceu. Mr. Wickham, depois de alguns instantes, tocou o chapéu: uma saudação que Mr. Darcy apenas se dignou res­ponder. Que poderia significar aquilo? Era impossível saber, mas era impossível também não sentir grande curiosidade.
Poucos minutos depois, Mr. Bingley, embora sem parecer notar o que tinha se passado, despediu-se e partiu com o amigo.
Mr. Denny e Mr. Wickham acompanharam as moças até a porta da casa de Mr. Philips e aí fizeram as suas reverências, apesar das insistências de Miss Lydia para que entrassem, e mesmo das instâncias de Mr. Philips em pessoa, que abriu de súbito uma das janelas e confirmou enfaticamente o convite.
Mrs. Philips via sempre com prazer as sobrinhas, espe­cialmente as duas mais velhas, cuja ausência se fizera sentir recentemente. Ela exprimiu avidamente a surpresa que lhe causara a notícia do seu súbito regresso de Netherfield e disse que de nada teria sabido se não tivesse encontrado por acaso o menino da farmácia que lhe dissera que não estavam mais enviando remédios para Netherfield porque as senhoritas Bennet tinham ido embora. Nesse momento Jane chamou a sua atenção para Mr. Collins, que ela desejava lhe apresentar. Mrs. Philips recebeu-o com a maior amabilidade e esta lhe foi retribuída em dose ainda maior. Mr. Collins se desculpou por ter vindo visitá-la sem apresentação prévia, coisa que no entanto se justificava plenamente pelo seu parentesco com as jovens senhoras que o tinham apresentado. Mrs. Philips ficou espanta­da com tal excesso de boa educação, mas o seu embevecimento diante do recém-chegado foi em breve interrompido pelas excla­mações e perguntas a respeito do outro estranho. Quanto a este último, entretanto, ela só podia dizer às sobrinhas o que já sabiam: que ele tinha chegado de Londres com Mr. Denny e que ia receber o posto de tenente comissionado no condado de ... Ela o observara, explicou, durante a última hora, enquanto ele passeava de cima para baixo na rua. Se Mr. Wickham tives­se reaparecido, Kitty e Lydia a teriam substituído nessa ocupa­ção, mas infelizmente ninguém passou pela janela, a não ser alguns oficiais que, em comparação com o estranho, se tinham tornado sujeitos "estúpidos e desagradáveis". Alguns deles de­viam vir jantar com os Philips no dia seguinte, e a tia prometeu que faria o seu marido visitar Mr. Wickham e convidá-lo igual­mente, caso a família de Longbourn pudesse vir depois do jan­tar. Assim ficou combinado, e Mrs. Philips declarou que faria um jogo de loteria e que ofereceria uma ceia mais tarde.
A perspectiva de tais prazeres era muito agradável, e todos se separaram extremamente felizes. Mr. Collins repetiu as des­culpas e tornou a ser tranqüilizado com incansável amabilidade por Mrs. Philips.
A caminho de casa, Elizabeth contou a Jane a cena que pre­senciara entre os dois cavalheiros, mas Jane declarou que aque­le procedimento lhe parecia incompreensível. Mr. Collins, ao regressar, alegrou Mrs. Bennet, dizendo que tinha apreciado imensamente as maneiras e a polidez de Mrs. Philips. Declarou que, a não ser Lady Catherine e sua filha, nunca vira uma mu­lher tão elegante; pois Mrs. Philips não só o recebera com a maior amabilidade, como o tinha incluído especialmente no seu convite para a próxima noite, embora o estivesse vendo pela primeira vez. Em parte isso devia ser atribuído ao seu paren­tesco com a família de Longbourn, mas mesmo assim ele nunca fora tratado com tanta atenção durante toda a sua vida.

Capítulo XVI


Nenhuma objeção foi feita quanto ao compromisso que as meninas tinham tomado para a noite seguinte, e todos os escrú­pulos que Mr. Collins manifestou de deixar Mr. e Mrs. Bennet por uma noite, durante a sua visita, foram vencidos com fir­meza. Em hora oportuna a carruagem saiu de Longbourn con­duzindo Mr. Collins e suas cinco primas a Meryton. Ao entra­rem na sala, as meninas tiveram o prazer de saber que Mr. Wickham tinha aceito o convite de Mr. Philips e já se encon­trava em sua casa.
Depois que todos tinham se sentado, Mr. Collins teve a oportunidade de olhar em torno e admirar a casa. Ficou tão impressionado com o tamanho e a mobília da sala que declarou quase ter a impressão de estar numa pequena sala de almoço de verão em Rosings, comparação que a princípio não foi muito apreciada. Mas quando Mrs. Philips soube o que era Rosings e a quem pertencia, e depois que ouviu a descrição de um dos salões de Lady Catherine e soube que uma das lareiras por si só custara oitocentas libras, sentiu toda a força do elogio; não teria ficado ressentida se comparassem a sua sala com o quarto da caseira de Rosings. Mr. Collins se alongou na descrição das riquezas de Lady Catherine e da sua propriedade, com digres­sões ocasionais em louvor da sua própria e humilde residência e dos melhoramentos que estavam sendo feitos nela; finalmente outros cavalheiros se acercaram. Mr. Collins encontrou em Mrs. Philips uma ouvinte muito atenciosa. Ela estava cada vez mais convencida da importância do seu convidado e resolvida a pas­sar adiante para todas as suas vizinhas, assim que pudesse, tudo o que estava ouvindo. Mas para as meninas, que não queriam prestar atenção ao primo, que nada tinham a fazer senão exa­minar as imitações de porcelana sobre a lareira, o intervalo pareceu muito longo. E afinal os cavalheiros se aproximaram, e quando Mr. Wickham entrou na sala Elizabeth sentiu que a admiração que desde o primeiro momento sentira por ele não era de modo algum exagerada. Os oficiais do condado de... eram todos pessoas muito distintas e os melhores dentre eles estavam presentes; mas Mr. Wickham ultrapassava a todos em aspecto, maneiras, modo de andar, do mesmo modo que eles, os oficiais, eram superiores ao gorducho tio Philips, com o seu rosto redondo e o seu hálito cheirando a vinho do Porto.
Mr. Wickham era um felizardo para quem se dirigiam qua­se todos os olhares femininos, e Elizabeth foi a feliz eleita perto da qual ele se sentou. E o rapaz se pôs imediatamente a con­versar da maneira mais agradável, embora o assunto se limitasse apenas à noite chuvosa que fazia, e à probabilidade de uma esta­ção chuvosa. Elizabeth sentiu que o assunto mais banal podia tornar-se interessante graças à arte do narrador.
Diante de rivais tão temíveis como Mr. Wickham e os oficiais, Mr. Collins pareceu mergulhar na insignificância. Para as moças ele não tinha interesse algum. Às vezes, entretanto, Mr. Collins encontrava em Mrs. Philips uma ouvinte benévola. Graças à atenção desta senhora, recebeu uma abundante provi­são de café e de biscoitos. Quando as mesas de jogo foram colocadas, ele teve ocasião de retribuir aquelas amabilidades, oferecendo-se para seu parceiro de uíste.
Sou um pouco fraco no jogo atualmente — disse ele —, mas aproveitarei de boa vontade a presente ocasião para me aperfeiçoar, pois na minha atual situação...
Mrs. Philips ficou muito grata com o convite, mas não quis esperar os motivos.
Mr. Wickham não jogava uíste, porém a sua presença como espectador na mesa em que jogavam Elizabeth e Lydia foi re­cebida com grande prazer. A princípio pareceu haver um certo perigo de que Lydia o absorvesse inteiramente, pois conversava muito; mas Lydia tinha também grande entusiasmo pelo uíste e dentro em pouco estava tão absorta com as apostas e os prê­mios, que não prestava mais atenção a ninguém. Mr. Wickham ficou portanto à vontade para falar com Elizabeth, que estava pronta a ouvi-lo com a maior boa vontade, embora não tivesse a esperança de que ele contasse o que ela mais desejava: a história das suas relações com Mr. Darcy. Elizabeth não ousou sequer mencionar o nome daquele cavalheiro. O próprio Mr. Wickham introduziu o assunto e perguntou qual a distância que separava Netherfield de Meryton, e depois de ouvir a resposta pergun­tou, hesitante, há quanto tempo Mr. Darcy estava morando lá.
Há um mês, mais ou menos — respondeu Elizabeth.
E em seguida, para não deixar morrer o assunto, acres­centou:
Ouvi dizer que ele tem uma grande propriedade no Derbyshire.
Sim — replicou Wickham —, ele tem uma bela pro­priedade. Dez mil libras líquidas por ano. Aliás, a senhora não poderia encontrar melhor informante do que eu sobre este assunto, pois desde a minha infância conheço a família bastante intimamente.
Elizabeth não pôde evitar manifestar espanto.
A sua surpresa, Miss Bennet, é muito natural, pois viu com que frieza nos cumprimentamos ontem. Conhece intima­mente Mr. Darcy?
Não queria conhecê-lo mais do que conheço. Passei quatro dias na mesma casa que ele e o acho muito desagradá­vel.
Não tenho direito de manifestar a minha opinião — disse Wickham; — não estou qualificado para formar um juí­zo, pois o conheço há tanto tempo e tão bem que me é impos­sível falar com imparcialidade, mas acho que a sua opinião surpreenderia a todos e talvez nunca a exprimisse tão catego­ricamente em outro lugar qualquer. Aqui a senhora está no meio da sua própria família.
Dou-lhe a minha palavra de que não falo aqui de ma­neira diferente da que falaria em qualquer outra casa das redondezas, exceto em Netherfield. Mr. Darcy não é nada benquisto aqui no Hertfordshire. Todos o acham insuportavelmen­te orgulhoso. Não encontraria uma opinião diferente a seu respeito.
Não posso dizer que me entristece o fato de um homem não ser apreciado além do que ele merece — disse Wickham, depois de uma curta pausa. — Mas no caso de Mr. Darcy acho que isto não acontece freqüentemente. A sociedade se deixa ce­gar pela sua fortuna e pela sua importância, e se deixa atemo­rizar pelas suas maneiras altivas e despóticas e o vê apenas como ele deseja ser visto.
Mesmo conhecendo-o muito pouco como o conheço, acho que ele deve ser um homem de mau gênio.
Mr. Wickham se limitou a sacudir a cabeça.
Não me surpreenderia — disse Wickham — se não se demorasse aqui muito tempo mais.
Isto eu não sei, mas nada ouvi falar a respeito da sua partida. Espero que os seus planos, Mr. Wickham, não sejam afetados pela presença de Mr. Darcy nestas redondezas.
Oh, não. Não há de ser ele quem há de me enxotar da­qui. Se quiser evitar encontrar-se comigo, ele é quem deve partir. Não estamos em termos muito amigáveis; é-me desagra­dável encontrá-lo, mas não tenho outros motivos para evitá-lo, senão aqueles que não me pejo de proclamar diante de todo o mundo: a consciência de ter sido tratado injustamente por ele e a pena que me causa o seu feitio desagradável. O pai dele, Miss Bennet, o falecido Mr. Darcy, foi um dos melhores homens que já pisaram sobre a terra, e o melhor amigo que jamais tive; e nunca me encontro com o atual Mr. Darcy sem me sentir ferido por mil lembranças tristes. A sua conduta para comigo foi sem­pre escandalosa, mas creio realmente que lhe perdoaria tudo, contanto que ele não desmerecesse a memória do pai.
Elizabeth sentiu crescer o interesse e o ouvia com toda a atenção, mas a delicadeza do assunto impedia maiores investiga­ções. Mr. Wickham abordou outros temas de natureza menos especial: Meryton, as pessoas da redondeza, a sociedade, e pa­receu muito satisfeito com tudo o que tinha visto, referindo-se especialmente a esta última com muita amabilidade.
O que mais me induziu a aceitar o posto no regimento — disse ele — foi a perspectiva da agradável sociedade que encontraria aqui. Sabia que era um dos regimentos mais res­peitáveis, e meu amigo Denny me convenceu ainda mais, com a descrição que fez da sociedade de Meryton, das grandes aten­ções que tinha recebido e das excelentes relações que fizera. Confesso que a sociedade me é necessária. Sofri certos desenga­nos e não suporto a solidão. Preciso de uma ocupação e de uma companhia. A vida militar não é aquela para a qual me sinto feito. Mas as circunstâncias a tornaram desejável no momento. Minha carreira devia ter sido o clero. Fui educado para entrar na Igreja e neste momento eu estaria de posse de uma posição importante, se aquele cavalheiro de que falávamos o tivesse desejado.
Sim?
Sim. O falecido Mr. Darcy tinha me prometido a me­lhor paróquia que primeiro vagasse nos seus domínios. Era meu padrinho e me dedicava grande afeição. Nunca poderia pagar o que lhe devo. Ele tencionava velar sobre o meu futuro e pensou que o tivesse feito. Mas quando o lugar vagou, foi dado a outra pessoa.
Que horror! — exclamou Elizabeth. — Como pôde ele desrespeitar a vontade do pai? Por que é que o senhor não procurou uma reparação legal?
Os termos da doação eram apenas verbais. Não havia fundamento para uma ação legal. Um homem de honra não hesitaria em cumprir as disposições paternas, mas Mr. Darcy preferiu duvidar de que estas disposições existissem ou tratá-las como simples recomendações e afirmou que eu tinha perdido todo o direito ao lugar que pleiteava pela minha extravagância e pela minha imprudência. O certo é que o lugar ficou vago há dois anos, no momento exato em que eu atingia a idade exigida para ocupá-lo. E creio que foi dado a outra pessoa; e não é me­nos certo que eu nada tenha feito para desmerecê-lo. Tenho um gênio franco e impulsivo e talvez manifestasse com demasiada liberdade aos outros e ao próprio Mr. Darcy a opinião que tenho dele. Não me lembro de ter feito nada mais grave. Mas o fato é que somos homens de feitio muito diferente e que ele me odeia.
Isto é revoltante. Ele merece ser publicamente con­denado.
Mais cedo ou mais tarde o será, mas não por meu inter­médio. Enquanto a memória do pai dele viver em mim, não o denunciarei, nem mesmo o provocarei.
Mas qual pode ser o motivo que o levou a proceder tão cruelmente? — disse Elizabeth, depois de uma pausa.
A furiosa antipatia que tem por mim, uma antipatia que não posso deixar de atribuir em parte à inveja. Se o faleci­do Mr. Darcy tivesse gostado menos de mim, o filho talvez me suportasse melhor. Mas a extraordinária afeição que o pai manifestava por mim irritava-o quando ainda era muito criança. Com o feitio que tem, não podia tolerar a competição em que nos defrontávamos e a preferência que freqüentemente me era dada.
Eu não supunha que Mr. Darcy fosse tão ruim assim, embora nunca me tenha sentido atraída por ele. Pensava que ele desprezasse os seus semelhantes em geral, mas não suspeitava que fosse capaz de tomar uma vingança tão baixa e se mostrar tão injusto e tão desumano.
Depois de refletir alguns minutos, continuou:
Recordo-me de que ele se gabou certa vez em Nether­field de ser implacável nos seus ressentimentos. E de ser dotado de um temperamento rancoroso. Deve ter um gênio terrível.
Quanto a isto nada posso dizer — replicou Wickham —, não me sinto com forças para julgá-lo com justiça.
Elizabeth tornou a mergulhar nos seus pensamentos e, de­pois de algum tempo, exclamou:
Tratar desta maneira o afilhado, o amigo, o favorito de seu pai...
E poderia ter acrescentado: "Um rapaz como o senhor, cuja aparência depõe tanto a seu favor". Mas limitou-se a dizer:
E além disso um companheiro de infância, um íntimo, como o senhor mesmo disse...
Nascemos na mesma paróquia, dentro dos limites do mesmo parque, passamos juntos a maior parte da infância, vi­vemos na mesma casa, compartilhamos os mesmos divertimen­tos e fomos objetos da mesma afeição paternal. Meu pai come­çou a vida na mesma profissão em que o seu tio parece ter se distinguido, mas abandonou tudo para servir Mr. Darcy, dedi­cando todo o seu tempo à administração da propriedade de Pemberley. Era altamente estimado por Mr. Darcy, que fez dele o seu amigo íntimo e confidente. Mr. Darcy, mais de uma vez, reconheceu publicamente que devia as maiores obrigações a meu pai, pelos serviços que este lhe prestara na administração dos seus bens. E quando, um pouco antes da morte de meu pai, Mr. Darcy lhe prometeu espontaneamente encarregar-se do meu futuro, estou convencido de que sentia que essa promessa era uma dívida de gratidão para com meu pai, além de ser uma prova de afeição para comigo.
Como é estranho! — exclamou Elizabeth. — Que coisa abominável! Espanta-me que o próprio orgulho de Mr. Darcy não o tenha levado a ser justo para com o senhor. E se não houvesse outro motivo, bastava este. Ele devia ser orgu­lhoso demais para ser desonesto.
Espantoso — replicou Wickham —, pois quase todos os seus atos podem ser relacionados com o orgulho. E o orgulho tem sido o seu melhor amigo. O orgulho o conduziu até mais próximo da virtude do que qualquer outro sentimento. Mas nenhum de nós é coerente, e na sua conduta para comigo agiram ainda impulsos mais fortes do que o orgulho.
Mas pode um orgulho tão abominável lhe ter dado alguma vantagem?
Sim. Levou-o freqüentemente a ser liberal e generoso, a despender grandes quantias, a ser hospitaleiro, a ajudar os seus colonos e a mitigar os sofrimentos dos pobres. O orgulho da família e o orgulho filial, pois ele tem grande orgulho do pai, o conduziam a isto. Não desmerecer a família, não parecer ter degenerado quanto a certas qualidades que a tornaram famo­sa, não deitar a perder a influência da casa de Pemberley são motivos poderosos. Ele possui também orgulho fraternal, o qual, somado a uma certa afeição, o faz zelar com carinho e cuidado pela irmã; a senhora deve ter ouvido dizer que ele é o melhor e o mais atencioso dos irmãos.
Que espécie de moça é Miss Darcy? Ele sacudiu a cabeça.
Eu desejava responder que ela é amável. Causa-me mágoa falar mal de um Darcy. Mas é extremamente parecida com o irmão, muito, muito orgulhosa. Em criança era extrema­mente afetiva e agradável, e gostava muito de mim. A fim de distraí-la, perdi muitas horas da minha vida. Mas agora ela já não representa nada para mim. É uma bonita menina de quinze ou dezesseis anos e dizem que muito prendada. Desde a morte do pai vive em Londres, em companhia de uma se­nhora que orienta a sua educação.
Depois de muitas pausas, em que tentou falar outros assuntos, Elizabeth não pôde deixar de voltar ao primeiro, e disse:
Espanta-me a intimidade dele com Mr. Bingley. Não sei como este, que parece ser todo bom humor e é realmente extremamente simpático, pode ter amizade por aquele homem. Não entendo como os gênios combinam. Conhece Mr. Bingley?
Não.
É um homem amável, bem-educado, encantador. Não deve conhecer a verdadeira natureza de Mr. Darcy.
Provavelmente não. Mas Mr. Darcy sabe agradar quan­do quer. Não lhe faltam qualidades. Sabe ser um companheiro agradável, quando acha que vale a pena. Entre os seus iguais mostra-se muito diferente do que com os menos afortunados. Seu orgulho nunca o abandona; mas com os ricos ele é liberal, justo, sincero, razoável, honrado, e talvez agradável. Mesmo levando em conta a sua fortuna e a sua figura.
Pouco depois terminou a partida de uíste. Os jogadores se reuniram em torno da outra mesa e Mr. Collins se sentou entre a prima Elizabeth e Mrs. Philips. Esta lhe fez as perguntas de costume sobre o seu êxito no jogo. A sorte não lhe tinha sido muito favorável. Ele tinha perdido todos os pontos. Mas quan­do Mrs. Philips começou a exprimir o seu pesar, Mr. Collins lhe assegurou, muito grave, que isto não tinha a menor impor­tância, que ele considerava o dinheiro uma coisa secundária, e pediu que ela não se preocupasse com o fato.
Sei perfeitamente, minha senhora — disse ele —, que quando uma pessoa se senta numa mesa de jogo deve correr o seu risco. Felizmente a minha situação permite perder cinco xelins sem nenhuma preocupação. Muitos não podem dizer o mesmo, mas graças a Lady Catherine de Bourgh estou livre dessas pequeninas misérias.
Mr. Wickham prestou atenção a estas palavras e, depois de observar Mr. Collins durante alguns momentos, perguntou a Elizabeth se o seu parente era intimamente relacionado com a família De Bourgh.
Lady Catherine de Bourgh — respondeu Elizabeth — concedeu-lhe recentemente um lugar de reitor. Não sei quando Mr. Collins lhe foi apresentado pela primeira vez. Mas estou certa de que ele não a conhece há muito tempo.
A senhora deve saber naturalmente que Lady Catheri­ne de Bourgh e Lady Anne Darcy eram irmãs. E por conse­guinte esta senhora é tia do atual Mr. Darcy.
Não, não sabia. Não sabia mesmo da existência de Lady Catherine até o dia de ontem.
Sua filha, Miss de Bourgh, herdará uma grande for­tuna. Acredita-se que ela e o primo reunirão as duas pro­priedades.
Esta informação fez Elizabeth sorrir, pois ela se lembrou da pobre Miss Bingley. Todas as suas atenções, a sua afeição por Miss Darcy e os elogios a Mr. Darcy seriam inúteis se ele já estivesse destinado a outra mulher.
Mr. Collins — disse Elizabeth — fala muito bem tanto de Lady Catherine como da filha, mas certos detalhes que ele relatou acerca daquela senhora me fazem suspeitar que a gra­tidão o torna cego e que, apesar de ser a sua protetora, ela é uma mulher arrogante e convencida.
Creio que ela é ambas estas coisas no mais alto grau — replicou Wickham. — Há muitos anos que não a vejo, mas lembro-me perfeitamente de que nunca simpatizei com ela e que as suas maneiras eram autoritárias e insolentes. Tem fama de ser extraordinariamente sensata e esperta. Mas eu creio que essas habilidades são em parte devidas à sua situação social e à sua fortuna, às suas maneiras autoritárias e em parte também ao orgulho do sobrinho, que julga só poder se dar com pessoas importantes.
Elizabeth concordou em que tinha explicado tudo muito razoavelmente e eles continuaram a conversar com mútua satis­fação, até que o jantar pôs fim às partidas de cartas, cabendo às demais senhoras a sua cota nas atenções de Mr. Wickham. Durante o jantar, o barulho foi tão grande que não se podia conversar; mas as maneiras de Mr. Wickham agradaram a todo mundo. Tudo o que ele dizia era bem dito e fazia tudo com graça. Elizabeth partiu muito entusiasmada com ele. Durante todo o caminho para casa não conseguiu pensar noutra coisa a não ser em Mr. Wickham e nas palavras que ele lhe dissera; mas não encontrou nenhuma ocasião de mencionar o seu nome, pois nem Lydia nem Mr. Collins calaram a boca um só instante. Lydia falou ininterruptamente sobre as fichas de jogo que tinha perdido e sobre as que tinha ganho. E Mr. Collins não cessou um só instante de descrever a amabilidade de Mr. e Mrs. Philips, declarando que não se importava absolutamente com suas per­das no jogo, enumerando todos os pratos do jantar, desculpando-se continuamente por estar incomodando as primas no assen­to estreito da carruagem. Estava longe de esgotar todos os seus assuntos, quando a carruagem parou diante da casa de Longbourn.

Capítulo XVII


Elizabeth relatou a Jane no dia seguinte tudo o que se ti­nha passado entre ela e Mr. Wickham. Jane ouviu a irmã com espanto e atenção. Não podia acreditar que Mr. Darcy fosse tão indigno da amizade de Mr. Bingley. E no entanto não estava na sua natureza duvidar da sinceridade de um rapaz tão bem-apessoado como Wickham. A idéia de que ele tivera de suportar realmente tanta ingratidão era suficiente para despertar-lhe to­dos os sentimentos ternos; e portanto nada lhe restava fazer senão pensar bem de ambos, defender a conduta dos dois e le­var à conta do acaso e do erro tudo aquilo que não podia ser explicado de outra maneira.
Ambos foram enganados — disse ela —, de um modo ou de outro, em circunstâncias das quais não podemos ter ne­nhuma idéia. Pessoas interessadas se interpuseram talvez entre eles com as suas intrigas. Enfim é impossível conjecturarmos as causas ou circunstâncias que possam tê-los afastado um do outro, sem que a culpa recaia sobre nenhuma das partes.
Muito bem, e agora, minha querida Jane, que é que você tem a dizer a favor dessas pessoas interessadas que prova­velmente se envolveram no assunto? Acha também que são ino­centes? Ou devemos atribuir a culpa a alguém?
Pode rir quanto quiser, mas não me fará desistir das minhas opiniões. Minha querida Lizzy, pense só na horrível si­tuação em que ficaria Mr. Darcy se ele tivesse tratado de uma tal maneira o favorito do pai, um rapaz a quem o pai promete­ra a sua proteção. É impossível. Nenhum homem com os sen­timentos mais indiferentes, ninguém que tivesse estima pelo seu caráter seria capaz disto. Poderiam os seus amigos mais íntimos se enganar a este ponto a seu respeito? Oh, não.
É mais fácil eu acreditar que Mr. Bingley está sendo iludido do que supor que Mr. Wickham tenha inventado a his­tória que me contou ontem à noite. Nomes, fatos, tudo men­cionado sem cerimônia. Se não for verdade, Mr. Darcy que o contradiga. Além disso, ele parecia sincero.
É de fato difícil, a gente não sabe o que pensar.
Desculpe, a gente sabe exatamente o que pensar. Mas Jane via com clareza apenas um único ponto: que,
caso Mr. Bingley tivesse sido iludido, teria muito que sofrer, quando aqueles fatos se tornassem públicos. Nesse momento as duas moças, que passeavam no pequeno bosque, foram chama­das devido à chegada de um daqueles a respeito de quem esta­vam falando. Mr. Bingley e suas irmãs vieram convidar pessoal­mente as meninas para o tão esperado baile em Netherfield, cuja data fora fixada para a terça-feira seguinte. As irmãs de Mr. Bingley declararam que estavam muito satisfeitas em falar com a querida amiga, pois não tinham ocasião de vê-la há mui­to tempo. Perguntaram várias vezes o que é que ela fizera des­de o regresso de Netherfield. Ao resto da família, mal presta­ram atenção. Evitaram Mrs. Bennet o mais que puderam, fala­ram um pouco com Elizabeth e ignoraram a presença das outras pessoas. Partiram logo, levantando-se das cadeiras com uma energia que surpreendeu o irmão e apressando-se como se de­sejassem se ver livres das amabilidades de Mrs. Bennet. A pers­pectiva do baile em Netherfield era extremamente agradável para todas as moças da família. Mrs. Bennet achou que devia considerar o baile como uma homenagem à sua filha mais ve­lha e ficou extremamente lisonjeada pelo convite que recebera pessoalmente de Mr. Bingley, em vez de um simples e cerimonioso cartão. Jane imaginou a noite agradável que passaria em companhia de suas duas amigas e as atenções que receberia de Mr. Bingley. Elizabeth encarava com prazer a perspectiva de dançar muitas vezes com Mr. Wickham e de ler a confirmação de tudo o que sabia no rosto e nas maneiras de Mr. Darcy. A felicidade que Katherine e Lydia antecipavam não dependia de determinada pessoa ou acontecimento, pois embora, como Eli­zabeth, tencionassem dançar metade da noite com Mr. Wick­ham, este não era de nenhum modo o único par que as poderia satisfazer e para elas um baile era de qualquer maneira um gran­de acontecimento. E até Mary assegurou à família que não se desinteressava da festa.
Contanto que eu possa ter as manhãs livres — disse ela —, é o que me basta. Não acho que seja um sacrifício dedi­car ocasionalmente uma noite às diversões sociais. A sociedade tem certos direitos sobre nós. Sou da opinião daqueles que con­sideram certos intervalos de recreação e de divertimento dese­jáveis para todo o mundo.
Elizabeth se sentia de tão bom humor que, embora não dirigisse muitas vezes a palavra a Mr. Collins, exceto quando a isto era obrigada, não pôde deixar de perguntar se ele tencio­nava aceitar o convite de Mr. Bingley e se julgava apropriado tomar parte naquele divertimento mundano; com grande sur­presa ficou sabendo que Mr. Collins não tinha o menor escrú­pulo a esse respeito e que nem de longe temia uma repreensão do arcebispo ou de Lady Catherine de Bourgh por tomar parte num baile.
— Sou de opinião — disse ele — que um baile desta es­pécie, oferecido por um rapaz de caráter a pessoas respeitáveis, não pode ter nenhuma conseqüência má. Estou tão longe de fazer qualquer objeção à dança, que me sentirei honrado em dançar com todas as minhas belas primas durante aquela noite. E aproveito a oportunidade para solicitar a sua mão, Miss Eli­zabeth, para as duas primeiras danças, preferência que, espero, a minha prima Jane atribuirá à sua verdadeira causa e não a qualquer desrespeito para com a sua pessoa.
Elizabeth ficou desolada. Tencionava comprometer-se com Mr. Wickham para estas danças e agora tinha que trocá-lo por Mr. Collins. O seu contentamento não poderia ter sido mais inoportuno. Mas não havia mais remédio. A felicidade de Mr. Wickham e, portanto, a sua própria teriam de ser adiadas. E a proposta de Mr. Collins foi aceita com a maior dose de amabi­lidade de que ela pôde dispor. E outra idéia que aquela galanteria lhe sugeriu não foi de natureza a aumentar o seu conten­tamento. Elizabeth compreendeu pela primeira vez que havia sido escolhida entre as suas irmãs para ser a esposa do reitor de Hunsford e para ajudar a completar uma mesa de jogo de quadrille em Rosings, na falta de visitas mais importantes. A idéia logo se transformou em certeza, quando observou as cres­centes amabilidades com que Mr. Collins a cercava e as freqüen­tes tentativas de elogiar o seu espírito de vivacidade. E, embo­ra ficasse mais surpresa do que contente com esses inesperados efeitos dos seus encantos, sua mãe não tardou a dar a entender que a probabilidade daquele casamento lhe era extremamente agradável. Elizabeth no entanto resolveu ignorar a indireta, compreendendo que qualquer recusa seria a causa de uma vio­lenta disputa. Talvez Mr. Collins nunca fizesse a proposta. E, até que o fizesse, era inútil brigar por sua causa.
Se não fossem os preparativos para o baile de Netherfield, as duas irmãs mais moças se encontrariam num estado lamen­tável naquele dia, pois, desde a manhã do convite até o dia do baile, houve uma tal sucessão de dias chuvosos que nem uma só vez elas puderam ir a Meryton. Nem tia, nem oficiais, nem novidades...
Até Elizabeth se sentiu aborrecida. O mau tempo impe­dia inteiramente o progresso das suas relações com Mr. Wick­ham e, a não ser a perspectiva da festa na terça-feira, nada po­deria ter tornado suportável para Kitty e Lydia a monotonia de uma sexta, de um sábado, de um domingo e de uma segun­da-feira de chuva.

Capitulo XVIII


Até o momento em que Elizabeth entrou na sala, em Ne­therfield, e procurou em vão Mr. Wickham entre os grupos de túnica vermelha ali reunidos, nem uma só vez a dúvida de que ele pudesse não estar presente atravessara o seu espírito. Ne­nhuma das lembranças que razoavelmente a poderiam ter alar­mado tinha destruído a certeza de encontrá-lo ali. Vestira-se com cuidado especial e se preparara com o melhor dos espíri­tos para a conquista de tudo aquilo que ainda não fora subme­tido no coração de Mr. Wickham, certa de que naquela noite encontraria ocasião de vencer todos os obstáculos. Mas naquele instante levantou-se nela a horrível suspeita de que o seu nome fora propositadamente omitido nos convites enviados por Bin­gley aos oficiais, para fazer a vontade de Mr. Darcy. E, embora o caso não fosse exatamente aquele, o fato irreparável da sua ausência foi anunciado por seu amigo Mr. Denny, a quem Lydia se dirigiu avidamente e que lhe disse ter sido Wickham obriga­do a partir para Londres, no dia anterior, em viagem de negó­cios, e que ainda não voltara; acrescentando, com um sorriso significativo:
— Não acredito que tais negócios o tivessem afastado da­qui exatamente neste momento, se ele não desejasse evitar um certo cavalheiro aqui presente.
Estas palavras, que Lydia não ouviu, foram percebidas por Elizabeth, e, como lhe demonstravam que Darcy não era menos responsável pela ausência de Wickham do que no caso de ser justa a sua primeira hipótese, todos os seus sentimentos de des­contentamento para com Mr. Darcy foram de tal modo exacer­bados pelo súbito desapontamento que apenas conseguiu res­ponder com fria civilidade às amáveis perguntas que aquele ca­valheiro pouco depois lhe dirigiu. Toda a atenção, tolerância e paciência que demonstrasse para com Darcy significavam uma injúria para com Wickham. Ela resolveu não entrar em conver­sação de nenhuma espécie com ele e não conseguiu esconder de todo o seu mau humor, nem mesmo ao falar com Mr. Bingley, cuja cega parcialidade a irritava.
Mas Elizabeth não era feita para ficar muito tempo de mau humor e, embora todas as suas esperanças para aquela noi­te tivessem sido destruídas, em breve aquela nuvem se dissipou do seu espírito. Tendo desabafado todas as suas mágoas com Charlotte Lucas, com a qual não estivera durante uma semana, mudou espontaneamente de assunto e chamou a atenção da ami­ga para as esquisitices do primo. As duas primeiras danças, no entanto, renovaram o seu desânimo. Mr. Collins, desajeitado e solene, pedindo desculpas em vez de prestar atenção e dando freqüentes passos errados sem perceber, lhe trouxe toda a ver­gonha e infelicidade que pode causar um par desagradável du­rante duas danças seguidas. No momento em que conseguiu ver­se livre dele, o seu alívio não teve limites. Dançou em seguida com um oficial e teve o consolo de falar em Wickham e de ouvir dizer que ele era apreciado por todos. Terminadas aque­las danças, voltou para perto de Charlotte Lucas, e conversava com esta quando foi abordada subitamente por Mr. Darcy, que a convidou para dançar. Tomada de surpresa, sem saber bem o que fazia, Elizabeth aceitou. Logo depois, Mr. Darcy se afas­tou, dando tempo assim a Elizabeth para lamentar a sua falta de presença de espírito. Charlotte procurou consolá-la.
Você o achará muito agradável.
Deus não permita tal coisa. Seria a maior infelicidade de todas! Achar agradável uma pessoa que decidimos odiar! Não me deseje esse mal.
Entretanto, quando a música recomeçou e Darcy se apro­ximou, Charlotte não pôde evitar de prevenir a amiga, em voz baixa, de que não tivesse a simplicidade de permitir que o seu entusiasmo por Wickham a tornasse desagradável aos olhos de um homem dez vezes mais importante. Elizabeth não respon­deu e tomou o seu lugar na fila, espantada com a honra de ter sido a escolhida para ficar defronte de Mr. Darcy, lendo igual surpresa nos olhos das suas vizinhas. Durante algum tempo não se falaram e ela começou a pensar que aquele silêncio ia pro­longar-se durante as duas danças. A princípio resolveu ficar calada. Mas de súbito, imaginando que seria ainda maior cas­tigo obrigar o seu companheiro a conversar, fez algumas ligei­ras observações sobre a dança. Ele respondeu e calou-se. Dois minutos depois ela se dirigiu novamente a ele e disse:
Agora é a sua vez de dizer alguma coisa, Mr. Darcy.
Falei a respeito da dança e o senhor devia fazer algumas obser­vações sobre o tamanho da sala e sobre o número dos pares. Ele sorriu e afirmou que diria tudo o que ela desejasse.
Muito bem, a resposta basta para o momento. Talvez a propósito eu possa observar que os bailes particulares são muito mais agradáveis do que os bailes públicos. Agora pode­mos ficar calados.
Então a senhora fala por princípio, quando está dan­çando?
Às vezes, é preciso falar um pouco, não acha? Parece­ria estranho ficar em silêncio durante meia hora. No entanto, para servir às preferências de certas pessoas, a conversação de­veria ser entabulada com o menor número possível de palavras.
Está falando a respeito de seus sentimentos no caso presente? Ou imagina que está justificando os meus?
As duas coisas — replicou Elizabeth, maliciosamente. — Já notei que temos grandes semelhanças de espírito. Ambos somos de feitio anti-social, taciturno, e não gostamos de falar senão para dizer alguma coisa capaz de causar assombro a toda a sala e ser transmitida à posteridade com o brilho de um pro­vérbio.
Estou certo de que isto é uma imagem muito fiel do seu próprio caráter — disse ele. — Mas não posso dizer até que ponto seja do meu. Sem dúvida a senhora acha que é uma descrição fiel?
Não devo julgar a minha própria argúcia.
Ele não respondeu e ficaram novamente em silêncio até que, terminada a dança, Mr. Darcy perguntou se as suas irmãs não costumavam ir freqüentemente até Meryton. Ela respon­deu afirmativamente e, sem poder resistir à tentação, acres­centou:
Quando nos encontrou lá outro dia, acabávamos de fazer uma nova relação.
O efeito foi imediato. A expressão de altivez se acentuou no rosto de Darcy, mas ele nada respondeu. E Elizabeth, mal­dizendo a sua própria fraqueza, não teve forças para continuar. Afinal Darcy falou, constrangido:
Mr. Wickham é dotado de maneiras tão agradáveis que lhe é fácil fazer amigos. Mas não é tão certo que seja capaz de retê-los.
Ele teve a infelicidade de perder a sua amizade — re­plicou Elizabeth, com ênfase. — E em circunstâncias que o fa­rão provavelmente sofrer durante toda a vida.
Darcy não respondeu e mostrou desejo de mudar de as­sunto. Naquele momento Sir William Lucas se aproximou, com a intenção de atravessar a sala. Vendo porém Mr. Darcy, parou e, inclinando-se, cumprimentou-o pelo fato de estar dançando e pelo seu par.
Acredite que fiquei muito satisfeito. Não é comum ver-se dançar tão bem. O senhor é um perito. Permita dizer-lhe, porém, que o seu belo par não lhe fica atrás. Espero que esse prazer se repita, especialmente quando um certo aconteci­mento muito desejável tiver lugar, minha cara Miss Eliza.
E, dizendo isto, olhou para Jane e Bingley.
Como afluirão os parabéns! — continuou ele. — Ape­lo para Mr. Darcy. Mas não quero interrompê-los. E além disso, Mr. Darcy, não desejo privá-lo da conversa agradável desta moça, cujos belos olhos estão também me censurando.
A última parte da tirada foi mal ouvida por Darcy, mas a alusão de Sir William a seu amigo Bingley pareceu impressio­ná-lo. Seus olhos se voltaram para Bingley e Jane, que dançavam juntos. Mas, recompondo-se rapidamente, voltou se para Eli­zabeth e disse:
A interrupção de Sir William me fez esquecer o as­sunto sobre o qual falávamos.
Acho que não estávamos falando. Sir William não po­deria ter interrompido duas pessoas que tivessem menos o que dizer, nesta sala. Já tentamos dois ou três assuntos sem êxito; não sei sobre o que podemos falar agora.
Que pensa dos livros? — disse ele, sorrindo.
Livros? Estou certa de que não lemos os mesmos li­vros. E nunca os encaramos com os mesmos sentimentos.
Sinto que diga isto, mas se este é o caso pelo menos não haverá falta de assunto. Podemos comparar as nossas opi­niões.
Não, não quero falar em livros num salão de baile. Minha cabeça está cheia de outras coisas.
Sempre a preocupa o que está acontecendo em torno de si, não é? — disse ele, com uma expressão de dúvida.
Sim, sempre — replicou ela, sem saber o que dizia, pois o seu pensamento tinha voado para longe.
E, pouco depois, exclamou subitamente:
Lembro-me de que já ouvi o senhor dizer, Mr. Darcy, que dificilmente perdoava. E que o seu ressentimento, uma vez despertado, jamais se aplacaria. Portanto, deve tomar precau­ções para que ele não seja despertado.
É verdade — disse ele com voz firme.
E nunca se deixa influenciar por juízos antecipados?
Espero que não.
É particularmente importante para aqueles que nunca mudam de opinião ter a certeza de julgar com justiça desde o início.
Posso indagar qual é a finalidade dessas perguntas?
Apenas informar-me sobre o seu caráter — disse ela, procurando dissipar o seu ar de gravidade. — Estou tentando compreendê-lo.
E tem conseguido? Ela sacudiu a cabeça.
Não consigo formar uma imagem que me satisfaça. Ouço tantas coisas contraditórias a seu respeito que isto me interessa extraordinariamente.
Acredito que as informações a meu respeito sejam grandemente contraditórias — respondeu ele, com gravidade. — Eu desejaria, Miss Bennet, que não tentasse desenhar o meu caráter neste momento, pois tenho razões para acreditar que o resultado não seria muito lisonjeiro.
Mas se não o tomar como um modelo agora, pode ser que nunca mais encontre outra oportunidade.
De modo algum desejaria perturbar o seu prazer — disse ele, friamente.
Elizabeth se calou e a segunda dança decorreu sem que trocassem outras palavras. Ao se separarem, estavam ambos des­contentes, embora em graus diferentes, pois havia em Darcy um sentimento muito forte em relação a Elizabeth que o le­vou imediatamente a perdoá-la e a dirigir o seu mau humor con­tra outra pessoa.
Não havia muito que se tinham separado, quando Miss Bingley se aproximou de Elizabeth e, com uma expressão amá­vel de desdém, abordou-a da seguinte maneira:
Então, Miss Eliza, ouvi dizer que tinha ficado encan­tada com George Wickham. Sua irmã me falou a respeito dele e me fez mil perguntas. E eu soube que o rapaz se esqueceu de dizer, entre outras coisas, que ele era o filho do velho Wick­ham, o intendente do falecido Mr. Darcy. Deixe que lhe reco­mende, no entanto, como amiga, que não dê inteira fé a todas as suas afirmações, pois é perfeitamente falso que Mr. Darcy o tenha tratado mal. Ao contrário, ele sempre foi muito bondo­so para com Mr. George Wickham, embora este tenha corres­pondido da maneira mais infame. Não conheço os detalhes, mas sei muito bem que Mr. Darcy não tem culpa nenhuma, que ele não pode suportar Mr. George Wickham, nem ouvir falar nes­sa pessoa, e, embora o meu irmão achasse que não podia omitir o seu nome na lista dos oficiais convidados, ficou satisfeito por ele se encontrar ausente. Acho uma insolência sem nome da parte de Mr. Wickham ter-se mudado para cá e não sei como ele teve tamanha ousadia. Sinto muito ter de falar mal do seu favorito, Miss Eliza, mas considerando a família de que ele descende acho que as suas incorreções não são de estranhar.
Sua culpa e sua origem modesta parecem significar a mesma coisa aos seus olhos — respondeu Elizabeth, enfurecida —, pois a única acusação que lhe fez foi de ser o filho do in­tendente de Mr. Darcy, e quanto a isto posso lhe assegurar que ele foi o primeiro a me informar.
Desculpe —- replicou Miss Bingley, com expressão de despeito. — Perdoe a minha interferência. Foi bem-intencio­nada.
"Que insolente", disse Elizabeth para si mesma. "Está muito enganada se espera me influenciar com ataques tão mes­quinhos. Nada encontro neles a não ser a sua ignorância volun­tária e a malícia de Mr. Darcy."
Em seguida Elizabeth procurou a irmã mais velha, que tinha pedido a Bingley informações sobre o mesmo assunto. Jane lhe dirigiu a palavra com um sorriso agradável e uma ex­pressão feliz, que mostrava o quanto estava satisfeita com as ocorrências daquela noite.
Eu queria saber — disse Elizabeth, com uma expressão não menos sorridente que a da irmã — o que você soube a res­peito de Mr. Wickham. Mas talvez você achasse a companhia tão agradável que não se tenha lembrado de uma terceira pessoa. Neste caso pode estar certa do meu perdão.
Não — replicou Jane —, não me esqueci dele. Mas nada tenho de satisfatório a lhe comunicar. Mr. Bingley não sabe a história toda, nem conhece as circunstâncias que Mr. Darcy achou ofensivas; mas ele garante a boa conduta, a pro­bidade e a honra do seu amigo Mr. Darcy. Ele está inteiramen­te convencido de que Mr. Wickham não é de modo algum um rapaz respeitável. Creio que ele foi muito imprudente e mere­ceu perder a estima de Mr. Darcy.
Mr. Bingley conhece Mr. Wickham pessoalmente?
Não. Nunca o tinha visto antes daquele nosso encon­tro em Meryton.
Então essas informações são as que ele recebeu de Mr. Darcy. Estou satisfeita. Mas o que é que ele diz a respeito do posto?
Ele não se lembra exatamente das circunstâncias, embora Mr. Darcy lhe tenha falado nisto mais de uma vez. Mas acredita que o posto tenha sido deixado apenas condicional­mente.
Não duvido da sinceridade de Mr. Bingley — disse Elizabeth com ênfase. — Mas você me desculpará de não poder me contentar apenas com esta simples afirmação. Não duvido de que Mr. Bingley tenha defendido o seu amigo brilhantemen­te, mas, já que ele desconhece muitos lados da história e ouviu o resto do próprio Mr. Darcy, continuo a pensar exatamente como antes a respeito de ambos os cavalheiros.
Em seguida Elizabeth mudou para outro assunto mais agradável, no qual não havia lugar para divergências. Ouviu com prazer o relato que Jane lhe fez das felizes, embora mo­destas, esperanças que ela alimentava a respeito de Mr. Bin­gley e respondeu, procurando animá-la nessas esperanças. Logo que Mr. Bingley se juntou a elas, Elizabeth se dirigiu para sua amiga Miss Lucas, que lhe perguntou como tinha achado o seu par. E, antes que Elizabeth pudesse terminar a sua resposta, Mr. Collins se aproximou e disse, muito entusiasmado, que ti­nha feito uma notável descoberta.
Descobri por um singular acaso — disse ele — que existe nesta sala um parente muito próximo da minha proteto­ra: ouvi este cavalheiro mencionar para a jovem senhora que faz as honras desta casa os nomes da sua prima, Miss de Bourgh, e de Lady Catherine. É estranho como estas coisas ocorrem: quem pensaria encontrar aqui um sobrinho de Lady Catherine? Estou contente por ter descoberto isto a tempo de apresentar meus respeitos a este cavalheiro, pedindo-lhe que me desculpe por não o ter feito antes. Espero que a minha total ignorância desse parentesco seja o suficiente para me fazer perdoar.
O senhor não vai se apresentar pessoalmente a Mr. Darcy!
Decerto. Pedirei desculpas por não o ter feito antes. Acredito que ele seja o sobrinho de Lady Catherine. Estarei realmente em situação de lhe afirmar que Sua Senhoria ia mui­to bem quando a deixei.
Elizabeth tentou dissuadi-lo da sua resolução, dizendo que Mr. Darcy consideraria o fato de alguém se dirigir a ele sem apresentação como uma impertinência. Que não era absoluta­mente necessário para ambos que eles travassem conhecimento e que cabia a Mr. Darcy, em virtude da sua situação superior, qualquer iniciativa a este respeito.
Mr. Collins ouviu o que ela dizia, com ar de quem estava decidido a seguir as suas próprias inclinações, e quando ela ces­sou de falar respondeu da seguinte forma:
Minha cara Miss Elizabeth, tenho o maior respeito pela sua opinião em tudo o que se refere a assuntos da sua compe­tência, mas permita-me dizer-lhe que existe uma larga diferen­ça entre as fórmulas de cerimônia usadas pelos leigos e aquelas que regulam as relações com as pessoas do clero. Dê-me licença de observar que eu considero o mister sacerdotal equivalente em dignidade aos mais altos titulares do reino, desde que ao mesmo tempo se mantenha a devida humildade de conduta. Permita-me pois seguir os ditames da minha consciência e rea­lizar o que considero um dever. Perdoe-me menosprezar os seus conselhos, que em todas as demais circunstâncias eu conside­raria como um precioso guia. Mas no caso presente eu me acho mais capaz, pela educação e pelo estudo, de julgar o que é di­reito e o que é errado, do que uma jovem como a senhora.
E, fazendo uma profunda reverência, deixou-a para ir abor­dar Mr. Darcy. Elizabeth observou com atenção a acolhida que este prodigalizava a Mr. Collins. A surpresa de ver-se assim interpelado era visível em Mr. Darcy.
O primo iniciou a sua tirada com uma solene reverência. Embora ela não pudesse ouvir nenhuma palavra, sentiu o que se passava como se estivesse escutando. E distinguiu, pelo mo­vimento dos lábios, as palavras ''desculpas", "Hunsford" c "Lady Catherine de Bourgh". Sentiu-se desapontada de ver o primo ridicularizar-se assim diante daquele homem. Mr. Darcy o observava com um espanto pouco contido, e quando, afinal, Mr. Collins lhe concedeu uma ocasião de falar, respondeu com ar distante de amabilidade. Mr. Collins entretanto não desani­mou e voltou à carga, enquanto o desprezo de Mr. Darcy pa­recia crescer rapidamente com a extensão da segunda tirada.
No fim fez apenas um ligeiro cumprimento e se afastou. Mr. Collins voltou então para perto de Elizabeth.
— Asseguro-lhe que não tenho nenhum motivo para ficar descontente com a acolhida que recebi. Mr. Darcy pareceu ficar muito satisfeito com a atenção. Respondeu-me com a maior amabilidade e me fez até a honra de observar que estava tão convencido do discernimento de Lady Catherine que tinha a certeza de que ela nunca concederia os seus favores a quem não os merecesse. Foi realmente um belo pensamento. Estou muito satisfeito com ele.
Como Elizabeth não tinha mais nenhum interesse espe­cial naquela festa, voltou a atenção inteiramente para a irmã e Mr. Bingley. As agradáveis reflexões a que conduziram as suas observações tornaram-na quase tão feliz quanto Jane. Na sua imaginação, viu-a instalada naquela casa, gozando toda a ven­tura que um casamento realmente feliz pode dispensar. E sen­tiu-se até capaz, em tais circunstâncias, de procurar gostar das duas irmãs de Bingley. Viu que os pensamentos da sua mãe se dirigiam para o mesmo lado e resolveu não se aproximar dela para não ouvi-la falar demais. Quando se sentaram para a ceia, Elizabeth considerou uma grande falta de sorte, quase uma perversidade, ter sido colocada perto de sua mãe. Lady Lucas é que estava sentada entre Mrs. Bennet e Elizabeth, e esta fi­cou profundamente desapontada ao ver que sua mãe falava a Lady Lucas abertamente da sua esperança de ver em breve Jane casada com Mr. Bingley. Era um assunto interessante do qual Mrs. Bennet jamais se cansaria. E não se fatigava de enu­merar as vantagens daquela aliança. Ele era um rapaz encan­tador, era rico e vivia apenas a três milhas de distância. Estes eram os três primeiros pontos pelos quais se felicitava. E depois, era um grande conforto ver como as duas irmãs de Mr. Bingley gostavam de Jane e ter a certeza de que estas pessoas deseja­vam o casamento tanto quanto ela. Além disso era uma coisa muito importante para as suas filhas mais moças, pois o casa­mento de Jane com um homem de tão elevada posição as con­duziria a conhecer partidos ricos. E finalmente era um grande conforto, na sua idade, poder confiar as filhas solteiras aos cui­dados da irmã casada. Isto a dispensaria da obrigação de fre­qüentar a sociedade, na escala em que era agora obrigada a fazer.
Naquelas circunstâncias era necessário, por uma questão de. etiqueta, fazer esta última observação. Mas ninguém menos do que Mrs. Bennet encontrava prazer em ficar em casa. Con­cluiu desejando que Lady Lucas tivesse a mesma felicidade, em­bora fosse evidente que acreditasse não haver nenhuma possi­bilidade de acontecer tal coisa.
Elizabeth procurou em vão reprimir o fluxo das palavras da mãe e persuadi-la a descrever a sua felicidade num tom mais discreto, pois viu com inexprimível desapontamento que Mr. Darcy, sentado defronte delas, ouvia quase todas as suas pala­vras. Sua mãe até ralhou com ela por ser tão absurda.
Que me importa Mr. Darcy? Que motivo tenho para ter medo dele? Estou certa de que não lhe devemos um res­peito tal, que nos obrigue a nada dizer que possa descontentá-lo.
Pelo amor de Deus, mamãe, fale mais baixo. Qual a vantagem de ofender Mr. Darcy? Não é desta maneira que se fará estimar pelo seu amigo.
Nada do que disse, entretanto, teve a menor influência. Sua mãe continuou a expressar as suas opiniões no mesmo tom. Elizabeth enrubescia repetidamente de vergonha e desaponta­mento. Não podia deixar de lançar de vez em quando um olhar a Mr. Darcy, embora cada vez se convencesse mais de que es­tava se realizando o que ela mais temia, pois embora Mr. Dar­cy não olhasse continuamente para a sua mãe, a sua atenção estava invariavelmente presa ao que ela estava falando. A ex­pressão do seu rosto mudou gradualmente, do desprezo para a indignação e desta para uma severa gravidade.
No entanto, chegou um momento em que Mrs. Bennet nada mais teve a dizer. E Lady Lucas, que já bocejava há algum tempo, com a repetição dos prazeres que ela não tinha proba­bilidade de compartilhar, procurava se consolar com presunto frio e galinha. Elizabeth se sentiu reviver. Mas não durou muito tempo a sua tranqüilidade, pois acabado o jantar falaram em música. E ela teve a mortificação de ver Mary, depois de ligeira insistência, se preparar para responder ao apelo dos convidados. Tentou, por olhares significativos e mudos apelos, impedir que a irmã desse essa prova de boa vontade. Mas em vão. Mary não compreendia os seus sinais. Uma tal oportunidade de exibir-se era-lhe deliciosa e ela começou a cantar. Os olhos de Elizabeth se fixaram nela com os mais dolorosos sentimentos. Ouviu as várias estrofes com uma impaciência muito mal contida, pois Mary, ao perceber entre os agradecimentos a sugestão de que ela pudesse ser instada a renovar o prazer que estava dando aos seus ouvintes, recomeçou a cantar, depois de uma pausa de meio minuto. As forças de Mary não estavam absolutamente à altura de um tal feito; sua voz tornou-se fraca, seus gestos afe­tados. Elizabeth sofria torturas. Olhou para Jane a fim de ver como é que ela suportava aquilo, mas Jane conversava discre­tamente com Bingley. Olhou para as duas irmãs e viu que elas faziam sinais uma para a outra, caçoando de Mary. Darcy con­tinuava, porém, impenetravelmente grave. Elizabeth olhou para o pai, a fim de suplicar a sua interferência, caso Mary se pro­pusesse cantar a noite inteira. Ele compreendeu o gesto e quan­do Mary acabou de cantar pela segunda vez, disse, em voz alta:
Isto basta, minha filha. Você cantou muito bem e nos deleitou a todos. Agora deixe as outras moças brilharem.
Mary, embora fingisse não ouvir, ficou um tanto pertur­bada. Elizabeth, penalizada por ela e descontente com a sem-cerimônia do pai, teve medo de que a sua ansiedade tivesse sido inútil. Outras moças foram convidadas.
Se eu tivesse a sorte de saber cantar — disse Mr. Col­lins —, estou certo de que teria o maior gosto de dar aos ilus­tres presentes o prazer de uma ária, pois considero a música um passatempo muito inocente e perfeitamente compatível com a profissão de um sacerdote. Não quero afirmar entretanto que seja justo dedicar todo o nosso tempo à música, pois existem, é claro, outros deveres. O reitor de uma paróquia tem muito o que fazer. Em primeiro lugar ele deve fazer um acordo sobre as contribuições, sem ser muito pesado ao seu protetor. Ele deve escrever os seus próprios sermões e o tempo que lhe so­bra não será muito para os deveres da paróquia e para o cui­dado e conservação da sua casa, que ele deve tornar tão con­fortável quanto possível. E não creio que sejam de pouca im­portância os cuidados que toma para mostrar-se atencioso e benévolo para com todo o mundo, especialmente para aqueles a quem deve a sua situação. Não me posso eximir desta obri­gação, nem posso estar de acordo com um homem que faltas­se à ocasião de apresentar os seus respeitos a qualquer mem­bro da família dos seus protetores.
E com uma reverência a Mr. Darcy, ele concluiu assim a sua tirada, pronunciando-a tão alto que metade da sala o ouviu: muitos o olharam surpresos e muitos sorriram, mas ninguém pareceu se divertir mais do que o próprio Mr. Bennet, enquan­to a sua mulher, muito séria, dava parabéns a Mr. Collins por ter falado tão sensatamente e observava, num meio sussurro a Lady Lucas, que ele era um rapaz notavelmente inteligente e distinto. Elizabeth pensou que se toda a sua família houvesse entrado em acordo para se expor ao ridículo naquela noite não poderia ter desempenhado o papel com mais espírito nem com maior êxito. E achou que Bingley e sua irmã tinham sido bas­tante afortunados, pois parte daquela exibição escapara à aten­ção do primeiro. Felizmente os sentimentos de Bingley não eram de natureza a serem facilmente alterados pelas loucuras que devia ter presenciado. Bastava que as duas irmãs dele e Mr. Darcy tivessem tido uma oportunidade de ridicularizar os seus parentes. E ela não sabia dizer qual das duas atitudes era mais intolerável: se o desprezo silencioso do cavalheiro ou o sorriso insolente das damas.
O resto da noite trouxe-lhe poucas distrações. Mr. Collins, que perseverava a seu lado, embora não a obrigasse a dançar novamente, impediu que outros a tirassem. Em vão Elizabeth lhe suplicou que convidasse outra moça. Chegou mesmo a se oferecer para apresentá-lo a qualquer das moças que estavam na sala. Ele lhe assegurou que a dança propriamente lhe era inteiramente indiferente e que o seu fim era conquistar as boas graças de Elizabeth por meio de pequenas atenções e que, por­tanto, considerava um dever ficar ao lado dela durante toda a noite. Não houve argumentos que o demovessem de um tal intento. Se ela teve algum alívio foi graças a Miss Lucas, que, para socorrer a amiga, procurou conversar com Mr. Collins.
Elizabeth se viu livre afinal da afronta que as atenções de Mr. Darcy lhe causariam. Embora ele chegasse várias vezes a pouca distância da moça, não se aproximou para conversar. Elizabeth sentiu que isto era devido provavelmente às referên­cias que fizera à pessoa de Mr. Wickham e sentiu um certo prazer.
A família de Longbourn foi a última, a partir. Graças a uma hábil manobra, Mrs. Bennet conseguiu retardar a sua car­ruagem durante quinze minutos depois que todos os outros ti­nham partido. Isto deu ensejo a que Elizabeth constatasse que várias pessoas da família ansiavam cordialmente pela partida dos últimos convidados. Mrs. Hurst e a irmã só abriram a boca para se queixar do cansaço. Estavam impacientes para ter a casa vazia. Repeliram todas as tentativas de Mrs. Bennet, que desejava conversar, e isto lançou um torpor em toda a sala, que nem mesmo as longas tiradas de Mr. Collins conseguiram dis­sipar. Mr. Collins deu parabéns a Mr. Bingley e às suas irmãs pela elegância da festa, pela hospitalidade e polidez com que tinham tratado os seus convidados. Darcy ficou calado. Mr. Bennet, igualmente silencioso, contemplava a cena com prazer. Mr. Bingley e Jane estavam juntos um pouco separados dos outros e conversavam um com o outro. Elizabeth ficou tão ca­lada quanto Mrs. Hurst e Miss Bingley, e Lydia se limitava a exclamar ocasionalmente: "Arre, como estou cansada...", acompanhando estas palavras com um bocejo violento. Quando afinal se levantaram para partir, Mrs. Bennet se desmanchou em amabilidades, na esperança de ver a família toda brevemente em Longbourn. Dirigiu-se particularmente a Mr. Bingley, para assegurar-lhe que teria o maior prazer em recebê-lo a qualquer dia, para um jantar em família, sem as formalidades de um con­vite. Bingley agradeceu com grande prazer e de boa vontade se comprometeu a aparecer na primeira oportunidade, depois de sua volta de Londres, para onde deveria partir no dia se­guinte, demorando-se lá pouco tempo.
Mrs. Bennet ficou inteiramente satisfeita e deixou a casa na deliciosa convicção de que, contando com o prazo necessá­rio para preparar os contratos, as novas carruagens e o enxoval, ela sem dúvida veria a filha instalada em Netherfield dentro de três ou quatro meses no máximo. Pensava com igual certeza no casamento da outra filha com Mr. Collins e isto lhe dava um prazer apreciável, embora não tão grande. De todas as suas fi­lhas, Elizabeth era a de quem menos gostava. Embora o mari­do e o casamento fossem perfeitamente dignos dela, o valor de ambas as coisas era eclipsado por Mr. Bingley e Netherfield.

Capítulo XIX


No dia seguinte abriu-se uma nova cena em Longbourn. Mr. Collins fez a sua declaração em regra, tendo resolvido agir sem mais perda de tempo, pois a sua licença expirava no sába­do seguinte, e como não o embaraçassem certas delicadezas de sentimento, fez o pedido com todas as formalidades que supu­nha indispensáveis à transação.
Pouco depois da primeira refeição, encontrando juntas Elizabeth, Mrs. Bennet e uma das irmãs mais moças, ele se di­rigiu à mãe com as seguintes palavras:
Posso esperar, minha senhora, que se entenda com sua filha Elizabeth para solicitar-lhe em meu nome a honra de uma audiência privada esta manhã?
Antes que Elizabeth, corando de surpresa, tivesse tempo de responder alguma coisa, Mrs. Bennet respondeu espontanea­mente:
Oh, sim, pois não, certamente. Tenho certeza de que Lizzy terá grande prazer. Acredito que ela não fará nenhuma objeção. Venha, Kitty, vamos lá para cima.
E apanhando os seus trabalhos ela se afastava apressada­mente, quando Elizabeth exclamou:
Não vá já, mamãe, peço-lhe que não vá embora. Mr. Collins terá que me desculpar, ele nada tem a me dizer que os outros não possam ouvir. Eu vou também.
Não, não, que tolice, Lizzy! Desejo que você fique onde está.
E como Elizabeth, com olhares embaraçados, parecesse realmente disposta a fugir, ela acrescentou:
Lizzy, eu insisto que fique e ouça o que Mr. Collins tem a dizer.
Elizabeth não podia se opor a uma tal injunção. Depois de refletir um instante, achou que seria realmente melhor aca­bar com aquilo o mais depressa possível; tornou a sentar e, aplicando-se ao trabalho, procurou disfarçar a agitação e a curio­sidade. Assim que Mrs. Bennet e Kitty se afastaram, Mr. Collins começou:
Acredite, minha cara Miss Elizabeth, que a sua mo­déstia, longe de prejudicá-la, acrescenta mais uma às suas outras perfeições. A senhora teria sido menos adorável aos meus olhos se não tivesse havido essa pequena resistência. No entanto, per­mita que lhe assegure que tenho a permissão da sua respeitável mãe para este empreendimento. A senhora dificilmente poderá ignorar o verdadeiro sentido das minhas palavras. No entanto, a sua natural delicadeza pode levá-la a dissimular. As minhas atenções foram marcadas demais para serem mal compreendi­das. Quase desde o primeiro momento em que entrei nesta casa escolhi-a para companheira da minha vida futura. Antes de me deixar levar pelos meus sentimentos a este respeito, talvez convenha dizer-lhe as razões que tenho para me casar e além disso os motivos que me trouxeram ao Hertfordshire com o propó­sito de escolher uma esposa.
A idéia de que Mr. Collins, com toda a sua solenidade, pudesse ser levado pelos sentimentos provocou no espírito de Elizabeth tamanha hilariedade, que ela não pôde utilizar a curta pausa que se seguiu a fim de procurar detê-lo. Ele prosseguiu:
Minhas razões para casar são: primeiro, penso que é uma obrigação de todos os pastores que se encontrem em boa situação, como eu, dar bom exemplo à sua paróquia. Em segun­do lugar estou convencido de que isto contribuirá grandemente para a minha felicidade. E o terceiro motivo, que eu devia tal­vez ter mencionado primeiro, é o conselho e a expressa reco­mendação da muito nobre senhora que eu tenho a honra de chamar a minha protetora. Duas vezes ela condescendeu em dar-me a sua opinião sobre este assunto, sem que eu lhe pedis­se. E na noite que precedeu a minha partida de Hunsford, du­rante um jogo de cartas e enquanto Miss Jenkinson punha um tamborete sob os pés de Miss de Bourgh, Lady Catherine disse: "Mr. Collins, o senhor precisa se casar. Um pastor como o se­nhor tem a obrigação de se casar. Escolha uma mulher educa­da, é o que lhe peço; e, para seu interesse, escolha uma pessoa ativa, útil, que não tenha sido mimada pelos pais, mas que saiba administrar uma casa com economia. Encontre uma pessoa nes­sas condições o mais depressa possível, traga-a para Hunsford e eu irei visitá-la". Permita-me a propósito observar, minha en­cantadora prima, que não considero a atenção e a amabilidade de Lady Catherine uma das menores vantagens que estão em meu poder oferecer-lhe; penso que o seu espírito e a sua viva-cidade a tornarão aceitável aos olhos de Lady Catherine, espe­cialmente se combinar estas qualidades com a veneração e o respeito que a posição de Lady Catherine hão de provocar inevitavelmente em seu espírito. Isto quanto à minha opinião geral a favor do matrimônio. Resta-me explicar por que lancei as minhas vistas sobre Longbourn de preferência ao lugar onde resido, em que, posso lhe assegurar, encontraria muitas moças encantadoras. Mas o fato é que, sendo eu o herdeiro do seu honrado pai, que no entanto pode ainda viver longos anos, achei que era do meu dever escolher uma esposa entre as suas filhas, para que o prejuízo destas pessoas possa ser o menor possível, quando aquele triste acontecimento tiver lugar; o qual entretanto, como eu já disse, pode demorar ainda muitos anos. Este foi o meu motivo principal, minha estimada prima, e estou certo de que ele não me diminuirá aos seus olhos. E agora nada me resta senão lhe exprimir, na linguagem mais apaixonada, a violência da minha afeição. Sou perfeitamente indiferente à for­tuna e não farei nenhuma exigência dessa natureza a seu pai, pois sei perfeitamente que ela não poderia ser atendida. Sei também que as mil libras a quatro por cento, que só serão suas depois da morte de sua mãe, são tudo a que a minha prima tem direito. Sobre esse assunto, portanto, eu me conservarei silen­cioso. Pode ficar certa de que nenhuma observação pouco ge­nerosa atravessará os meus lábios depois que nos casarmos. Tornava-se agora absolutamente necessário interrompê-lo.
O senhor está se precipitando — exclamou Elizabeth. — Esquece que ainda não lhe dei uma resposta. É o que vou fazer, sem mais perda de tempo: aceite os meus agradecimen­tos pela honra que está me dando. Creia que o aprecio devida­mente, mas é-me impossível fazer outra coisa senão recusar.
Não é preciso que me ensine — replicou Mr. Collins, com um largo gesto da mão — que as moças costumam rejei­tar as propostas do homem que secretamente tencionam aceitar, da primeira vez em que são feitas; e que às vezes até esta re­cusa se repete duas ou três vezes. Portanto, não estou absolu­tamente desencorajado pelo que acabou de dizer e espero den­tro em breve conduzi-la ao altar.
Digo-lhe sinceramente — exclamou Elizabeth — que a sua esperança me parece extraordinária depois da minha de­claração. Asseguro-lhe que não sou dessas moças, se é que exis­tem, que cometem a ousadia de arriscar a sua felicidade con­fiando nas possibilidades de um segundo pedido. Minha recusa é perfeitamente séria. O senhor não me poderia tornar feliz. E estou convencida de que sou a última mulher do mundo ca­paz de fazê-lo feliz. Creio até que se a sua amiga Lady Cathe­rine me conhecesse me acharia sob todos esses aspectos mal qua­lificada para essa situação.
Se eu tivesse certeza de que Lady Catherine pensaria assim... — disse Mr. Collins muito gravemente. — Mas não posso crer que Sua Senhoria desaprovasse a minha escolha. E pode ficar certa de que, quando tiver a honra de tornar a vê-la, falarei com todo o entusiasmo na sua modéstia, economia e outras estimáveis qualidades.
Asseguro-lhe, Mr. Collins, que todos esses elogios se­rão desnecessários. É preciso que me conceda a licença de jul­gar por mim mesma e me faça o favor de acreditar no que digo. Desejo que se torne muito rico e muito feliz e, recusando-lhe a minha mão, faço tudo que está em meu poder para auxiliá-lo a atingir os seus fins. Fazendo-me este oferecimento, já teve ocasião de mostrar a delicadeza dos seus sentimentos e pode portanto tomar posse da propriedade de Longbourn quando o meu pai morrer, sem nenhum escrúpulo. O assunto pode ser considerado encerrado.
E dizendo estas palavras Elizabeth se levantou e teria saí­do da sala se Mr. Collins não tivesse se dirigido a ela:
Quando eu tiver a honra de lhe falar pela segunda vez neste assunto, espero receber uma resposta mais favorável. Longe de mim, no entanto, acusá-la de crueldade neste momen­to, pois sei que é um costume do seu sexo rejeitar as primeiras propostas de um homem. E penso que me deu agora todos os encorajamentos compatíveis com a verdadeira delicadeza do ca­ráter feminino.
Realmente, Mr. Collins — gritou Elizabeth, com vivacidade —, o senhor me surpreende. Se o que eu lhe disse até agora pode lhe parecer um encorajamento não sei de que ma­neira lhe exprimir a minha recusa de maneira a torná-la con­vincente.
Peço licença, minha encantadora prima, para aceitar a sua recusa apenas como uma questão de palavras. Minhas ra­zões para acreditar nisto são em suma as seguintes: não me pa­rece que a minha mão seja indigna da sua pessoa, nem tampou­co a situação que posso oferecer-lhe. Minha posição na vida, minhas relações com a família De Bourgh e meu parentesco com a sua são circunstâncias que falam altamente em meu favor. E além disso a minha prima devia tomar em consideração tam­bém que, apesar dos seus muitos atrativos, não é certo que outra proposta de casamento lhe seja feita. O seu dote é infe­lizmente tão pequeno que provavelmente contrabalançaria os efeitos da sua beleza e das suas qualidades. Devo portanto con­cluir que ao me rejeitar não está falando seriamente e prefiro atribuir a sua recusa ao desejo de aumentar o meu amor, dei­xando-me na incerteza, de acordo com os costumes habituais das mulheres elegantes.
Asseguro-lhe que não tenho quaisquer pretensões a esta espécie de elegância, que consiste em torturar e atormentar um homem respeitável. Prefiro que me dê a honra de acreditar na minha sinceridade. Repito os meus agradecimentos pela gran­de honra que me deu, mas é-me inteiramente impossível acei­tá-lo. Todos os meus sentimentos o impedem. Posso falar mais claramente: não me considere uma mulher elegante que tem a intenção de atormentá-lo, mas uma criatura racional, falando a verdade do coração.
A minha prima é um encanto! — exclamou ele, com um ar de desajeitada galanteria. — Estou persuadido de que, depois de sancionadas pela autoridade expressa de seus exce­lentes pais, minhas propostas não poderão deixar de se tornar aceitáveis.
Contra tal perseverança na vontade de se iludir, Elizabeth nada poderia fazer. Imediatamente se levantou e saiu, determi­nada, caso ele persistisse em considerar as suas repetidas recu­sas como suaves encorajamentos, a apelar para o pai, cuja re­cusa podia ser decisiva e cuja atitude Mr. Collins não poderia tomar como afetação e artifício de mulher elegante.


Capítulo XX


Mr. Collins não permaneceu muito tempo entregue à con­templação silenciosa do seu amor triunfante, pois Mrs. Bennet, que tinha ficado atenta no vestíbulo para surpreender o fim da conferência, assim que viu Elizabeth abrir a porta e se dirigir apressadamente para a escada, entrou na sala de almoço e cum­primentou Mr. Collins efusivamente, felicitando-se igualmente a si mesma. Mr. Collins recebeu e retribuiu essas felicitações com igual prazer. Em seguida passou a relatar os detalhes da entrevista, cujos resultados encarava com satisfação, já que as recusas que sua prima insistentemente lhe opusera decorriam naturalmente do seu pudor e da genuína delicadeza dos seus sentimentos. Essa informação, entretanto, surpreendeu Mrs. Bennet. Ela desejava poder pensar igualmente que a filha tencionara encorajá-lo, opondo-se às suas propostas. Não pôde se impedir, no entanto, de desconfiar, nem de exprimir as suas desconfianças.
Mas pode ficar certo, Mr. Collins — acrescentou ela —, de que Lizzy será levada a adotar uma atitude mais sensata. Falarei com ela pessoalmente. É unia menina teimosa e não sa­be quais são os seus próprios interesses. Mas eu farei com que ela os reconheça.
Perdoe a minha interrupção, minha senhora — excla­mou Mr. Collins —, mas se ela é realmente teimosa e tola não sei se neste caso será realmente uma esposa desejável para um homem na minha situação, que naturalmente procura a felicida­de no casamento. Se portanto ela persistir na sua recusa, talvez fosse melhor não forçá-la a aceitar-me, pois se ela é sujeita a essas variações de gênio não poderia contribuir muito para a minha felicidade.
O senhor não está me entendendo — disse Mrs. Ben­net, alarmada. — Lizzy é teimosa apenas em assuntos como este. Em tudo mais ela é a mais dócil das criaturas. Vou falar ime­diatamente com Mr. Bennet e estou certa de que dentro em pouco arranjaremos tudo com Lizzy.
E sem dar a Mr. Collins tempo para responder, correu para o marido, exclamando, ao entrar na biblioteca:
Oh, Mr. Bennet, precisamos do senhor imediatamente. Estamos todos aflitos. Venha convencer Lizzy a se casar com Mr. Collins, pois ela declarou que não o quer. E, a não ser que intervenha imediatamente, ele mudará de idéia e não a quere­rá mais.
Mr. Bennet levantou os olhos do livro e fixou-os no rosto da sua esposa, com uma tranqüilidade que as suas palavras afli­tas não alteraram.
Não tenho o prazer de compreendê-la — disse ele, depois que ela acabou de falar. — Não sei de que está falando.
De Mr. Collins e Lizzy. Lizzy declara que não quer Mr. Collins e este começa a achar que não quer Lizzy.
Que é que eu poderei fazer? A situação parece irre­mediável.
Fale com Lizzy pessoalmente. Diga que quer que ela se case com ele.
Chame-a aqui. Eu darei a minha opinião.
Mrs. Bennet tocou a campainha e mandou dizer a Miss Elizabeth que viesse à biblioteca.
Venha cá, minha filha — disse o pai, ao ver Elizabeth entrar. — Mandei chamá-la para tratar de um assunto impor­tante. Disseram-me que Mr. Collins lhe fez uma proposta de casamento. É verdade?
Elizabeth respondeu que era.
Muito bem. E você recusou essa proposta?
Recusei.
Muito bem, chegamos agora ao assunto. Sua mãe in­siste em que você aceite. Não é assim, Mrs. Bennet?
Sim, ou eu nunca mais tornarei a vê-la.
Você está diante de uma alternativa difícil, Elizabeth. De hoje em diante você terá que se tornar uma estranha para um dos seus pais. Sua mãe nunca mais olhará para você se não se casar com Mr. Collins. E eu nunca mais a verei se você se casar.
Elizabeth não pôde deixar de sorrir diante da conclusão; mas Mrs. Bennet, que estava convencida de que o marido con­siderava o assunto de um ponto de vista idêntico ao seu, ficou excessivamente desapontada.
Que é que você quer dizer com isto, Mr. Bennet? Você prometeu que insistiria com Elizabeth para que ela se casasse.
Minha cara Mrs. Bennet — replicou o marido —, te­nho dois pequenos favores a lhe pedir. Primeiro que me per­mita usar o meu próprio entendimento no caso presente; e em segundo lugar a minha biblioteca. Desejo tê-la a meu inteiro dispor o mais depressa possível.
Apesar de profundamente desapontada com o marido, Mrs. Bennet não cedeu ainda. Continuou a falar com Elizabeth, alternadamente persuadindo e ameaçando. Tentou encaudilhar Jane. Mas esta, com toda a doçura possível, recusou interferir e Elizabeth resistiu aos seus ataques, às vezes com seriedade, outras vezes com bom humor. No entanto, a sua determinação permaneceu inalterável.
Enquanto isto, Mr. Collins meditava, na solidão, sobre o que tinha acontecido. Ele possuía uma opinião demasiado alta de si mesmo para compreender o motivo por que a prima o recusava.
E. embora sofresse no orgulho, intimamente continuava tranqüilo. Seu interesse pela prima era imaginário. E a possibi­lidade de ela merecer as repreensões da mãe aplacava-lhe o rancor.
Enquanto a família estava naquela confusão, Charlotte Lu­cas apareceu para passar o dia. Lydia a encontrou no vestíbulo e, correndo para ela, disse-lhe, em voz baixa:
Que bom você ter vindo! Aqui está muito divertido. Sabe o que aconteceu hoje de manhã? Mr. Collins fez uma pro­posta de casamento a Lizzy e ela recusou.
Antes que Charlotte tivesse tempo para responder, apare­ceu Kitty, que vinha contar-lhe a mesma coisa. E mal tinham todas entrado na sala de almoço, onde Mrs. Bennet se encon­trava sozinha, esta abordou imediatamente o assunto, apelan­do para a compaixão de Miss Lucas e suplicando-lhe que per­suadisse a sua amiga Lizzy a ceder aos desejos da família.
Faça isto por mim, minha cara Miss Lucas — acres­centou ela, num tom melancólico —, pois ninguém está do meu lado, todos estão contra mim. Ninguém tem pena dos meus pobres nervos.
Charlotte não pôde responder, pois Jane e Elizabeth en­traram na sala.
Aí vem ela — continuou Mrs. Bennet. — Tão des­preocupada como se estivéssemos em York! Tudo lhe é indife­rente, contanto que ela faça a sua vontade. Mas eu vou lhe dizer uma coisa, Miss Lizzy: se você continuar a recusar todas as propostas de casamento deste modo, nunca encontrará um ma­rido. E eu não sei quem vai sustentá-la depois que o seu pai morrer. Eu não posso, estou lhe avisando. Não tenho mais nada a ver com você a partir de hoje. Já disse na biblioteca que nun­ca mais lhe falaria. Pode ficar certa de que cumprirei a minha palavra. Não tenho nenhum prazer em falar com filhos rebeldes. Aliás, não tenho prazer em falar com ninguém. Pessoas que so­frem dos nervos como eu não têm grande inclinação a falar. Ninguém pode saber o que eu sofro! Mas é sempre assim, quem não se queixa não encontra compaixão.
Suas filhas ouviram em silêncio, compreendendo que qual­quer tentativa para trazê-la à razão só serviria para irritá-la ainda mais. Mrs. Bennet continuou pois a falar sem interrupção, até a chegada de Mr. Collins, que entrou na sala com ar mais grave do que de costume.
Ao vê-lo, Mrs. Bennet se virou para as meninas:
Agora insisto que todos calem a boca. Deixem Mr. Collins conversar um pouco comigo.
Elizabeth saiu silenciosamente da sala. Jane e Kitty a acom­panharam. Mas Lydia ficou onde estava, resolvida a ouvir tudo o que pudesse. E Charlotte, detida a princípio pelas poucas perguntas amáveis que lhe dirigiu Mr. Collins, a respeito da sua família, e em seguida, movida por um pouco de curiosidade, contentou-se em ir até a janela e fingir que não estava ouvin­do. Numa voz chorosa, Mrs. Bennet deu início à palestra com as seguintes palavras:
Oh, Mr. Collins!
Minha cara senhora — replicou ele —, guardemos si­lêncio para sempre sobre este assunto. Longe de mim ficar res­sentido com o comportamento da sua filha — continuou ele, numa voz em que transparecia o seu aborrecimento. — Resig­nar-se aos males inevitáveis é um dever que nos cabe a todos. É um dever que incumbe particularmente a um rapaz como eu, tão afortunado no começo da minha carreira. E acredite que estou resignado. E talvez um dos menores motivos que me le­vam a isso não seja a dúvida que me assalta sobre a minha pró­pria felicidade, caso a minha prima tivesse me honrado com o seu consentimento; pois observei muitas vezes que a resignação nunca é tão perfeita como nos casos em que a felicidade que nos é recusada começa a perder uma parte do seu valor a nossos olhos. Espero, minha cara senhora, que não considere a retirada do meu pedido como um desrespeito para com a sua família, já que não pedi a sua intervenção perante Miss Bennet. Minha conduta pode ser reprovável, somente porque aceitei a minha demissão dos lábios da sua filha e não dos seus próprios. Mas todos estamos sujeitos a erro. A minha intenção sempre foi boa. Meu objetivo foi encontrar uma companheira estimável, sem perder de vista as vantagens que isto representava pa­ra a sua família, e, se a minha atitude foi de algum modo repreensível, apresento-lhe aqui as minhas desculpas.

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