domingo, 6 de março de 2011

Os Delírios de Consumo de Becky Bloom - Capítulos 19 ao 21

DEZENOVE

O carro para me levar aos estúdios de televisão chega prontamente às 7:30 da manhã
seguinte. Quando a campainha toca, mamãe, papai e eu pulamos, apesar de já estarmos
esperando num silêncio tenso há dez minutos.
— Bem — diz papai num tom áspero, olhando para seu relógio. — Eles estão aqui.
Desde ontem, quando contei-lhe sobre os acertos, meu pai havia previsto que o carro
não apareceria e que ele teria que me levar aos estúdios ele mesmo. Até planejou um
caminho ontem à noite e telefonou para tio Malcolm ficar de sobreaviso. (Para ser
sincera, acho que ele estava torcendo para que isso acontecesse.)
— Ah, Becky — diz mamãe numa voz trêmula. — Boa sorte, querida. — Ela olha para
mim, depois balança a cabeça. — Nossa pequena Becky, na televisão. Não consigo
acreditar.
Começo a me levantar, mas papai estica um braço me contendo.
— Antes de abrir a porta, Becky -— diz ele. — Você tem certeza, não é? Sobre o risco
que está correndo. — Ele olha para mamãe, que morde o lábio.
— Estarei bem! — digo, procurando soar o mais calma possível. - - Honestamente, pai,
já conversamos sobre tudo isso.
Na noite passada, de repente ocorreu a meu pai que, se eu aparecesse na televisão, meu
perseguidor saberia onde eu estava. No princípio ele estava inflexível de que eu teria que
desmarcar tudo — e custou-me um bocado de persuasão para convencê-lo e à minha mãe
de que eu estaria perfeitamente segura nos estúdios da TV. Estavam até falando sobre
contratar um segurança, dá para acreditar? Quero dizer, o que ia parecer, eu chegando lá
com um segurança?
Na verdade, eu ia parecer bem superior e misteriosa, não é? Droga. Isso poderia ter
sido uma boa idéia.
A campainha toca novamente e eu logo fico em pé.
— Bem — diz papai. — Tenha cuidado.
— Terei, não se preocupe! — digo, pegando minha bolsa. Ando para a porta calma,
procurando não demonstrar o quanto estou me sentindo nervosa. Mas por dentro me sinto
leve como uma bolha.
Só não posso acreditar como tudo está indo tão bem. Não só estarei na televisão, mas
todos estão sendo tão bons comigo! Ontem tive várias conversas ao telefone com uma
assistente de produção do Morning Coffee, uma garota realmente muito simpática,
chamada Zelda. Repassamos exatamente o que eu iria dizer no programa, depois ela
destacou um carro para vir me pegar e quando eu lhe disse que estava na casa dos meus
pais, sem nenhuma das minhas roupas à mão, ela falou que eu poderia escolher alguma
coisa para usar do guarda-roupa deles. Ora, não é legal? Escolher qualquer roupa que eu
goste do guarda-roupa deles! Espero que eles me deixem ficar com ela depois, também.
Quando abro a porta da frente, meu estômago dá um pulo de nervoso. Lá, aguardando
na rua, está um homem grande, de meia-idade, vestindo um blazer azul e um chapéu, de
pé ao lado de uma limusine. Meu motorista particular! Isto está ficando cada vez melhor.
— Srta. Bloom? — diz o motorista.
— Sim — digo, incapaz de parar de sorrir para ele maravilhada. Estou quase
alcançando a maçaneta da porta, mas ele chega antes de mim, abre a porta do carro com
um gesto floreado e fica de pé atencioso para me servir, aguardando que eu entre. Deus,
isto é como ser uma estrela de cinema ou algo assim!
Olho de volta para a casa e vejo mamãe e papai de pé na porta de entrada, os dois
olhando totalmente pasmos.
— Bem, tchau então! — digo, procurando soar casual, como se eu sempre andasse em
carros dirigidos por motoristas. —Até mais tarde!
— Becky, é você? — vem uma voz da casa ao lado, e Janice aparece do outro lado da
cerca no seu robe-de-chambre. Seus olhos aumentam quando vêem o carro e ela olha
para minha mãe, que levanta os ombros, como que querendo dizer, "Eu sei, não é
inacreditável?"
— Bom dia, Janice — diz papai.
— Bom dia, Graham — diz Janice estupefata. — Ah, Becky! Nunca vi nada assim. Em
todos esses anos... Se Tom pudesse ver você... — ela interrompe e olha para mamãe. —
Vocês tiraram alguma fotografia?
— Não! — diz mamãe apavorada. — Não nos ocorreu. Granam, rápido, vá pegar a
máquina.
— Não, espera, vou pegar nossa filmadora! — diz Janice. — Vou levar um segundo.
Podíamos ter o carro chegando na rua e Becky saindo da porta da casa... e talvez
pudéssemos usar As Quatro Estações como fundo musical e depois cortar direto para...
— Não! — digo apressada, vendo uma centelha de diversão passar pelo rosto do
motorista. Deus, isto é embaraçoso. E eu estava indo tão bem na minha aparência
displicente e profissional. — Não temos tempo para fotografias. Tenho que chegar no
estúdio!
— Sim — diz Janice, de repente parecendo ansiosa. — Sim, você não quer se atrasar.
— Olha temerosa para seu relógio como que com medo de o programa já ter começado.
— Vai ao ar às onze, não é?
— Às onze horas o programa começa — diz papai. — Programe o vídeo para cinco
para as onze, é o que estamos dizendo às pessoas.
— É o que faremos — diz Janice. — Para garantir. — Ela dá um pequeno suspiro. —
Não ousarei ir ao banheiro a manhã toda, só para garantir que não vou perder nada!
Faz-se um silêncio de admiração quando entro no carro. O motorista fecha bem a
porta, depois dá a volta até a porta do motorista. Aperto o botão para abaixar minha
janela e sorrio para meus pais.
— Becky, querida, o que fará depois? — diz mamãe. — Voltará aqui ou retornará para
seu apartamento?
Imediatamente sinto meu sorriso hesitar, e olho para baixo, fingindo brincar com os
controles. Não quero pensar no depois.
Na realidade, não consigo sequer visualizar o depois. Vou estar na televisão... e só vai
até aí. O resto da minha vida está seguramente trancada numa caixa no fundo da minha
cabeça e eu não quero lembrar que está lá.
— Eu... não tenho certeza — digo. — Vou ver o que acontece.
— Eles provavelmente a levarão para almoçar depois — diz papai com ar de quem
sabe das coisas. — Esses tipos do skowbiz estão sempre almoçando juntos.
— Almoços líquidos — diz Janice e dá uma risadinha.
— No Ivy — diz mamãe. — E lá que os atores se encontram, não é?
— O Ivy saiu de moda! — retruca meu pai. — Eles a levarão para o Groucho Club.
— O Groucho Club! — diz Janice, batendo palmas. — Não é esse que Kate Moss
freqüenta?
Isto está ficando ridículo.
— É melhor irmos andando — digo, e o motorista acena concordando.
— Boa sorte, querida — grita papai. Fecho a janela e recosto no banco, enquanto o
carro sai ronronando da entrada da casa.
Por algum tempo viajamos em silêncio. Casualmente, fico olhando a todo momento pela
janela, para ver se alguém está olhando para mim no meu carro dirigido por motorista e
imaginando quem eu sou (aquela garota nova do EastEnders, talvez). Apesar de que
estamos passando na pista dupla tão rápido que é mais provável que eu pareça um borrão.
— E então — diz o motorista após algum tempo. — A senhora vai aparecer no
Morning Coffee, não é?
— Sim, vou — digo eu, e imediatamente sinto um sorriso de alegria envolver meu
rosto. Deus, preciso parar com isto. Aposto que Jeremy Paxman não começa a rir sem
sentido toda vez que alguém lhe pergunta se ele vai aparecer no University Challenge.
Ele provavelmente só dá um olhar de desprezo, como que para dizer Claro que vou
aparecer no University Challenge, seu desmiolado...
— E então vai aparecer para quê? — pergunta o motorista, interrompendo meus
pensamentos.
Estou quase respondendo "Para ser famosa e talvez ganhar umas roupas de graça"
quando percebo o que ele quer dizer.
— Uma matéria sobre finanças — digo calma. — Escrevi um artigo no Daily World,
os produtores leram e querem que eu vá ao programa.
— Já apareceu na televisão antes?
— Não — admito, um pouco relutante. — Não apareci.
Paramos num sinal e o motorista vira-se para trás para me examinar.
— Ficará bem — diz ele. — Só não deixe que o nervosismo a domine.
— Nervoso? — digo, e dou uma risadinha. — Não estou nervosa! Estou... ansiando
por isto.
— Fico feliz em saber — diz o motorista virando-se novamente. — Então ficará bem.
Algumas pessoas sentam-se naquele sofá acreditando que estão bem, relaxadas, felizes
como um passarinho... depois vêem aquela luz vermelha e se dão conta de que 2,5
milhões de pessoas em todo o país estão assistindo. Umas entram em pânico. Não sei por
quê.
— Ah — digo após uma pequena pausa. — Bem... não sou como elas! Estarei bem!
— Bom — diz o motorista.
— Bom — repito, um pouco menos certa, e olho pela janela.
Estarei bem. Claro que sim. Nunca fiquei nervosa na minha vida, e certamente não vou
começar...
Dois milhões e meio de pessoas.
Nossa. Quando se pensa nisso — é um bocado, não é? Dois milhões e meio de pessoas,
todas sentadas em casa olhando para a tela. Olhando para meu rosto. Esperando para
ouvir o que vou dizer a seguir.
Ah, Deus. Está bem, não pense nisso. O importante é lembrar sempre que estou muito
bem preparada. Ensaiei durante séculos na frente do espelho, ontem à noite, e decorei
quase tudo o que vou dizer.
É preciso ficar num nível muito básico e simples, disse Zelda — porque,
aparentemente, 76% da audiência de Morning Coffee é constituída de donas de casa
cuidando de seus bebês, portanto com períodos de atenção muito curtos. Ela ficou se
desculpando pelo que chamou o "efeito emburrecedor" e dizendo que uma especialista
financeira como eu deve sentir-se realmente frustrada com isso e, claro, concordei com
ela.
Mas, para ser sincera, estou bastante aliviada. De fato, quanto mais emburrecida
melhor, no que me diz respeito. Quero dizer, escrever um artigo no Daily World com
todas as minhas anotações a mão foi uma coisa, mas responder a perguntas maliciosas ao
vivo, na televisão, é outra. (Um pensamento ameaçador, na verdade — não que eu tenha
dito isso a Zelda. Não quero que ela pense que sou uma total idiota.)
Como eu ia falando, vou começar dizendo "Se oferecessem a você uma chance para
escolher entre um relógio de parede e 20.000 libras, qual escolheria?" Rory ou Emma
responderão: "Vinte mil libras, claro!" e eu direi: "Exatamente, 20.000 libras." Farei uma
breve pausa, para deixar esse número entrar na mente do público e depois direi,
"Infelizmente, quando a Flagstaff Life ofereceu a seus clientes um relógio de parede para
transferirem suas economias, não lhes informaram que, se fizessem isso, perderiam uma
bonificação de vinte mil libras!"
Soa bastante bem, não acha? Rory e Emma farão algumas perguntas fáceis, como "O
que as pessoas podem fazer para se protegerem?", e eu darei respostas boas e simples. E
já no final, só para manter tudo bem leve, vamos falar sobre todas as diferentes coisas que
se poderia comprar com 20.000 libras.
Na verdade, esta é a parte que estou aguardando com mais ansiedade. Já pensei em um
monte de coisas. Você sabia que com 20.000 libras pode-se comprar 52 relógios Gucci e
ainda sobra para uma bolsa?
Os estúdios do Morning Coffee são em Maida Vale, e quando nos aproximamos dos
portões, familiares porque aparecem na abertura do programa, sinto uma certa excitação.
Estou mesmo aqui. E vou mesmo aparecer na televisão!
O porteiro acena para nós atrás da barreira, paramos na frente de um par de portas
enormes e o motorista abre a porta do carro para mim. Quando saio, minhas pernas estão
levemente trêmulas, mas me forço a subir confiante as escadas que levam ao hall da
recepção e me aproximo do balcão.
— Estou aqui para o Morning Coffee — digo e dou uma risadinha quando percebo o
que acabei de dizer. — Quero dizer...
— Sei o que quer dizer — diz a recepcionista gentil mas cansada. Vê meu nome numa
lista, digita um número e diz, "Jane? Rebecca Bloom está aqui". Depois ela aponta uma
fila de cadeiras confortáveis e diz, "Alguém estará com você num instante".
Dirijo-me às cadeiras e sento-me em frente a uma mulher de meia-idade com o cabelo
preto desgrenhado e um enorme colar de âmbar no pescoço. Está acendendo um cigarro
e, apesar de eu na verdade não fumar mais, de repente me sinto com vontade de fumar
um também.
Não que eu esteja nervosa ou algo assim. Só estou querendo um cigarro.
— Desculpe-me — grita a recepcionista. — Esta é uma área de não-fumantes.
— Droga — diz a mulher numa voz irritada. Dá uma tragada forte, depois apaga o
cigarro num cinzeiro e sorri para mim conspirando. — Você é uma convidada do
programa? — pergunta ela.
— Sim — digo. — E você?
A mulher acena que sim. — Promovendo meu novo romance, Pôr-do-Sol Vermelho
Sangue. Abaixa a voz para um tom emocionante. — Uma história quente de amor,
ambição e morte, passada no mundo implacável dos lavadores de dinheiro da América do
Sul.
— Nossa — digo. — Parece realmente...
— Vou lhe dar um exemplar — interrompe a mulher. Leva a mão para uma maleta
Mulberry ao seu lado e tira um livro de capa dura de cores bem vivas. — Qual é mesmo
seu nome?
Qual é mesmo, como se ela soubesse!
— E Rebecca — digo. — Rebecca Bloom.
— Para Becca — a mulher diz alto enquanto escreve na página da frente. — Com
amor e muito afeto. Assina com um floreio e me entrega o livro.
— Puxa — digo. — Obrigada... — Rapidamente olho para a capa "Elisabeth".
Elisabeth Plover. Para ser sincera, nunca ouvi falar nela.
— Deve estar imaginando como cheguei a saber tanta coisa sobre um mundo tão
violento e perigoso — diz Elisabeth. Inclina-se para mim e me olha com grandes olhos
verdes. — A verdade é que vivi com um lavador de dinheiro durante três longos meses.
Eu o amava e aprendi com ele... e depois o traí. — Sua voz morre para um sussurro
trêmulo. — Ainda me lembro do olhar que me deu quando a polícia o levou. Ele soube o
que eu tinha feito. Soube que eu era seu Judas Escariotes. E mesmo assim, numa maneira
estranha de ser, acho que me amou por isso.
— Uau — digo, impressionada sem querer. — Isso tudo aconteceu na América do Sul?
— Em Hove — diz ela, após uma breve pausa. — Mas os lavadores de dinheiro são
iguais no mundo todo.
— Rebecca? — diz uma voz, antes que eu pense numa resposta, e nós duas olhamos e
vemos uma garota de cabelos escuros e macios, vestindo uma calça jeans e uma camisa
preta de gola, vindo em nossa direção em passos rápidos. — Sou Zelda. Nos falamos
ontem?
— Zelda! — exclama Elisabeth, levantando-se. — Como tem estado, minha querida?
—Abre os braços e Zelda fixa o olhar nela.
— Sinto muito — diz ela — nós já... — Ela para. quando seu olhar cai sobre minha
cópia de Pôr-do-Sol Vermelho Sangue. —Ah, sim, tem razão, Elisabeth. Um de nossos
pesquisadores virá procurá-la num instante. Enquanto isso, sirva-se de um café. — Ela
abre um sorriso, depois vira-se para mim. — Rebecca, está pronta?
— Sim! — digo ansiosa, pulando da cadeira. (Devo admitir, sinto-me bastante
lisonjeada por ver Zelda vir me encontrar pessoalmente. Quero dizer, ela obviamente não
faz isso com todos.)
— Prazer em conhecê-la — diz Zelda apertando minha mão. — Que bom tê-la no
programa. Agora, como sempre, estamos completamente enlouquecidos, portanto se
estiver bom para você, pensei que podíamos ir direto para o cabelo e a maquiagem e
conversar no caminho.
— Claro — digo, procurando não parecer ansiosa demais. — Boa idéia.
Cabelo e maquiagem! Isto é superlegal!
— Houve uma pequena mudança de planos que eu preciso colocar você a par — diz
Zelda. — Nada para se preocupar... Já tem alguma notícia de Bella? — acrescenta
dirigindo a palavra à recepcionista.
A recepcionista balança a cabeça e Zelda murmura algo que parece "Sacana imbecil".
— Está bem, vamos — diz ela, encaminhando-se na direção de um par de portas
giratórias. — Temo que tudo esteja mais louco do que o normal hoje. Um de nossos
funcionários nos deu um bolo, portanto estamos procurando um substituto, e aconteceu
um acidente na cozinha... — Ela empurra a porta giratória e agora estamos andando por
um corredor acarpetado de verde, cheio de gente. — E ainda temos o Heaven Sent 7 hoje
no programa — acrescenta por cima do ombro. — O que significa que a mesa telefônica
fica congestionada com os fãs telefonando, e que nós precisamos achar espaço no
vestiário para sete egos enormes.
— Certo — digo mostrando desinteresse. Mas de repente não consigo respirar. Heaven
Sent 7? Mas quero dizer... Eles são realmente famosos! E eu vou aparecer no mesmo
programa que eles! Vou conhecê-los e tudo, não vou? Talvez depois a gente saia para um
drinque e nos tornemos muito bons amigos. Eles todos são um pouco mais novos que eu,
mas isto não importa. Serei como sua irmã mais velha.
Ou talvez eu saia com um deles! Deus, sim. Aquele bonitinho com o cabelo preto.
Nathan. (Ou é Ethan? Seja lá o nome que for.) Ele vai me notar depois do programa e,
tranqüilamente, vai me convidar para jantar sem os outros. Iremos a algum restaurante
pequeno e, no início, tudo será bem calmo e discreto, mas depois a imprensa vai
descobrir e nos tornaremos um desses casais muito famosos que vão às premières o
tempo todo. E eu vou usar...
— Bem, é aqui — diz Zelda, e eu olho encantada.
Estamos na entrada de uma sala revestida de espelhos e refletores. Três pessoas estão
sentadas em cadeiras na frente dos espelhos, usando robes, e a maquiagem está sendo
feita por garotas bem na moda usando jeans; outra está secando o cabelo no secador. Ao
fundo toca uma música, há um nível de conversa amigável, e no ar há uma mistura de
cheiros de spray de cabelo, pó-de-arroz e café.
É basicamente minha idéia de céu.
— Então — diz Zelda, levando-me na direção de uma garota com cabelo vermelho. —
Chloe vai fazer sua maquiagem e depois vamos encaminhá-la ao guarda-roupa. Está
bem?
— Tudo bem — digo, incapaz de impedir um sorriso maravilhado espalhando-se pelo
meu rosto quando vejo a coleção de maquiagem de Chloe. Há zilhões de escovas, potes e
tubos espalhados pela bancada à nossa frente, todos de marcas muito boas como Chanel e
MAC.
Deus, que emprego fantástico. Eu sempre soube que deveria ter me tornado uma
maquiadora.
— Agora, sobre a sua parte — continua Zelda quando me sento numa cadeira giratória.
— Como disse, adotamos um formato um pouco diferente do que havíamos comentado
previamente...
— Zelda! — vem a voz de um homem de fora. — Bella está na linha para você!
— Ah, merda — diz Zelda. — Olha, Rebecca, tenho que ir atender esta chamada, mas
voltarei logo que puder, está bem?
— Claro! — digo feliz, enquanto Chloe joga uma capa em volta de mim e puxa meu
cabelo para trás numa ampla faixa atoalhada. Ao fundo, o rádio toca minha música
favorita de Lenny Kravitz. Isto não poderia ser mais perfeito.
— Vou só limpar e tonificar, e depois cobrir com uma base — explica Chloe. — Se
puder fechar os olhos...
Fecho meus olhos e, depois de alguns segundos, sinto um líquido frio e cremoso sendo
massageado no meu rosto. E a sensação mais deliciosa do mundo. Eu poderia ficar
sentada ali o dia inteiro.
— E então — diz Chloe após um tempo. — O que você vai fazer no programa?
— Errm... finanças — respondo bastante vaga. — Uma parte sobre finanças.
Para ser sincera, me sinto tão relaxada que mal consigo lembrar o que estou fazendo
aqui.
— Ah, sim — diz Chloe, espalhando eficientemente a base pelo meu rosto. —
Estavam falando mais cedo sobre alguma coisa financeira. — Ela pega uma palheta de
sombras para os olhos, mistura duas cores, depois pega uma escova. — Então você é uma
especialista em finanças?
— Bem — digo, e encolho os ombros indicando modéstia. — Você sabe.
— Uau — diz Chloe, começando a aplicar sombra nas minhas pálpebras. — Não
entendo nada de dinheiro.
— Nem eu! — opina uma garota de cabelo escuro do outro lado da sala. — Meu
contador desistiu de tentar me explicar aquilo tudo. Quando diz a palavra "taxa anual",
minha mente turva.
Estou quase respondendo solidariamente, "Eu também!" e começando um papo
gostoso feminino. Mas justo a tempo percebo que poderia não soar muito bem. Em
princípio, sou uma especialista financeira, afinal.
— É tudo bem simples, na verdade — acabo dizendo, e abro um sorriso confiante. —
Quando se pega o gancho dos três princípios básicos.
— Verdade? — diz a garota de cabelo preto e pára com o secador na mão. — Quais
são eles, então?
— Ah — digo, limpando a garganta. — Erm, bem, o primeiro é... — Paro e esfrego o
nariz. Deus, minha mente está completamente vazia.
— Desculpe, Rebecca — diz Chloe — vou precisar interromper. — Graças a Deus por
isso. — Agora, eu estava pensando num vermelho-cereja para os lábios. Está bem para
você?
Com toda essa conversa, não prestei muita atenção ao que ela estava fazendo no meu
rosto. Mas quando olho bem para minha imagem no espelho, não consigo acreditar. Meus
olhos estão grandes; de repente tenho bochechas incrivelmente salientes... sinceramente,
pareço uma pessoa diferente. Por que não uso maquiagem assim todos os dias?
— Uau! — exclamo. — Está fantástico!
— Está mais fácil porque você está muito calma — observa Chloe, levando a mão ao
estojo preto. — Recebemos algumas pessoas aqui realmente tremendo de nervosas. Até
celebridades. Quase não conseguimos fazer sua maquiagem.
— Verdade? — digo e me inclino para a frente, pronta para ouvir mais fofocas do
meio. Mas a voz de Zelda nos interrompe.
— Me desculpe, Rebecca! — exclama ela. — Certo, como estamos indo? A
maquiagem parece boa. E o cabelo?
— Está bem-cortado — diz Cbloe, pegando uns cbumaços do meu cabelo e depois
deixando-os cair novamente. - Só vou fazer uma escova para dar mais brilho.
— Está bem — diz Zelda. — E depois vamos levá-la ao guarda-roupa. — Ela olha
para algo na sua prancheta e depois senta-se numa cadeira giratória ao meu lado. — Está
bem, então, Rebecca, precisamos falar sobre sua parte.
— Excelente — digo, num tom profissional como o dela. — Bem, preparei tudo
exatamente como você queria. Realmente simples e direto.
— Sim — diz Zelda. — Bem, é isto. Tivemos uma conversa na reunião de ontem, e
você ficará feliz em ouvir que, afinal, não precisaremos ser tão básicos. — Ela sorri. —
Você poderá ser tão técnica quanto desejar! Gráficos... números...
— Ah, certo — digo, surpresa. — Bem... que bom! Ótimo! Apesar de que talvez eu
mantenha o assunto um pouco simplificado.
— Queremos evitar falar simplificadamente para o público. Quero dizer, eles não são
débeis mentais! — Zelda abaixa a voz levemente. —Além disso, fizemos uma nova
pesquisa de audiência ontem e, aparentemente, 80% sentem-se diminuídos com alguns ou
todos os conteúdos do programa. Basicamente, precisamos retificar esse equilíbrio. Por
isso tivemos uma mudança total de planos para sua parte! — Ela sorri para mim. — Em
vez de uma entrevista simples, pensamos em ter um debate acalorado.
— Um debate acalorado? — repito, procurando não parecer tão alarmada quanto estou
me sentindo.
— Claro! — diz Zelda. — O que queremos é realmente uma discussão apaixonada!
Opiniões sendo emitidas, vozes se elevando. Esse tipo de coisa.
Opiniões? Mas eu não tenho nenhuma opinião.
— E então está bem? — diz Zelda franzindo a testa para mim. — Você parece um
pouco...
— Estou bem! — Forço-me a um sorriso vivo. — Só . . . estou ansiosa para chegar o
momento! Um debate acalorado. Ótimo! — Limpo minha garganta. — E... com quem
estarei debatendo?
— Um representante da Flagstaff Life — diz Zelda triunfante. —Frente a frente com o
inimigo. Será um grande show!
— Zelda! — surge uma voz de fora da sala. — Bella novamente!
— Ah, por Deus do céu! — diz Zelda, levantando-se de um pulo. — Rebecca, estarei
de volta num segundo.
— Certo — consigo responder. — Vejo você num minuto.
— Tudo bem — diz Chloe com uma expressão alegre. — Enquanto ela está lá, deixeme
colocar aquele batom. — Ela pega uma escova comprida e começa a pintar meus
lábios, e eu olho para minha imagem no espelho, tentando ficar calma; tentando não
entrar em pânico. Mas meu coração está batendo forte e minha garganta está tão apertada
que não consigo engolir. Nunca fiquei com tanto medo em toda minha vida.
Não posso falar num debate acalorado! Simplesmente não posso. Não tenho nenhuma
opinião, não tenho nenhum número, não sei nada...
Ah, Deus, por que eu quis aparecer na televisão?
— Rebecca, pode tentar manter seus lábios quietos? — diz Chloe com uma expressão
intrigada. — Eles estão tremendo muito.
— Desculpe — murmuro, olhando minha imagem como um coelho congelado. Ela
está certa, estou tremendo toda. Ah, Deus, isto não é bom. Preciso me acalmar. Pensar
zen. Pensar em coisas alegres.
Num esforço para me distrair, focalizo na minha imagem no espelho. Ao fundo posso
ver Zelda em pé no corredor, falando num telefone com uma expressão furiosa no rosto.
— Hã — posso ouvi-la dizendo num tom áspero. — Hã. Mas o problema, Bella, é que
pagamos a você uma taxa para ficar disponível. Que diabos eu devo fazer agora? — Ela
procura, vê alguém e levanta uma mão cumprimentando. — Tudo bem, Bella, entendo
que...
Uma mulher loura e dois homens aparecem no corredor, e Zelda acena com a cabeça
para eles desculpando-se. Não consigo ver seus rostos, mas estão usando sobretudos
bonitos e segurando pastas, e um dos homens tem um arquivo inchado de tanto papel. O
manto da mulher loura é bem bonito, fico pensando. E está com uma maleta de pele de
pônei Fendi. Quem será ela?
— Hã-hã — Zelda está dizendo. — Hã-hã. Bem, se você puder sugerir um tema
alternativo para ligações...
Ela levanta as sobrancelhas para a mulher loura, que encolhe os ombros e vira para
outro lado para olhar para um cartaz na parede. E quando faz isso, meu coração quase
pára de funcionar.
Porque a reconheço. É Alicia. É Alicia, da Brandon Communications, em pé, a cinco
metros de distância de mim.
Quase tenho vontade de rir da incongruência disso tudo.O que ela está fazendo aqui? O
que Alicia Sacana Pernas Compridas está fazendo aqui, pelo amor de Deus?
Um dos homens se vira para dizer algo a ela e quando vejo seu rosto, acho que o
reconheço também. E outro do grupo da Brandon C, não é? Um desses tipos jovens
ansiosos com rosto de bebê.
Mas que diabos eles estão fazendo aqui? O que está acontecendo? Certamente não
pode ser...
Eles não podem estar todos aqui por causa de...
Não. Ah, não. De repente me sinto com frio.
— Luke! — vem a voz de Zelda do corredor, e meu estômago começa a se agitar. —
Estou muito feliz por você ter podido vir. Sempre adoramos ter você no programa. Sabe,
não tinha a menor idéia de que você representava a Flagstaff Life, até Sandy dizer...
No espelho, posso ver meu rosto perdendo a cor.
Isto não está acontecendo. Por favor diga-me que isto não está acontecendo.
— A jornalista que escreveu o artigo já está aqui — Zelda está dizendo — e já a
informei do que está acontecendo. Acho que vai ser um excelente programa o debate
entre os dois!
Ela começa a andar pelo corredor e, pelo espelho, vejo Alicia e o jovem ansioso
começarem a segui-la. Depois o terceiro homem de sobretudo começa a aparecer. E
apesar de meu estômago estar doloridamente agitado, não consigo evitar. Lentamente
giro minha cabeça quando ele passa pela porta.
Encontro os olhos graves e escuros de Luke Brandon e ele encontra os meus e, por
alguns segundos mais, nós nos olhamos. Depois, repentinamente ele desvia o olhar e se
distancia descendo o corredor. E eu sou deixada olhando sem ação minha imagem
pintada, sentindo-me doente de pânico.

ITENS PARA ENTREVISTA NA TELEVISÃO
CONSELHOS FINANCEIROS SIMPLES E BÁSICOS
1. Prefere relógio/vinte mil libras? Óbvio.
2. Flagstaff Life enganou clientes inocentes. Cuidado.
Ermm. . .
3. Sempre tenha cuidado com seu dinheiro.
4. Não coloque tudo num só investimento, diversifique.
5. Não perca por engano.
6. Não
COISAS QUE SE PODE COMPRAR COM
VINTE MIL LIBRAS
1. Um bom carro, por exemplo, um BMW pequeno
2. Colar de pérolas e brilhante da Asprey's mais um grande
anel de brilhante
3. 3 vestidos de noite de alta-costura, por exemplo, de
John Galliano
4. Um excelente piano Steinway
5. 5 lindos sofás de couro da loja Conran
6. 52 relógios Gucci, mais uma bolsa
7. Flores entregues todo mês durante quarenta e dois anos
8. 55 filhotes de labrador com pedigree
9. 80 coletes de cashmere
10. 666 sutiãs lindos da marca Wonderbras
11. 454 potes de creme hidratante Helena Rubinstein
12. 800 garrafas de champanhe
13. 2.860 pizzas da Fiorentina
14. 15.384 tubos de batatas Pringles
15. 90.909 pacotinhos de Pólos
16.

VINTE

Às 11:25, estou sentada numa poltrona forrada de marrom, na sala verde. Estou vestindo
um tailleur Jasper Conran, azul-noite, meias de seda e um par de sapatos de salto alto de
camurça. Quanto à maquiagem e ao cabelo depois da escova, nunca fiquei tão bonita na
minha vida. Mas não posso desfrutar de minha aparência. Não posso aproveitar nada
disso. Só consigo pensar no fato de que, dentro de quinze minutos, precisarei sentar num
sofá e discutir altas finanças com Luke Brandon, ao vivo na televisão.
Só de pensar nisso sinto vontade de chorar. Ou de rir. Quero dizer, é como alguma
espécie de brincadeira de mau gosto. Luke Brandon contra mim. Luke Brandon, com seu
QI de gênio e sua maldita memória fotográfica, contra mim. Ele vai me derrotar
facilmente. Vai me massacrar.
— Querida, coma um croissant — diz Elisabeth Plover, que está sentada na minha
frente, mastigando um pain au chocolat. — São simplesmente sublimes. Cada mordida é
como um raio de sol campestre.
— Não, obrigada — digo. — Eu... não estou com muita fome.
Não entendo como ela consegue comer. Eu sinceramente me sinto como se estivesse a
ponto de vomitar a qualquer momento. Como é que as pessoas podem aparecer na
televisão todos os dias? Como Fiona Phillips faz isso? Não é para menos que são tão
magros.
— Chegando! — vem a voz de Rory do monitor da televisão no canto da sala, e nós
duas automaticamente giramos a cabeça para ver na tela uma cena de praia ao pôr-do-sol.
— Como é viver com um gângster e depois arriscar tudo, traí-lo? Nossa próxima
convidada escreveu um romance explosivo baseado na sua experiência sombria e
perigosa...
— ... E apresentamos uma nova série de discussões profundas — exclama Emma. A
cena muda para uma de moedas de libra chovendo no chão, e meu estômago faz um
desagradável movimento. —Morning Coffee chama atenção sobre o tema de escândalo
financeiro, com dois especialistas importantes da área, frente a frente num debate.
Isso sou eu? Ah, Deus, não quero ser uma especialista importante da área. Quero ir
para casa e tomar uma boa xícara de chá.
— Mas antes! — diz Rory alegre. — Scott Robertson está se animando na cozinha.
O quadro muda rapidamente para um homem com um chapéu de cozinheiro sorrindo e
segurando um maçarico. Olho para ele por uns momentos, depois desço o olhar
novamente, apertando minhas mãos cerradas sobre o colo. Não consigo acreditar que
dentro em breve serei eu a estar naquela tela. Sentada no sofá. Tentando pensar em
alguma coisa inteligente para dizer.
Para me distrair, desenrolo pela milionésima vez minha folha A4 amassada e leio
minhas anotações insignificantes. Talvez não seja tão ruim, me vejo pensando
esperançosa, enquanto meus olhos passam pelas mesmas frases sem parar. Talvez eu
esteja me preocupando sem razão. Provavelmente nós vamos manter a coisa toda no
nível de uma conversa casual. Mantê-la simples e amigável. Afinal...
— Bom dia, Rebecca — vem da porta uma voz. Lentamente olho e quando faço isto,
sinto meu coração afundar. Luke Brandon está em pé na porta. Está usando um terno
escuro imaculado, seu cabelo está brilhando e seu rosto está bronzeado com a
maquiagem. E não há um grama de amabilidade no seu rosto. Seu maxilar está cerrado,
seus olhos estão duros e com um ar profissional. Quando encontram os meus, nem
vacilam.
Por alguns instantes nos olhamos sem falar. Posso ouvir meu coração batendo alto no
meu ouvido, meu rosto queima por debaixo da maquiagem. Depois, juntando todos os
meus recursos internos, forço-me a dizer calmamente:
— Olá, Luke.
Faz-se um silêncio de interesse quando ele entra na sala. Até Elisabeth Plover parece
intrigada com ele.
— Conheço esse rosto — diz ela, inclinando-se para mim. — Conheço ele. Você é
ator, não é? Shakespeariano, claro. Acho que o assisti em Rei Lear, três anos atrás.
— Creio que não — diz Lute, seco.
— Tem razão! — diz Elisabeth, dando um tapa na mesa. — Foi Hamlet. Lembro-me
bem. A dor desesperada, a culpa, a tragédia final... — Ela balança a cabeça com ar
solene. — Nunca esquecerei aquela sua voz. Cada palavra era como uma punhalada.
— Sinto muito — diz Luke por fim, e olha para mim. — Rebecca...
— Luke, aqui estão os números finais — interrompe Alicia, entrando na sala correndo
e entregando-lhe uma folha de papel. — Olá, Rebecca — ela acrescenta, com um olhar
sarcástico. — Está preparada?
— Sim, estou, na verdade — digo, amarrotando meu papel A4 numa bola no meu colo.
— Muito bem preparada.
— Fico contente em ouvir — diz Alicia, levantando as sobrancelhas. — Deverá ser um
debate interessante.
— Sim — digo em tom de desafio. — Muito.
Deus, ela é uma sacana.
— Acabei de falar com John, da Flagstaff, ao telefone — acrescenta Alicia para Luke
numa voz baixa. — Ele insiste que você deve mencionar a nova série de poupanças da
Foresight. Obviamente, eu disse a ele...
— Esta é uma oportunidade para consertar o estrago — diz Luke, seco. — Não uma
maldita feira de lançamentos. Ele terá muita sorte se... — Me olha e eu desvio o olhar
como se não tivesse o mais remoto interesse no assunto. Casualmente dou uma olhada de
relance para meu relógio e sinto um grande medo quando vejo a nora. Dez minutos. Dez
minutos mais.
— Tudo tem — diz Zelda entrando na sala. — Elisabeth, estamos prontos para você.
— Maravilhoso — diz Elisabeth, comendo mais um naco do pain au chocolat. — Estou
bem, não estou? — Ao levantar-se, uma chuva de migalhas cai sobre sua saia.
— Está com um pedaço de croissant no seu cabelo — diz Zelda, retirando-o. — Fora
isso, o que posso dizer — Ela capta meu olhar e tenho um desejo histérico de rir.
— Luke! — diz o rapaz com rosto de bebê, entrando correndo com um telefone
celular. — John Bateson na linha para você. E chegaram dois embrulhos...
— Obrigada, Tim — diz Alicia, pegando os embrulhos e abrindo-os. Ela retira uma
pilha de papéis e começa a passar os olhos por eles rápido, marcando coisas com o lápis
de vez em quando. Enquanto isso, Tim senta, abre um computador laptop e começa a
digitar.
— Sim, John, realmente vejo seu ponto de vista — Luke está dizendo numa voz baixa
e contida. — Mas se você me ouvir pelo menos por um instante...
— Tim — diz Alicia olhando para ele. —Pode examinar rapidamente o lucro do fundo
de pensão da Flagstaff nos últimos três, cinco e dez?
— Claro — diz Tim, e começa a digitar no computador.
— Tim — diz Luke, olhando para ele do telefone. — Quer imprimir o rascunho do
release da Flagstaff Foresight para mim o mais rápido possível? Obrigado.
Não consigo bem acreditar no que estou vendo. Eles praticamente armaram um
escritório aqui na sala verde do Morning Coffee. Um escritório inteiro da equipe da
Brandon Communications cheia de computadores, modems, telefones... brigando contra
mim e meu papel A4 todo amassado.
Observando o laptop de Tim cuspindo páginas eficientemente, e Alicia entregando
folhas de papel a Luke, uma sensação fria começa a me subir. Quero dizer, vamos
encarar. Nunca vou vencer este grupo, vou? Não tenho a menor chance. Eu devia
simplesmente desistir agora. Dizer que estou doente ou algo assim. Correr para casa e
esconder-me debaixo da minha cama.
— Todos prontos? — diz Zelda da porta, esticando a cabeça para dentro da sala. —
Vai começar daqui a sete minutos.
— Bem — diz Luke.
— Bem — repito numa voz titubeante.
— Ah, Rebecca, chegou um embrulho para você — diz Zelda. Ela entra na sala e me
entrega uma caixa grande e quadrada. — Voltarei num minuto.
— Obrigada, Zelda — agradeço surpresa e, com uma repentina elevação de ânimo,
começo a abrir a caixa. Não tenho idéia do que é ou de quem enviou, mas tem que ser
alguma coisa que vai ajudar, não tem? Informação especial de último minuto de Eric
Foreman, talvez. Um gráfico, ou uma série de números que eu possa apresentar num
momento crucial. Ou algum documento secreto que Luke desconheça.
Do canto do meu olho consigo ver que todos os Brandonetes pararam o que estavam
fazendo e estão me observando também. Bem, isto vai lhes mostrar. Eles não são os
únicos a receberem embrulhos enviados para a sala verde. Não são os únicos a ter
recursos. Finalmente consigo tirar a fita adesiva e abro a aba da caixa.
E com todos a me observarem, um grande balão vermelho de hélio, todo enfeitado com
as palavras BOA SORTE , flutua até o teto. Há um cartão preso ao barbante e, sem olhar
ninguém no olho, eu o abro.
Imediatamente percebo que era preferível não tê-lo aberto.
"Boa sorte para você, boa sorte para você, seja lá o que vai fazer" — canta uma
vozinha eletrônica.
Fecho correndo o cartão e sinto meu rosto queimar. Deus, que vergonha. Do outro lado
da sala consigo ouvir umas risadinhas e, quando olho, vejo Alicia rindo maliciosa. Ela
murmura alguma coisa no ouvido de Luke e uma expressão divertida espalha-se em seu
rosto.
Ele está rindo de mim. Estão todos rindo de Rebecca Bloom e de seu balão que canta.
Por alguns instantes não consigo me mexer de humilhação. Meu rosto está quente, minha
garganta está apertada, nunca me senti menos parecida com uma importante especialista
do ramo em toda a minha vida.
Depois, do outro lado da sala, ouço Alicia murmurar algum pequeno comentário
maldoso bufando de rir — e, bem dentro de mim, alguma coisa grita. Arrase-os, penso
de repente. Arrase-os todos. De qualquer forma, é provável mesmo que só estejam com
ciúmes. Eles queriam ganhar balões também.
Desafiadora, abro o cartão novamente para ler a mensagem.
"Não importa se chover ou fizer sol, nós todos sabemos que você estará bem" — canta
a vozinha do cartão. — "Levante a cabeça, mantenha-a elevada, o que importa é que você
tenta."
Para Becky, com amor e agradecimento por toda sua maravilhosa ajuda. Estamos
muito orgulhosos por conhecer você. De seus amigos Janice e Martin.
Olho para o cartão, repetidamente leio as palavras e sinto meus olhos esquentarem.
Janice e Martin têm sido bons amigos ao longo dos anos — mesmo que seu filho seja um
pouco mimado. Sempre foram bons comigo, mesmo quando dei um conselho tão
desastroso. Devo-lhes isto. E não vou mesmo desapontá-los.
Pisco algumas vezes, respiro fundo e vejo os olhos de Luke Brandon sobre mim,
escuros e sem expressão.
— Amigos — explico calmamente. — Enviando votos de sucesso.
Cuidadosamente apoio o cartão sobre a mesa de café, certificando-me de que fique
aberto para continuar cantando, depois puxo meu balão para baixo e amarro-o no espaldar
da minha cadeira.
— Certo — vem a voz de Zelda da porta. — Luke e Rebecca. Estão prontos?
— Não poderia estar mais pronta — digo calmamente e passo por Luke a caminho da
porta.

VINTE E UM

Enquanto atravessamos os corredores até o cenário, Luke e eu não trocamos uma palavra.
Dou uma rápida olhada para ele quando viramos um corredor e sua expressão está ainda
mais dura do que antes, na sala verde.
Ah, está bem Também posso ficar dura. Posso ficar dura e profissional Com firmeza,
levanto meu queixo e começo a dar passadas mais largas, fingindo ser Aléxis Carrington,
do seriado Dynasty.
— Então, vocês dois já se conhecem? — pergunta Zelda, que vai andando entre nós.
— Sim, já nos conhecemos — diz Luke breve.
— Num contexto profissional — digo, igualmente breve. — Luke está sempre
procurando promover algum produto financeiro patético. E eu estou sempre evitando seus
telefonemas.
Zelda dá uma risada apreciando e vejo os olhos de Luke brilharem de raiva. Mas
realmente não ligo. Não me importa o quanto ele se irrita. De fato, quanto mais irritado
ele fica, melhor me sinto.
— Então, Luke, você deve ter se aborrecido bastante com o artigo de Rebecca no Daily
World — diz Zelda.
— Não fiquei satisfeito — diz Luke.
— Ele me telefonou para reclamar, você acredita? — digo alegremente. — Não
consegue aceitar a verdade, hein, Luke? Não quer enxergar o que há sob o brilho de RP?
Sabe, talvez você devesse mudar de emprego.
Há um silêncio e me viro para ver Luke. Ele parece tão furioso que, por um terrível
instante, chego a pensar que vai me bater. Depois seu rosto muda e, numa voz calma e
gelada, ele diz:
— Vamos entrar logo no maldito cenário e acabar com essa farsa, está bem?
Zelda levanta as sobrancelhas para mim e eu sorrio de volta. Nunca vi Luke tão
perturbado como agora.
— Está bem — diz Zelda quando nos aproximamos de um conjunto de portas duplas
giratórias. — Chegamos. Falem baixo quando entrarmos.
Ela abre as portas e nos faz entrar e, por um momento, chego a vacilar na minha
encenação. Sinto-me toda trêmula e aterrorizada, exatamente como Laura Dern, em
Parque dos dinossauros, quando viu os dinossauros pela primeira vez. Porque lá está, na
vida real. A vida real do cenário do Morning Coffee. Com o sofá, todas as plantas e tudo
mais, tudo iluminado com as luzes mais brilhantes, mais ofuscantes como nunca vi na
minha vida.
Isto é simplesmente irreal. Quantos zilhões de vezes sentei em casa, assistindo isto na
televisão? E agora vou fazer parte disto. Não consigo acreditar muito bem.
— Temos uns minutinhos até o intervalo comercial — diz Zelda, nos guiando pelo
chão coberto por um monte de cabos de energia. — Rory e Emma ainda estão com
Elisabeth no cenário da biblioteca.
Ela nos diz para sentarmos em lados opostos da mesa de café e eu, cautelosamente,
obedeço. O sofá é mais duro do que eu esperava e um pouco... diferente. Tudo é
diferente. Deus, isto é esquisito. As luzes no meu rosto são tão fortes que quase não
consigo enxergar e também não sei como devo sentar. Uma garota se aproxima, passa um
fio de microfone por baixo da minha blusa e prende na minha gola. Estranhamente,
levanto minha mão para empurrar meu cabelo para trás, e imediatamente Zelda vem
correndo na minha direção.
— Procure não se movimentar muito, está bem, Rebecca? — diz ela. — Não queremos
ouvir muito ruído pelo microfone.
— Certo — digo. — Me desculpe.
De repente minha voz parece não estar funcionando adequadamente. Sinto como se
tivessem enchido minha garganta com um chumaço de algodão. Olho para uma câmera
próxima e, para meu horror, vejo-a aproximando-se de mim.
— Tudo bem, Rebecca — diz Zelda, correndo novamente para mim. — Mais uma
regra de ouro, não olhe para a câmera, está bem? Simplesmente aja com naturalidade!
— Está bem — respondo secamente.
Agir com naturalidade. Fácil, fácil.
— Trinta segundos até o boletim de notícias — informa ela, olhando para seu relógio.
— Tudo bem, Luke?
— Sim — diz Luke, calmo. Ele está sentado no sofá como se estivesse lá ávida inteira.
Típico. Para os homens está tudo bem, eles não se importam com a sua aparência.
Eu me mexo no meu assento, puxo nervosamente minha saia e aliso meu paletó.
Sempre dizem que a televisão engorda a pessoa uns cinco quilos, o que significa que
minhas pernas vão parecer gordas. Talvez eu deva cruzá-las para o outro lado. Ou não
cruzá-las de jeito nenhum? Mas então talvez elas pareçam mais gordas ainda.
— Olá! — surge uma voz num tom alto do outro lado do cenário antes que eu consiga
me decidir. Minha cabeça se vira e sinto uma pontada de nervoso no estômago. É Emma
March em pessoa! Ela está usando um tailleur cor-de-rosa e correndo em direção ao sofá,
seguida de perto por Rory, cujo rosto parece mais quadrado do que o normal. Deus, é
estranho ver celebridades na vida real. Elas não parecem reais mesmo, de certa forma.
— Olá! —diz Emma alegremente e senta-se no sofá. — Então são vocês as pessoas das
finanças, não são? Nossa, estou louca por um xixi. — Ela franze a testa para as luzes. —
Quanto tempo dura este quadro do programa, Zelda?
— Oi pessoal! — diz Rory e aperta minha mão. — Roberta.
— É Rebecca! — diz Emma enquanto me dá um olhar de solidariedade. —
Sinceramente, ele não tem jeito. — Ela se contorce no sofá. — Nossa, eu realmente
preciso ir ao banheiro.
— Agora é tarde demais — diz Rory.
— Mas não faz mal à saúde não ir quando se precisa? — Emma franze a sobrancelha,
ansiosa. — Nós não tivemos um programa sobre isso uma vez? Telefonou aquela garota
maluca que só ia uma vez por dia. E o Dr. James disse... o que ele disse?
— Não tenho a menor idéia — diz Rory alegremente. — Esses programas, interativos
sempre fogem à minha compreensão. Agora eu estou lhe avisando, Rebecca —
acrescenta ele, virando-se para mim — nunca consigo acompanhar nada desse assunto de
finanças. E intelectual demais para mim. — Ele me abre um sorriso amplo e eu respondo
com um sorriso fraco.
—Dez segundos — avisa Zelda de dentro do cenário, e meu estômago dá um puxão de
medo. Pelos alto-falantes posso ouvir o tema musical de Morning Coffee indicando o fim
do intervalo comercial.
— Quem começa? — diz Emma, espremendo os olhos para o teleprompter. — Ah, eu.
Então é isso aí. Sinto-me quase abobalhada de medo. Não sei para onde devo olhar;
não sei quando devo falar. Minhas pernas estão tremendo e minhas mãos estão cerradas
no meu colo. As luzes estão ofuscando meus olhos, uma câmera está se aproximando à
minha esquerda, mas preciso tentar ignorá-la.
— Estamos de volta! — diz Emma de repente para a câmera. — Agora, o que você
preferia ganhar? Um relógio de parede ou 20.000 libras?
O quê? Penso em estado de choque. Mas estas são minhas palavras. E o que eu ia
dizer.
— A resposta é óbvia, não é? — continua Emma sem pensar muito. — Todos nós
preferimos as 20.000 libras.
— Claro! — exclama Rory com um sorriso alegre.
— Mas quando alguns investidores da Flagstaff Life, recentemente, receberam uma
carta sugerindo que transferissem suas economias — diz Emma, de repente adotando
uma expressão sóbria — eles não sabiam que, se fizessem isso, perderiam uma
bonificação de 20.000 libras. Rebecca Bloom é a jornalista que revelou essa história.
Rebecca, você acha que este tipo de decepção acontece muito?
E de repente todos estão olhando para mim, esperando minha resposta. A câmera está
no meu rosto; o estúdio está em silêncio.
Dois milhões e meio de pessoas, todos olhando em casa.
Ah, Deus. Não consigo respirar.
— Você acha que os investidores precisam ser cautelosos? — provoca Emma.
— Sim — consigo responder, numa voz estranha e pouco clara. — Sim, acho que
deveriam.
— Luke Brandon, você representa a Flagstaff Life — diz Emma, virando-se para ele.
—Você acha...
Merda, penso infeliz. Foi patético. Patético! O que aconteceu com a minha voz, pelo
amor de Deus? O que aconteceu com todas as minhas respostas preparadas?
Agora nem estou ouvindo a resposta de Luke. Anda, Rebecca. Preste atenção.
Concentre-se.
— O que é preciso lembrar — Luke está dizendo calmamente — é que ninguém tem
direito a uma bonificação. Este não é um caso de ser logrado! — Ele sorri para Emma. —
Isto é simplesmente um caso em que uns poucos investidores foram um pouco ávidos de
mais por seus próprios interesses. Eles acreditam que perderam, portanto estão
deliberadamente vendendo uma imagem negativa da empresa. Enquanto isso, há milhares
de pessoas que se beneficiaram da Flagstaff Life.
O quê? O que ele está dizendo?
— Entendo — diz Emma, concordando com a cabeça. — Então, Luke, você
concordaria que...
— Espera um minuto! — ouço minha voz interromper.
— Só... só um minuto. Sr. Brandon, o senhor acabou de chamar os investidores de
gananciosos?
— Não todos — diz Luke. — Mas alguns, sim.
Olho para ele incrédula, minha pele pinicando de indignação. Uma imagem de Janice e
Martin vem à minha cabeça — as pessoas mais doces, menos gananciosas do mundo — e
por alguns instantes fico tão furiosa que não consigo falar.
— A verdade é que a maioria dos investidores da Flagstaff Life tiveram lucros
fantásticos nos últimos cinco anos — Luke continua explicando a Emma, que está
concordando com a cabeça inteligentemente. — E é com isto que eles deveriam estar
preocupados. Investimento de boa qualidade. Não com bonificações imediatas. Afinal,
a Flagstaff Life foi inicialmente criada para proporcionar...
— Corrija-me se estiver errada, Luke — interrompo, forçando-me a falar com calma.
— Corrija-me se estiver errada, mas acredito que a Flagstaff Life foi originalmente criada
como um fundo de investimento? Para o benefício mútuo de todos os seus membros. Não
para beneficiar alguns em detrimento de outros.
— Claro — retruca Luke sem vacilar. — Mas isto não dá a cada investidor o direito a
uma bonificação de 20.000 libras, dá?
— Talvez não — digo, minha voz elevando-se levemente. — Mas certamente lhes dá o
direito de acreditar que não serão iludidos por uma empresa onde eles investiram seu
dinheiro por quinze anos? Janice e Martin Webster confiavam na Flagstaff Life. Eles
confiaram na orientação que receberam. E olhe para onde aquela confiança os levou!
— Investimento é um jogo de sorte — diz Luke gentilmente. — As vezes você ganha...
— Não foi sorte! — ouço-me gritar furiosamente. — Claro que não foi sorte! Você
está me dizendo que foi uma total coincidência eles terem sido orientados a transferir
seus recursos financeiros duas semanas antes de ser anunciada a bonificação?
— Meus clientes estavam simplesmente tornando disponível uma oferta que eles
acreditavam que iria acrescentar valor aos portfólios de seus clientes — diz Luke,
dando-me um sorriso apertado. — Eles me asseguraram que estavam apenas querendo
beneficiar seus clientes. Eles me asseguraram que...
— Então você está dizendo que seus clientes são incompetentes? — retruco. — Está
dizendo que eles tinham as melhores intenções, mas erraram?
Os olhos de Luke brilham de raiva e sinto uma sensação de divertimento.
— Não vejo...
— Bem, poderíamos continuar discutindo o dia todo! — diz Emma, deslocando-se um
pouco no assento. — Mas continuando para algo um pouco mais...
— Francamente, Luke — digo, cortando-a. —Francamente. Você não pode ter as duas
coisas. — Inclino-me para ele, marcando pontos na minha mão. — Ou a Flagstaff Life foi
incompetente, ou estava deliberadamente procurando economizar dinheiro. Qualquer que
seja, eles estão errados. Os Webster eram clientes leais e deveriam ter recebido aquele
dinheiro. Na minha opinião, a Flagstaff Life os encorajou, deliberadamente, a trocar de
investimento para evitar que eles recebessem a bonificação. Quero dizer, é óbvio, não é?
Olho em volta procurando apoio e vejo Rory olhando para mim estupefato.
— Tudo é um pouco técnico demais para mim — diz ele com uma risadinha. — Um
pouco complicado.
— Tudo bem, vamos colocar isso de outra maneira. — digo rapidamente. —Vamos...
— Fecho meus olhos, buscando inspiração. — Vamos... suponha que estou numa loja de
roupas! — Abro meus olhos novamente.
— Estou numa loja de roupas e escolho um lindo casaco de cashmere Nicole Farhi.
Tudo bem?
— Tudo bem — diz Rory cauteloso.
— Adoro Nicole Farhi! — diz Emma, animando-se. — Uma lã maravilhosa.
— Exatamente — digo. — Tudo bem, então imagine que estou em pé na fila para
pagar, cuidando da minha vida, quando uma vendedora se aproxima e diz: "Por que não
compra este outro casaco em vez deste? A qualidade é melhor e ainda posso acrescentar
um vidro de perfume grátis." Não tenho nenhuma razão para desconfiar da vendedora por
isso, penso, que maravilha, e compro o outro casaco.
— Certo — diz Rory, acenando. — Até aqui estou acompanhando.
— Mas quando chego do lado de fora — digo cuidadosamente —, descubro que este
outro casaco não é Nicole Farhi como também não é cashmere verdadeiro. Volto para a
loja e eles me dizem que não vão me devolver o dinheiro.
— Você foi enganada! — exclama Rory, como se tivesse acabado de descobrir a lei da
gravidade.
— Exatamente — digo. — Fui enganada. E o problema é que também o foram
milhares de clientes da Flagstaff Life. Eles foram persuadidos a abandonar sua escolha
original de investimento, para optar por um fundo que os deixou com menos 20.000
libras. — Faço uma pausa, ordenando meus pensamentos. — Talvez a Flagstaff Life não
tenha desobedecido a lei. Talvez eles não tenham quebrado nenhuma regra. Mas há uma
justiça natural neste mundo, e eles não só a quebraram, eles a estilhaçaram. Esses clientes
mereciam aquela bonificação. Eles eram clientes leais, antigos, mereciam. E se você é
honesto, Luke Brandon, sabe que eles mereciam.
Termino minha fala sem ar e olho para Luke. Ele está me fitando com uma expressão
indecifrável no rosto e, sem querer, sinto meu estômago dar um nó de nervoso. Engulo,
procuro afastar meu olhar do dele, mas de algum modo não consigo mexer minha cabeça.
É como se nossos olhos estivessem colados um no outro.
— Luke? — diz Emma. — Você tem uma resposta para o argumento de Rebecca?
Luke não responde. Está olhando para mim, e eu para ele, sentindo meu coração pular
como um coelho.
— Luke? — repete Emma levemente impaciente. — Você tem...
— Sim — diz Luke. — Sim, eu tenho. Rebecca... — Ele balança a cabeça, quase
sorrindo para si mesmo, depois olha novamente para mim. — Rebecca, você está certa.
De repente faz-se um silêncio total no estúdio.
Abro minha boca, mas não consigo emitir um som sequer.
Do canto do meu olho, vejo Rory e Emma se olhando perplexos.
— Desculpe, Luke — diz Emma. — Você quer dizer...
— Ela está certa — diz Luke, e encolhe os ombros. — Rebecca está absolutamente
certa. - Ele pega seu copo d'água, inclina-se no sofá e toma um gole. — Se você quer
minha opinião sincera, esses clientes mereciam aquela bonificação. Eu gostaria muito que
eles a tivessem recebido.
Isto não pode estar acontecendo. Luke está concordando comigo. Como ele pode estar
concordando comigo?
— Entendo — diz Emma, parecendo um pouco injuriada. — Então você mudou sua
posição?
Há uma pausa, enquanto Luke olha pensativo seu copo d'água. Depois ele olha e diz:
— Minha empresa é contratada pela Flagstaff Life para manter sua Loa imagem diante
do público. Mas isto não significa que eu, pessoalmente, concorde com tudo o que eles
fazem, ou mesmo que eu saiba de tudo que eles fazem. — Ele faz uma pausa. — Para
dizer a verdade, eu nao tinha a menor idéia de que isto estava acontecendo até ler o artigo
de Rebecca no Daily World. Que, por falar nisso, foi um excelente artigo de jornalismo
investigativo — ele acrescenta, acenando para mim. — Parabéns.
Olho de volta sem ação, incapaz até mesmo de murmurar "Obrigada". Nunca me senti
tão sem graça em toda minha vida. Quero parar e enterrar minha cabeça nas minhas mãos
e pensar em tudo isto devagar e com cuidado — mas não posso, estou na televisão ao
vivo. Dois milhões e meio de pessoas, em todo o país, estão me assistindo agora.
Merda, espero que minhas pernas estejam bonitas.
— Se eu fosse um cliente da Flagstaff e isto tivesse acontecido comigo, estaria furioso
— continua Luke. — Existe uma coisa chamada lealdade ao cliente; existe uma coisa
chamada jogar limpo. E eu esperaria que qualquer cliente meu, que eu represente em
público, seguisse esses dois princípios.
— Entendo — diz Emma e vira-se para a câmera. — Bem, esta foi uma virada e tanto!
Luke Brandon, aqui para representar a Flagstaff Life, agora diz que o que eles fizeram foi
errado. Mais algum comentário, Luke?
— Para ser sincero — diz Luke, com um sorriso irônico — não estou certo se ainda
estarei representando a Flagstaff Life depois disso.
— Ah — diz Rory, inclinando-se para a frente com uma expressão inteligente. — E
você pode nos dizer por que isso?
— Ah, francamente, Rory! — diz Emma impaciente. Ela revira os olhos e Luke dá
uma pequena risada.
De repente todos estão rindo e eu os acompanho, meio histérica. Encontro o olhar de
Luke e sinto algo queimar no meu peito. Rapidamente desvio os olhos dele outra vez.
— Certo, bem — diz Emma abruptamente, arrumando-se e sorrindo para a câmera. —
Isto é o que os especialistas em finanças tinham a dizer mas, logo após o intervalo, a
volta do mestre-cuca para o palco...
— ... e cremes para celulite: eles realmente funcionam? — acrescenta Rory.
— E nossos convidados especiais, Heaven Sent 7, cantando ao vivo no estúdio.
A música tema ressoa do alto-falante e Emma e Rory ficam de pé num pulo.
— Debate fantástico — diz Emma, correndo embora. — Desculpe, estou morrendo por
um xixi.
— Matéria excelente — acrescenta sério Rory. — Não entendi uma palavra mas foi
ótima televisão. — Ele dá um tapinha nas costas de Luke, levanta sua mão para mim e
depois sai correndo do cenário.
E de repente tudo acabou. Tudo terminado. Restamos só eu e Luke, sentados um na
frente do outro, nos sofás, com as luzes ainda brilhando sobre nós e os microfones ainda
presos em nossas lapelas. Estou um pouco traumatizada. Um pouco tonta.
Aquilo tudo realmente acabou de acontecer?
— Então — digo finalmente e limpo a garganta.
— Então — repete Luke, com um pequeno sorriso. — Muito bem.
— Obrigada — digo e mordo meu lábio estranhamente no silêncio.
Estou pensando se ele está em apuros agora. Se atacar um de seus clientes, ao vivo na
televisão, é o equivalente a uma vendedora esconder roupas de clientes.
Se ele realmente mudou de opinião por causa do meu artigo. Por causa de mim. Mas
não posso perguntar isso. Posso?
O silêncio está ficando cada vez mais alto e finalmente respiro fundo.
— Você...
— Eu estava...
Nós dois falamos ao mesmo tempo.
— Não — digo, ficando vermelha. — Você fala. O meu não era... Fala você.
— Está bem — diz Luke, e encolhe o ombro. — Eu ia exatamente perguntar se você
gostaria de jantar comigo esta noite.
Olho para ele surpresa.
O que ele quer dizer jantar? Ele quer dizer.
— Para discutir assuntos de trabalho — continua ele. — Gostei muito da sua idéia de
fazer uma promoção de cotas de fundo fiduciário no estilo das liquidações de janeiro.
Minha o quê?
Que idéia? Do que ele está...
Ah, Deus, aquilo. Ele está falando sério? Aquilo foi só uma mania minha estúpida de
falar sem pensar.
— Acho que poderia ser uma boa promoção para um determinado cliente nosso — ele
está dizendo — e eu estava imaginando se você gostaria de ser consultora no projeto.
Como freelancer, claro.
Consultoria. Freelancer. Projeto.
Não acredito. Ele está falando sério.
— Ah — digo, e engulo em seco, inexplicavelmente desapontada. —Ah, entendo.
Bem, eu... eu acho que eu estaria livre esta noite.
— Bom — diz Luke. — Pode ser o Ritz?
— Se você gosta — digo indiferente, como se eu fosse lá todo dia.
— Bom — diz Luke outra vez, e seus olhos apertam-se num sorriso. — Vou esperar
ansioso por isto.
E depois — Ah, Deus. Para meu total horror, antes que eu possa me conter, ouço
minha voz dizendo com ar sacana:
— E Sacha? Ela não tem planos para você esta noite?
Já enquanto as palavras saem, sinto-me enrubescer. Ah, merda. Para que disse isso?
Faz-se um longo silêncio durante o qual quero me esconder em algum lugar e morrer.
— Sacha se foi, uma semana atrás — diz Luke finalmente, e minha cabeça levanta.
— Ah — digo delicadamente. — Ah, meu Deus.
— Sem aviso, fez a mala e se foi. — Luke olha para mim. — Ainda assim, poderia ser
pior. — Faz um gesto sem expressão. — Pelo menos eu não comprei a frasqueira
também.
Ah, Deus, agora vou rir. Preciso rir. Não devo.
— Sinto muito — consigo dizer afinal.
— Eu não — diz Luke olhando para mim sério, e a risada dentro de mim morre. Olho
de volta para ele nervosa e sinto meu coração começar a bater acelerado.
— Rebecca! Luke!
Nossas cabeças se viram para ver Zelda se aproximando do cenário com uma
prancheta na mão.
— Fantástico! — exclama ela. — Justo o que nós queríamos. Luke, você esteve ótimo.
E Rebecca... — Ela se aproxima, senta ao meu lado no sofá e dá um tapinha no meu
ombro. — Você foi tão maravilhosa que nós estávamos pensando se você gostaria de
ficar como nossa consultora no ‘ligue-agora’ para responder às perguntas por telefone,
mais tarde no programa?
— O quê? — Olho para ela. — Mas... mas eu não posso! Não sou especialista em
nada.
— Ha-ha-ha, muito bem! — Zelda dá uma risada apreciando. — O bom em você,
Rebecca, é que você tem o toque popular. Vemos você como uma guru das finanças que
encontra a vizinha. Informativa mas acessível. Esclarecida mas com os pés no chão. A
especialista em finanças com quem as pessoas realmente querem falar. O que você acha,
Luke?
— Acho que Rebecca vai se sair perfeitamente bem na função — diz Luke. — Não
consigo imaginar ninguém mais bem qualificado. Também acho que é melhor eu sair do
seu caminho. — Ele se levanta e sorri para mim, — Vejo você mais tarde, Rebecca. Até
logo, Zelda.
Observo meio confusa enquanto atravessa o chão repleto de fios em direção à saída,
quase querendo que olhe para trás.
— Certo — diz Zelda, e aperta minha mão. — Vamos lá que eu vou orientar você.

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