quarta-feira, 2 de março de 2011

Os Delírios de Consumo de Becky Bloom - Capítulos 7 ao 9

SETE

No entanto, não parece que ele tenha entendido, pois, no sábado, recebo um cartão com
uma pintura pré-rafaelista de uma moça olhando timidamente por cima do ombro. Dentro
do cartão, Tarquin escreveu:
Mil desculpas pelo meu comportamento. Espero poder repara-lo. Entradas para
Bayreuth – ou, se não for possível, jantar? Tarquin
Jantar com Tarquin. Dá para imaginar? Sentar em frente àquele cabeça de arminho a
noite toda. E o que ele está querendo, afinal? Nunca ouvi falar em Bayreuth. Será algum
show novo ou algo assim? Ou ele quer dizer Beirute? Por que quereríamos ir a Beirute,
pelo amor de Deus?
De qualquer modo, não importa, esqueça Tarquin. Tenho coisas mais importantes para
pensar sobre o dia de hoje. É meu sexto dia de Cortar Gastos e é crítico, pois é meu
primeiro fim de semana.
Segundo David. E. Barton, é geralmente nessa fase que o regime frugal da pessoa é
quebrado, já que a rotina do escritório não está mais presente para distrair e o dia se
alonga vazio, esperando ser preenchido com o familiar conforto das compras.
Mas minha força de vontade é muito grande para quebrá-lo. Meu dia está
completamente tomado e não vou chegar nem perto de nenhuma loja. Esta manhã vou
visitar um museu e à noite, em vez de gastar rios de dinheiro comprando comida pronta,
vou fazer em casa um prato de curry para mim e Suze. Até que estou bastante animada
com isto.
Meu orçamento para hoje é o seguinte:

Condução para o museu: gratuita (eu já tenho um vale-transporte)
Museu: gratuito
Curry: 2,50 libras (David E. Barton diz que é
possível fazer um prato com curry
maravilhoso, para quatro pessoas, por menos
de 5,00 libras – e nós só somos duas).
Gasto total no dia: 2,50 libras

É mais ou menos isto. E ainda experimento um pouco de cultura em vez de
materialismo sem sentido. Escolhi o Museu Victoria & Albert porque nunca estive lá.
Aliás, nem sei bem o que eles têm. Estátuas da rainha Vitória e do príncipe Albert, ou
algo assim?
De qualquer forma, seja o que for, será muito interessante e estimulante, tenho certeza.
E, acima de tudo, grátis!
Quando saio do metrô, em South Kensington, o sol está brilhando forte e ando a passos
largos pelo caminho, feliz comigo mesma. Normalmente perco minhas manhãs de sábado
assistindo a Live and Kicking na TV enquanto me arrumo para ir às compras. Mas veja
só! De repente me sinto muito adulta e metropolitana, como um personagem de um filme
de Woody Allen. Só preciso de uma longa echarpe de lã e uns óculos escuros e estarei
parecida com Diane Keaton. (Uma Diane Keaton jovem, claro, mas sem as roupas dos
anos 70.)
E, na segunda-feira, quando me perguntarem pelo meu fim de semana, poderei dizer
“Na verdade fui ao V&!”. Não, direi “Peguei uma exposição”. Isto soa muito mais
moderno. (Por falar nisso, por que será que as pessoas dizem que “pegaram” uma
exposição? Afinal, as pinturas não passam retumbando como touros em Pamplona.) E
eles responderão “É mesmo? Eu não sabia que você apreciava arte, Rebecca”. E
acrescentarei, orgulhosa, “Ah sim. Passo a maior parte do meu tempo livre em museus”.
E eles me olharão impressionados e dirão...
Imagina, passei direto pela entrada. Que boba. Muito ocupada pensando sobre minha
conversa com... de repente, percebo que a pessoa que imaginei nesta cena é Luke
Brandon. Que estranho. Por que isto? Porque fui na mesa dele no bar, suponho. Enfim.
Concentre-se. Museu.
Rapidamente refaço meu caminho e ando indiferente pelo hall de entrada, procurando
parecer que sempre venho aqui. Não como aquele monte de turistas japoneses que se
agrupam em torno dos guias. Ah! Penso orgulhosa, não sou turista. Isto aqui é minha
herança. Minha cultura. Pego um mapa negligentemente como se não precisasse dele e
olho para uma lista de palestras como “Cerâmica das Dinastias Yuan e Antiga Ming”.
Depois, num jeito casual, começo a andar pela primeira galeria.
- Desculpe-me? – Uma mulher numa escrivaninha me chama. – A senhora já pagou?
Eu já o quê? Não é preciso pagar para entrar em museus! Ah claro – ela só está
brincando comigo. Dou um sorriso amável e continuo.
- Desculpe-me! – ela diz numa voz mais estridente e um homem num uniforme de
segurança surge do nada. – A senhora já pagou a entrada?
- É grátis! – digo surpresa.
- Creio que não – diz ela, apontando para um aviso atrás de mim. Viro-me para ler e
quase caio de susto.
Entrada 5,00 libras.
Por pouco não desmaio de choque. O que aconteceu com o mundo? Estão cobrando a
entrada para um museu. Isto é revoltante. Todos sabem que museus devem ser gratuitos.
Se você começa a cobrar entrada para museus, ninguém mais vai! Nossa herança cultural
será perdida para uma geração inteira excluída por uma barreira financeira punitiva. A
nação vai emburrecer, vai ficar ainda mais ignorante, e a sociedade civilizada estará à
beira de um colapso. É isto que o senhor quer, Tony Blair?
Além do mais, eu não tenho 5 libras. Deliberadamente saí sem dinheiro no bolso
excetuando as 2,50 libras para os ingredientes do meu prato de curry. Ah, Deus, isto é
uma chateação. Quero dizer, aqui estou eu, toda pronta para um pouco de cultura. Quero
entrar e ver... bem, o que quer que eles tenham lá dentro e não posso!
Agora todos os turistas japoneses estão me olhando, como se eu fosse alguma espécie
de criminosa. Vão embora! Penso irritada. Vão apreciar um pouco de arte.
- Nós aceitamos cartões de crédito – diz a mulher. – VISA, Switch, American Express.
- Ah – digo – Bem... Está bem.
- O bilhete da temporada custa 15 libras – diz ela quando pego minha bolsa – mas
permite acesso ilimitado por um ano.
Acesso ilimitado por um ano! Agora espera um instante. David E. Barton diz que o que
se deve fazer quando se compra qualquer coisa é avaliar o “custo-benefício”, o que se
obtém dividindo o preço pelo número de vezes que usar. Suponhamos que, de agora em
diante, eu venha ao V&A uma vez por mês. (Devo pensar que é uma suposição bem
realista.) Se eu comprar um bilhete da temporada, sairá por... 1,25 libra a visita.
Bem, é uma pechincha, não é? De fato, pensando bem, é um investimento muito bom.
- Está bem, levarei o bilhete da temporada – digo e entrego meu cartão VISA. Hah!
Cultura, aqui vou eu.
Conheço muito bem. Olho meu pequeno mapa, dou uma olhada em cada exposição e,
cuidadosamente, leio todos os cartõezinhos.
Cálice de prata, holandês, século 16
Broche retratando a Divina Trindade. Italiano, meados do século 15
Tigela de cerâmica azul e branca, início do século 17
Aquela tigela é mesmo bonita, vejo-me pensando com um interesse repentino e fico
imaginando quanto custa. Parece bastante cara... Examino se há uma etiqueta como preço
quando me lembro onde estou. Claro. Isto não é uma loja. Não há preços aqui.
Que é um pouco errado, acho. Porque tira um pouco a diversão, não é? Você anda pelo
lugar, só olhando para as coisas, e tudo fica um pouco maçante após um certo tempo. Por
outro lado, se pusessem etiquetas com os preços dos objetos, as pessoas ficariam muito
mais interessadas. Na verdade, acho que todos os museus deveriam colocar preços nas
suas peças. A gente olharia para um cálice de prata ou uma estátua de mármore ou a
Mona Lisa ou qualquer coisa e admiraria por sua beleza, sua importância histórica e tudo
– depois procuraria a etiqueta do preço e suspiraria “Nossa, olha quanto é isto aqui!”. Isto
com certeza tornaria tudo mais animado.
Eu poderia escrever para o Victoria & Albert e sugerir isto a eles. Afinal, sou portadora
de um bilhete da temporada. Eles deveriam ouvir minha opinião.
Enquanto isso, vamos para o próximo mostruário de vidro.
Taça inglesa esculpida, meados do século 15
Deus, eu poderia morrer por uma xícara de café. Há quanto tempo já estou aqui? Deve
fazer...
Ah. Só quinze minutos.
Quando chego à galeria que mostra a história da moda, torno-me bastante rigorosa e
estudiosa. De fato, passo mais tempo nela do que em qualquer outro lugar. Mas os
vestidos e sapatos terminam e volto para mais estátuas e pequenas bobagenzinhas em
caixas. Continuo olhando para o meu relógio, meus pés doem... e no fim afundo num
sofá.
Não me entenda mal, gosto de museus. Gosto. E estou realmente interessada na arte
coreana. Só que o piso é realmente duro e eu estou usando botas um pouco apertadas.
Como está quente, tirei minha jaqueta, mas agora ela fica escorregando dos meus braços.
E é estranho, mas continuo achando que consigo ouvir o som de uma caixa registradora.
Deve ser minha imaginação.
Estou sentada e pensando se consigo juntar energia para me levantar de novo, quando
um grupo de turistas japoneses entra na galeria e me sinto compelida a levantar e fingir
que estou olhando para alguma coisa. Observo com um olhar vago uma tapeçaria, depois
saio por um corredor coberto de peças de cerâmica indiana antiga. Estou só pensando que
talvez fosse bom nós comprarmos um catálogo especializado e reformar os azulejos do
banheiro, quando vejo algo através de uma grade de metal e paro imóvel com o choque.
Estou sonhando? É uma miragem? Vejo uma caixa registradora com uma fila de
pessoas e uma vitrine com mercadorias e etiquetas de preços...
Ah, meu Deus, eu estava certa! É uma loja! Tem uma loja bem aqui na minha frente!
De repente meus passos têm mais elasticidade, minha energia volta como um milagre.
Seguindo o tilintar da caixa registradora, corro para o outro canto, para a entrada da loja,
paro na soleira e digo a mim mesma para não elevar minhas esperanças, para não ficar
desapontada se forem só marcadores de livros e toalhas de chá.
Mas, não são. É incrivelmente fantástico! Por que este lugar não é mais conhecido?
Tem várias jóias lindas, livros realmente interessantes sobre arte, umas porcelanas
incríveis, cartões e...
Ah. Mas eu não deveria estar comprando nada hoje, deveria? Droga.
Isto é horrível. Qual é o sentido de descobrir uma nova loja e não poder comprar nada?
Não é justo. Todo mundo está comprando coisas, todo mundo está se divertindo. Durante
algum tempo fico indecisa e desconsolada ao lado de um mostruário de canecas,
observando uma mulher australiana comprar uma pilha de livros sobre escultura. Ela está
conversando com o ajudante de vendas e, de repente, ouço-a dizer algo sobre o Natal. E
então tenho uma idéia que é genialidade pura.
Compras de Natal! Posso fazer todas as minhas compras de Natal aqui! Sei que março
é um pouco cedo, mas por que não ser organizada? E depois, quando o Natal chegar, não
precisarei chegar perto das terríveis multidões de Natal. Não sei por que não pensei em
fazer isto antes. E não é uma questão de quebrar as regras, pois eu teria que comprar
presentes de Natal em algum momento, não teria? Tudo o que estou fazendo é antecipar
um pouco o programa das compras. Faz muito sentido.
Assim, mais ou menos uma hora mais tarde, saio feliz com duas sacolas de compras.
Comprei um álbum de fotografias com uma bela imagem estampada na capa, um quebracabeça
antigo de madeira, um livro de fotografias de moda e uma fantástica chaleira de
cerâmica. Deus, adoro compras de Natal. Não sei bem o quê darei a quem, mas o
importante é que todos estes itens são eternos e únicos e realçariam qualquer casa. (Pelo
menos a chaleira de cerâmica é, porque o folheto dizia.) Portanto, suponho que tenha
feito um bom negócio.
Na realidade, esta manhã foi um grande sucesso. Quando saio do museu, estou me
sentindo incrivelmente contente e elevada. Isto só mostra o efeito que uma manhã de pura
cultura tem sobre a alma. Decido que, de agora em diante, vou passar todas as manhãs de
sábado num museu.
Quando volto para casa, a correspondência está no tapete de entrada e há um envelope
quadrado endereçado a mim com uma letra que não reconheço. Rasgo para abrir e arrasto
minhas sacolas de compras para o meu quarto e depois paro, surpresa. É um cartão de
Luke Brandon. Como ele conseguiu o endereço de minha casa?
Cara Rebecca – diz o cartão – Foi bom encontrá-la naquela noite e espero que tenha
tido uma noite agradável. Agora percebo que nunca lhe agradeci pelo imediato
pagamento de meu empréstimo. Apreciei muito.
Com os melhores votos e, claro, o mais profundo pesar pela perda de sua tia
Ermintrude. (Se serve como consolo, não posso imaginar aquela echarpe em
qualquer outra pessoa além de você.)
Luke
Por um instante olho para o cartão em silêncio. Estou bastante surpresa. Nossa, penso
com cautela. É gentil da parte dele escrever, não é? Um simpático cartão escrito a mão
como este, só para agradecer o meu cartão. Quero dizer, não precisava, ele não está
apenas sendo educado, está? Não é preciso gastar um cartão de agradecimento para
alguém só porque pagaram suas vinte libras.
Ou será que é? Talvez hoje em dia se use fazer isso. Todo mundo parece mandar
cartões para tudo. Não tenho a menor idéia do que se faz e do que não se faz mais. (Eu
sabia que devia ter lido aquele livro de etiqueta que tenho no meu estoque.) Será este
cartão um simples e educado agradecimento? Ou será algo mais? E se for... o quê?
Será que ele está curtindo com a minha cara?
Ai, meu Deus, é isto. Ele sabe que tia Ermintrude não existe. Só está caçoando de mim
para me envergonhar.
Mas então... ele teria todo esse trabalho de comprar um cartão, escrever e enviá-lo só
para caçoar de mim?
Ah, eu não sei. Quem se importa? Nem gosto dele, de qualquer modo.
Depois de tanta cultura a manhã toda, acho que mereço um prazer na parte da tarde.
Compro uma Vogue e um chocolate Minstrels e deito no sofá um pouco. Deus, como
senti falta de pequenos prazeres como este. Não leio uma revista há... bem, deve ser uma
semana, excetuando o exemplar de Suze de Harpers & Queen ontem. E não consigo
lembrar da última vez que comi chocolate.
Mas não posso perder muito tempo me divertindo porque preciso sair para comprar o
material para nosso curry feito em casa. Assim, depois de ter lido meu horóscopo, fecho a
Vogue e pego meu novo livro de receitas indianas. Estou bastante animada, para dizer a
verdade. Nunca fiz um prato de curry antes.
Desisti da receita do camarão... porque descobri que os camarões... são muito caros.
Assim, em vez disso, vou fazer frango com champignon ao estilo balti. Tudo parece
muito barato e fácil e só preciso tomar nota dos ingredientes que vou comprar.
Quando termino, estou um pouco chocada. A lista é muito mais longa do que eu
imaginava. Não havia percebido que são necessários tantos temperos só para fazer um
prato de curry. Acabei de olhar na cozinha e não temos uma panela balti, um triturador
para ralar temperos ou um liquidificador para fazer a pasta aromática. Ou uma colher de
pau ou qualquer balança que funcione.
Mesmo assim não faz mal. Irei rapidamente ao Peter Jones e comprarei todo o
equipamento de que precisamos para a cozinha. Depois comprarei os ingredientes e
voltarei para começar a cozinhar. Devemos lembrar que só é preciso comprar uma vez
todo esse material, depois estaremos totalmente equipadas para fazer curries deliciosos
todas as noites. Só terei que encarar isso como um investimento.
Quando Suze retorna do Camden Market, aquela noite, me encontra vestida no meu novo
avental de listras, ralando os temperos tostados no nosso novo triturador.
- Argh! – ela diz entrando na cozinha. – Que fedor!
- São os temperos aromáticos – digo um pouco chateada enquanto tomo um gole de
vinho. Para ser sincera, isto aqui é um pouco mais complicado do que eu imaginava.
Estou tentando fazer algo chamado mistura balti masala, que poderemos guardar num
pote e usar durante meses, mas todos os temperos parecem sumir no triturador e se
recusam a voltar. Para onde será que foram?
- Estou morrendo de fome – diz Suze, ao se servir de vinho. – Vai demorar para ficar
pronto?
- Não sei – digo entre os dentes trincados olhando por dentro do triturador. – Se eu
conseguir tirar esses raios de temperos daqui...
- Tudo bem – diz Suze. – Posso fazer uma torrada. Ela coloca duas fatias de pão na
torradeira e começa a pegar todas as minhas embalagens e vidros de temperos e examinálos.
- O que é allspice? – pergunta ela, segurando um vidro curiosa. – É uma mistura de
todos os temperos?
- Não sei – respondo batendo o triturador na bancada. Cai um pouco de pó fora do
vidro e eu olho irritada. O que aconteceu com o pote cheio que eu poderia guardar
durante meses? Agora terei que tostar um pouco mais dessas drogas.
- Porque se for, você não poderia simplesmente usar isso e esquecer todos os outros?
- Não! – digo irritada. – Estou fazendo uma mistura balti nova e diferente.
- Ah – diz Suze, encolhendo os ombros. – Você é a expert.
Certo, penso eu, tomando outro gole de vinho. Vamos começar de novo. Sementes de
coentro, sementes de erva-doce, sementes de cominho, pimenta em grãos... A esta altura
já desisti de medir e estou só jogando tudo dentro da panela. De qualquer modo, dizem
que cozinhar deve ser instinto.
- O que é isto? – diz Suze olhando para o cartão de Luke Brandon na mesa da cozinha.
– Luke Brandon? Por que ele mandou um cartão para você?
- Ah, você sabe – digo, encolhendo os ombros num ar casual. – Ele só estava sendo
educado.
- Educado? – Suze franze as sobrancelhas, virando o cartão ao contrário nas mãos. –
De modo algum. Não é preciso mandar um cartão para alguém só porque suas vinte libras
foram devolvidas.
- Sério? – Minha voz está levemente mais alta do que o normal, mas isto deve ser
devido aos temperos aromáticos tostando. – Pensei que talvez fosse assim que as pessoas
agissem hoje em dia.
- Ah, não - diz Suze com convicção. – Normalmente o dinheiro emprestado é devolvido
com uma carta de agradecimento e pronto. Este cartão – sacode-o para mim – isto é algo
mais.
É por isto que adoro dividir o apartamento com Suze. Ela sabe de coisas assim porque
anda com as pessoas certas. Sabiam que uma vez ela jantou com a duquesa de Kent? Não
que eu esteja me vangloriando ou algo assim.
- Então o que você acha que significa? – digo, tentando não parecer muito ansiosa.
- Suponho que ele esteja sendo amável – diz ela e devolve o cartão à mesa.
Amável. Claro, é isso. Ele está sendo amável. Que é uma coisa boa, claro. Então por
que estou um pouco desapontada? Olho para o cartão, que tem um rosto pintado por
Picasso na frente. O que isto significa?
- Por falar nisso, esses temperos têm que ficar pretos? – diz Suze, espalhando manteiga
de amendoim na sua torrada.
- Ah, Deus! – Arranco a panela do fogão e olho para as sementes de coentro
escurecidas. Isto está me enlouquecendo. Tudo bem, vamos jogá-las fora e começar tudo
de novo. Sementes de coentro, sementes de erva-doce, sementes de cominho, pimenta em
grão, folhas de louro. Esta é a última folha de louro. Desta vez é melhor que não dê
errado.
De algum modo, milagrosamente, desta vez não deu errado. Quarenta minutos depois
tenho, de fato, um curry borbulhando na minha panela balti! Isto é fantástico! O aroma é
delicioso e a aparência é igualzinha à do livro – e eu nem segui a receita com tanto
cuidado assim. Só demonstra que tenho uma afinidade natural com a cozinha indiana. E
quanto mais praticar, mais talentosa vou ficar. Como diz David E. Barton, serei capaz de
preparar um curry rápido e delicioso no tempo que leva para pedir uma entrega em
domicílio. E veja quanto eu economizei!
Triunfante, seco meu arroz basmati, tiro meus pães naan, comprados semiprontos, do
forno e sirvo tudo nos pratos. Depois salpico coentro fresco picado sobre tudo isso e,
sinceramente, parece alguma coisa saída da Marie-Claire. Levo os pratos e coloco um
deles na frente de Suze.
- Nossa! – exclama ela. – Isto parece fantástico!
- Eu sei – digo orgulhosa sentando à sua frente. – Não é o máximo?
Observo quando ela dá sua primeira garfada – depois faço o mesmo.
- Humm! Delicioso! – diz Suze, mastigando com apetite. – Meio apimentado –
acrescenta depois.
- Tem pimenta em pó – digo. – E pimenta fresca. Mas é bom, não é?
- É maravilhoso! – diz Suze. – Bex, você é tão inteligente! Eu não conseguiria fazer
isto num milhão de anos!
À medida que vai mastigando, porém, uma expressão meio estranha aparece em seu
rosto. Para ser sincera, estou me sentindo um pouco sem ar também. Este curry está
muito apimentado. Na verdade está terrivelmente apimentado.
Suze largou o prato na mesa e está tomando um grande gole de vinho. Olha para mim e
vejo que seu rosto está vermelho.
- Tudo bem? – digo, forçando um sorriso através da ardência na minha boca.
- Sim, tudo ótimo! – afirma ela e dá uma enorme dentada no pão naan. Desço o olhar
para meu prato e, resoluta, como outra garfada de curry. Imediatamente meu nariz
começa a escorrer. Percebo que Suze também está fungando mas, quando nossos olhos se
encontram, ela abre um sorriso alegre.
Meu Deus, esta pimenta está forte. Minha boca não está agüentando. Meu rosto está
queimando e meus olhos estão começando a lacrimejar. Que quantidade de pó de pimenta
coloquei nesta maldita coisa? Foi mais ou menos só uma colher de chá... talvez tenham
sido duas. Eu só confiei nos meus instintos e coloquei o que parecia certo. Bem, foram
meus instintos.
Lágrimas começam a correr pelo meu rosto e dou uma grande fungada.
- Você está bem? – diz Suze, alarmada.
- Estou bem! – respondo, deitando meu garfo no prato. – Só... você sabe. Um pouco
quente.
Mas na verdade não estou bem. E não é só o calor que está fazendo lágrimas correrem
pelo meu rosto. De repente me sinto um completo fracasso. Nem mesmo consigo
preparar corretamente um curry rápido e fácil. E olha quanto dinheiro gastei nele, com a
panela balti, o avental e todos os temperos... Ah, tudo deu errado, não foi? Não cortei
gastos coisa nenhuma. Esta semana foi um desastre completo.
Dou um enorme soluço e coloco meu prato no chão.
- Está horrível! – digo, infeliz, e lágrimas começam a correr pela minha face. – Não
coma, Suze. Vai se envenenar.
- Bex! Não seja boba! – diz Suze. – Está fantástico! – Olha para mim, depois leva seu
prato ao chão. – Ah, Bex – arrasta-se pelo chão até onde estou e me dá um grande abraço.
– Não se preocupe. Só está um pouco apimentado. Mas fora isto, está divino! E o pão
naan está delicioso! Honestamente. Não fique triste.
Abro minha boca para responder e, em vez disso, dou outro grande soluço.
- Bex, não faz isso! – lamenta Suze praticamente chorando junto. – Está delicioso! É o
curry mais delicioso que já comi.
- Não é só o curry! – soluço enxugando meus olhos. – A idéia era que eu devia estar
Cortando Gastos. Este curry deveria custar só 2,50 libras.
- Mas... por quê? – pergunta Suze perplexa. – Foi uma aposta ou algo assim?
- Não! – grito num lamento. – Foi porque estou endividada! E meu pai disse que eu
deveria Cortar Gastos ou Ganhar Mais Dinheiro. E então tenho tentado Cortar Gastos,
mas não tem funcionado... – Interrompo, estremecendo dos soluços. – Sou um fracasso
completo.
- Claro que você não é um fracasso! – diz Suze imediatamente. – Bex, você é o oposto
de um fracasso. Só que... – Ela hesita. – Só que talvez...
- O quê?
Há um silêncio, depois Suze diz seriamente:
- Acho que você talvez tenha escolhido a opção errada, Becky. Eu não acho que você
seja o tipo de pessoa de Cortar Gastos.
- Jura? – fungo e enxugo meus olhos. – Você acha?
- Acho que, em vez disso, você deveria partir para Ganhar Mais Dinheiro. – Suze pára
pensativa. – De fato, para ser sincera, eu não sei por que alguém escolheria Cortar
Gastos. Acho que Ganhar Mais Dinheiro é uma opção muito melhor. Se eu tivesse que
escolher, sem dúvida optaria por esta.
- Sim – digo lentamente. – Sim, talvez você esteja certa. Talvez seja o que eu deveria
fazer. – Estico minha mão trêmula e pego um pedaço de pão naan quente e Suze tem
razão. Sem o curry, está delicioso. – Mas como vou fazer isto? – digo finalmente. –
Como vou ganhar mais dinheiro?
Faz-se um silêncio por algum tempo, nós duas pensativas mastigando o pão naan. E
então Suze tem uma idéia.
- Já sei. Veja isto! – Ela pega uma revista e passa as páginas até chegar aos
classificados no final. – Olha o que diz aqui. “Precisando de dinheiro extra? Una-se à
família das Molduras Finas. Ganhe muito dinheiro trabalhando em casa no seu tempo
livre. Fornecemos o equipamento completo.” Está vendo? É fácil.
Puxa. Estou bastante impressionada, sem querer. Muito dinheiro. Não é mau.
- Sim – digo meio trêmula. – Talvez eu faça isso.
- Ou você poderia inventar alguma coisa – diz Suze.
- Como o quê?
- Ah, qualquer coisa – diz ela confiante. – Você é realmente inteligente. Poderia pensar
em algo. Ou... Eu sei! Montar uma empresa na Internet. Elas valem milhões!
Sabe, ela está certa. Há muitas coisas que eu poderia fazer para Ganhar Mais Dinheiro.
Muitas coisas! É só uma questão de pensar em outras saídas. De repente me sinto muito
melhor. Deus, Suze é uma boa amiga. Chego perto dela e dou-lhe um abraço.
- Obrigada, Suze – digo. – Você é uma estrela.
- Nenhum problema – diz ela e me abraça de volta. – Então recorte este anúncio e
comece a ganhar seus milhões... – Faz uma pausa. – E eu vou telefonar e pedir um curry
para entrega, está bem?
- Sim, por favor – digo numa voz fraca. – Uma refeição entregue em casa seria ótimo.
PROJETO DE CORTE DE GASTOS
DE REBECCA BLOOM
CURRY FEITO EM CASA, SÁBADO 11 DE MARÇO
ORÇAMENTO PROPOSTO: 2,50 libras
GASTO REAL:
Panela Balti................................ 15,00
Triturador................................... 14,99
Liquidificador.............................. 18,99
Colher de pau............................ 0,35
Avental...................................... 9,99
Dois peitos de frango................. 1,98
300 g de cogumelos................... 0,79
Cebola....................................... 0,29
Sementes de coentro.................. 1,29
Sementes de erva-doce.............. 1,29
Allspice...................................... 1,29
Sementes de cominho................. 1,29
Cravos....................................... 1,39
Gengibre ralado.......................... 1,95
Folhas de louro........................... 1,40
Pimenta em pó
AH, DEUS, DEIXA PARA LÁ.

PG N I F irs t Ba nk V is a

7 Camel Square
Liverpool L1 5NP
Srta. Rebecca Bloom
Apto. 2
4 Burney Road
Londres SW6 8FD
10 de março de 2000
Prezada Srta. Bloom
PGNI First Bank Visa Cartão No. 1475839204847586
Agradecemos sua correspondência de 2 de março.
Posso garantir-lhe que nossos computadores são examinados regularmente e que a
possibilidade de um “mau funcionamento”, como sugeriu, é remota. Também não fomos
afetados pelo bug do milênio. Todas as nossas contas estão inteiramente corretas.
Poderá escrever para Anne Robinson da Watchdog se desejar, mas estou certo de que ela
concordará que a senhora não tem motivo para queixa.
Nossos registros informam que o pagamento de sua conta VISA encontra-se em atraso.
Como verá em nosso extrato mais recente do cartão VISA, o pagamento mínimo exigido
é 105,40 libras. Aguardamos o recebimento de seu pagamento logo que possível.
Atenciosamente
Peter Johnson
Diretor de Contas de Cliente0
s
OITO

Tudo bem, talvez Cortar Gastos não tenha funcionado. Mas não faz mal, pois tudo é
passado. Aquilo foi um pensamento negativo – agora estou voltada para o pensamento
positivo. Para a frente e para cima.Crescimento e prosperidade. G. M. D. É a solução
óbvia, quando se pensa nisso. Ganhar Mais Dinheiro combina muito mais com a minha
personalidade do que Cortar Gastos.
Na verdade, já estou me sentindo mais feliz. Só o fato de não precisar fazer desagradáveis
sanduíches de queijo e não ir a museus tirou um enorme peso da minha alma. Já posso
comprar todos os cappuccinos que quiser e voltar a olhar as vitrines. Ai, que alívio! Até
joguei o livro Controlando seu dinheiro no lixo. Nunca achei que fosse bom mesmo.
Só uma coisinha – um pequeno detalhe – da qual ainda não estou certa é como vou
fazer isso. Quero dizer, Ganhar Mais Dinheiro. Mas agora que já decidi ir em frente nesse
caminho, alguma coisa vai aparecer. Tenho certeza.
Quando chego no trabalho, na segunda-feira, Clare Edwards já está em sua mesa,
surpresa, e ao telefone.
- Sim – diz, suave – Suponho que a única resposta seja planejar com antecedência.
Sim.
Quando me vê, para meu espanto, ela fica ligeiramente ruborizada e vira o rosto para o
outro lado. Sim, eu compreendo – sussurra e rabisca em seu caderno de notas. – E como
foi... a resposta até agora?
Deus sabe por que está sendo tão reservada. Como se eu estivesse interessada em sua
vida entediante. Sento à minha mesa, ligo alegre meu computador e abro a minha agenda.
Ah, que bom, tenho uma entrevista coletiva no centro da cidade. Mesmo que seja alguma
dessas apresentações maçantes de algum fundo de pensão, pelo menos significa uma
saída do escritório e, com alguma sorte, uma boa taça de champanhe. O trabalho pode ser
bem divertido às vezes. E Philip ainda não chegou, o que significa que podemos sentar e
fofocar um pouco.
- E então, Clare – digo quando ela coloca o fone no gancho. – Como foi o seu fim de
semana?
Olho para ela esperando ouvir a habitual descrição emocionante de o que pendurou em
sua prateleira com seu namorado – mas Clare nem parece ouvir o que eu digo.
- Clare? – digo, confusa. Ela está olhando para mim ruborizada, como se eu a tivesse
pego roubando caneta do armário de material de escritório.
- Ouça – diz ela, rápido. – Aquela minha conversa que você acabou de ouvir... poderia
não mencioná-la a Philip?
Olho para ela perplexa. Do que ela está falando? Minha nossa, ela está tendo um caso?
Ele é seu editor, não seu...
Ah, meu Deus. Ela não está tendo um caso com Philip, será?
- Clare, o que está acontecendo! – digo aniosa.
Há uma longa pausa e Clare fica muito vermelha. Não consigo acreditar. Um
escândalo no escritório, finalmente! E envolvendo Clare Edwards, logo quem!
- Ora, Clare, francamente – sussurro. – Pode me contar. Juro que não digo nada a
ninguém. – Me inclino em sua direção com um ar solidário de compreensão. – Talvez
possa ajudá-la.
- Sim – diz Clare esfregando a face. – Sim, é verdade. Um conselho pode ser bom. A
pressão está começando a me incomodar.
- Comece desde o início – digo calma, como uma tia agoniada. – Quando foi que tudo
começou?
- Tudo bem, vou contar – diz Clare bem baixinho e olha em volta nervosa. – Foi há
uns... seis meses.
- E o que aconteceu?
- Tudo começou naquela viagem à Escócia – conta ela lentamente. – Eu estava longe
de casa... e disse sim sem nem pensar. Acho que fiquei envaidecida, mais do que
qualquer outra coisa.
- É a velha história – eu disse com ar de sabedoria. Deus, eu vou gostar disso.
- Se Philip soubesse o que eu estava fazendo, ia enlouquecer – diz ela desesperada. –
Mas é tão fácil. Eu uso um nome diferente... e ninguém sabe!
- Você usa um nome diferente? – digo impressionada, sem querer.
- Vários – diz ela e dá um risinho amargo. – É provável que você já tenha visto alguns
deles por aí. – Ela expira bruscamente. – Sei que estou me arriscando, mas não posso
parar. Para ser sincera, você se acostuma com o dinheiro.
Dinheiro? Será que ela é uma prostituta?
- Clare, o que exatamente você...
- No princípio era só um pequeno artigo sobre hipotecas no Mail – diz ela como se não
tivesse me ouvido. – Achei que conseguiria lidar com aquilo. Mas depois me pediram
para fazer um artigo inteiro sobre seguro de vida no Sunday Times. Depois Pension and
Portfolio entrou em cena. E agora são uns três artigos por semana. Preciso fazer tudo isso
em segredo, tentar agir normalmente... – Ela pausa e balança a cabeça. – às vezes me
deprime. Mas não posso mais dizer não. Estou viciada.
Não acredito. Ela está falando de trabalho. Trabalho! Só Clare Edwards poderia me
proporcionar tal decepção. Lá estava eu acreditando que ela estava tendo um caso
cabeludo, pronta para ouvir todos os detalhes excitantes e o tempo todo era só o velho e
chato...
E então uma coisa que ela disse fica na minha cabeça. – Você disse que o dinheiro era
bom? – digo casualmente.
- Ah, sim – diz ela. – Umas trezentas libras por artigo. Foi assim que pudemos comprar
nosso apartamento.
Trezentas libras!
Novecentas libras por semana! Santo Deus!
Esta é a resposta. É fácil. Vou me tornar uma jornalista freelancer ambiciosa, como
Clare, e ganhar novecentas libras por semana. O que preciso fazer é começar a me mexer,
circular e fazer contato nos eventos em vez de sempre sentar no fundo da sala e rindo
com Elly. Preciso cumprimentar todos os editores financeiros, usar meu crachá bem à
vista em vez de guardá-lo logo na bolsa e, depois, telefonar para eles discretamente
quando voltar para o escritório com idéias. E então terei 900 libras por semana. Ah!
Assim, quando chego na entrevista coletiva, prendo bem firme o crachá com meu
nome, pego uma xícara de café (nada de champanhe – bah) e dirijo-me para Moira
Channing do Daily Herald.
- Olá – digo acenando a cabeça de uma maneira que imagino séria. – Beckt Bloom,
Successful Saving.
- Olá – responde ela sem interesse e se volta novamente para a outra mulher no grupo.
– Então eles voltaram ao trabalho e realmente demos ordem para dispersar o comício.
- Ah, Moira, pobrezinha – diz a outra mulher. Procuro ler seu crachá e vejo que é
LAvinia Bellimore, freelancer. Bem, não faz sentido impressioná-la, ela é a competição
em pessoa.
De qualquer modo, ela não me dirige um segundo olhar. As duas conversam sobre
reajustes e mensalidades escolares, me ignorando completamente, e depois de um tempo
murmuro “Prazer em conhecê-las” e me afasto. Deus, tinha esquecido como são
antipáticas. Mas não faz mal. Só vou precisar encontrar outra pessoa.
Assim, após um tempo, me dirijo para um rapaz bem alto que está sozinho e sorrio par
ele.
- Becky Bloom, Successful Saving- digo.
- Geoffrey Norris, freelancer – diz ele e me mostra seu crachá. Ah, pelo amos de Deus.
O lugar está fervilhando de freelancers!
- Para quem você escreve? – pergunto educada, achando que pelo menos eu poderia
conseguir algumas dicas.
- Depende – responde ele esquivando-se. Seus olhos ficam correndo para frente para
trás, e ele se recusa a me encarar. – Eu estava no Monetary Matters. Mas me
dispensaram.
- Ah, imagine! – exclamo.
- Aqueles ali são uns sacanas. – Indica um grupo e engole seu café num trago. – Uns
sacanas! Nem se aproxime. É meu conselho.
- Está bem, vou me lembrar disto! – digo alegre, saindo de fininho. Na verdade, eu
preciso agora... Viro e me afasto correndo. Porque estou sempre falando com gente
esquisita?
Naquele exato momento, toca uma campainha e as pessoas começam a procurar seus
lugares. Deliberadamente dirijo-me para a segunda fileira, apanho o folheto em papel
brilhante que espera por mim na cadeira e pego meu caderno de anotações. Eu queria usar
óculos; ia parecer ainda mais séria. Estou escrevendo Lançamento do Fundo de Pensão da
Administradora de Bens Sacrum em letras maiúsculas, no alto da página, quando um
homem que nunca tinha visto antes de aboleta ao meu lado. Ele tem cabelos castanhos
desalinhados e cheira a cigarro, e observa tudo com olhos castanhos brilhantes, da mesma
cor que os cabelos.
- É uma piada, não é? – Murmura ele depois me encara. Todo esse brilho. Todo esse
show. – Gesticula a mão em círculos mostrando em torno. – Você não cai nessa, cai?
Ah, Deus. Outro esquisito.
- Claro que não – digo educadamente, procuro seu crachá, mas não consigo achar.
- Bom saber – diz o homem e balança a cabeça. – Malditos empresários gananciosos. –
Aponta para a frente, onde três homens bem-vestidos, usando ternos caros, estão sentados
atrás da mesa. – Você consegue imaginá-los sobrevivendo com cinqüenta libras por
semana?
- Bem... não- digo. – Estão mais pra cinqüenta libras por minuto.
O homem dá uma risada de aprovação.
- É uma boa frase. Eu poderia usá-la. – Estende sua mão. – Eric Foreman. Daily
World..
- Daily World? – exclamo impressionada, sem querer. Nossa, o Daily World. Devo
confessar um pequeno segredo aqui, eu realmente gosto do Daily World. Sei que é só um
tablóide, mas é tão fácil de ler, especialmente no trem. (Meus braços devem ser muito
fracos ou algo assim porquê segurar The Times me faz sentir dor depois de algum tempo.
E todas as páginas ficam bagunçadas. É um pesadelo.) E alguns dos artigos na seção
“Mundo Feminino” são bem interessantes.
Mas espera aí, é claro que já conheci o editor financeiro do Daily World. Não é aquela
mulher sem graça chamada Marjorie? Então quem é este cara?
- Ainda não o tinha visto antes – digo casualmente. – É novo
Eric Foreman dá uma risada.
- Estou no jornal há dez anos. Mas esse negócio de finanças geralmente não é a minha
praia. – Abaixa a voz. – Estou aqui para provocar um pouco de confusão, sempre que
possível. Os editores me colocaram na pauta para uma nova campanha que estamos
iniciando. “Os homens do Dinheiro São Confiáveis?”
Ele até fala com linguagem de tablóide.
- Parece excelente – digo educadamente.
- Poder ser, pode ser. Contando que eu consiga entender toda essa parte técnica. – Ele
faz uma careta. – Nunca fui bom em números.
- Eu não me preocuparia – digo amável. Na verdade não é preciso conhecer muito.
Logo você aprende o que é importante.
- É bom ouvir isto – diz Eric Foreman. Ele dá uma olhada no meu crachá. – E você é...
- Rebecca Bloom, Successful Saving- digo num tom bem profissional.
- Prazer em conhecê-la, Rebecca – diz ele e procura no bolso um cartão.
- Ah, obrigada – digo, buscando apressadamente na bolsa meus próprios cartões. Sim!
Penso triunfante quando o entrego. Estou me relacionando com os jornais de circulação
nacional. Estou trocando cartões!
Naquele exato momento os microfones emitem um chiado de retorno e uma mulher de
cabelo escuro no pódio limpa a garganta num pigarreio para falar. Atrás dela, está uma
tela acesa com as palavras ADMINISTRADORA DE BENS SACRUN, tendo como
fundo uma imagem de um pôr-do-sol.
Lembro-me dessa moça agora. Ela foi muito esnobe comigo numa coletiva ano
passado. Mas Philip gosta dela porque lhe manda uma garrafa de champanhe todo Natal,
portanto vou ter de preparar um bom artigo para este novo fundo de pensão.
- Senhoras e senhores – diz ela. – Meu nome é Maria Freeman e estou feliz em recebêlos
para o lançamento do Fundo de Pensão da Administradora de Bens Sacrum. Trata-se
de uma série inovadora de produtos, projetada para combinar flexibilidade e segurança
com o excelente desempenho associado à Sacrum.
Aparece um gráfico na tela à nossa frente, com uma linha vermelha trêmula sobre uma
preta mais fina.
- Como o gráfico 1 indica – diz Maria Freeman confiante, apontando para a linha
vermelha ondulada – nosso fundo de pensões do Reino Unido tem tido um desempenho
melhor do que o resto desse setor específico.
- Humm – murmura Eric Foreman para mim, franzindo as sombrancelhar ao olhar o
folheto que recebeu. – E então, o que está acontecendo aqui, afinal? Ouvi uns rumores de
que a Administradora de Bens Sacrum não ia tão bem assim. – Ele fura o gráfico. – Mas
veja isto. Tenho um desempenho melhor que o resto do setor.
- É, certo – murmuro de volta. – E que setor seria esse? O Setor de Investimento de
Porcaria? O Setor Perca Todo Seu Dinheiro?
Eric Foreman olha para mim e sua boca torce levemente.
- Você acha que eles fraudaram esses números? – murmura.
- Não é exatamente fraudar – explico. – Mas eles só se comparam a quem estiver pior
do que eles mesmos, e depois se dizem vencedores. – Aponto para o gráfico no folheto. –
Veja. Elas na verdade não especificaram qual é esse tal setor.
- Eles que se danem – diz Eric Foreman, e olha para o grupo da Sacrum sentado na
plataforma. – Eles são uns sacanas espertos, não são?
Este cara realmente não tem a menor idéia. Quase sinto pena dele.
Maria Freeman está de novo falando com voz monótona e eu sufoco um bocejo. O
problema de sentar na frente é precisar fingir que estou interessada tomando notas.
Pensões – escrevo e sublinho com uma linha ondulada. Depois faço a linha estar dentro
do caule de uma videira e começo a desenhar pequenos cachos de uvas e folhas em toda
ela.
- Num instante estarei apresentando Mike Dillon, que chefia o grupo de investimentos.
Ele lhes falará um pouco sobre seus métodos. Enquanto isso, se houver alguma
pergunta...
- Sim – diz Eric Foreman. – Eu tenho uma pergunta. – Levanto o olhar da minha
videira para ele, um pouco surpresa.
- Ah, sim? – Maria Freeman sorri docentemente para ele. – E o senhor é...
- Eric Foreman, Daily World. Eu poderia saber quanto vocês todos ganham? – E faz
com a mão um gesto que acompanha o comprimento da mesa.
- O quê? – Maria Freeman fica rosa, depois recupera sua compostura. – Ah, o senhor
quer dizer os custos. Bem, nós vamos tratar disso...
- Não estou falando dos custos – diz Eric Foreman. – Quero dizer, quanto vocês
ganham? Você, Mike Dillon. – Aponta para ele com o dedo. – Quanto você ganha? Algo
com seisdigítos? E, considerando o desastre que foi o desempenho da Administradora de
Bens Sacrum, no ano passado, não deveriam estar todos na rua?
Estou absolutamente pasma. Nunca vi nada igual numa entrevista coletiva. Nunca!
Há uma agitação na mesa, e depois Mike Dillon se inclina para seu microfone.
- Se pudéssemos continuar com a apresentação – diz ele – e... e deixar outras perguntas
para mais tarde. – Está, visivelmente, pouco à vontade.
- Só mais uma coisa – diz Eric Foreman. – O que você diria para um de nossos leitores
que investem no seu plano de Perspectivas Garantidas e perderam dez mil libras? – Ele
olha rapidamente para mim e dá uma piscada. – Mostrariam um bom gráfico
tranqüilizador como esse, mostrariam? Diriam a eles que vocês foram “os melhores do
setor”!
Ah, isso é fantástico! Todas as pessoas da Sacrum parecem querer morrer.
- Um realease sobre o assunto de Perspectivas Garantidas foi distribuído na época –
diz Maria e sorri friamente para Eric. – Contudo, esta entrevista coletiva é restrita ao
tema da série de novas pensões. Se o senhor puder aguardar até o fim da apresentação...
- Não se preocupe – diz Eric Foreman à vontade. – E não ficarei para ouvis essa merda.
Suponho que já tenho tudo de que necessito. – Ele se levanta e sorri para mim. –
obrigado. – Estende sua mão e eu aperto, sem saber bem o que estou fazendo. Depois,
quando todos estão se virando nas suas cadeiras e sussurrando, ele caminha ai longo da
fila e sai da ala.
- Senhoras e senhores – diz Maria Freeman com dois pontos brilhantes queimando na
face. – Devido a essa pertubação, faremos um breve intervalo antes de retomarmos com o
tema. Por favor sirvam-se de chá e café. Obrigada. – Desliga o microfone, desce do pódio
e corre para o grupo da Administradora de Bens Sacrum.
- Você nunca deveria tê-lo deixado entrar! – Ouço um deles dizer.
- Eu não sabia quem era! – replica Maria na defensiva. – Ele disse que era um
jornalista do Wall Street Journal!
Bem, isso está ficando bom! Não vejo tanta excitação desde que Alan Derring do daily
Investor levantou-se numa entrevista coletiva da Provident Assurance, informou a todos
que estava se transformando em mulher e queria que o chamássemos de Andréa.
Dirijo-me ao fundo para pegar outra xícara de café e encontro elly em pé ao lado da
mesa. Excelente. Não a vejo há séculos.
- Oi. – sorri ela. – Gosto de seu novo amigo. Muito divertido.
- Eu sei! – digo maravilhada. – Ele não é legal? – Estendo a mão para pegar um
biscoito de chocolate embrulhado num papel laminado e dou minha xícara para a
garçonete encher novamente. Depois pego mais dois biscoitos e jogo na bolsa (não faz
sentido desperdiçá-los).
À nossa volta há um burburinho animado de conversa; o pessoal da Sacrum ainda está
reunido lá na frente. Isto é ótimo. Poderemos bater papo horas.
- E aí – dirijo-me a Elly -, você se inscreveu para algum emprego recentemente? –
Tomo um gole de café. – Porque vi um para New Woman outro dia no Media Guardian e
pensei em ligar para você. Dizia que era essencial ter experiência num catálogo de
consumidor, mas achei que você poderia dizer...
- Becky – interrompeu Elly numa voz estranha – você sabe que tipo de emprego eu
estou buscando.
- O quê? – Olho para ela. – Não aquele de gerente de fundos. Mas aquilo não era sério.
Era só um instrumento de barganha.
- Eu o peguei – diz. Olho para ela chocada.
De repente, uma voz vem do pódio e nós duas olhamos.
- Senhoras e senhores – Maria está dizendo. – Se quiserem retornar aos seus lugares...
Sinto muito, mas não posso voltar a sentar lá. Preciso ouvir isto.
- Vem cá – digo rápido para Elly. – Não precisamos ficar. Temos os releases. Vamos
almoçar.
Faz-se uma pausa e por um momento terrível penso que ela vai dizer que não, que quer
ficar e ouvir sobre os fundos de pensão. Mas sorri e pega meu braço e, para o óbvio
espanto da garota à porta, saímos da sala bailando.
Há um Café Rouge na outra esquina. Entramos direto e pedimos uma garrafa de vinho
branco. Ainda estou meio chocada, para dizer a verdade. Elly Granger vai se tornar uma
gerente de fundos, na Wetherby’s. Está me abandonando. Não terei mais com quem
brincar.
E como ela pode? Queria ser editora de beleza da Marie-Claire, pelo amor de Deus!
- E então? – o que você decidiu? – digo cautelosa quando nosso vinho chega.
- Ah, eu não sei – diz ela e suspira. – Só fiquei pensando... para onde estou indo? Sabe,
sempre me inscrevo para todos esses empregos fascinantes do jornalismo e nunca sequer
consigo uma entrevista...
- Ia acabar conseguindo – digo com firmeza. – Sei que iria.
- Talvez. – diz ela. – Ou talvez não. Enquanto isso, estou escrevendo sobre toda essa
coisa financeira chata e de repente pensei, por que não simplesmente esquecer isso e
fazer a coisa financeira chata? Pelo menos terei uma carreira boa.
- Você estava numa carreira boa!
- Não, eu não estava, eu estava sem esperança! Estava remando por aí sem um
propósito, nenhum futuro. – Elly se interrompe quando vê minha expressão. – Quero
dizer, eu estava bem diferente de você – acrescenta rápido. – Você é muito mais resolvida
do que eu era.
Resolvida? Ela está brincando?
- Então, quando você começa? – digo, para mudar o assunto, porque, para ser sincera,
sinto-me um pouco assustada com tudo isso. Não tenho um plano, não tenho um futuro.
Talvez eu também não tenha esperança. Talvez eu deva repensar minha carreira. Ah,
Deus, isto é deprimente. Meu emprego soa tão bom e excitante quando o descrevo para as
pessoas como meus vizinhos, Martin e Janice. Mas agora Elly está me fazendo sentir
como um completo fracasso.
- Na próxima semana – diz Elly e toma um gole de vinho. – Vou ficar no escritório da
Silk Street.
- Ah, sim – digo com ar de tristeza.
- E tive que comprar muita roupa nova – acrescenta e faz uma careta. – O pessoal da
Wetherby’s anda muito produzido.
Roupas novas? Roupas novas? Certo, agora eu realmente estou com inveja.
- Entrei na Karen Millen e praticamente comprei a loja inteira – diz ela comendo uma
azeitona marinada. – Gastei mais ou menos mil libras.
- Caramba – digo sentindo-me levemente surpresa – mil libras, tudo de uma só vez?
- Bem, eu precisava – diz ela, desculpando-se. – E de qualquer modo, estarei ganhando
mais agora.
- Verdade?
- Ah, sim – responde ela e dá um risinho. – Muito mais.
- Como... quanto? – pergunto, sentindo um ataque de curiosidade.
- Vou começar com quarenta mil libras – diz ela, e encolhe os ombros indiferente. –
Depois disso, quem sabe? O que eles disseram foi...
E começa a falar sobre planos de carreira, hierarquia e bonificações. Mas não consigo
ouvir uma palavra, estou chocada demais.
Quarenta mil libras?
Quarenta mil libras? Mas eu só ganho...
Bem, será que devo dizer a você quanto ganho? Não é um tema como a religião, que
não deve se mencionar na frente dos outros? Talvez tenhamos permissão de falar sobre
dinheiro hoje em dia. Suze saberia.
Ah, dane-se. Você sabe tudo o mais, não sabe? A verdade é que ganho 21.000 libras. E
achei que era muito! Lembro-me muito bem quando mudei de emprego, pulei de 18.000
libras para 21.000 libras e achei que tinha feito um grande negócio. Estava tão feliz que
escrevia listas sem fim do que compraria com todo aquele dinheiro extra.
Mas agora soa como se não fosse nada. Eu deveria estar ganhando quarenta mil libras
como Elly, comprando todas as minhas roupas na Karen Millen. Ah, não é justo. Minha
vida é um completo desastre.
Quando volto a pé para o escritório, estou bastante deprimida. Talvez eu devesse desistir
do jornalismo e me tornar uma gerente de fundos também. Ou uma corretora. Eles
ganham um bom dinheiro, não ganham? Talvez eu pudesse me juntar à Goldman Saks ou
algo assim. Eles ganham mais ou menos um milhão por ano. Queria saber como se
consegue um emprego desses.
Mas por outro lado... quero realmente ser corretora? Não me importaria em ter a parte
referente às roupas da Karen Millen. De fato, acho que eu faria isso muito bem. Mas não
estou bem certa quanto ao resto. A parte de acordar cedo e trabalhar como louca. Não que
eu seja preguiçosa ou algo assim, mas gosto de poder passar a tarde na Image Store ou
folhear os jornais fingindo que estou fazendo uma pesquisa, sem ninguém me
pressionando. Não me parece que Elly irá fazer muito disso em seu novo emprego. Na
verdade tudo parece meio ameaçador.
Hum. Se pelo menos tivesse algum meio de poder ter todas as roupas lindas, mas não
ter que fazer o trabalho duro. Um mas não o outro. Se pelo menos tivesse um meio...
Meus olhos estão automaticamente varrendo todas as vitrines das lojas por onde passo,
examinando a mercadoria exposta e de repente meus pés grudam na calçada.
Este é um sinal de Deus. Tem que ser.
Estou em pé ao lado de fora da Ally Smith que tem uns sobretudos longos
maravilhosos na vitrine e há um anúncio escrito a mão na vidraça da porta. “Precisa-se
Ajudantes de vendas para sábado. Informações no interior da loja.”
Sinto-me quase meio trêmula ao olhar para o aviso. É como se um raio tivesse me
atingido ou algo assim. Por que eu não pensei nisso antes? É uma idéia genial. Terei um
emprego aos sábados! Trabalharei numa loja de roupas! Assim, farei um bom dinheiro
extra e ainda terei desconto em todas as roupas! Convenhamos, trabalhar numa loja tem
que ser mais fácil do que tornar-se uma gerente de fundos, não é? A única coisa a fazer é
ficar de pé e dizer “Posso ajudá-lo?” Será divertido, pois posso escolher todas as minhas
roupas enquanto atendo os clientes. No fundo estarei sendo paga para fazer compras!
Isto é fantástico, penso eu, entrando na loja com um sorriso amável no rosto. Sabia que
alguma coisa boa estava para acontecer hoje. Tive um pressentimento de algo assim.
Meia hora depois saio com um sorriso ainda maior no rosto. Consegui o emprego!
Tenho um emprego aos sábados! Vou trabalhar das 8:30 às 5:30 todos os sábados e
ganharei 4,80 libras por hora, e com direito a 10% de desconto nas roupas passa para
20%! E todos os meus problemas de dinheiro terminaram.
Graças a Deus foi uma tarde tranqüila. Eles me deixaram preencher o formulário de
inscrição ali mesmo e Danielle, a gerente, me entrevistou imediatamente. No início ela
parecia em dúvida, especialmente quando eu disse que eu tinha um emprego de horário
integral como jornalista econômica e estava fazendo isso para ganhar um dinheiro extra e
roupas. “Será muito trabalho” – ela continuava dizendo. “Você percebe isso? Será um
trabalho muito pesado.” Mas eu acho que ela mudou quando começamos a falar sobre o
estoque. Adoro as coisas da Ally Smith, então claro que eu sabia o preço de cada item na
loja e se eles tinham alguma coisa similar na Jigsaw ou na French Connection.
Finalmente, Danielle me dirigiu um olhar estranho e disse “Bem, você obviamente gosta
de roupas”. E então me deu o emprego! Mal posso esperar. Começo este sábado. Não é o
máximo?
Quando volto para o escritório me sinto extasiada com meu sucesso. Olho à minha
volta e de repente esta vida mundana de escritório parece muito chata e limitada para um
espírito criativo como o meu. Não pertenço a este lugar, entre pilhas empoeiradas de
releases e teclas de computadores batendo enfurecidas. Meu lugar é lá, entre os refletores
reluzentes e suéteres de cachmere da Ally Smith. Talvez eu trabalhe com venda em
horário integral, penso eu, quando recosto na minha cadeira. Talvez eu comece minha
própria cadeia de lojas de grifes! Deus, sim. Serei uma dessas pessoas destacadas em
artigos sobre empresários incrivelmente bem-sucedidos. “Becky Bloom estava
trabalhando como jornalista quando criou o conceito inovador das Lojas Bloom. Uma
cadeia de sucesso em todo o país, a idéia surgiu quando ela estava...”
O telefone toca e eu atendo.
- Sim? – digo num ar ausente. – Rebecca Bloom falando. – Quase acrescento – das
Lojas Bloom – mas talvez seja um pouco prematuro.
- Srta. Bloom, aqui fala Derek Smeath, do Endwich Bank.
O quê? Estou tão chocada, deixo o fone cair na minha mesa com um ruído e preciso
ficar procurando com a mão para poder pegá-lo. Enquanto isso, meu coração está
pulando como um coelho. Como Derek Smeath sabe onde trabalho? Como conseguiu
meu número?
- Você está bem? – pergunta Clare Edwards curiosa.
- Sim – engulo. – Sim, estou bem.
E agora ela está olhando para mim. Agora não posso colocar o fone no gancho e fingir
que era engano. Terei que falar com ele. Está bem, serei realmente rápida e vivaz e
procurarei livrar-me dele o mais depressa possível.
- Olá! – digo no telefone. – Desculpe. O problema é que eu estava um pouco ocupada
com outra coisa. Sabe como é.
- Srta. Bloom, eu lhe escrevi várias cartas – diz Derek Smeath. – E não recebi uma
resposta satisfatória de nenhuma delas.
Sem querer, sinto meu rosto corar. Ah, meu deus, ele parece realmente irritado. Isto é
horrível. Que direito ele tem de entrar e estragar meu dia?
- Creio que tenho estado muito ocupada – digo. – Minha... minha tia estava muito
doente. Precisei ficar com ela. O senhor compreende.
- Entendo – diz ele. – Entretanto...
- E depois ela morreu – acrescento.
- Sinto muito – diz Derek Smeath. Ele não parece sentido. – Mas isso não altera o fato
de sua conta atual estar com um saldo de...
Esse homem não tem coração? Quando ele começa a falar sobre saldos, saques a
descoberto e acordos, eu deliberadamente me desligo pois não quero ouvir nada que
possa me preocupar. Estou olhando fixo para a minha mesa forrada de uma imitação de
madeira, pensando se eu poderia fingir que o fone caiu acidentalmente bem na base. Ah,
Deus, isto é horrível. O que vou fazer?
O que vou fazer?
- E se a situação não se resolver – ele está falando sério – creio que serei forçado a...
- Tudo bem – ouço-me interrompendo. – Tudo bem, porque... vou receber um dinheiro
em breve. – Mesmo quando digo as palavras, sinto meu rosto queimar de culpa. Mas,
quero dizer, o que mais devo fazer? Tenho que dizer alguma coisa, do contrário ele
nunca vai me deixar em paz.
- Ah, sim?
- É sim – digo e engulo. – O negócio é que minha... minha tia me deixou algum
dinheiro no testamento.
Que é meio quase verdade, quero dizer, obviamente tia Erminitrude teria me deixado
algum dinheiro. Afinal. Eu era sua sobrinha favorita, não era? Alguém mais comprou
echarpes Denny and George para ela? – vou receber dentro de umas duas semanas –
acrescento como boa medida. – Mil libras.
Depois percebo que eu deveria ter dito 10.000 libras – isso o teria realmente
impressionado. Ah, bem, tarde demais agora.
- Está dizendo que dentro de duas semanas estará depositando um cheque de 1.000
libras na sua conta – diz Derek Smeath.
- Erm... sim – digo após uma pausa. – Creio que sim.
- Fico feliz por ouvir isso – diz ele. – Anotei nossa conversa, Srta. Bloom, e estarei
aguardando a entrada das 1.000 libras na sua conta na segunda-feira, 27 de março.
- Está bem – digo confiante. – É só isso?
- Por hoje é só. Boa tarde, Srta. Bloom.
- Boa tarde – respondo e desligo o telefone.
Graças a deus. Me livrei dele.


Brompton’s Store
CONTAS DE CLIENTES
1 Brompton Street
Londres SW4 7TH
Srta. Rebecca Bloom
Apto. 2
4 Burney Rd
Londres SW6 8FD
10 de março de 2000
Prezada Srta. Bloom
Obrigada pela rápida devolução do cheque assinado no valor de 43 libras.
Lamentavelmente, apesar de o cheque estar assinado, ele parece estar datado de fevereiro
de 2200. Sem dúvida foi um engano de sua parte.
A Brompton’s Store não pode aceitar cheques pré-datados como pagamento, portanto
estou lhe devolvendo o mesmo com o pedido de que nos envie um cheque assinado com a
data da assinatura.
Se preferir, poderá pagar em dinheiro vivo ou no boleto bancário que enviamos anexo.
Segue também um folheto para sua informação.
Aguardo receber seu pagamento.
Subscrevo-me
Atenciosamente
John Hunter
Gerente de Contas de Clientes

NOVE

Naquela noite, quando chego em casa, há uma pilha de correspondência no hall para mim
— mas eu a ignoro porque vejo um embrulho da Molduras Finas! A compra me custou
100 libras, que eu acho meio caro, as aparentemente vai proporcionar um retorno de 300
libras em poucas horas. Dentro do embrulho há um folheto cheio de fotografias de
pessoas que fazem fortunas fazendo Molduras Finas — e alguns deles fazem 100 mil por
ano! Fico pensando o que será que me faz ser uma jornalista.
Depois do jantar, sento em frente à TV para assistir a EastEnders e abro o kit. Suze
saiu esta noite, portanto será fácil me concentrar.
“Bem-vindo ao segredo mais bem guardado da Inglaterra...”, diz o folheto. “A família
Molduras Finas que trabalha em casa! Junte-se a outros membros e ganhe milhões no
conforto de seu próprio lar. Nossas instruções fáceis de seguir vão ajudá-lo a entrar no
empreendimento mais lucrativo de sua vida. Talvez você utilize seus ganhos para
comprar um carro, ou um barco — ou para presentear alguém especial. Mas lembre-se —
a quantia que você vai receber vai depender exclusivamente de você!”
Estou absolutamente encantada. Por que não fiz isto antes? É um esquema fantástico!
Vou trabalhar loucamente por duas semanas, depois pago todas as minhas dívidas, entro
de férias e compro milhares de roupas novas. Deus, mal posso esperar.
Começo a rasgar o embrulho e, de repente, uma pilha de tiras de fazenda cai no chão.
Algumas são lisas, outras são estampadas com flores. É um padrão meio feio — mas
quem se importa? Minha função é só fazer as molduras e receber o dinheiro. Encontro o
folheto de instruções debaixo de pedaços de papelão. Parece verdade, é muito simples.
Basta colar um estofamento na moldura de papelão e cobrir com tecido por cima para
criar aquele efeito luxuoso de tapeçaria, depois é só colar um cadarço ao longo da parte
de trás para esconder a costura. E pronto! É muito simples e você recebe 2 libras por
moldura. Há 150 no pacote — portanto, se eu fizer trinta por noite, durante uma semana,
terei faturado 300 libras fácil, fácil no meu tempo livre!
Tudo bem, vamos começar. Armação, estofamento, cola tecido, cadarço.
Ah, Deus. Ah, Deus. Quem inventou essas coisas danadas? Simplesmente não há tecido
suficiente para cobrir a armação e o estofamento. Ou pelo menos é preciso esticar muito
— e o tecido é tão frágil que rasga. Já sujei de cola o carpete e dobrei duas armações de
tanto puxá-las, e a única moldura que consegui finalizar está parecendo torta. E eu já
estou fazendo isso há...
Bocejo, vejo a hora e sinto um susto. São 11:30 da noite, o que significa que estou
trabalhando há três horas. E nesse tempo fiz uma moldura de aparência torta, que não
estou certa se eles vão aceitar, e estraguei outras duas. Detesto o aspecto que essas coisas
têm. Para que as pessoas querem ridículas molduras estofadas, afinal?
Naquele momento a porta se abre e Suze está de volta.
— Oi! — diz ela, entrando na sala de estar. — Teve uma noite agradável?
— Não exatamente — começo a falar desapontada. — Estive fazendo essas coisas...
— Bem, não importa — diz ela num tom dramático. — Sabe de uma coisa? — Você
tem um admirador secreto.
— O quê? — digo surpresa.
— Alguém realmente gosta de você — diz ela, despindo seu casacão. — Ouvi isto esta
noite. Você não vai adivinhar quem é!
Luke Brandon surge na minha mente antes que eu possa evitar. Que ridículo. De
qualquer modo, como Suze teria descoberto? Idéia boba. Muito boba. Impossível.
Ela poderia tê-lo encontrado por acaso no cinema, ouço uma vozinha sussurrando na
minha mente. Afinal, ele o conhece, não é? E ele poderia ter dito...
— É meu primo! — diz ela triunfante. — Tarquin. Ele gosta de você de verdade.
Pelo amor de Deus.
— Ele tem uma queda secreta por você — continua ela feliz. — Na realidade, sempre
teve, desde que a conheceu!
— Não é tão secreta assim... — começo sarcástica, depois, quando Suze olha para mim
surpresa, paro. Afinal, não quero ferir seus sentimentos.
— Então você já sabia? — diz ela.
— Bem... — digo e escolho os ombros. O que poso dizer? Não posso dizer a ela que
seu amado primo me causa arrepios. Então, em vez disso, começo a escolher tecido para
a moldura que está na minha frente e um sorriso feliz toma conta do rosto de Suze.
— Ele está mesmo entusiasmado com você! — diz ela. — Sugeri que telefonasse para
você e a convidasse para sair. Você não se importaria, não é?
— Claro que não — digo numa voz pouco convincente.
— Não seria fantástico? — diz Suze. — Se vocês dois se casassem. Eu poderia ser
dama de honra!
— Sim — digo e me forço a sorrir. — Que ótimo.
O que farei, penso, é concordar com uma saída só para ser educada e depois eu cancelo
no último momento. E se tudo correr bem, Tarquin vai precisar voltar para a Escócia, ou
algo parecido, e poderemos esquecer tudo isso.
Mas, para ser sincera, eu podia passar sem essa. Agora tenho duas razões para temer
que o telefone toque.
Contudo, para meu alívio, o sábado chega e Tarquin não me procura. Nem o Derek
Smeath. Todos, finalmente, me deixam em paz para segui a minha vida!
A má notícia é eu estava planejando fazer 150 molduras esta semana mas até agora só
fiz três e nenhuma delas se parece com a da fotografia. Uma não tem estofamento
suficiente, a outra não se junta no canto e a terceira tem um pouco de cola espalhada na
frente que não saiu. Simplesmente não consigo entender por que estou achando isto tão
difícil. Certas pessoas fazem centenas dessas coisas por semana sem nenhum esforço. A
Sra. S. de Ruislip até levou sua família num cruzeiro de navio, várias vezes, com o
dinheiro que ganhou. Como eles conseguem e eu não? É realmente deprimente. Quero
dizer, devo ser inteligente, não é? Se sou formada, pelo amor de Deus.
Mesmo assim, não importa, digo a mim mesma. Hoje é dia do meu novo emprego na
Ally Smith, portanto, estarei ganhando algum dinheiro extra lá.
Estou bem animada com isso. Aqui se inicia uma carreira completamente nova no
mundo da moda! Passo um longo tempo escolhendo uma roupa legal para usar o meu
primeiro dia e acabo me decidindo por calças compidas pretas, da Jigsaw, uma pequena
camiseta de cashmere (bem, imitação de cashmere) e um top rosa da própria Ally Smith.
Estou bem satisfeita com o resultado final e fico esperando que a Danielle faça algum
tipo de elogio quando chego na loja, mas parece que ela nem percebeu. Apenas diz, “Oi.
As calças e camisetas estão na sala de estoque. Procure seu tamanho e roque de roupa na
cabine.”
Tudo bem. Pensando melhor, todos os vendedores na Ally Smith usam a mesma roupa.
Quase como um... bem, uniforme, suponho. Relutante, mudo a roupa e me olho no
espelho e, para falar a verdade, estou desapontada. Essas calças cinza não me caem bem e
a camiseta é muito sem graça. Estou quase tentada a perguntar a Danielle se posso
escolher outra roupa para usar — mas ela parece um pouco ocupada, portanto é melhor
não. Talvez na semana que vem eu possa ter uma palavrinha com ela.
Mas apesar de não gostar da roupa, ainda sinto um frisson de excitação quando saio no
andar da loja. Os refletores brilham gloriosamente; o chão está todo lustroso e polido; a
música está tocando e há uma sensação de expectativa no ar. É quase como ser uma atriz.
Olho para mim mesma num espelho e murmuro “Como posso ajudá-lo?”, ou talvez
devesse ser “Posso ajudá-lo?” Serei a mais charmosa vendedora, decido. As pessoas
virão aqui só para serem atendidas por mim e eu terei um relacionamento fantástico com
todos os clientes. E depois aparecerei no Evening Standard em alguma coluna
especializada. Talvez eu até consiga meu próprio programa de TV.
Ninguém me disse o que fazer ainda, portanto — usando minha iniciativa, muito bem
— dirijo-me a uma mulher loura que está digitando na caixa registradora e digo:
— Pode me dar uma explicação rápida?
— O quê? — diz ela sem olhar para mim.
— É melhor eu aprender como mexer na caixa registradora, não é? Antes que os
clientes cheguem?
Depois a mulher desvia o olhar para mim e, para minha surpresa, cai na gargalhada.
— Na caixa registradora? Você acha que vai direto para a caixa registradora?
— Ah — digo, ruborizando um pouco. — Bem eu pensei...
— Você é uma novata, querida, — diz ela. — Não vai chegar perto do caixa. Vá com
Kelly. Ela vai lhe mostrar o que vai fazer hoje.
Dobrar blusões. Dobrar droga de casacos. É para isto que estou que estou aqui. Correr
atrás de clientes que pegaram cardigãs e deixaram todos amarrotados, e dobrá-los
novamente. Às onze horas estou absolutamente exausta e, para ser sincera, não me diverti
nem um pouco. Você sabe o quanto é deprimente dobrar um cardigã exatamente do jeito
certo da Ally Smith e colocá-lo de volta na prateleira, todo bem dobrado — só para ver
alguém casualmente puxá-lo dali, examiná-lo, fazer uma careta e descartá-lo? Dá vontade
de gritar com eles, DEIXA ISSO AÍ SE NÃO VAI COMPRAR! Vejo até uma garota
pegar um cardigã idêntico ao que ela já estava vestindo! Quero dizer, qual é o problema
dela?
E não estou conseguindo conversar com os clientes tampouco. É como se eles vissem
através de você que você é um vendedor. Ninguém me perguntou nada interessante como
“Esta blusa combina com estes sapatos?” ou “Onde posso encontrar uma saia preta bem
bonita por menos de 60 libras?” Eu adoraria responder este tipo de coisa. Mas as únicas
perguntas que me fizeram foram “Onde é o banheiro?” e “Onde é o caixa eletrônico mais
próximo de Midland?” Ainda não fiz nenhum relacionamento com ninguém.
Ah, é deprimente. A única coisa que me deixa animada é uma prateleira de fim de
estoque com preços reduzidos no fundo da loja. Volta e meia eu vou até ali e olho para
uma calça jeans com estampa de zebra, que custava 180 e está por 90 libras. Lembro-me
dela. Cheguei a experimentá-la. E aqui está ela, sem ais nem menos — em oferta.
Simplesmente não consigo tirar meus olhos dela. E o tamanho é 42. Meu número.
Sei que não devo estar gastando dinheiro mas isto é uma peça única. São os jeans mais
charmosos que já se viu. E 90 libras não é nada por uma calça jeans de boa qualidade. Se
você estivesse na Gucci, estaria pagando pelo menos 500 libras. Ah, meu Deus, eu quero
essa calça jeans. Eu quero ela.
Estou descansando no fundo da loja, olhando para os jeans pela centésima vez, quando
Danielle vem na minha direção e me levanto culpada. Mas ela só diz: “Pode ir pra a sala
de prova agora? Sarah vai lhe mostrar os cabideiros.”
Chega de dobrar roupas! Graças a Deus!
Para meu alívio, esse negócio de sala de prova é muito mais divertido. Ally Smith tem
salas de prova realmente boas, com muito espaço e cabines individuais, e minha tarefa é
ficar de pé na entrada e verificar quantos itens as pessoas estão trazendo. É realmente
interessante ver o que as pessoas estão experimentando. Uma garota que está comprando
um monte de coisas e fica contando que seu namorado lhe disse para comprar tudo que
quisesse no seu aniversário, pois ele pagaria.
Nossa. Tem gente de sorte. Ainda assim, não importa, pelo menos estou ganhando
dinheiro. São 11:30, o que significa eu faturei... 14,40 libras até agora. Bem, não é mal,
é? Eu poderia comprar uma boa maquiagem por essa quantia.
Só que eu não vou gastar esse dinheiro em maquiagem. Claro que não. Quero dizer,
não é para isso que estou aqui, é? Vou ser realmente sensata. O que vou fazer é comprar
os jeans estampados de zebra — só porque é uma peça única e seria um crime não
comprar — e depois porei todo o resto na minha conta bancária. Mal consigo esperar
para vesti-la. Tenho um intervalo às 2:30, e aí vou direto para a prateleira de preços
reduzidos para levá-la para a sala dos funcionários, só para ter certeza de que cabe em
mim, e...
De repente a expressão do meu rosto congela. Espera aí.
Espera um momento. O que aquela garota está segurando no braço? Ela está segurando
a minha calça estampada de zebra! E está vindo na direção da sala de prova. Ah, meu
Deus. Quer experimentá-la. Mas ela é minha!
— Olá! — diz ela feliz ao se aproximar.
— Olá — digo, procurando manter a calma. — Ahn... quantos itens você tem?
— Quatro — diz ela mostrando-me os cabides. Atrás de mim há fichas penduradas na
parede, indicando Um, Dois, Três e Quatro. A garota está esperando que eu lhe dê uma
fica indicando Quatro e a deixe entrar. Mas eu não posso.
Decididamente não posso deixá-la entrar lá com os meus jeans.
— Na verdade — ouço-me dizer — você só pode levar três itens.
— É mesmo? — diz ela surpresa. — Mas... — Ela aponta para as fichas.
— Eu sei — digo. — Mas eles acabaram de mudar as regras. Sinto muito. — E dou a
ela meu melhor sorriso de vendedora que não pode fazer nada.
Na verdade isto é um abuso de poder. Você pode fazer as pessoas pararem de
experimentar roupas! Pode arruinar suas vidas!
— Ah, está bem — diz a garota. — Bem, vou separar...
— Esta — digo eu e seguro os jeans de estampa zebra.
— Não — diz ela. — Pensando melhor, acho que vou...
— Precisamos pegar o artigo de cima — explico e repito aquele sorriso de quem não
pode fazer nada. — Sinto muito.
Graças a Deus existem vendedoras bolchevistas e regras bobas sem sentido. As
pessoas já estão tão acostumadas a isso que esta garota nem mesmo me questiona. Ela só
revira os olhos, pega a ficha indicando Três e faz seu caminho na direção da sala de prova
deixando-me segurando os preciosos jeans.
Tudo bem, e agora? De dentro da cabine da garota, posso ouvir zíperes sendo abertos e
cabides se chocando. Ela não vai demorar muito experimentando essas três coisas. E
depois sairá querendo os jeans de estampa de zebra. Meu Deus. O que posso fazer? Por
um momento fico estatelada, indecisa. Depois, o som de uma cortina de cabine sendo
aberta me coloca em ação. Rapidamente escondo os jeans de estampa de zebra atrás de
uma cortina e fico de pé novamente com um olhar inocente no rosto.
Um minuto mais tarde, Danielle vem na minha direção, com uma prancheta nas mãos.
— Tudo bem? — pergunta ela. — Está conseguindo se virar, não é?
— Estou indo bem — respondo, e lanço-lhe um sorriso confiante.
— Estou fazendo as escalas dos intervalos — diz ela. — Se você conseguir ficar até as
3:00, poderá ter uma hora.
— Ótimo — digo na minha voz confiante de “funcionária do mês”, apesar de estar
pensando 3:00? Morrerei de fome até lá!
— Bom — diz ela e se afasta para o canto para anotar no seu papel, quando uma voz
diz...
— Olá. Pode me dar aqueles jeans agora?
Ah, meu Deus, é a garota de novo. Como ela pode ter experimentado todas aquelas
outras coisas tão rápido? Por acaso ela é alguma mágica?
— Olá! — digo, ignorando a última parte do que ela disse. — As roupas ficaram bem?
Aquela saia preta é muito bonita. A maneira que as pregas abrem no...
— Na verdade não — diz ela me interrompendo e empurra o lote de roupas para mim,
tudo bagunçado e fora dos cabides, devo acrescentar. — Eu queria mesmo era a calça
jeans. Pode me dar?
Meu coração começa a bater forte.
— Que jeans eram? — pergunto, franzindo a sobrancelha com simpatia. — Azul?
Pode pegá-los ali, ao lado do...
— Não — diz a garota, impaciente. — A calça de estampa de zebra que estava comigo
há um minuto.
— Como? — digo, estupefata. — Ah, sim. Não tenho certeza para onde foi. Talvez
alguém tenha pego.
— Mas eu dei a você! Você devia estar segurando ela.
— Ah — digo, e dou meu sorriso de vendedora. — Temo que não possamos ser
responsabilizados por propriedade deixada conosco enquanto os clientes estão nas salas
de prova.
— Mas pelo amor de Deus! — diz ela olhando para mim como se eu fosse uma
imbecil. — Isto é ridículo! Eu a deixei com você uns trinta segundos atrás! Como pode
tê-la perdido?
Merda. Ela está realmente irada. Sua voz está ficando um pouco alta e as pessoas estão
começando a olhar.
— Algum problema? — entra uma voz melosa e eu olho para ela aterrorizada. Danielle
está se aproximando de nós, com um olhar doce mas ameaçador no rosto. Tudo bem,
fique calma, digo a mim mesma com firmeza. Ninguém pode provar nada contra mim
mesmo. E todos sabem que o cliente é sempre um criador de caso.
— Dei a esta vendedora uma calça jeans para cuidar porque eu tinha quatro itens, o
que aparentemente é demais — a garota começa explicando.
— Quatro itens? — diz Danielle. — Mas você tem permissão de entrar na sala de
provas com quatro itens. — E ela se vira para mim com uma expressão que, francamente,
não é muito amigável.
— Tem? — digo com um ar inocente. — Meu Deus, sinto muito. Pensei que eram três.
Sou nova — acrescentei desculpando-me.
— Eu pensei que eram quatro! — diz a menina. — Quero dizer, vocês têm fichas com
a droga do número “Quatro” escrito nelas! — Ela dá um suspiro impaciente. — Então,
continuando, entreguei a ela os jeans, experimentei as outras coisas e quando saí para
pegar os jeans, eles tinham sumido.
— Sumiu? — diz Danielle bruscamente. — Sumiu para onde?
— Não estou certa — digo, procurando parecer tão perplexa quanto a pessoa à minha
frente. — Talvez um outro cliente a tenha levado.
— Mas estava com você! — diz a garota. — E aí, alguém se aproximou de você e
tirou-a de suas mãos?
Ah, tenha paciência. Qual é o problema dela, afinal? Como ela pode ser tão obcecada
por uma droga de calça jeans?
— Talvez você possa conseguir outra na prateleira — digo, tentando parecer
prestativa.
— Não tem outra — diz ela friamente. — Ela estava na prateleira de preços reduzidos.
— Rebecca, pense! — diz Danielle. — Você a colocou em algum lugar?
— Devo ter feito isso — digo vagamente. — Estava tão cheio isto aqui, devo tê-la
colocado no cabideiro e creio que um outro cliente deve ter saído com ela. — Encolho os
ombros querendo dizer “Clientes, hein?”.
— Espere aí! — diz a garota irritada. — O que é aquilo?
Sigo seu olhar e gelo. A calça jeans de zebra rolou por baixo da cortina. Por um
momento nós todas olhamos par ela.
— Deus! — consigo dizer finalmente. — Lá está ela!
— E o exatamente ela está fazendo lá? — pergunta Danielle.
— Eu não sei! — respondo. — Talvez ela... — Tento ganhar tempo enquanto invento
alguma coisa. — Talvez...
— Você pegou! — diz a garota incrédula. — Você simplesmente a pegou! Não me
deixou experimentar e depois a escondeu!
— Isto é ridículo! — digo, procurando soar convincente, mas posso sentir meu rosto
ficando vermelho de culpa. Ah, Deus, por que eu sempre preciso ficar vermelha? Por
quê?
— Sua... — A garota começa e vira-se para Danielle. — Quero fazer uma queixa
formal.
— Rebecca — diz Danielle. — Para meu escritório, por favor.
Espera aí. Será que ela não vai me apoiar? Será que ela não vai defender sua
funcionária diante de uma cliente? O que aconteceu com a frente unida?
— Agora! — diz ela rispidamente, e eu pulo de medo. Enquanto me distancio devagar
ao seu escritório (que ais parece um armário de vassouras), vejo todos os outros
funcionários olhando para mim e cutucando uns aos outros. Ah, Deus, que vergonha.
Ainda assim, vai ficar tudo bem. Vou pedir desculpas e prometer não fazer mais isso e
talvez me ofereça para trabalhar ale da hora. Contanto que eu não seja...
Não acredito. Ela me despediu. Nem cheguei a trabalhar lá um dia inteiro e já fui
mandada embora. Fiquei tão chocada quando ela me contou que, juro, quase fiquei com
os olhos cheios de lágrimas. Quero dizer, fora o incidente com os jeans de estampa de
zebra, eu achei que estava indo muito bem. Mas, aparentemente, esconder mercadorias
dos clientes é uma dessas coisas que causam demissão sumária. (O que é realmente
injusto, pois ela não me disse nada disso na entrevista.)
Quando troco de roupa há uma sensação pesada no meu coração. Minha carreira de
vendedora terminou antes de sequer ter começado. Eu só recebi 20 libras pelas horas que
trabalhei hoje — e Danielle disse que estava sendo generosa. E quando perguntei se eu
poderia comprar rapidamente alguma roupa usando meu desconto de funcionária, ela me
olhou como se quisesse me bater.
Deu tudo errado. Sem emprego, sem dinheiro, sem desconto, só a porcaria das 20
libras. Triste, começo a andar pela rua, enfiando minhas mãos nos bolsos. Porcaria de 20
libras. O que devo fazer com...
— Rebecca! — Levanto minha cabeça num solavanco e me vejo olhando confusa para
um rosto que sei que reconheço. Mas quem é? É... é... é...
— Tom! — exclamo no minuto seguinte. — Olá! Que surpresa!
Não acredito. Tom Webster, aqui em Londres. O que ele está fazendo aqui? Não
deveria estar em Reigate, rebocando seus azulejos malditos, ou algo assim?
— Esta é Lucy — diz ele orgulhoso enquanto puxa uma garota carregando umas
sessenta e cinco sacolas. E eu não acredito no que vejo. É a garota que estava comprando
aquele monte de roupas na Ally Smith. A garota cujo namorado estava pagando.
Certamente ela não quis dizer...
— Vocês estão namorando? — digo com ar imbecil. — Você e ela?
— Sim — diz Tom, e sorri para mim. — Já estamos há algum tempo.
Mas isto não faz nenhum sentido. Por que Janice e Martin não mencionaram a
namorada de Tom? Eles mencionaram tudo mais na vida dele.
Imagine só, o Tom tem uma namorada!
— Olá — diz Lucy.
— Olá — respondo. — Sou Rebecca. Vizinha porta. Amiga de infância e tudo mais.
— Ah, você é Rebecca — diz ela e dirige um rápido olhar para Tom.
O que ela quis dizer com aquilo? Eles falaram de mim? Deus, Tom aina gosta de mim?
Que embaraçoso.
— Sou eu! — digo vibrante e dou um pequeno riso.
— Sabe, estou certa de tê-la visto em algum lugar antes — diz Lucy pensativa — e
depois enruga seus olhos reconhecendo. — Você trabalha na Ally Smith, não é?
— Não! — digo, um pouco rápido demais.
— Ah — diz ela. — pensei que a tinha visto...
Deus, não posso deixar meus pais saberem que trabalho numa loja. Pensarão que minto
sobre a vida que levo em Londres e que secretamente estou dura e morando num
apartamento imundo.
— Pesquisa — digo friamente. — Na verdade sou jornalista.
— Rebecca é jornalista econômica — diz Tom. — Realmente conhece seu trabalho.
— Ah, certo — diz Lucy e dá um sorriso arrogante.
— Mamãe e papai sempre ouvem Rebecca — diz Tom. — Papai estava falando sobre
isso outro dia mesmo. Disse que você tinha ajudado muito em algum assunto financeiro.
Troca de fundos ou algo assim.
— Faço o que posso — digo modestamente e dou a Tom um sorriso especial de velhos
amigos. Não que eu esteja com ciúmes ou algo assim mas sinto uma dor-de-cotovelo
vendo Tom sorrir para essa Lucy que, francamente, tem um cabelo muito sem graça,
mesmo que suas roupas sejam boas. Pense nisso, o próprio Tom está usando roupas
bonitas. Ah, o que está acontecendo? Isto está tudo errado. Tom devia estar a sua casa
nova, em Reigate, não desfilando por lojas caras com ar de fino.
— Bem, de qualquer modo — diz ele. — Precisamos ir.
— Vai pegar o trem? — digo com ar superior. — Deve ser difícil, morando tão
distante.
— Não é tão mal — diz Lucy. — Venho de condução até Wetherby’s toda manhã e só
levo quarenta minutos.
— Você trabalha na Wetherby’s? — digo horrorizada. Por que estou rodeada por
profissionais ambiciosos?
— Sim — diz ela. — Sou um de seus consultores políticos.
O quê? O que significa isso? Será que ela é realmente inteligente ou algo assim? Ah,
Deus, isto está ficando cada vez pior.
— E nós não vamos pegar nosso trem, ainda — diz Tom sorrindo para Lucy. —
Vamos à Tiffany’s primeiro. Escolher uma coisinha para o aniversário de Lucy, na
semana que vem. — Ele levanta uma mão e começa a torcer um cacho do cabelo dela em
volta de seu dedo.
Não posso mais agüentar isto. Não é justo. Por que eu não tenho um namorado para me
comprar coisas na Tiffany’s?
— Bem, prazer em vê-los — falo depressa. — Mande lembranças para seus pais. —
Engraçado eles não terem mencionado Lucy. Não posso resistir e acrescento, um pouco
maliciosa. — Estive com eles outro dia e não me falaram de você.
Lanço um olhar inocente para Lucy. Ah! Agora com quem está a vantagem?
Mas ela e Tom trocam olhares novamente.
— Eles provavelmente não quiseram... — começa Tom e pára abruptamente.
— O quê? — digo eu.
Fez-se um longo e estranho silêncio. Depois Lucy diz:
— Tom, vou olhar esta vitrine por um segundo. — Ela se afasta, deixando nós dois
sozinhos.
Nossa, que drama! Sou obviamente a Terceira Pessoa no relacionamento deles.
— Tom, o que está acontecendo? — digo e dou uma risadinha
Mas é óbvio, não é? Ele ainda me quer. E Lucy sabe disso.
— Meu Deus — diz Tom e enrubesce. — Olha, Rebecca, não é fácil para mim. Mas o
negócio é que mamãe e papai sabem de seus... sentimentos por mim. Eles não quiseram
mencionar Lucy na sua frente porque acharam que você ficaria... — e expira com firmeza
— desapontada.
O quê? Isto é alguma espécie de piada? Nunca fiquei mais pasma em toda a minha
vida. Por alguns segundos eu nem posso me mexer de espanto.
— Meus sentimentos por você? — gaguejo finalmente. — Está brincando?
— Olha, é bem óbvio — diz ele, encolhendo os ombros. — Meus pais me disseram
como outro dia você ficou perguntando como eu estava e tudo sobre minha casa... —
Vejo piedade em seu olhar. Ah, meu Deus, não posso agüentar isto. Como ele pode
achar... — Eu realmente gosto de você, Becky — acrescenta ele. — Eu só não...
— Eu estava sendo educada! — começo a gritar. — Eu não gosto de você!
— Olha — diz ele. — Vamos deixar as coisas assim, está bem?
— Mas eu não gosto! — grito furiosa. — Eu nunca gostei de você! Foi por isto que eu
não saí com você quando me convidou! Quando estávamos com dezesseis nos, lembrase?
Termino e olho para ele triunfante — para ver que seu rosto nõ mudou nada. Ele não
está ouvindo. Ou, se está, pensa que o fato de eu ter trazido nosso passado de adolescente
significa que tenho idéia fixa nele. E quanto mais eu defender minha posição, mais
obcecada ele vai achar que estou. Ah, Deus, isto é horrível.
— Tudo bem — digo, procurando juntar o que restou da minha dignidade. — Tudo
bem, obviamente não estamos conseguindo nos comunicar direito, então vou deixá-los.
— Dou um olhar para Lucy, que está diante de uma vitrine e obviamente finge não estar
ouvindo. — Sinceramente, não estou atrás do seu namoro — gritou. — E nunca estive.
Até logo.
E me afasto pela rua, com um sorriso blasé pregado com dificuldades no rosto.
Quando viro a esquina, no entanto,o sorriso aos poucos se esvai,e caio sentada num
banco. Sem querer, sinto-me humilhada. Claro, a coisa tola é de fazer rir. Aquele Tom
Webster pensar que estou apaixonada por ele. Mas é feito pra mim. Quem mandou ser
educada demais com meus pais e aparentar interesse nos malditos armários de carvalho.
Da próxima vez vou bocejar alto ou me afastar. Ou produzir um namorado meu. Isto
calaria a boca deles todos, não é? E de qualquer modo, quem se importa com o que eles
pensam?
Sei tudo isto. Sei que não deveria me importar nem um pouco com o que Tom Webster
ou sua namorada pensam. Mas ainda assim... devo admitir, me sinto um pouco pra baixo.
Por que não tenho um namorado? Nem há ninguém de quem eu goste no momento. O
último namorado sério que tive foi Robert Hayman e nos separamos três messes atrás. E
eu nem gostava muito dele. Ele me chamava de “amor” e de brincadeirinha colocava suas
mãos sobre meus olhos durante as partes as partes mais pesadas dos filmes. Mesmo
quando eu lhe disse para não fazer nada isso, ele ainda continuou fazendo. Eu ficava uma
fera. Só de lembrar fico tensa e irritada.
Pelo menos era um namorado, não era? Era alguém para telefonar durante o
expediente, com quem ir a festas e que me servia de proteção contra homens feios.
Talvez eu não devesse ter-lhe dado um fora. Talvez ele fosse razoável.
Dou um suspiro forte, levanto e começo a andar pela rua de novo. No fim das contas,
foi um grande dia. Perdi um emprego e fui tratada com superioridade por Tom Webster.
E agora não tenho nada pra fazer hoje à noite. Pensei que estaria morta de trabalhar o dia
todo, por isso não me preocupei em planejar nada
Mesmo assim, pelo menos tenho 20 libras.
Vinte libras. Comprei um bom cappuccino e um brownie de chocolate. E umas duas
revistas.
E talvez alguma coisa da Accessorize. Ou umas botas. Na realidade preciso de botas
novas e vi umas lindas na Hobbs com bico quadrado e salto não muito alto. Irei lá depois
do meu café e darei uma olhada nos vestidos também. Deus, mereço umas meias novas
para trabalhar e de uma lixa de unhas. E talvez um livro para ler no metrô...
Quando entro na fila do Starbucks, já me sinto mais feliz.

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