domingo, 17 de abril de 2011

A Odisseia - Parte III - Capítulos 16 ao 18

16
Ulisses e Eumeu tinham acendido o fogo e preparavam a
refeição.
Os guardadores de porcos já tinham saído com seus animais.
Os cães começaram a abanar as caudas e a ladrar alegremente.
Ulisses ouviu ruído de passos e disse a Eumeu que alguém
conhecido estava chegando, já que os cães, em vez de latir, pareciam
contentes.
Telêmaco então surgiu à porta. O porqueiro festejou muito a
chegada do rapaz e fez que ele entrasse e recebeu-o como se fosse um
filho.
O moço perguntou por sua mãe e por seu palácio. Quis saber se
os pretendentes ainda estavam por lá e se Penélope já escolhera um
deles.
O porqueiro respondeu que sim, que ela estava lá, com seu
coração corajoso, mas que não, não havia escolhido nenhum
pretendente.
Eumeu serviu uma farta refeição de carne, pão e vinho ao rapaz,
e só então Telêmaco perguntou quem era aquele estranho, de onde
tinha vindo e quem o havia trazido.
— Não creio que tenha chegado aqui a pé— disse ele. Eumeu
contou-lhe o que Ulisses tinha dito, que era de Creta e
que tinha escapado de um barco onde era prisioneiro.
Telêmaco mandou que Eumeu fosse contar a Penélope que ele já
estava de volta, mas recomendou que não falasse com ninguém mais,
pois sabia que os pretendentes tinham planos contra ele. E que depois
passasse pelos campos e desse a notícia a Laertes, seu avô.
O guardador de porcos partiu.
Nesse instante Atena apareceu a Ulisses sob a forma de uma
bela mulher e chamou-o para fora. Disse-lhe que se revelasse a
Telêmaco e combinasse com ele um plano para combater os insolentes
pretendentes.
Tocou então Ulisses com sua vara de ouro, tornando-o mais
moço, mais belo e mais forte. Transformou também suas roupas e
partiu.
Ulisses voltou à cabana e Telêmaco espantou-se com seu
aspecto, chegando a pensar que ele fosse um imortal.
Mas Ulisses lhe disse:
— Não, não sou um deus. Sou seu pai, por quem você tanto
esperou.
Telêmaco ainda duvidou, mas o herói insistiu:
— Foi Atena, deusa dos saques, quem me transformou dessa
forma. É fácil para os deuses moradores da imensidão do céu
transformar os mortais.
Telêmaco abraçou finalmente seu pai e ambos choraram muito e
mais teriam chorado. Mas o rapaz, curioso por saber das aventuras
dele, começou a fazer perguntas. Ulisses, depois de responder a todas
as perguntas, lembrou que deviam fazer planos para eliminar os
pretendentes e perguntou quantos eles seriam, se seria possível que os
dois enfrentassem todos eles ou se seria prudente levarem mais
companheiros. Telêmaco disse que os adversários eram muitos: — De
Dulíquio vieram cinqüenta e dois moços, com seis servidores; de Same,
vinte e quatro rapazes; de Zacinto, vinte homens; aqui, de Ítaca, doze
moços nobres, mais Medonte, o arauto, e ainda o aedo e dois servidores.
São muitos para que apenas nós dois possamos enfrentá-los. A não ser
que lhe ocorra o nome de um campeão que seja capaz de nos ajudar.
Ulisses então perguntou:
— Será que bastarão Atena e Zeus como nossos aliados?
Telêmaco mostrou-se impressionado.
Ulisses então disse a ele que voltasse para casa e se juntasse
aos pretendentes. Enquanto isso ele se transformaria de novo no velho
mendigo e iria para o palácio com o guardador de porcos.
— Se me maltratarem — Ulisses recomendou — suporte as
ofensas. Apenas lhes diga que não façam isso, que não se deve
desrespeitar um hóspede. Preste atenção, pois quando Atena ordenar,
eu farei um sinal a você. Recolha as armas que houver na casa e guarde
todas no fundo da sala de armas. Separe para nós um par de espadas,
um par de lanças e dois escudos. Deixe essas armas num lugar onde
possamos pegá-las. E outra coisa: ninguém, nem Laertes, nem
Penélope, nem o porqueiro devem saber que eu cheguei. Quero ver por
mim mesmo como se comporta o pessoal da casa.
Enquanto isso, a notícia da chegada de Telêmaco já tinha
alcançado o palácio.
Os pretendentes ficaram furiosos ao ver que seu plano de
eliminar o rapaz não tinha tido sucesso. Dirigiram-se à praça e
tentaram combinar um novo plano, mas não conseguiram entrar num
acordo e acabaram voltando para o palácio.
Penélope, sabendo das intenções dos príncipes, apareceu na sala
com suas aias e repreendeu Antínoo:
— Por que será que dizem que és o melhor de tua geração?
Tramas dentro de minha casa a morte de meu filho! Não te lembras de
que um dia teu pai, perseguido pelo povo, veio refugiar-se neste palácio
e que Ulisses impediu a multidão de matá-lo e de se apoderar de teus
bens? E agora, consomes seus haveres, tentas namorar sua mulher e
ainda tramas a morte de seu filho? Acaba com isso e faze com que os
outros também parem!
Antínoo, cinicamente, garantiu que ninguém mataria Telêmaco
enquanto ele, Antínoo, estivesse vivo.
Ao cair da tarde, o guardador de porcos voltou para a cabana.
Telêmaco e Ulisses preparavam a ceia. Atena já tinha modificado o
aspecto de Ulisses, que novamente parecia um velho mendigo.
Comeram em paz e quando se sentiram saciados trataram de
dormir.

17
Logo de manhã, Telêmaco partiu para o palácio e deixou Eumeu
encarregado de levar Ulisses à cidade.
Quando chegou, a primeira pessoa que o viu foi Euricléia, sua
velha ama, que logo se aproximou dele seguida das outras servas.
Em seguida apareceu Penélope, tão linda que parecia a deusa do
amor, Afrodite. Beijou Telêmaco e lhe falou da preocupação que sua
viagem tinha lhe causado.
O rapaz contou toda a viagem à mãe, inclusive o que Menelau
lhe dissera: que Ulisses estava vivo e preso na ilha da ninfa Calipso.
Enquanto Telêmaco e a mãe conversavam, os pretendentes, em
frente à mansão de Ulisses, distraíam-se lançando discos e dardos.
Logo depois, resolveram entrar para preparar o jantar.
Mas Ulisses e Eumeu já se aproximavam da cidade e pararam
junto a uma fonte. Ali, encontraram Melântio, o guardador das cabras,
que estava chegando com os melhores animais do seu rebanho para o
festim dos intrusos.
Melântio tratou Ulisses muito mal, chamando-o de parasita
repelente. E, ao passar por ele, deu-lhe até um pontapé.
Ulisses se conteve, embora tivesse uma grande vontade de se
vingar.
Mas Eumeu ficou furioso e pediu aos deuses que fizessem
Ulisses voltar, para acabar com aqueles modos do cabreiro.
Melântio ainda debochou dos dois e desejou que Hélio atingisse
Telêmaco com suas flechas.
E partiu rapidamente para o palácio, onde se acomodou entre os
pretendentes para comer e beber como eles.
Quando Ulisses e o porqueiro chegaram, pararam perto da casa,
ouvindo a linda música da lira que Fêmio, o aedo, tocava. E
combinaram que Eumeu entraria antes.
Enquanto conversavam, um dos cães levantou a cabeça e
mostrou-se alerta. Era Argos, o cão de Ulisses, envelhecido e
maltratado, deitado no estéreo. Percebendo a presença do dono, abanou
sua cauda e abaixou as orelhas, mas não teve forças para se aproximar.
Dos olhos de Ulisses rolou uma lágrima e ele então disse a
Eumeu:
— Estranho que este cão, de belo porte, esteja assim jogado na
esterqueira.
— Este é o cão daquele que morreu longe. Quando o amo não
está por perto, os empregados não querem trabalhar. Por isso, não
cuidam do cão e ninguém liga para ele.
E Argos, o cão de Ulisses, tendo visto o amo vinte anos depois da
partida, reconheceu-o e morreu.
O porqueiro, como havia sido combinado, entrou na mansão.
Pegou um banco e foi sentar-se junto a Telêmaco.
Ulisses, com seu disfarce de velho mendigo esfarrapado, entrou
apoiado num cajado e sentou-se junto da porta.
Telêmaco mandou pão e carne para Ulisses, que comeu sua
simples refeição ali mesmo.
Então, Atena aproximou-se de Ulisses e ordenou-lhe que
mendigasse mais pão aos pretendentes para ver a atitude que teriam.
Ulisses começou a percorrer a sala pedindo pão a uns e outros.
Então Melântio, o cabreiro, elevou a voz para dizer que o
porqueiro tinha trazido o mendigo.
Antínoo repreendeu Eumeu por ter trazido o homem à cidade,
dizendo que eles já tinham por ali muitos vagabundos, muitos estragajantares,
para que Eumeu trouxesse mais um.
Mas Telêmaco repreendeu Antínoo duramente.
Antínoo enfrentou Telêmaco, ameaçando atirar um banco sobre
o mendigo.
Ulisses aproximou-se de Antínoo e lhe disse que também tinha
tido posses, mas que infelizmente os azares da guerra haviam-no
reduzido à mendicância.
Antínoo não demonstrou nenhuma compaixão. Chamou-o de
atrevido e disse que não se devia dar nada a ele.
Ulisses ironizou dizendo que ele certamente não daria nada a
ninguém, já que, mesmo comendo a comida de outro, não queria
repartir nada.
Antínoo ficou furioso e ameaçou-o, dizendo:
— Você não vai sair bem desta sala, depois dos desaforos que
nos fez.
E atirou sobre Ulisses um pesado banco de madeira que o
atingiu nas costas.
Ulisses não demonstrou ter sentido o golpe. Sentou-se e disse
alto aos pretendentes:
— Ó candidatos à mão da rainha! Se Antínoo tivesse se ofendido
por causa de bois ou de ovelhas, eu poderia compreender. Mas ele me
feriu por causa do estômago! Espero que ele morra antes de se casar
com a rainha.
Antínoo ainda ameaçou Ulisses. Alguns dos pretendentes o
repreenderam, com medo que Ulisses fosse um deus disfarçado.
Telêmaco ficou chocado por ver o pai ferido, mas disfarçou,
como o próprio Ulisses havia recomendado.
E Penélope, nos seus aposentos, indignada por saber que um
hóspede da casa havia sido ofendido, rogou contra Antínoo uma terrível
maldição, que nem ela sabia que se cumpriria tão depressa:
— Que Hélio, o divino arqueiro, o fira da mesma forma!
Então Penélope mandou o porqueiro chamar o forasteiro, para
saber se ele tinha alguma notícia de Ulisses.
Ulisses respondeu que iria mais tarde, pois temia que os
príncipes se revoltassem com o convite.
O porqueiro despediu-se de Telêmaco, que lhe disse que cuidaria
de tudo, com a ajuda dos imortais.

18
Então, chegou ao palácio um mendigo da região que comia e
bebia muito, era grande e parecia muito forte.
Quis logo expulsar Ulisses, vendo nele um rival.
Ulisses o olhou e respondeu:
— Não estou lhe fazendo nenhum mal. Você é um infeliz como
eu e nós dois podemos dividir as esmolas que nos derem. Não me
provoque, pois, embora eu não queira lutar, posso vencê-lo.
Mas o mendigo continuou a provocar Ulisses, até que Antínoo,
reparando no que estava acontecendo, resolveu açular os dois mendigos
um contra o outro para uma luta.
E prometeu, àquele que vencesse, um grande pedaço de carne.
Enquanto Ulisses se preparava, Atena fez que seus membros se
avolumassem e todos se espantaram com seu porte atlético.
O mendigo que tinha provocado a briga sentia-se agora
amedrontado.
Os lutadores ergueram os punhos fechados.
Ulisses pensou consigo que não devia bater demais no oponente,
para não chamar a atenção dos aqueus.
Então, quando Iro — era esse o nome do desafiante — tentou
atingi-lo, Ulisses golpeou-o no pescoço, fazendo que o pobre homem
caísse se debatendo. Os nobres pretendentes acharam imensa graça
nesse incidente.
Ulisses arrastou Iro por um pé e jogou-o no pátio. Voltou à
soleira da porta e sentou-se.
Os pretendentes cumprimentaram o vencedor e lhe ofereceram
pão e carne. Antínoo fez votos de que ele, no futuro, tivesse melhor
sorte. Ulisses respondeu recomendando ao rapaz que voltasse para sua
casa, pois o dono desta casa — disse ele — não ficaria longe por muito
mais tempo. Na verdade, ele já estava voltando! E a luta que travaria
com os invasores de sua casa seria tremenda!
Mas Antínoo não partiu. E não escapou de seu destino!
Enquanto esses fatos se passavam, Atena fez que Penélope
dormisse em sua cadeira e tornou-a tão bela como uma deusa.
E em seguida fez que acordasse desejando descer ao salão com
suas aias. Lá, Penélope repreendeu os candidatos a casar com ela,
dizendo que pretendentes a uma mulher deviam levar-lhe presentes e
não consumir seus bens-, tal como estavam fazendo.
Todos eles trataram de mandar buscar presentes muito lindos,
colares, véus preciosos, brincos, e enquanto Penélope voltava para seus
aposentos levando os presentes que ganhou, eles continuaram suas
festas, cantando e dançando.
Ulisses disse às servas que subissem para os aposentos da
rainha, mas uma delas, Melanto, ofendeu-o, dizendo-lhe que fosse
embora, que não ficasse por ali perturbando a todos.
Ulisses ameaçou-a com violência e as outras servas,
amedrontadas, espalharam-se pela casa.
Ulisses postou-se junto às fogueiras, cuidando para que se
mantivessem acesas.
Mas os pretendentes não o deixavam esquecer a vingança, pois
continuavam a insultá-lo.
Eurímaco perguntou se ele aceitaria trabalhar em suas terras, se
teria coragem de trabalhar ou se era muito preguiçoso para isso.
Ulisses então desafiou Eurímaco a trabalhar ombro a ombro com
ele, ceifando o feno ou guiando o arado. Ou ainda a lutar na guerra, na
primeira linha de combate.
Eurímaco, furioso, atirou um banco sobre Ulisses, mas o
escabelo atingiu um dos escravos que trazia o vinho, fazendo-o cair com
estrondo.
Nesse momento Telêmaco interferiu corajosamente, pedindo que
os pretendentes voltassem para casa.
Todos, muito espantados com a autoridade que ele estava
demonstrando, tomaram mais um copo de vinho e retornaram a suas
casas para descansar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário