terça-feira, 16 de agosto de 2011

Oliver Twist, Capítulos 11 ao 15


Capitulo XI
Trata-se de um Sr. Fang, comissario de policia, e
da-se uma amostra de sua maneira de julgar.
O delito fora cometido no distrito e ate na proximidade de uma estacao
central de policia. O povo nao teve pois por muito tempo o prazer de
escoltar Oliver. Em Mutton Hill fizeram-no entrar por baixo de uma
abobada e dai a um patio situado por tras do santuario da justica sumaria;
ai encontraram um homem alto com um grande par de suicas na
cara e um molho de chaves na mao.
¡X O que ha de novo? ¡X perguntou este com indiferenca.
¡X E um ratoneiro ¡X respondeu o agente que conduzia Oliver.
¡X O senhor e o roubado? ¡X perguntou o homem das chaves.
¡X Sim, senhor ¡X respondeu o velho ¡X, mas eu nao estou certo se foi
esta crianca que me tirou o lenco. Eu... preferia que o negocio nao passasse
daqui.
¡X E preciso ir ter com o juiz ¡X respondeu o homem. ¡X Nao tarda
que ele lhe possa falar. Por aqui, malvado! Pelintra!
Com estas palavras convidava Oliver a entrar em uma pequena cela,
cuja porta havia aberto; Oliver foi examinado e, depois de se verificar
que nada tinha consigo, foi metido na cela e fechado a chave.
O velho parecia quase tao consternado como Oliver quando a chave
rangeu na porta e deitou suspirando os olhos ao livro, causa inocente de
todo aquele barulho.
¡X Ha no rosto daquela crianca alguma coisa que me comove e interessa
¡X dizia o velho consigo, esfregando o queixo com a lombada do
livro. ¡X Sera ele inocente? Ele parece-se... Ora vejamos ¡X continuou ele
olhando para o ar. ¡X Onde vi eu um rosto semelhante aquele?
Depois de alguns minutos de reflexao, o velho, sempre pensativo, entrou
em uma pequena antecamara que dava para o patio; assentou-se a
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um canto e passou em revista uma chusma de caras em que nao pensara
desde muitos anos.
¡X Nao ¡X disse ele abanando a cabeca. ¡X Ha de ser um sonho de
minha imaginacao.
Volveu as suas recordacoes.
Nao era facil despedir depressa os rostos que tinha evocado; via rostos
amigos e inimigos, outros quase desconhecidos; uns de mocas frescas,
outros de velhas fanadas; alguns que haviam parecido, mas que a memoria
aformoseava; via-os com aqueles olhos brilhantes, aqueles sorrisos
divinos que fazem irradiar a alma para fora do involucro terreno; rostos
formosos que nos foram arrebatados para irem alumiar com sua branda
luz a estrada que leva ao ceu.
Mas em nenhum deles pode achar as feicoes de Oliver. As recordacoes
que evocara fizeram com que soltasse um profundo suspiro; mas como,
felizmente para ele, era distraido, continuou a leitura e esqueceu o resto.
Foi arrancado a leitura pelo carcereiro, que lhe deu uma pancadinha
no ombro e o convidou a que o acompanhasse. O velho fechou o livro e
foi introduzido na sala onde funcionava o imponente e celebre Sr. Fang.
A sala da audiencia dava para a rua; ao fundo estava sentado o Sr. Fang
e perto da porta, em um banquinho, o pobre Oliver, apavorado com a
gravidade da cena.
Era o Sr. Fang de estatura regular e quase calvo; os poucos cabelos que
tinha cobriam-lhe a nuca e os lados da cabeca; a expressao de suas feicoes
era dura e a tez, vermelha. Se, na realidade, ele nao saia dos limites da
sobriedade, podia intentar contra o seu rosto um processo de difamacao e
obter consideraveis perdas e danos.
O velho fez-lhe um respeitoso cumprimento e, aproximando-se da mesa,
disse entregando-lhe o cartao:
¡X Eis o meu nome e a minha morada.
Depois deu dois ou tres passos para tras e esperou que se lhe dirigisse a
palavra.
Ora, aconteceu que o Sr. Fang estivesse justamente ocupado a ler um
jornal da manha, em que se dava noticia de uma sentenca que ele proferira
recentemente e em que se recomendava pela centesima vez a vigilancia
do ministro respectivo os atos de semelhante magistrado. Esta
leitura po-lo fora de si; levantou os olhos com furor.
¡X Quem e o senhor? ¡X perguntou ele.
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ÇiÇd
O velho, surpreso com a pergunta, apontou para o cartao.
¡X Oficial de policia, quem e este individuo? ¡X disse o Sr. Fang, pondo
desdenhosamente para o lado o cartao e o jornal.
¡X O meu nome ¡X disse o velho com dignidade ¡X, o meu nome e
Brownlow; permita que eu pergunte agora o nome do magistrado que,
protegido pela lei, insulta gratuitamente e sem nenhuma provocacao um
homem respeitavel.
Ao mesmo tempo o senhor Brownlow parecia procurar com os olhos
na sala alguem que lhe respondesse a pergunta.
¡X Oficial de policia! ¡X disse o Sr. Fang. ¡X De que e acusado este
individuo?
¡X Nao e acusado de nada, Sr. juiz ¡X respondeu o oficial. ¡X Comparece
como queixoso contra este pequeno.
O juiz sabia isso perfeitamente; mas era um bom meio de fazer picuinhas
ao outro.
¡X Comparece contra este pequeno? ¡X disse Fang olhando desdenhosamente
para o Sr. Brownlow. ¡X Faca-o prestar juramento.
¡X Antes de prestar juramento ¡X disse o Sr. Brownlow ¡X, deixe-me
dizer uma palavra, e que se eu nao fosse testemunha nunca poderia crer...
¡X Cale-se, senhor! ¡X disse o Sr. Fang peremptoriamente.
¡X Nao me calo ¡X respondeu o Sr. Brownlow.
¡X Cale-se ou mando-o sair ¡X disse o Sr. Fang. ¡X Nao seja insolente,
nao se atreva a afrontar um magistrado.
¡X Como assim! ¡X exclamou o Sr. Brownlow, vermelho de colera.
¡X Faca com que este homem preste o juramento! ¡X disse o Sr. Fang
ao escrivao. ¡X Nao quero ouvir mais uma palavra.
A indignacao do Sr. Brownlow chegara ao cumulo; mas ele refletiu
que se se zangasse seria em prejuizo de Oliver; conteve-se e consentiu em
prestar o juramento.
¡X Agora ¡X disse o Sr. Fang ¡X, de que e acusado o pequeno?
¡X Eu estava a porta de um livreiro... ¡X comecou o Sr. Brownlow.
¡X Cale-se, senhor! ¡X disse o Sr. Fang. ¡X Agente de policia! Onde
esta o agente de policia? Vamos, preste juramento. De que se trata?
O agente declarou em tom humilde que havia prendido o pequeno e
que havia examinado as algibeiras sem lhe haver achado nada.
¡X Ha testemunhas? ¡X perguntou o Sr. Fang.
¡X Nao, senhor juiz ¡X disse o agente de policia.
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ÇiÇe
O Sr. Fang calou-se durante alguns minutos; depois voltando-se para o
Sr. Brownlow, disse com voz irada:
¡X Quer ou nao formular a sua queixa contra este pequeno? O senhor
prestou juramento; se recusar a dar as provas, ficara punido por faltar ao
respeito devido a magistratura; puni-lo-ei em nome de...
Nome de que ou de quem, ignora-se; por que o escrivao e o carcereiro
tossiram alto nesse momento, e o primeiro deixou cair ao chao um grande
livro; simples efeito do acaso para impedir que se ouvisse o fim da frase.
Apesar das interrupcoes e insultos da parte do Sr. Fang, o Sr. Brownlow
conseguiu contar o fato; observou que, na surpresa do momento, correra
atras do pequeno por ver que ele corria; acrescentou que, no caso em que
o juiz considerasse Oliver nao como ladrao, mas cumplice de ladrao, o
tratasse com a brandura que a lei comportava.
¡X Demais, o menino esta ferido ¡X disse ele terminando. ¡X E eu
receio que esteja realmente muito doente.
¡X Oh! Sem duvida, isso nao se pergunta ¡X disse o Sr. Fang gracejando.
¡X Vamos la, vagabundo; deixa-te de fingimentos, que nao valem
nada. Como te chamas?
Oliver tentou responder, mas faltou-lhe a voz; estava palido como a
morte, e a sala andava-lhe a roda.
¡X Como te chamas, vagabundo? ¡X disse o Sr. Fang com voz de trovao.
¡X Oficial, como se chama este patife?
Eram estas palavras dirigidas a um sujeito gordo, com um colete riscado;
o sujeito inclinou-se para Oliver e repetiu a pergunta, mas vendo que
a crianca nao podia responder e que o silencio exasperava o juiz e agravaria
a sentenca, respondeu:
¡X Diz que se chama Tom White.
¡X Recusa falar, nao e? ¡X disse o Sr. Fang. ¡X Muito bem, muito bem.
Onde mora?
¡X Onde pode ¡X respondeu o oficial de policia como se transmitisse a
resposta de Oliver.
¡X Tem parentes? ¡X perguntou o Sr. Fang.
¡X Diz que os perdeu desde a infancia ¡X respondeu o oficial, sempre
do mesmo modo.
Estava nisto o interrogatorio quando Oliver ergueu a cabeca e, deitando
a volta de si olhares suplicantes, pediu com voz fraca um copo d¡¦agua.
¡X Fingimentos! ¡X disse o Sr. Fang. ¡X Nao me pegar por ai.
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ÇiÇf
¡X Eu creio que ele esta seriamente doente ¡X objetou o oficial de
policia.
¡X Eu bem sei o que faco ¡X disse o Sr. Fang.
¡X Tome cuidado ¡X disse o Sr. Brownlow ao agente, levantando as
maos instintivamente ¡X, ele vai cair.
¡X Saia, oficial de policia ¡X disse o Sr. Fang com brutalidade. ¡X Deixe
o pequeno cair se tiver gosto nisso.
Oliver aproveitou aquela obsequiosa licenca e caiu no chao. Perdera os
sentidos. A gente do servico nao ousou socorrer a crianca.
¡X Eu bem sabia que ele representava uma comedia, disse o Sr. Fang,
como se a queda de Oliver fosse prova. ¡X Deixem-no ai; ele se ha de
levantar.
¡X Que decide V.S.? ¡X perguntou o escrivao em voz baixa.
¡X Condeno-o sumariamente a tres meses de prisao ¡X disse o Sr.
Fang ¡X, com trabalho, bem entendido. Facam evacuar a sala.
¡X Ja se abria a porta e dois homens se preparam para conduzir Oliver
a cela, quando um individuo de certa idade, nao mal trajado, posto que a
roupa fosse pobre, entrou na sala e aproximou-se da mesa do juiz.
¡X Suspendam! Suspendam! Nao o levem; por amor de Deus, nao o
levem! ¡X exclamava ele.
¡X Quem e este homem? Disse o Sr. Fang. ¡X Mandem-no para fora;
evacuem a sala.
¡X Quero falar ¡X disse o homem. ¡X Nao quero sair. Eu vi tudo. Sou
livreiro. Peco para prestar juramento. Nao se me pode mandar embora.
Ha de ouvir-me, Sr. Fang. Nao pode recusar.
O homem estava no seu direito. Tinha um ar resoluto, e a coisa ia
ficando seria.
¡X Preste o juramento ¡X respondeu o Sr. Fang. ¡X Que quer dizer o
senhor?
¡X Eu vi tres rapazes ¡X disse o livreiro ¡X, o que esta preso e mais
dois. Um desses e que cometeu o roubo; vi o ato e vi tambem o espanto e
admiracao do pequeno que se acha preso.
Falando assim, o honesto livreiro tomou respiracao e contou todas as
circunstancias do furto do lenco.
¡X Por que nao veio ha mais tempo?
¡X Nao tinha quem me guardasse a loja.
¡X Este homem estava lendo? ¡X disse o Sr. Fang.
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¡X Sim ¡X disse a testemunha, o livro que ainda tem na mao.
¡X Ah! Ah! Este livro ¡X disse o Sr. Fang. ¡X E tinha pago o livro?
¡X Ainda nao ¡X respondeu o livreiro rindo.
¡X Na verdade, esquece-me disso ¡X disse ingenuamente o velho
Brownlow.
¡X Belo acusador e o senhor, que vem aqui processar uma crianca ¡X
disse Fang, fazendo esforcos comicos para tomar um ar de lastima. ¡X O
senhor apoderou-se deste livro por modo censuravel, e muito feliz e que o
livreiro o nao acuse; sirva-lhe isto de licao. Absolvo o pequeno. Evacuem
a sala.
¡X Nao! Com os diabos! Eu quero!... ¡X disse o Sr. Brownlow que fazia
esforcos para se conter.
¡X Evacuem a sala! ¡X disse o juiz.
Executou-se a ordem.
O Sr. Brownlow saiu com o livro em uma das maos, a bengala na outra,
e extremamente colerico.
Chegou ao patio e a colera passou. O pequeno Oliver esta no chao, com
as fontes molhadas de agua, palido e tremulo.
¡X Pobre crianca! ¡X disse o Sr. Brownlow baixando-se para Oliver.
Vao buscar um carro depressa.
Veio o carro; Oliver foi posto dentro, e o Sr. Brownlow entrou tambem
e sentou-se defronte de Oliver.
¡X Quer que eu o acompanhe? ¡X perguntou o livreiro.
¡X Sim, meu amigo ¡X disse o Sr. Brownlow. ¡X Eu ia esquecendo
outra vez. Suba. Pobre crianca, nao ha tempo a perder!
O livreiro subiu e o carro saiu.
CHARLES DICKENS
ÇiÇh
Capitulo XII
Oliver e tratado como nunca; novas informacoes
a respeito do amavel anciao e seus discipulos.
Desceu o carro Mount Pleasant e subiu Exmouth Street, indo quase
pelo mesmo caminho que Oliver seguiu no dia em que chegou a Londres
em companhia do Matreiro. Chegando a Islington diante do hotel do
Anjo, tomou outra direcao e parou enfim diante de uma linda casa perto
de Pentonville, em uma rua tranquila e retirada.
Preparou-se logo uma cama onde o Sr. Brownlow deitou o jovem
protegido.
Durante muitos dias o pobre Oliver ficou insensivel a todos os cuidados
de seus novos amigos; muitas vezes o sol nasceu e desapareceu, e a
crianca continuava deitada no leito de dores, ardendo em uma febre que
o minava como o acido sutil penetra e roi o ferro mais duro: fraco, palido,
magro, saiu enfim desse sonho penoso e prolongado.
Levantou-se com dificuldade, apoiou a cabeca no braco tremulo e olhou
assustado a roda de si.
¡X Onde estou? ¡X perguntou ele.
Exausto como estava pela febre, proferiu estas palavras com uma voz
fraca; mas foram logo ouvidas; abriram-se as cortinas da cama e uma
senhora idosa, vestida com simplicidade e decencia, levantou-se de uma
cadeira, onde trabalhava, perto da cama.
¡X Nao fale, meu filho ¡X disse ela com docura a Oliver. ¡X E preciso
ficar tranquilo, senao volta-lhe a doenca; voce esteve muito mal; torna a
deitar-te.
Ao mesmo tempo, pos a cabeca de Oliver no travesseiro, levantou-lhe
os cabelos que lhe caiam na testa e olhou para ele com um ar tao benevolo
que ele nao pode deixar de por a sua mao descarnada na da velha e
puxa-la para si.
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¡X Meu Deus! O pobre pequeno tem boa alma! ¡X dizia a velha com
lagrimas nos olhos. ¡X Pobre crianca! Que emocao sentiria a mae, se,
depois de cuidar dele como eu fiz, o visse agora!
¡X Talvez ela me esteja vendo ¡X disse Oliver juntando as maos ¡X,
talvez estivesse aqui ao pe de mim; eu creio que esteve.
¡X Foi a febre que lhe deu essa ideia ¡X disse a velha afetuosamente.
¡X E provavel ¡X disse Oliver pensativo. ¡X O ceu esta tao longe e a
felicidade la e tanta que ninguem vem ca estar ao pe da cama de uma
crianca; mas se ela soube que eu estava doente, teve naturalmente pena
de mim; ela sofreu tanto antes de morrer! Nao, ela nao pode saber o que
me acontece ¡X acrescentou Oliver depois de um silencio ¡X, porque se
ela tivesse visto que me espancavam ficaria triste e nos meus sonhos sempre
lhe vi o rosto risonho e feliz.
A velha nao respondeu nada, mas enxugou os olhos e depois os oculos;
deu a Oliver uma bebida refrigerante e passou-lhe afetuosamente a mao
pela face, recomendando-lhe que tivesse juizo e estivesse sossegado, sem
o que ficaria outra vez doente.
Oliver nao se mexeu mais, nao so porque queria obedecer a boa velha,
como porque as poucas palavras que proferira lhe haviam esgotado as forcas.
Adormeceu suavemente e foi acordado pela luz de uma vela que, posta
ao pe da cama, alumiou a figura de um sujeito que tinha um grande relogio
na mao; o sujeito apalpou o pulso da crianca e declarou que ia muito melhor.
¡X Esta muito melhor, nao, meu amigo? ¡X disse ele a Oliver.
¡X Sim, senhor.
¡X Eu bem sabia que ia melhor ¡X disse o sujeito. ¡X Tem fome, nao e?
¡X Nao, senhor.
¡X O que? ¡X disse o medico. ¡X Ah! Eu bem sabia que nao tinha
fome. Ele nao tem fome, Sra. Bedwin ¡X acrescentou o medico com ar
sentencioso.
A velha fez um sinal de cabeca respeitoso, que parecia dizer que considerava
o medico uma capacidade; este parecia ter igual opiniao de si
mesmo.
¡X Tem sono, nao, meu amigo? ¡X disse ele.
¡X Nao, senhor.
¡X Nao tem sono? ¡X disse o doutor com ar satisfeito. ¡X Aposto que
tambem nao tem sede?
¡X Tenho sim, senhor.
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¡X E justamente o que eu esperava, Sra. Bedwin ¡X disse o medico. ¡X E
natural que tenha sede, e natural; pode dar-lhe um pouco de cha e uma
fatia de pao torrado, sem manteiga. Convem nao lhe por muita roupa na
cama; nem pouca. Quer ter esta bondade?
A velha fez um cumprimento, e o medico, depois de provar o remedio
e louvar a qualidade dele, saiu como um homem apressado e desceu a
escada fazendo rinchar os sapatos nos degraus com ar de importancia.
Oliver adormeceu outra vez, e quando acordou era perto da meia-noite.
A velha deu-lhe as boas-noites e o confiou aos cuidados de uma criada
gorda que acabava de entrar trazendo um livro de oracoes e uma grande
carapuca. A dita criada pos o livro na mesa e a carapuca na cabeca, disse
a Oliver que ela velaria a noite e, sentando-se na cadeira, caiu em um
semi-sono interrompido por sobressaltos; nessas ocasioes esfregava o nariz
e continuava a cochilar.
A noite passou lentamente.
Oliver ficou algum tempo acordado, ocupado em contar os circulos
luminosos que a lamparina projetava no teto ou em acompanhar com os
olhos o desenho complicado do papel que forrava as paredes do quarto.
Aquela meia-luz e o profundo silencio que reinava no quarto tinham
um que de imponentes, e faziam com que a crianca pensasse na morte
que durante muitos dias e noites pairara sobre ela; voltou-se na cama e
fez uma fervente oracao.
Depois dormiu.
Era ja dia claro quando acordou; sentiu uma forte alegria; a crise estava
passada e ele pertencia definitivamente a este mundo.
Ao cabo de tres dias pode estender-se em uma chaise-longue bem forrada
com travesseiros. Como era ainda muito fraco para andar, a Sra. Bedwin
fe-lo transportar para baixo, no seu proprio quarto, po-lo diante da lareira,
assentou-se ao pe dele e, no transporte de sua alegria, vendo-o sem perigo,
entrou a solucar.
¡X Nao faca caso, amiguinho ¡X disse a velha. ¡X Eu nao pude resistir;
mas ja acabou.
¡X A senhora e muito boa ¡X disse Oliver.
¡X Nao falemos disso, meu amigo ¡X disse a velha. ¡X Tratemos do
seu caldo que sao bons de tomar; o diretor disse que o Sr. Brownlow vira
aqui ter com voce hoje de manha; e preciso ter boa cara, a fim de que ele
fique mais contente.
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ÇjÇa
Imediatamente a boa velha fez aquecer um caldo, tao gordo que daria
para trezentos e cinquenta pobres pelo menos, no asilo da mendicidade.
¡X Gosta de quadros? ¡X perguntou a Sra. Bedwin, vendo Oliver contemplar
atentamente um retrato pendurado na parede diante dele.
¡X Nao sei ¡X disse ele sem tirar os olhos do quadro. ¡X Tenho visto
tao poucos que nao sei se gosto deles ou nao. Como o rosto daquela moca
e suave e belo! Parece-se com alguem?
¡X Sim ¡X disse a velha, deixando de olhar para o caldo. ¡X E um retrato.
¡X De quem? ¡X perguntou Oliver muito depressa.
A velha respondeu alegremente:
¡X Nao sei de quem e o retrato; nao sera de pessoa que eu ou voce
tenhamos conhecido. Parece que voce esta impressionado.
¡X E tao bonito! ¡X disse Oliver.
¡X Nao mete medo ¡X disse a velha, observando com surpresa o ar de
respeito com que a crianca contemplava o retrato.
¡X Oh! Nao, nao ¡X disse vivamente Oliver ¡X, mas os olhos sao tao
tristes e estao tao cravados em mim. Bate-me o coracao como se aquela
moca quisesse falar-me e nao pudesse.
¡X Jesus! Nao diga essas coisas, meu amiguinho; voce esta fraco e nervoso;
isso e efeito da molestia. Deixe-me voltar-lhe a cadeira para outro
lado, para que nao veja o retrato; olhe, agora ja o nao pode ver.
Oliver via o retrato com os olhos do espirito tao distintamente como se
nao houvesse mudado de posicao, mas receava importunar a boa velha;
sorriu para ela quando ela olhou para ele, e a Sra. Bedwin, feliz por ve-lo
mais tranquilo, salgou o caldo e deitou-lhe alguns pedacinhos de pao
torrado, com toda a seriedade que esta operacao comporta. Oliver engoliu
o caldo apressadamente e mal tinha tomado a ultima colherada quando
ouviu bater devagarinho na porta.
¡X Entre ¡X disse a velha.
Apareceu o Sr. Brownlow.
Caminhou apressadamente para Oliver; porem, mal tinha levantado
os oculos e posto as maos atras das costas para contemplar Oliver, quando
o rosto se lhe contraiu e mudou muitas vezes de expressao. Exausto pela
molestia, Oliver, querendo respeitar o seu benfeitor, fez um esforco para
se levantar e caiu na cadeira; e o velho Sr. Brownlow, que tinha mais
alma do que seis velhos juntos, sentiu rebentarem-lhe as lagrimas dos
olhos com uma abundancia que nao explicarei por nao ser assaz filosofo.
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ÇjÇb
¡X Pobre crianca! Pobre crianca! ¡X disse ele, procurando falar claro.
¡X Estou hoje muito rouco, Sra. Bedwin, creio que apanhei um defluxo.
¡X Talvez nao ¡X disse ¡X, toda a sua roupa esta bem seca.
¡X Nao sei, creio que a senhora ontem me deu um guardanapo umido;
mas nao falemos mais nisto. Como vai o meu amiguinho?
¡X Estou satisfeito, senhor ¡X disse Oliver ¡X e muito grato pelo que o
senhor me tem feito.
¡X Deu-lhe alguma coisa, Sra. Bedwin, um caldo?
¡X Tomou agora um excelente caldo ¡X respondeu a Sra. Bedwin.
¡X Alguns copos de Porto seriam muito melhor ¡X disse o Sr. Brownlow
erguendo os ombros. Nao acha, Tom White?
¡X Eu chamo-me Oliver ¡X respondeu o enfermo admirado.
¡X Oliver? ¡X disse o Sr. Brownlow. ¡X Nao e Tom White?
¡X Nao, senhor, Oliver Twist.
¡X Singular nome ¡X disse o velho. Por que razao disse ao juiz que se
chamava White?
¡X Eu nunca disse isso ¡X respondeu Oliver.
Isto tinha ares tao de mentira que o Sr. Brownlow lancou ao pequeno
um olhar severo; mas nao era possivel duvidar da palavra dele; o carater
da verdade estava impresso em todas as feicoes de Oliver.
¡X Foi engano, naturalmente ¡X disse o Sr. Brownlow.
Mas, posto que ja nao houvesse motivo para encarar fixamente a crianca,
voltou-lhe ao espirito a semelhanca de Oliver com um rosto conhecido
e nao pode tirar os olhos do menino.
¡X Espero que nao esteja zangado comigo ¡X disse Oliver com olhos
suplicantes.
¡X Nao, nao ¡X disse o velho. ¡X Ceus! Que vejo! Sra. Bedwin, olhe, olhe.
E falando assim apontava com o dedo o retrato colocado por cima da
cabeca de Oliver e depois o rosto do pequeno; era a copia viva do retrato;
os mesmos olhos, a mesma boca, as mesmas feicoes. Neste momento a
semelhanca era tal que todas as linhas do rosto pareciam reproduzidas
com maravilhosa precisao.
Oliver ignorava a causa da exclamacao subita; nao era tao forte a comocao
que ela lhe produziu e desmaiou.
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Quando o Matreiro e seu digno camarada, mestre Bates, depois de se
apropriarem ilegalmente do lenco do Sr. Brownlow, se juntaram ao povo
que perseguia Oliver, como dissemos, obedeceram a um sentimento louvavel
e meritorio, o de salvarem a respectiva pele. Como o respeito de
liberdade individual e um dos privilegios de que mais se desvanece o
cidadao ingles, cuido que nao sera preciso observar que a fuga dos nossos
jovens ratoneiros deve dar-lhes relevo no espirito dos patriotas sinceros.
A prova de que eles andaram como verdadeiros filosofos e que, apenas
a atencao geral se fixou toda sobre Oliver, deixaram eles de o perseguir e
voltaram para casa pelo caminho mais curto.
Depois de percorrerem a toda a pressa um dedalo de ruas e becos,
pararam de comum acordo, e apenas mestre Bates pode respirar, soltou
um grito de alegria e uma tal gargalhada que caiu.
¡X Por que te ris assim? ¡X perguntou o Matreiro.
¡X Ah! Ah! Ah!
¡X Nao faca barulho ¡X observou o Matreiro lancando a volta de si um
olhar assustado. ¡X Queres ser filado, animal?
¡X Nao posso, nao posso ¡X disse Carlinhos. ¡X Como ele corria, enfiando
ruas e ruas, esbarrando nas paredes, e eu ca com o lenco no bolso, a
gritar: pega ladrao! Nao posso!
A viva imaginacao do mestre Bates reproduziu aquela cena com ares
tao comicos que ele continuou a rir e a rolar no chao.
¡X Que dira Fagin? ¡X perguntou o Matreiro, aproveitando um instante
em que Bates tomava folego.
¡X O que e? ¡X disse Carlinhos.
¡X Sim, que dira ele?
¡X Que podera dizer? ¡X perguntou Carlinhos, suspendendo o acesso
de hilaridade, porque o tom do Matreiro era serio. ¡X Que podera dizer?
A unica resposta que lhe deu o Sr. Dawkins (o Matreiro) foi assobiar,
tirar o chapeu, sacudir a cabeca e cocar a orelha.
¡X Que quer dizer com isso? ¡X perguntou-lhe Carlinhos.
¡X La, ra, ra, la, ra, ra ¡X respondeu o Matreiro.
¡X Era uma explicacao; mas pouco satisfatoria.
Mestre Bates repetiu a pergunta:
¡X Que significa isso?
O Matreiro nao respondeu, mas pos o chapeu, levantou a aba da casaCHARLES
DICKENS
ÇjÇd
ca, fez com a lingua uma bola na face, beliscou a ponta do nariz, muitas
vezes, voltou as costas e entrou no patio da casa.
Mestre Bates foi atras dele com ar pensativo.
Alguns instantes depois desta conversa, o amabilissimo anciao prestava
ouvidos para ver se ouvia rumor de passos na velha escada.
Estava ele assentado perto do fogao, diante de uma cacarola, tratando
de fazer comida e tendo uma faca na mao.
Horrivel sorriso lhe passou pelo rosto livido, quando se voltou para
escutar, inclinando o ouvido para a porta e volvendo os olhos ferozes por
baixo das sobrancelhas vermelhas.
¡X Quem e? ¡X disse ele mudando de cara. ¡X Sao apenas dois. Aconteceria
alguma coisa? Atencao.
Os passos se aproximaram e foram ouvidos mais perto.
Abriu-se a porta lentamente.
Entraram o Matreiro e Carlinhos e fecharam a porta.
Oliver nao vinha com eles.
Capitulo XIII
Apresentacao de alguns personagens novos que nao sao estranhos
a certos particulares interessantes desta historia.
¡X Onde esta Oliver? ¡X disse o judeu com furor e ameaca. ¡X Que e
feito dele?
Os jovens ratoneiros olharam para o patrao com ar de medo; depois olharam
um para o outro com ar de atrapalhacao e nao disseram palavra.
¡X Que e feito de Oliver? ¡X disse o judeu, segurando o Matreiro pela
gola e ameacando-o com horriveis imprecacoes. ¡X Fala ou eu te esgano!
Fagin dizia isto com um modo tao serio que o Carlinhos Bates, ja posto
de longe por causa das duvidas, e receando que tambem ele fosse esganado,
ajoelhou e soltou um grito agudo e prolongado, combinacao do urro
de um touro e do som de uma trombeta.
¡X Nao falaras, demonio? ¡X disse o judeu com voz de trovao, sacudindo
o Matreiro com forca tal que era de admirar nao lhe rasgasse a casaca.
¡X Caiu na ratoeira ¡X disse o Matreiro. ¡X Faca o favor de me deixar
em paz.
E com um so movimento fugiu as maos do velho, segurou num garfo e
apontou para o colete do amavel anciao um golpe tal que se fosse despedido
lhe faria perder a alegria por um ou dois meses, ou talvez mais.
Nesta ocorrencia, o judeu recuou com mais agilidade do que era de
esperar de um velho e, travando de uma caneca de estanho, ja se preparava
para a atirar a cara do adversario; mas o Carlinhos Bates atraiu a sua
atencao com um berro e foi a cabeca dele que a caneca se dirigiu.
¡X Que terremoto e este? ¡X murmurou de repente uma voz grossa. ¡X
Quem diabo me atirou isto a cara? Muito feliz fui em so me cair a cerveja,
e nao a caneca, sem o que teria pano para mangas. Nunca pensei que um
velhaco judeu pudesse deitar outra coisa que nao agua, e ainda assim so
com a intencao de defraudar a companhia das aguas filtradas. Que ha
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ÇjÇg
por ca, Fagin? Diabo! A minha gravata esta cheia de cerveja... Entra,
animal! Que fazes la fora? Entra!
O homem que assim falava era um solido rapagao de 35 anos, vestido
de paleto de veludo grosso, calcoes pardos, meias azuis, escondendo pernas
rolicas e cheias, pernas que parecem incompletas quando nao trazem
alguma corrente. Trazia um chapeu escuro e a roda do pescoco um lenco
velho, com cujas pontas enxugava a cara; quando acabou de enxugar deixou
ver uma cara vulgar, barba por fazer, dois olhos sinistros, um dos
quais tinha sinais de murro recente.
¡X Vem ca! ¡X gritou o bandido.
Um cao, com a cara ferida em vinte lugares, entrou rastejando no quarto.
¡X Anda depressa. Tens vergonha de me obedecer a vista de gente?
Deita-te: bota abaixo.
Esta ordem foi acompanhada de um pontape que deitou o cao para o
outro lado do quarto. O cao parecia acostumado a este tratamento; encolheu-
se tranquilamente no canto, sem soltar um grito, fechando e abrindo
os olhos, vinte vezes por minuto, parecendo fazer a inspecao do quarto.
¡X Com quem estavas brigando? ¡X disse o homem, assentando-se com
ar resoluto. ¡X Maltratas as criancas, velho avarento? Admira-me que
eles te nao deem cabo da pele; no lugar deles ja eu tinha feito isso. Se eu
tivesse sido teu discipulo, ha muito que essa farsa estaria representada
e... Mas nao; nem poderia vender a tua pele; quando muito meter-te-ia
numa garrafa para mostrar-te como um prodigio de fealdade; mas nao
ha garrafas tamanhas.
¡X Sio, sio, Sr. Sikes ¡X disse o judeu tremendo. ¡X Nao fale tao alto.
¡X Nao me chames senhor ¡X respondeu o bandido. ¡X E sinal de que
tramas alguma coisa. Sabes o meu nome, nao? Eu nao o desonrei nunca.
¡X Esta bom, Guilherme Sikes ¡X disse o judeu com humildade abjeta.
¡X Pareces estar de mau humor.
¡X Talvez ¡X respondeu Sikes. ¡X Parece-me que tu tambem estas
fora dos eixos, quando atiras canecas de cerveja a cara dos outros, salvo se
se trata de coisa pior que ir dar uma denuncia de ti, e...
¡X Estas louco? ¡X disse o judeu, puxando o homem pela manga e
apontando para os rapazes.
O Sr. Sikes contentou-se em fazer um laco de corda e inclinou a cabeca
sobre o ombro direito, pantomima que o judeu pareceu compreender
perfeitamente.
CHARLES DICKENS
ÇjÇh
Depois em termos de giria, que usava muito, mas que e inutil citar
porque seriam ininteligiveis ao leitor, pediu um copo de licor.
¡X Mas nao ponhas veneno ¡X acrescentou ele, pondo o chapeu na mesa.
Dizia isto brincando; mas se pudesse ver o judeu morder os labios com
um infernal sorriso, dirigindo-se para o bufe, pensaria que a precaucao
nao era inutil e que o amavel anciao podia ceder a vontade de aperfeicoar
a industria do destilador.
Depois de ter engolido dois ou tres copos de licor, o Sr. Sikes teve a
bondade de prestar atencao aos jovens aprendizes; e esta amabilidade
produziu uma conversa em que se falou da causa e das circunstancias da
prisao de Oliver, com a modificacao e ornatos que o Matreiro julgou oportuno
fazer.
¡X Tenho medo que ele de com a lingua nos dentes e nos ponha em
apuros.
¡X E provavel ¡X disse Sikes com um sorriso malicioso. ¡X Ficas em
bons lencois, Fagin.
¡X E tenho medo ¡X acrescentou o judeu, sem dar atencao a interrupcao
e olhando para o seu interlocutor fixamente ¡X, tenho medo que, se
a danca comecar por nos, chegue tambem a outros; meu caro, a tua posicao
e pior do que a minha.
O homem estremeceu e voltou-se para o judeu com ar ameacador;
mas este abaixou a cabeca e seus olhos erraram ao acaso no muro colocado
em frente dele.
Houve um longo silencio; cada um dos membros daquela respeitavel
associacao parecia absorvido por suas proprias reflexoes, sem excetuar o
cao, que parecia meditar um ataque as pernas da primeira pessoa que
entrasse da rua.
¡X E preciso que alguem va a estacao policial saber o que houve ¡X
disse o Sr. Sikes, em voz mais baixa do que a que usara ate entao.
O judeu fez um sinal de assentimento.
¡X Se ele nao falou e esta preso, nao ha que recear ate que seja solto ¡X
disse o Sr, Sikes ¡X e entao veremos. E necessario descobrir-lhe o rasto
seja como for.
O judeu fez um novo sinal de assentimento.
¡X Se ele nao falou era evidentemente o melhor; mas infelizmente
um grave obstaculo se apresentava; esse obstaculo era profunda antipatia
que o Matreiro, Carlinhos Bates, Fagin e Guilherme Sikes voltavam a
OLIVER TWIST
ÇjÇi
policia, e a repulsao que sentiam em ir andar nos arredores dela, qualquer
que fosse o motivo.
Seria dificil dizer quanto tempo ficaram sem falar, a olharem uns para
os outros, num estado de indecisao desagradavel; mas a chegada de duas
mocas, que ja haviam aparecido quando Oliver ali estava, fez com que se
continuasse a conversa.
¡X Esta a coisa arranjada ¡X disse o judeu. ¡X Betty ira; nao e, querida?
¡X Aonde? ¡X perguntou a moca.
¡X A policia, queridinha ¡X disse o judeu com voz macia.
Cumpre fazer justica a moca; ela nao recusou positivamente ir a policia;
limitou-se a declarar que preferia ir ao diabo; maneira polida e delicada
de iludir a questao e que mostra aquele sentimento delicado das
conveniencias que faz com que evitemos contrariar o nosso proximo com
uma recusa direta e formal.
O judeu franziu a cara; nao se dirigiu mais a Betty, que trazia um
esplendido vestuario, vestido encarnado, botinas verdes e papelotes amarelos,
mas a sua companheira.
¡X E voce, Nancy? ¡X disse ele. ¡X Que diz voce?
¡X Nao me cheira ¡X respondeu ela. ¡X Nao insista, que e inutil.
¡X Que quer dizer isso? ¡X disse o Sr. Sikes, olhando para ela com ar
sombrio.
¡X Isto mesmo, Guilherme ¡X respondeu tranquilamente a moca.
¡X E tu es justamente a pessoa que desejamos ¡X disse Sikes. ¡X Ninguem
te conhece no bairro.
¡X E como eu nao me preocupo que me conhecam ou nao ¡X disse
Nancy com a mesma calma ¡X, recuso.
¡X Ela ha de ir, Fagin ¡X disse Sikes.
¡X Nao ¡X disse Nancy.
¡X Sim, ha de ir ¡X repetiu Sikes.
O Sr. Sikes tinha razao.
A forca de ameacas, promessas, caricias, Nancy consentiu em se encarregar
da comissao.
Demais, ela nao tinha as mesmas consideracoes da companheira,
porque, tendo deixado pouco antes o arrabalde afastado mas elegante
de Retclife, para vir habitar os arredores de Fieldlane, nao tinha como
Betty receio de ser encontrada por alguns dos seus numerosos conhecidos.
CHARLES DICKENS
ÇjÇj
Em consequencia, depois de atar a cintura um avental branco, e metidos
os papelotes debaixo de um chapeu de palha, artigos de toalete do
inesgotavel armazem do judeu, declarou-se pronta Nancy para desempenhar
sua missao.
¡X Espera ¡X disse o judeu, dando-lhe um cestinho. ¡X Leva isto na
mao; e para teres um ar mais respeitavel.
¡X De-lhe tambem uma chave, Fagin ¡X disse Sikes. ¡X E mais natural.
¡X Sim, sim, tem razao ¡X disse o judeu pondo no dedo da moca uma
grande chave. ¡X Esta perfeita. E soberbo!
¡X Oh! Meu irmao! Meu querido irmao! ¡X exclamou Nancy, fingindo
lagrimas e desespero ¡X, que e feito dele? Oh! Meus senhores, por
favor, tenham pena de mim! Digam-me onde para o meu irmao! Eu lhes
suplico meus senhores.
Depois de proferir estas palavras com voz lamentosa e dilacerante a
grande aprazimento dos assistentes, Nancy calou-se, piscou o olho, cumprimentou
os outros e saiu.
¡X Boa rapariga ¡X disse o judeu, falando aos rapazes e sacudindo gravemente
a cabeca como para os animar a seguir o exemplo.
¡X Faz honra ao seu sexo ¡X disse Sikes, enchendo o copo e dando um
murro na mesa. ¡X A saude de Nancy!
Enquanto todos elogiam Nancy, a perola das mulheres, chegou esta a
estacao da policia sa e salva, nao sem sentir aquele sentimento de timidez
natural de uma mulher que se acha nas ruas so e sem protecao.
Entrou por tras, bateu levemente em uma das celulas e escutou. Nada
ouviu; tossiu; nada.
¡X Oliver ¡X disse ela.
Na celula havia um miseravel vagabundo que fora preso por ter cometido
o crime de tocar flauta sem licenca e que, provado o seu atentado,
fora condenado pelo Sr. Fang a um mes de prisao; o Sr. Fang fez esta
observacao jocosa e apropriada: disse que se ele tinha bons pulmoes
seria mais justo emprega-los em trabalhar no moinho da prisao que em
tocar flauta.
O preso nao ouviu.
Nancy passou a outra celula.
¡X Quem e? ¡X disse uma voz tremula e fraca.
¡X Esta ai um menino?
¡X Nao ¡X disse a voz.
OLIVER TWIST
ÇbÇaÇa
Aquele que falava assim era um vagabundo de 65 anos que fora preso
por nao ter tocado flauta, isto e, por andar esmolando em vez de ganhar a
vida. Na terceira celula havia outro individuo, condenado por ter vendido
cacarolas sem licenca e por consequencia em detrimento do fisco.
Como nenhum dos individuos respondia ao nome de Oliver, nem podia
dar noticias dele, Nancy foi direito ao agente de policia do colete
riscado de que ja falamos e, entre solucos e lamentacoes, reclamou o seu
querido irmao.
¡X Nao esta aqui ¡X disse o agente.
¡X Onde esta?
¡X O sujeito levou-o.
¡X Que sujeito? Oh! Meu Deus! Meu Deus! Que sujeito?
Para responder a estas perguntas incoerentes, o agente explicou que
Oliver desmaiara na policia, fora absolvido, por se ter provado que outrem
cometera o roubo, gracas a uma testemunha, e que fora levado sem
sentidos pelo queixoso para a casa deste, que devia ser do lado de
Pentonville.
A moca, em um estado horrivel de ansiedade, saiu cambaleando. Apenas
se achou na rua, apressou o passo e voltou a casa do judeu pelo caminho
mais desviado.
O Sr. Guilherme Sikes apenas soube o resultado da comissao de Nancy,
chamou o cao, pos o chapeu e saiu precipitadamente sem perder tempo
em se despedir dos demais.
¡X E mister saber onde ele esta, meus amigos ¡X disse Fagin comovido.
¡X Carlinhos, vai ver se descobres alguma coisa e traze-me noticias. Nancy,
e preciso achar Oliver; entrego-me a voce e ao Matreiro. Esperem ¡X
disse ele, abrindo uma gaveta com as maos tremulas. ¡X Aqui tem dinheiro.
Hoje de noite fecho a porta; ja sabem onde me hao de encontrar;
nao percam um instante, meus amigos.
Falando assim, conduziu-os o judeu ate a escada; depois fechou a porta
e tirou do esconderijo o cofre que involuntariamente descobrira a Oliver
e escondeu precipitadamente na roupa os relogios e as joias.
No meio desta ocupacao ouviu bater a porta.
¡X Quem e? ¡X disse ele com medo.
¡X Sou eu ¡X respondeu o Matreiro pelo buraco da fechadura.
¡X Que ha? ¡X disse o judeu.
¡X Nancy pergunta se o deve levar a outra casa ¡X perguntou o Matreiro.
CHARLES DICKENS
ÇbÇaÇb
¡X Sim ¡X respondeu o judeu ¡X, descubram-no! E importante. Eu
saberei depois o que devo fazer.
O Matreiro murmurou algumas palavras mais e desceu da escada para
ir ter com os seus companheiros.
¡X Ate agora ainda ele nao falou ¡X disse consigo o judeu. ¡X Se tiver
intencao de nos descobrir, ha tempo de lhe cortar a lingua.
Capitulo XIV
Profecia de um certo Sr. Grimwig a respeito de Oliver
na ocasiao em que ele foi dar um recado.
Oliver voltou a si do desmaio que lhe causara a subita exclamacao do Sr.
Brownlow; este e a Sra. Bedwin entraram cuidadosamente a falar do retrato,
e a conversa nao versou mais da historia e do futuro de Oliver, mas de
coisas proprias para o distrairem.
Ele estava fraco; nao se podia levantar para o almoco; mas quando
desceu no dia seguinte ao quarto da criada gorda deitou um rapido olhar
para a parede com a esperanca de la ver o retrato da bela moca.
O retrato desaparecera.
¡X Ah! ¡X disse a Sra. Bedwin, notando o olhar de Oliver. ¡X O retrato
ja nao esta aqui.
¡X Bem vejo ¡X respondeu Oliver suspirando. ¡X Por que razao o tiraram?
¡X O Sr. Brownlow disse que a vista deste retrato parecia incomoda-lo
e demoraria a sua cura.
¡X Oh! Nao, nao me incomodava. Eu gostava tanto dele!
¡X Ora! ¡X disse a velha. ¡X Fique bom e o retrato vira para o seu
lugar; falemos agora de outra coisa.
Nao se falou do retrato. A velha contou a Oliver uma longa serie de
historias a respeito de um filho e uma irma que tinha, e depois do marido,
ate que veio o cha. Depois do cha ela lhe ensinou o cribbage (especie
de jogo de cartas), jogaram ambos, ate que o doente tomou um pouco de
vinho quente e foi dormir.
Felizes dias foram os da convalescenca de Oliver; tudo a roda dele era
tranquilo; e tais eram a afeicao e bondade que lhe manifestavam, depois
da vida agitada e ruidosa que ele ate entao tivera, que Oliver supunha
estar num paraiso.
Apenas teve forcas para se vestir, deu-lhe o Sr. Brownlow roupa nova,
OLIVER TWIST
ÇbÇaÇe
bone e sapatos. Disseram-lhe que podia dispor da sua roupa velha; ele a
deu a uma criada, que tratara dele com muita solicitude, dizendo que a
vendesse a algum judeu e guardasse o dinheiro. Ela nao esperou que
dissesse outra vez, e Oliver, vendo da janela da sala o judeu enrolar as
roupas, mete-las no saco e ir-se embora, sentiu uma grande alegria pensando
em que nunca mais as veria. Na verdade, eram uns pobres molambos,
e Oliver nunca tinha vestido roupa nova.
Oito dias depois do incidente do retrato, estava ele conversando com a
Sra. Bedwin quando o Sr. Brownlow mandou dizer que, se Oliver Twist
estava bom, fosse conversar com ele no gabinete.
¡X Meu Deus! Lave as maos e deixe-me pentear-lhe os cabelos ¡X
disse a Sra. Bedwin. ¡X Se eu soubesse que ele o mandaria chamar tinhalhe
posto um colarinho novo; tinha-o posto belo como um astro.
Oliver obedeceu a velha, e esta achou-o tao galante contemplando-o
da cabeca aos pes que chegou a dizer que ele nao precisava de nenhum
enfeite mais.
Oliver foi bater a porta do gabinete e, quando o Sr. Brownlow disse que
entrasse, achou-se em uma pequena saleta cheia de livros, dando uma
janela para o jardim. Perto da janela havia uma mesa, ao pe da qual se
achava o Sr. Brownlow assentado e lendo.
Vendo Oliver, deixou ele o livro e disse a crianca que se sentasse perto
da mesa. Oliver obedeceu admirando-se que pudesse haver quem lesse
tantos volumes, escritos, segundo parecia, para tornar o mundo mais sabio;
objeto de espanto continuado para pessoas mais experimentadas que
Oliver Twist.
¡X Sao muitos livros, nao? ¡X perguntou o Sr. Brownlow, observando a
curiosidade de Oliver a olhar para as estantes.
¡X Sim, senhor, muitos ¡X disse Oliver ¡X; nunca vi tantos livros assim.
¡X Ha de le-los ¡X disse o Sr. Brownlow com bondade ¡X e ha de achar
mais gosto do que em ver a encadernacao; nem sempre, porque ha livros
cujo valor esta todo na capa.
¡X Sao talvez aqueles livros grossos ¡X disse Oliver apontando para
uns in quarto de encadernacao dourada.
¡X Nem sempre ¡X disse o velho sorrindo. ¡X Ha alguns que sao muito
pesados posto sejam de pequeno formato. Voce quer escrever livros?
¡X Creio que os prefiro ler ¡X disse Oliver.
¡X Como! ¡X disse o Sr. Brownlow. ¡X Nao queria ser autor?
CHARLES DICKENS
ÇbÇaÇf
Oliver refletiu um pouco e acabou dizendo que achava melhor ser livreiro.
O velho riu muito e disse que a resposta era excelente; o que alegrou
Oliver, que se nao supunha tao engracado.
¡X Descanse ¡X disse o Sr. Brownlow, voltando ao tom serio. ¡X Voce
nao sera autor enquanto puder aprender outro oficio, ainda que seja o mais
infimo.
¡X Obrigado ¡X disse Oliver.
E a resposta viva de Oliver fez com que o velho se risse muito e dissesse
entre os dentes alguma coisa a respeito do instinto; Oliver nao deu grande
atencao, porque nao compreendeu nada.
¡X Agora ¡X disse o Sr. Brownlow com um tom mais benevolo que
nunca, mas ao mesmo tempo mais serio. ¡X Agora peco que preste atencao
ao que lhe vou dizer. Vou falar com franqueza, porque me parece que
voce pode compreender-me como outras pessoas de mais idade.
¡X Oh! Senhor, eu lhe peco, nao me diga que me vai mandar embora
¡X exclamou Oliver, assustado com o tom serio de seu protetor. ¡X Nao
me ponha outra vez na rua. Deixe-me ficar aqui para o servir. Nao me
mande ao infame covil donde sai. Nao me mande ao infame covil! Tenha
piedade de uma pobre crianca.
¡X Meu caro filho ¡X disse o Sr. Brownlow ¡X, nao receie que eu mande
embora salvo se me obrigar a isso.
¡X Nunca, nunca.
¡X Espero-o ¡X disse o velho. ¡X Estou persuadido de que nunca me
obrigara a isso. Posto que eu tenha experimentado decepcoes da parte das
pessoas a quem tenho feito bem, estou contudo disposto a ter confianca em
voce e interesso-me mais do que posso exprimir. As pessoas a quem eu
mais estimei estao longe, mortas; mas, posto que elas levassem consigo o
encanto e a ventura de minha vida, nao fiz de meu coracao um feretro e
nao o fechei para sempre as comocoes suaves e boas; uma aflicao profunda
fez com que eu as tivesse mais fortes; e assim devia ser sempre, porque
a desgraca purifica o nosso coracao.
O velho, depois de proferir outras palavras em voz baixa, como se falasse
a si mesmo, calou-se alguns instantes, enquanto Oliver, imovel em
sua cadeira, mal ousava respirar.
¡X Se lhe falo assim ¡X disse o Sr. Brownlow com um tom mais alegre
¡X e porque o seu coracao e jovem e, sabendo que eu sofri grandes
amargores, talvez voce evite renova-los. Diz que e orfao e nao tem um
OLIVER TWIST
ÇbÇaÇg
amigo no mundo. As informacoes que obtive confirmam esta assercao.
Conte-me a sua historia; diga-me de onde veio, quem o criou e como se
achava com as pessoas com quem o achei. Esteja certo de que enquanto
eu viver nao deixara de ter um amigo.
Durante alguns instantes os solucos impediram a fala de Oliver; ia ele
contar como havia sido criado e levado ao deposito de mendicidade pelo
Sr. Bumble, quando duas grandes pancadas, dadas por mao impaciente,
soaram na porta da rua. Entrou um criado e anunciou o Sr. Grimwig.
¡X Vem subindo? ¡X perguntou o Sr. Brownlow.
¡X Sim, senhor ¡X disse o criado. ¡X Perguntou se havia muffins (doces
para tomar com cha) e como eu lhe disse que sim, disse que vinha
tomar cha.
O Sr. Brownlow sorriu e, voltando-se para Oliver, disse-lhe que o Sr.
Grimwig era um de seus velhos amigos e que nao reparasse nas maneiras
dele, porque era um homem digno.
¡X Devo ir embora? ¡X perguntou Oliver.
¡X Nao ¡X respondeu o Sr. Brownlow. ¡X Prefiro que fique aqui.
Neste momento entrou um velho, de bela corpulencia, apoiando-se em
uma grossa bengala; coxeava de uma perna, trazia casaca azul, colete riscado,
calcas e polainas e um chapeu de abas largas. Uma larga cadeia de aco,
na ponta da qual so havia uma chave, pendia da algibeira do colete. As
duas pontas da gravata branca estavam atadas em um laco do tamanho
de uma laranja; tinha o aspecto nobre. Quando falava, voltava a cabeca
ao lado e olhava com o rabo do olho, o que lhe dava certos ares de papagaio.
Foi nesta atitude que ele entrou na sala; e tendo na mao um pedacinho
de casca de laranja exclamou com mau humor:
¡X Olha; nao e estranho e prodigioso que eu nao possa entrar em casa de
alguem sem achar um pedaco de casca de laranja, que faz a fortuna dos
cirurgioes? Foi uma casca de laranja que me fez coxo e estou certo de que ha
de ser um pedaco de casca de laranja a causa da minha morte. Sim, hei-de
morrer de uma casca de laranja; comerei eu a minha cabeca se nao for assim!
Esta ultima expressao era peculiar na boca do Sr. Grimwig quando queria
dar peso as suas assercoes; e o que havia de extravagante e singular
nessa expressao na boca dele e que, admitindo que a ciencia se aperfeicoe a
ponto de fazer com que um individuo coma a sua propria cabeca, a do Sr.
Grimwig era de tamanho tal que nao era possivel come-la de uma vez.
¡X Sim, senhor ¡X repetiu o Sr. Grimwig, batendo com a bengala no
CHARLES DICKENS
ÇbÇaÇh
assoalho. ¡X Coma eu a minha cabeca! Que e isto? ¡X acrescentou ele
vendo Oliver e recuando dois passos.
¡X E o jovem Oliver Twist, de quem lhe falei ¡X disse o Sr. Brownlow.
Oliver fez uma cortesia.
¡X Espero que nao seja o rapaz que esteve com febre ¡X disse o Sr.
Grimwig recuando mais. ¡X Aposto ¡X continuou ele ¡X, aposto que foi
este pequeno quem comeu a laranja e deixou a casca na escada. Coma eu
a minha cabeca e a dele ao mesmo tempo!
¡X Nao, nao foi ele ¡X disse o Sr. Brownlow, rindo. ¡X Ande, descance
o chapeu e fale ao meu jovem amigo.
O Sr. Grimwig deixou a bengala, descalcou as luvas, assentou-se, pos a
luneta e contemplou Oliver.
¡X Este e o rapaz de quem voce me falou? ¡X disse ele.
¡X E ¡X respondeu o Sr. Brownlow, fazendo a Oliver um sinal de cabeca.
¡X Como vai, pequeno? ¡X disse o Sr. Grimwig.
¡X Vou melhor, obrigado ¡X respondeu Oliver.
O Sr. Brownlow, receando provavelmente que o seu fantastico amigo
acrescentasse alguma palavra desagradavel, disse a Oliver que fosse abaixo
dizer a Sra. Bedwin que mandasse o cha. Oliver, que nao estava muito
namorado das maneiras do Sr. Grimwig, aproveitou a ocasiao e desceu.
¡X E um bonito menino, nao lhe parece? ¡X disse o Sr. Brownlow.
¡X Nao sei ¡X disse o Sr. Grimwig em tom zangado.
¡X Que e isso?
¡X Nao sei; para mim todas as criancas se parecem; so conheco duas
especies de meninos: os gorduchos e os magricelas.
¡X E em que classe poe Oliver?
¡X Na dos magricelas. Um amigo meu tinha um filho gorducho; chamam
aquilo um menino bonito. Bonito! Uma cabeca redonda, faces vermelhas
e olhos de fogo. E antes horrivel; parece que esta a rasgar a roupa
pelas costuras. Tem uma voz de piloto e uma fome de lobo; eu bem o
conheco!
¡X Bem ¡X disse o Sr. Brownlow ¡X, nao e esse o tipo do jovem Oliver
Twist; por isso nao ha de que se zangar.
¡X E verdade, mas este ca nao vale mais que o outro.
O Sr. Brownlow sorriu com ar de zanga, o que alegrou sumamente o
Sr. Grimwig.
¡X Sim ¡X dizia este ¡X, nao vale mais que o outro. Quem e ele? De
OLIVER TWIST
ÇbÇaÇi
onde veio?... Teve febre e que tem isso?... So a gente honesta e que tem
febre? Os ratoneiros tambem tem essa febre... Eu conheci um individuo
que foi enforcado na Jamaica por ter assassinado o patrao, que teve febre
durante seis meses; pensa voce que lhe perdoaram o crime por isso? Historias
da carochinha!
O Sr. Grimwig estava perfeitamente convencido de que a presenca de
Oliver falava em seu favor; mas ele tinha a mania de contradizer os outros,
e agora mais que nunca, pois tinha achado uma casca de laranja na
escada. Resolvido a nao se deixar influir por ninguem para julgar se uma
crianca tinha ar de velhaco ou nao, estava disposto a contradizer o amigo.
Quando o Sr. Brownlow lhe disse que nada sabia da vida de Oliver, pois
este devia conta-la apenas estivesse restabelecido, o Sr. Grimwig fingiu
um ar sonso e maligno e perguntou com ironia se a governanta tinha o
costume de contar a prata a noite, porque se um belo dia ela achasse uma
ou duas colheres de menos ele era capaz de comer a sua... etc.
O Sr. Brownlow, posto fosse de um carater ardente, suportou tudo a rir,
pois conhecia as extravagancias do amigo.
De sua parte, o Sr. Grimwig teve a complacencia de achar os muffins
excelentes, e tudo correu bem. Oliver, que tomara cha com eles, comecou
a achar-se mais a gosto em presenca do terrivel sujeito.
¡X E quando teremos a narracao completa, minuciosa e veridica da
vida e das aventuras de Oliver Twist? ¡X perguntou o Sr. Grimwig depois
do cha.
E ao mesmo tempo lancava a Oliver um olhar de esguelha.
¡X Amanha de manha ¡X respondeu o Sr. Brownlow. ¡X Eu prefiro
que isto se passe entre mim e ele. Oliver, voce ha de vir amanha de manha
as dez horas ao meu gabinete.
¡X Sim, senhor ¡X disse Oliver.
Oliver deu esta resposta com certa hesitacao, porque ficou intimidado
vendo o Sr. Grimwig olhar para ele fixamente.
¡X Quer ouvir uma coisa? ¡X disse baixinho o Sr. Grimwig ao Sr.
Brownlow. ¡X Ele nao ha de vir amanha de manha; eu vi que ele hesitou,
meu amigo, voce esta enganado.
¡X Juro que nao ¡X disse o Sr. Brownlow com calor.
¡X Esta! ¡X disse o Sr. Grimwig. ¡X Coma eu a...
E bateu com a bengala no chao.
¡X Juro pela minha vida em como este menino e sincero ¡X disse o
Sr. Brownlow, dando um soco na mesa.
CHARLES DICKENS
ÇbÇaÇj
¡X E eu, pela minha cabeca, eu como... E um tratante!
¡X Veremos!
¡X Veremos!
Ambos estavam colericos.
Quis o acaso que a Sra. Bedwin entrasse nesse momento com um maco
de livros que o Sr. Brownlow comprara nessa manha na casa daquele mesmo
livreiro que ja figurou nesta historia; po-lo em cima da mesa e ia sair.
¡X Mande esperar o caixeiro ¡X disse o Sr. Brownlow a Sra. Bedwin.
¡X Tenho de lhe dar uma coisa.
¡X O caixeiro ja se foi embora ¡X disse ela.
¡X Chame-o ¡X disse o Sr. Brownlow. ¡X O livreiro nao e rico eu quero
pagar os livros. Demais tem de levar outros.
Correram a porta; Oliver foi ate uma esquina, a criada a outra, mas
nada conseguiram. O caixeiro desapareceu.
¡X Sinto isto muito ¡X disse o Sr. Brownlow. ¡X Eu queria que os livros
fossem entregues esta noite.
¡X Mande-os por Oliver ¡X disse o Sr. Grimwig em tom de mofa. ¡X Estou
certo de que os entregara conscienciosamente.
¡X Sim, senhor, eu os levarei ¡X disse Oliver.
O Sr. Brownlow ia dizer que Oliver nao devia sair por nenhum motivo;
mas o Sr. Grimwig tossiu com um ar tao malicioso que o dono da casa
resolveu encarregar Oliver do recado e provar assim ao seu velho amigo
quao infundadas eram as suas suspeitas.
Deu ordem a Oliver, que foi buscar os livros e veio com eles ao gabinete
esperar as ordens.
¡X Diga-lhe que vai levar os livros da minha parte e pagar os quatro
guineus e meio que lhe devo. Aqui tem um bilhete de cinco guineus; ha
de trazer dez xelins de troco.
¡X Bastam dez minutos ¡X disse Oliver.
Pos o bilhete no bolso, abotoou o paleto, meteu os livros debaixo do
braco, cumprimentou e saiu. A Sra. Bedwin foi leva-lo ate a porta da rua
para lhe indicar exatamente o caminho mais curto, o nome do livreiro, o
nome da rua, coisas que Oliver declarou entender perfeitamente.
Oliver saiu, fez um sinal de adeus da esquina a velha, esta cumprimentou-
o sorrindo, fechou a porta e entrou.
¡X Vejamos ¡X disse o Sr. Brownlow, tirando o relogio e pondo-o em
cima da mesa. ¡X Ele estara ca dentro de vinte minutos; daqui ate la e
noite.
OLIVER TWIST
ÇbÇbÇa
¡X Pois voce pensa seriamente que ele volta? ¡X perguntou o Sr. Grimwig.
¡X Duvida disso? ¡X perguntou, ou melhor, replicou o Sr. Brownlow
sorrindo.
O sorriso deste irritou a contradicao do amigo.
¡X Sim, duvido ¡X disse ele. ¡X O pequeno esta de roupa nova, leva
alguns livros de preco, um bilhete de cinco libras no bolso; ira ter com os
seus amigos camaradas, larapios como ele, e prega-lhe a peca na menina
do olho. Se ele puser os pes nesta casa, consinto eu comer a minha cabeca.
Falando assim aproximou a cadeira da mesa, e os dois amigos ali ficaram
silenciosos com os olhos no ponteiro do relogio.
Cumpre notar que o Sr. Grimwig, posto nao fosse mau e sentisse ver o
amigo vitima de um furto, desejava todavia (tal amor tinha as suas
opinioes!) que Oliver nao voltasse.
Caiu a noite pouco a pouco e mal se podia ver o ponteiro do relogio.
Os dois amigos la ficaram imoveis e silenciosos com os olhos no ponteiro.
CHARLES DICKENS
ÇbÇbÇb
Capitulo XV
Ve-se o amor que o jocoso judeu e Miss Nancy tinham a Oliver.
Na escura sala de uma miseravel taverna, situada na parte mais imunda
de Little Saffron Hill, covil tenebroso onde durante o inverno um bico
de gas ardia todo o dia, e onde jamais, no verao, entrou um raio de sol,
estava um homem assentado diante de uma caneca de estanho e um copo,
absorvido em pensamentos e impregnado de um forte cheiro de licor.
Pela roupa de veludo grosso e pelos sapatos rasos, um agente experimentado
reconheceria logo, apesar da pouca luz, que era o Sr. Guilherme
Sikes. Aos pes dele estava um cao branco, de olhos vermelhos, ocupando
em piscar o olho para o amo e em lamber o focinho onde se via uma
ferida larga e sangrenta, indicio de luta recente.
¡X Fica sossegado! ¡X disse de repente o Sr. Sikes.
Naturalmente estava tao absorvido em suas reflexoes que o simples
movimento dos olhos do cao bastava para lhe perturbar; ou entao a
irritacao produzida nele por essas reflexoes precisava traduzir-se em maustratos
ate com um animal inofensivo. Seja como for, Sikes entrou a praguejar
contra o cao e ao mesmo tempo lhe deu um pontape.
Geralmente, o cao nao procura vingar-se das pancadas que lhe da o
senhor; mas o do Sr. Sikes tinha, como o seu proprietario, um pessimo
carater e, levado da conviccao de sua inocencia, atirou-se sem cerimonia
ao sapato do Sr. Sikes, sacudiu-o vivamente e fugiu roncando para debaixo
do banco, justamente a tempo de evitar a caneca que o Sr. Sikes lhe
atirou a cara.
¡X Querias morder-me, heim? ¡X disse Sikes abrindo uma longa faca
que tirou do bolso. ¡X Vem ca, patife!
O cao ouviu perfeitamente, porque o Sr. Sikes gritava como um surdo;
mas nao parecia disposto a se deixar esfaquear; ficou onde estava, rugindo
cada vez mais.
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A resistencia aumentou a colera do Sr. Sikes. Ajoelhou-se e comecou a
atacar o cao com furor. O animal pulava de um lado para outro, ganindo,
ladrando, rugindo; o homem praguejava, batia, blasfemava; a luta ia ser
critica para ambos, quando a porta se abriu de repente e o cao deu um
pulo para fora, deixando o Sr. Sikes com a faca na mao.
Para brigar diz um rifao que sao precisos dois. O Sr. Sikes, desapontado
com a fuga do cao, fez cair a sua colera sobre o recem-chegado.
¡X Por que razao veio voce meter-se entre mim e o cao? ¡X disse ele
com um gesto ameacador.
¡X Eu nao sabia, meu amigo, eu nao sabia disso ¡X respondeu Fagin
com voz humilde.
Era efetivamente o judeu que acabava de entrar.
¡X Nao sabia, tratante! ¡X disse Sikes. ¡X Nao ouviu o barulho?
¡X Nao ouvi nada; juro-lhe pela minha vida! ¡X respondeu o judeu.
¡X E verdade, nao me ouviu ¡X disse Sikes com um riso ameacador.
¡X Voce mete o nariz em toda a parte sem que ninguem o veja sair ou
entrar. Eu quisera que estivesse, ha um minuto, no lugar do cao.
¡X Por que? ¡X disse o judeu com um riso forcado.
¡X Porque o governo que protege a vida de criaturas como voce deixa
um homem matar um cao a sua vontade ¡X respondeu Sikes fechando a
faca. ¡X Ai esta por que.
O judeu esfregou as maos, sentou-se ao pe da mesa e simulou achar
graca ao dito do amigo; nao obstante, via-se que nao estava sossegado.
¡X Va rir a outra parte ¡X disse Sikes, olhando com desdem para o
judeu. ¡X Nao se atreva a rir diante de mim! Olhe que voce esta nas
minhas maos, e se me perder voce tambem se perdera.
¡X Bem, bem, meu caro ¡X disse o judeu ¡X, eu sei tudo isso. Nos... nos
temos um interesse reciproco...
¡X Heim? ¡X disse Sikes, como se achasse que o judeu era mais interessado
que ele. ¡X Que temos?
¡X Tudo correu perfeitamente ¡X respondeu Fagin. ¡X Aqui esta o seu
quinhao; e maior do que devia ser; mas como eu sei que voce me levara
em conta isso em outra ocasiao...
¡X Cale-se ¡X interrompeu o ladrao. ¡X De ca.
¡X Sim, sim, Guilherme, deixe-me ter tempo de tirar os cobres saos e
salvos.
Dizendo isto, o judeu tirou da algibeira um lenco velho, desfez um no
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de uma das pontas e deixou ver um rolo de papel pardo, que Sikes lhe
arrancou das maos. Eram soberanos de ouro; o ladrao contou.
¡X Nao ha mais?
¡X Nao ¡X respondeu o judeu.
¡X Voce nao abriu o embrulho no caminho para tirar duas ou tres
moedas? ¡X perguntou Sikes com ar desconfiado. ¡X Nao se ponha com
essa cara indignada; nao seria a primeira vez que me bifaste alguma moeda.
Agite o guiso.
Isto queria dizer por outras palavras: toque a campainha. Apareceu outro
judeu, mais moco que Fagin, mas quase tao ignobil e repulsivo como ele.
Sikes apontou para a caneca vazia e o judeu, compreendendo perfeitamente
o gesto, saiu para ir enche-la, depois de trocar um sinal de
olhos com Fagin, que levantou a cabeca como se esperasse por isso, e
respondeu com um sinal de cabeca, quase imperceptivel. Sikes nao reparou
nisso, ocupado como estava em apertar o cordao do sapato que o
cao desarranjara. E provavel que, se houvesse percebido o sinal, nao
houvesse nada bom.
¡X Havera aqui alguem, Barney? ¡X perguntou Fagin sem levantar os
olhos, agora que Sikes olhava para ele.
¡X Ninguem ¡X respondeu o outro judeu, cujas palavras, viessem ou
nao do coracao, saiam invariavelmente pelo nariz.
¡X Ninguem? ¡X perguntou Fagin em tom de surpresa, que significava
talvez que Barney podia dizer a verdade sem medo.
¡X Esta apenas Miss Nancy ¡X respondeu Barney.
¡X Nancy! ¡X exclamou Sikes. ¡X Onde esta ela?
¡X Esta comendo um pouco de carne cozida sobre o balcao ¡X disse
Barney.
¡X Mande-a vir ¡X disse Sikes, pondo licor no copo ¡X, mande-a vir.
Barney olhou timidamente para Fagin, como para lhe pedir autorizacao.
Vendo que o judeu nao dizia palavra e tinha os olhos pregados no chao,
saiu e voltou logo depois introduzindo Nancy, vestida de cozinheira, com
uma touca, um avental, um cestinho e uma chave na mao.
¡X Descobriste alguma coisa, Nancy? ¡X perguntou Sikes oferecendolhe
um copo.
¡X Sim, Guilherme ¡X respondeu a moca bebendo o conteudo, descobri
alguma coisa e estou bem cansada por isso; o peralta estava doente e
de cama...
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¡X Ah! Nancy! ¡X disse o judeu erguendo os olhos.
Talvez o judeu, contraindo as sobrancelhas vermelhas e fechando um
pouco os olhos, avisasse a Miss Nancy de que ela ja tinha falado demais;
isto pouco importa. O certo e que ela nao continuou em suas explicacoes
e, depois de alguns sorrisos a Sikes, mudou de conversa.
Dez minutos depois, o Sr. Fagin foi acometido de sua grande tosse;
Miss Nancy pos o xale e declarou que eram horas de ir embora. O Sr.
Sikes observou que tinha de ir para o mesmo lado e manifestou o desejo
de a acompanhar. Foram juntos, acompanhados pelo cao, que estava fora.
O judeu meteu a cabeca fora da porta depois que Sikes saiu; acompanhou-
o com os olhos, ameacou-o com a mao fechada e murmurou horriveis
imprecacoes; depois, com um sorriso horrivel, foi sentar-se outra vez
a mesa, onde se entregou a interessante leitura da Gazeta dos Tribunais.
Enquanto se passava a cena anterior, Oliver Twist, que nao suspeitava
estar tao perto do jocoso anciao, caminhava para a livraria.
Chegando a Clerkenvell, entrou distraidamente por uma rua que nao
estava compreendida em seu itinerario, ja ia em meio dela quando reparou
no engano; mas, sabendo que essa rua ia ter ao ponto a que ele se
dirigia, julgou inutil voltar atras e continuou a andar com os livros debaixo
do braco.
Ia pensando na felicidade da sua atual posicao, no prazer que teria em
ver, um instante que fosse, o pequeno Ricardo, que talvez a essa hora
espancado e faminto chorava amargamente, quando foi arrancado aos
seus devaneios por uma mulher que exclamou em voz alta:
¡X Oh! Maninho!
E apenas Oliver ergueu os olhos para ver o que era, sentiu-se preso por
dois bracos a roda do pescoco.
¡X Deixe-me ¡X disse o menino ¡X, deixe-me ir embora. Que e isto?
Por que me prende assim?
A resposta da moca que o tinha preso, e trazia na mao uma carta e uma
chave, foi desatar em choro e gritos.
¡X Oh! Meu Deus ¡X dizia ela. ¡X Achei-te outra vez; Oliver! Oliver! Mau!
Assustar-me tanto! Anda para casa; Deus seja louvado; achei-te enfim!
Depois destas exclamacoes incoerentes, a moca continuou a gemer e
solucar, com tao violento acesso nervoso, que muitas mulheres que ali
estavam perguntaram a um carniceiro de cabelo luzidio se nao seria bom
chamar um medico. O carniceiro, que parecia lento, para nao ser indolente,
respondeu que nao era preciso.
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¡X Oh! Nao! Nao! ¡X disse a moca apertando a mao de Oliver. ¡X Estou
melhor. Vamos para casa, pequeno!
¡X O que e? ¡X perguntou uma das mulheres.
¡X Oh! ¡X respondeu a moca. ¡X Ele fugiu ha perto de um mes de casa
de seus pais, que sao uns bons operarios, com o fim de acompanhar uns
ladroes de boa laia, e a mae quase morreu de pesar.
¡X Miseravel! ¡X disse a mulher.
¡X Va, va para casa, brutinho!
¡X Nao sou eu ¡X respondeu Oliver assustado. ¡X Nao conheco esta
moca; eu nao tenho pai, nem mae, nem irma; sou orfao; moro em
Pentonville.
¡X Vejam que descarado! ¡X disse a moca.
¡X Ah! E Nancy! ¡X disse Oliver vendo a cara da rapariga, o que ate
entao nao conseguira.
Recuou espantado.
¡X Vejam como me conheceu! ¡X disse Nancy, dirigindo-se as outras
pessoas. ¡X Nao podia deixar de ser assim. Havera alguem que me queira
ajudar a leva-lo para a casa? Se o nao levo o pai e a mae morrem de
desgosto!
¡X Que diabo e isto? ¡X disse um homem saindo de uma taverna, com
um cao branco atras de si. ¡X Ah! E o Oliver! Anda, salta para casa de tua
mae, peralta! Depressa!
¡X Nao os conheco! Socorro! Socorro! ¡X gritou Oliver, debatendo-se
entre os bracos do homem.
A estas palavras, o homem arrancou os volumes que a crianca trazia e
lhe deu com eles na cabeca.
¡X Bem-feito! ¡X disse do alto de um sotao um espectador desta cena.
¡X E assim que estes patifes devem ser ensinados!
¡X Tem razao ¡X disse um carpinteiro, olhando com ar de aprovacao
para o outro que falara.
¡X Ha de fazer-lhe bem ¡X disseram as duas mulheres.
¡X Esta claro! ¡X replicou o homem batendo outra vez com os livros
na cabeca de Oliver. ¡X Anda, peralta! Turco! Aqui! Atencao!
Enfraquecido pela recente molestia, aturdido pelas pancadas, assustado
com o rugido do cao e com a brutalidade do homem, abatido pela
conviccao em que os espectadores estavam de que ele era realmente um
vagabundo, que podia fazer o pobre menino?

Era ja noite fechada; o bairro estava deserto; nao se podia esperar nenhum
socorro.
Num fechar de olhos, foi Oliver arrastado por um labirinto de ruas
sombrias e estreitas, com rapidez tal que tornava ininteligiveis os poucos
gritos que ele ousava soltar. E que valia serem inteligiveis, se ninguem os
podia ouvir?

Os bicos de gas estavam acesos em toda a cidade; a Sra. Bedwin esperava
com ansiedade a porta da casa; vinte vezes a criada correu ate a esquina
a ver se vinha Oliver, e os dois velhos amigos la estavam obstinadamente
no gabinete, no meio do escuro, e os olhos no relogio.

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