sexta-feira, 11 de março de 2011

Harry Potter e a Pedra Filosofal - Capítulos 7 e 8

CAPÍTULO SETE
O Chapéu Seletor

A porta abriu-se de chofre. E apareceu uma bruxa alta de cabelos negros
e veste verde-esmeralda. Tinha o rosto muito severo e o primeiro pensamento de
Harry foi que era uma pessoa a quem não se devia aborrecer.
— Alunos do primeiro ano, Professora Minerva McConagall — informou
Hagrid.
— Obrigada Hagrid. Eu cuido deles daqui em diante.
Ela escancarou a porta. O saguão era tão grande que teria cabido à casa
dos Dursley inteira dentro. As paredes de pedra estavam iluminadas com archotes
flamejantes como os de Gringotes, o teto era alto demais para se ver, e um a um
subiram a imponente escada de mármore em frente que levava aos andares
superiores.
Eles acompanharam a Professora Minerva pelo piso de lajotas de pedra.
Harry ouviu o murmúrio de centenas de vozes que vinham de uma porta á direita,
o restante da escola já devia estar reunido.
Mas a Professora Minerva levou os alunos da primeira série a uma
sala vazia ao lado do saguão. Eles se agruparam lá dentro, um pouco mais
apertados do que o normal, olhando, nervosos, para os lados.
— Bem-vindos a Hogwarts — disse a Professora Minerva. — O banquete
de abertura do ano letivo vai começar daqui a pouco, mas antes de se sentarem
às mesas, vocês serão selecionados por casas. A seleção é uma cerimônia muito
importante porque, enquanto estiverem aqui sua casa será uma espécie de família
em Hogwarts. Vocês assistirão a aulas com o restante dos alunos de sua casa,
dormirão no dormitório da casa e passarão o tempo livre na sala comunal. As
quatro casas chamam-se Grifinória, Lufa-Lufa, Cornival e Sonserina. Cada casa
tem sua história honrosa e cada uma produziu bruxas e bruxos extraordinários.
Enquanto estiverem em Hogwarts os seus acertos renderão pontos para sua casa,
enquanto os erros a farão perder. No fim do ano, a casa com o maior numero de
pontos receberá a Taça da Casa, uma grande honra. Espero que cada um de
vocês seja motivo de orgulho para a casa a qual vier a pertencer. A Cerimônia de
Seleção vai se realizar dentro de alguns minutos na presença de toda a escola.
Sugiro que vocês se arrumem o melhor que puderem enquanto esperam.
O olhar dela se demorou por um instante na capa de Neville, que estava
afivelada debaixo da orelha esquerda, e no nariz sujo de Rony, Harry nervoso,
tentou achatar os cabelos.
— Voltarei quando estivermos prontos para receber vocês — disse a
Professora Minerva. — Por favor, aguardem em silêncio.
E se retirou da sala. Harry engoliu em seco.
— Mas como é que eles selecionam a gente para as casas? — Harry
perguntou a Rony.
— Devem fazer uma espécie de teste, acho. Fred diz que dói à cabeça,
mas acho que estava brincando.
O coração de Harry deu um pulo terrível. Um teste? Na frente da escola
toda? Mas ele ainda nem conhecia mágica nenhuma, que diabo teria que fazer?
Não previra nada do gênero assim logo na chegada. Olhou à volta, ansioso, e viu
que os outros também pareciam apavorados. Ninguém falava muito a não ser
Hermione, que cochichava muito depressa todos os feitiços que aprendera, sem
saber o que precisaria mostrar. Harry fez força para não escutar o que ela dizia.
Nunca se sentira tão nervoso, nunca, nem mesmo quando tivera que levar um
boletim escolar para os Dursley dizendo que, não sabiam como, ele fizera a
peruca do professor ficar azul. Ele manteve os olhos grudados na porta.
A qualquer segundo agora a Professora Minerva voltaria e o conduziria ao seu
triste fim.
Então aconteceu uma coisa que o fez pular bem uns trinta centímetros no
ar, várias pessoas atrás dele gritaram.
— Que di...
Ele ofegou. E as pessoas à sua volta também. Uns vinte fantasmas
passaram pela parede dos fundos. Brancos-pérola e ligeiramente transparentes,
eles deslizaram pela sala conversando e entre si, mal vendo os alunos do primeiro
ano. Pareciam estar discutindo. O que lembrava um fradinho gorducho ia dizendo:
— Perdoar e esquecer eu diria, vamos dar a ele uma segunda chance...
— Meu caro Frei, já não demos a Pirraça todas as chances que ele
merecia? Ele mancha a nossa reputação e, você sabe, ele nem ao menos é um
fantasma. Nossa, o que é que essa garotada está fazendo aqui?
Um fantasma, que usava uma gola de rufos engomados e meiões, de
repente reparou nos alunos do primeiro ano.
Ninguém respondeu.
— Alunos novos! — disse o frei Gorducho, sorrindo para eles.
— Estão esperando para ser selecionados, imagino?
Alguns garotos confirmaram com a cabeça, mudos.
— Espero ver vocês na Lufa-Lufa! — falou o frei. — A minha casa antiga,
sabe?
— Vamos andando agora — disse uma voz enérgica. — A Cerimônia de
Seleção vai começar.
A Professora Minerva voltara e um a um os fantasmas saíram voando pela
parede oposta.
— Agora façam fila e me sigam.
Sentindo-se pouco à vontade como se suas pernas tivessem virado
chumbo, Harry entrou na fila atrás de um garoto de cabelos cor de palha e na
frente de Rony, e todos saíram da sala, tornaram a atravessar o saguão e as
portas duplas que levavam ao Grande Salão.
Harry jamais imaginara um lugar tão diferente e esplêndido era iluminado
por milhares de velas que flutuavam no ar sobre quatro mesas compridas, onde os
demais estudantes já se encontravam sentados. As mesas estavam postas com
pratos e taças douradas. No outro extremo do salão havia mais uma
mesa comprida em que se sentavam os professores. A Professora Minerva levou
os alunos de primeiro ano até ali, de modo que eles pararam enfileirados diante
dos outros, tendo os professores às suas costas.
As centenas de rostos que os contemplavam pareciam lanternas fracas à
luz trêmula das velas. Misturados aqui e ali aos estudantes, os fantasmas
brilhavam como prata envolta em névoa.
Principalmente para evitar os olhares fixos neles, Harry olhou para cima e
viu um teto aveludado e negro salpicado de estrelas. Ouviu Hermione cochichar:
— É enfeitiçado para parecer o céu lá fora li em Hogwarts, uma história.
Era difícil acreditar que havia um teto ali e que o Salão Principal
simplesmente não se abria para o infinito.
Harry baixou depressa os olhos quando a Professora Minerva
silenciosamente colocou um banquinho de quatro pernas diante dos alunos do
primeiro ano. Em cima do banquinho ela pôs um chapéu pontudo de bruxo. O
chapéu era remendado esfiapado e sujíssimo. Tia Petúnia não teria permitido que
um objeto nessas condições entrasse em casa.
Talvez tivessem que tentar tirar um coelho de dentro dele, Harry pensou
delirando, parecia apropriado, reparando que todos no salão agora olhavam para
o chapéu, ele olhou também. Por alguns segundos fez-se um silêncio total. Então
o chapéu se mexeu. Um rasgo junto à aba se abriu como uma boca e o
chapéu começou a cantar:

Ah, você podem me achar pouco atraente,
Mas não me julguem só pela aparência
Engulo a mim mesmo se puderem encontrar
Um chapéu mais inteligente do que o papai aqui.
Podem guardar seus chapéus-coco bem pretos,
Suas cartolas altas de cetim brilhoso
Porque sou o Chapéu Seletor de Hogwarts.
E dou de dez a zero em qualquer outro chapéu.
Não há nada escondido em sua cabeça
Que o Chapéu Seletor não consiga ver,
Por isso é só me porem na cabeça que vou dizer
Em que casa de Hogwarts deverão ficar
Quem sabe sua morada é a Grifinória,
Casa onde habitam os corações indômitos.
Ousadia e sangue-frio e nobreza
Destacam os alunos da Grifinória dos demais,
Quem sabe é na Lufa-Lufa que você vai morar,
Onde seus moradores são justos e leais
Pacientes, sinceros, sem medo da dor,
Ou será a velha e sábia Corvinal
A casa dos que têm a mente sempre alerta,
Onde os homens de grande espírito e saber
Sempre encontrarão companheiros seus iguais,
Ou quem sabe a Sonserina será a sua casa
E ali estejam seus verdadeiros amigos,
Homens de astúcia que usam quaisquer meios
Para atingir os fins que antes colimaram.
Vamos, me experimentem! Não devem temer!
Nem se atrapalhar! Estarão em boas mãos!
(Mesmo que os chapéus não tenham pés nem mãos)
Porque sou único, sou um Chapéu Pensador!

O salão inteiro prorrompeu em aplausos quando o chapéu acabou de
cantar. Ele fez uma reverência para cada uma das quatro mesas e em seguida
ficou muito quieto outra vez.
— Então só precisamos experimentar o chapéu! — cochichou Rony a
Harry.— Vou matar o Fred, ele não parou de falar numa luta contra um trasgo.
Harry deu um sorriso sem graça. É, experimentar um chapéu era bem
melhor do que precisar fazer um feitiço, mas desejou que pudessem ter
experimentado o chapéu sem toda aquela gente olhando. O chapéu parecia estar
pedindo muito, Harry não se sentia corajoso nem inteligente nem qualquer outra
coisa naquele momento. Se ao menos o chapéu tivesse mencionado uma
casa para gente que se sentia meio nervosa, quem sabe teria sido a sua casa.
A Professora Minerva então se adiantou segurando um longo rolo de
pergaminho.
— Quando eu chamar seus nomes, vocês porão o chapéu e se sentarão
no banquinho para a seleção. Ana Abbott!
Uma garota de rosto rosado e marias-chiquinhas louras saiu aos tropeços
da fila, pôs o chapéu, que lhe afundou direto até os olhos, e se sentou. Uma pausa
momentânea...
— LUFA-LUFA! — anunciou o chapéu.
A mesa à direita deu vivas e bateu palmas quando Ana foi se sentar à
mesa da Lufa-Lufa. Harry viu o fantasma do fradinho Gorducho acenar
alegremente para ela.
— Susana Bones!
— LUFA-LUFA! — anunciou o chapéu outra vez, e Susana saiu depressa
e foi se sentar ao lado de Ana.
— Teo Boor!
— CORVINAL!
Desta vez foi a segunda mesa à esquerda que aplaudiu, vários alunos da
Corvinal se levantaram para apertar a mão de Teo quando o menino se reuniu a
eles.
Mádi Brocklehurst foi para a Corvinal também, mas Lilá Brown foi a
primeira a ser escolhida para a Grifinória e a mesa na extrema esquerda explodiu
em vivas, Harry viu os irmãos gêmeos de Rony assobiarem.
Mila Bulstrode se tornou uma Sonserina. Talvez fosse a imaginação de
Harry, mas depois de tudo que ouvira sobre a Sonserina, achou que eles
formavam um grupo de aparência desagradável.
Estava começando a se sentir decididamente mal agora.
Lembrou-se da seleção para os times, nas aulas de esporte de sua velha
escola. Sempre fora o último a ser escolhido, não porque não fosse bom, mas
porque ninguém queria que Duda pensasse que gostavam dele.
— Justino Finch-Fletchlev!
— LUFA-LUFA!
Às vezes, Harry reparou, o chapéu anunciava logo o nome da casa, mas
outras levava um tempo para se decidir.
Simas Finnigan, o menino de cabelos cor de palha ao lado de Harry na
fila, passou sentado no banquinho quase um minuto, antes de o chapéu anunciar
que iria para a Grifinória.
— Hermione Granger!
Hermione saiu quase correndo até o banquinho e enfiou o chapéu,
ansiosa.
— GRIFINÓRIA! — anunciou o chapéu. Rony gemeu.
Um pensamento horrível ocorreu a Harry, como fazem os pensamentos
horríveis quando a pessoa está nervosa. E se ele não fosse escolhido? E se
ficasse ali sentado com o chapéu na cabeça cobrindo seus olhos durante um
tempão, até a Professora Minerva arrancá-lo de sua cabeça e dizer que
obviamente houvera um engano e era melhor ele pegar trem de volta?
Quando Neville Longbottom, o menino que não parava de perder o sapo,
foi chamado, levou um tombo a caminho do banquinho. O chapéu demorou muito
tempo para se decidir sobre Neville. Quando finalmente anunciou "GRIFINÓRIA",
Neville saiu correndo com o chapéu na cabeça, e teve de voltar em meio a uma
avalanche de risadas para entregá-lo a Morag MacDougal.
Malfoy se adiantou, gingando, quando chamaram seu nome e teve seu
desejo realizado imediatamente, o chapéu mal tocara sua cabeça quando
anunciou:
— SONSERINA!
Faltava pouca gente agora.
Moon..., Nott..., Parkinson..., depois duas gêmeas, Patil e Patil..., depois
Perks, Sara... E então, finalmente...
— Harry Potter!
Quando Harry se adiantou, correu um burburinho por todo o salão como
um fogo de rastilho.
— Potter, foi o que ela disse?
— O Harry Potter?
A última coisa que Harry viu antes de o chapéu lhe cair sobre os olhos foi
um salão cheio de gente se espichando para lhe dar uma boa olhada. Em seguida
só viu a escuridão dentro do chapéu.
— Difícil. Muito difícil. Bastante coragem vejo. Uma mente nada má. Há
talento, há, minha nossa, uma sede razoável de se provar. Ora isso é
interessante... Então onde vou colocá-lo?
Harry apertou as bordas do banquinho e pensou "Sonserina não,
Sonserina, não".
— Sonserina não, hein? — disse a vozinha. — Tem certeza? Você
poderia ser grande, sabe, está tudo aqui na sua cabeça, e a Sonserina lhe
ajudaria a alcançar essa grandeza, sem dúvida nenhuma, não? Bem, se você tem
certeza, ficará melhor na GRIFINÓRIA!
Harry ouviu o chapéu anunciar a última palavra para todo o salão. Tirou o
chapéu e se encaminhou trêmulo para a mesa de Grifinória. Sentia tanto alívio por
ter sido selecionado e ter escapado de Sonserina, que nem reparou que estava
recebendo a maior ovação da cerimônia. Percy, o Monitor, se levantou e apertou
sua mão com energia, enquanto os gêmeos Weasley gritavam "Ganhamos Potter!
Ganhamos Potter!" Harry sentou-se defronte do fantasma com a gola de rufos que
vira antes da cerimônia. O fantasma lhe deu uma palmadinha no
braço, produzindo em Harry a sensação horrível e repentina de que acabara de
mergulhar num balde de água gelada.
Agora ele via bem a Mesa Principal. Na extremidade mais próxima
sentava-se Rúbeo Hagrid, cujo olhar encontrou o seu e lhe fez um sinal de
aprovação. Harry retribuiu o seu sorriso. E ali, no centro da Mesa Principal, em um
cadeirão dourado, encontrava-se Alvo Dumbledore. Harry o
reconheceu imediatamente pela figurinha que tirara no sapo de
chocolate comprado no trem. Os cabelos prateados de Dumbledore eram a única
coisa no salão inteiro que brilhava tanto quanto os fantasmas. Harry viu o
Professor Quirrell também, o rapaz nervoso do Caldeirão Furado. Parecia muito
extravagante num grande turbante púrpura.
E agora só faltavam três pessoas para serem selecionadas. Lisa Turpin
virou uma Corvinal e depois foi a vez de Rony. A essa altura ele estava brancoesverdeado.
Harry cruzou os dedos sob a mesa para dar sorte e um segundo
depois o chapéu anunciou GRIFINÓRIA!
Harry bateu palmas bem alto como os demais quando Rony se largou
numa cadeira a seu lado.
— Muito bem, Rony excelente — disse Percy Weasley pomposamente por
cima de Harry na mesma hora em que Blás Zabini era mandado para a Sonserina.
A Professora Minerva enrolou o pergaminho e recolheu o Chapéu Seletor.
Harry baixou os olhos para o prato dourado e vazio diante dele.
Acabara de perceber como estava faminto. As tortinhas de
abóbora pareciam ter sido comidas havia anos.
Alvo Dumbledore se levantara. Sorria radiante para os estudantes, os
braços bem abertos, como se nada no mundo pudesse ter-lhe agradado mais do
que vê-los todos reunidos ali.
— Sejam bem-vindos! — disse. — Sejam bem-vindos para um novo ano
em Hogwarts! Antes de começarmos nosso banquete, eu gostaria de dizer umas
palavrinhas: Pateta! Chorão! Desbocado! Beliscão! Obrigado.
E sentou-se. Todos bateram palmas e deram vivas. Harry não sabia se ria
ou não.
— Ele é... Um pouquinho maluco? — perguntou incerto, a Percy.
— Maluco? — disse Percy despreocupado. — ele é um gênio! O melhor
bruxo do mundo! Mas é um pouquinho maluco, sim.
— Batatas, Harry?
O queixo de Harry caiu. Os pratos diante dele agora estavam cheios de
comida. Ele nunca vira tantas coisas que gostava de comer em uma mesa só:
rosbife, galinha assada, costeletas de porco e de carneiro, pudim de carne,
ervilhas, cenouras, molho, ketchup e, por alguma estranha razão, docinhos de
hortelã.
Não é que os Dursley tivessem deixado Harry com fome, mas nunca lhe
permitiram comer tanto quanto quisesse. Duda sempre tirava tudo que Harry
realmente queria, mesmo que acabasse doente. Harry encheu o prato com um
pouco de cada coisa exceto os docinhos e começou a comer. Estava tudo uma
delícia.
— Isto está com uma cara ótima — disse o fantasma de gola de rufos
observando, tristemente, Harry cortar o rosbife.
— O senhor não pode...?
— Não como há quase quatrocentos anos — explicou o fantasma. — Não
preciso, é claro, mas a pessoa sente falta. Acho que ainda não me apresentei?
Cavalheiro Nicholas de Mimsy-Porpington às suas ordens. Fantasma residente da
torre da Grinfinória.
— Eu sei quem o senhor é! — disse Rony inesperadamente. —
Meus irmãos me falaram do senhor. O senhor é, o Nick Quase Sem Cabeça.
— Eu prefiro que você me chame de cavalheiro Nicholas de Mimsy. O
fantasma começou muito formal, mas o louro Simas Finnigan o interrompeu.
— Quase Sem Cabeça? Como é que alguém pode ser quase
sem cabeça?
Sir Nicholas parecia muitíssimo aborrecido, como se aquela conversinha
não estivesse tomando o rumo que ele queria.
— Assim — disse com irritação. E agarrou a orelha esquerda e puxou. A
cabeça toda girou para fora do pescoço e caiu por cima do ombro como se
estivesse presa por uma dobradiça. Era óbvio que alguém tentara decapitá-lo,
mas não fizera o serviço direito.
Satisfeito com a cara de espanto dos garotos, Nick Quase Sem Cabeça
empurrou a cabeça de volta ao pescoço, tossiu e disse:
— Então, novos moradores da Grifinória! Espero que nos ajudem a ganhar
o campeonato das casas este ano! Grifinória nunca passou tanto tempo sem
ganhar a taça. Sonserina tem ganhado nos últimos seis anos! O barão Sangrento
está ficando quase insuportável. Ele é o fantasma da Sonserina.
Harry deu uma olhada na mesa de Sonserina e viu um fantasma horroroso
sentado lá, os olhos vidrados, uma cara muito magra e vestes sujas de sangue
prateado. Estava ao lado de Malfoy, que, Harry ficou contente de ver, não parecia
muito satisfeito com a distribuição dos lugares.
— Como foi que ele ficou coberto de sangue? — perguntou Simas muito
interessado.
— Nunca perguntei — respondeu Nick Quase Sem
Cabeça, educadamente.
Depois que todos comeram tudo o que podiam, as sobras desapareceram
dos pratos deixando-os limpinhos como no início.
Logo depois surgiram as sobremesas. Tijolos de sorvete de todos os
sabores que se possa imaginar, tortas de maças, tortinhas de caramelo, bombas
de chocolate, roscas fritas com geléia, bolos de frutas com calda de vinho,
morangos, gelatinas pudim de arroz...
Quando Harry se serviu das tortinhas de caramelo, a conversa se voltou
para as famílias.
— Eu sou meio a meio — disse Simas. — Papai é trouxa. Mamãe não
contou a ele que era bruxa até depois de casarem. Teve um choque horrível. Os
outros riram.
— E você, Neville? — perguntou Rony.
— Bom, minha avó me criou e ela é bruxa, mas a família achou durante
anos que eu era completamente trouxa. Meu tio-avô Algi vivia tentando me pegar
desprevenido e me forçar a recorrer à magia. Ele me empurrou pela borda de um
cais uma vez, eu quase me afoguei. Mas nada aconteceu até eu completar oito
anos. Meu tio Algi veio tomar chá conosco e tinha me pendurado
pelos calcanhares para fora de uma janela do primeiro andar, quando a minha tiaavó
Enid lhe ofereceu um merengue e ele sem querer me deixou cair. Mas eu
desci flutuando até o jardim e a estrada. Todos ficaram realmente satisfeitos.
Minha avó chorou de tanta felicidade. E vocês deviam ter visto a cara deles
quando entrei para Hogwarts. Achavam que eu não era bastante mágico
para entrar, entendem. Meu tio Algi ficou tão contente que me comprou um sapo.
Do outro lado de Harry, Percy e Hermione conversavam sobre as aulas.
— Espero que elas comecem logo, tem tanta coisa para a gente aprender,
estou muito interessada em Transfiguração, sabe, transformar uma coisa em
outra, claro, dizem que é muito difícil, a pessoa começa aos poucos, fósforos em
agulhas e coisas pequenas assim.
Harry, que estava começando a se sentir aquecido e cheio de sono, olhou
outra vez para a Mesa Principal. Hagrid tomava um grande gole de sua taça. A
Professora Minerva conversava com o Professor Dumbledore. O Professor
Quirrell, com aquele turbante ridículo, conversava com um professor de cabelos
negros e oleosos, nariz de gancho e pele macilenta.
Aconteceu muito de repente. O olhar do professor de nariz de gancho
passou pelo turbante de Quirrell e se fixou nos olhos de Harry, e uma pontada
aguda e quente correu pela testa de Harry.
— Ai! — Harry levou a mão à testa.
— Que foi? — perguntou Percy.
— N-nada.
A dor se foi com a mesma rapidez com que viera. Mais difícil foi se livrar
da sensação que Harry teve sob o olhar do professor. Uma sensação de que ele
não gostava nada de Harry.
— Quem é aquele professor que está conversando com o Professor
Quirrell? — perguntou a Percy.
— Ah, você já conhece Quirrell é? Não admira que ele pareça tão
nervoso, aquele é o Professor Snape. Ele ensina Poções, mas não é o que ele
queria. Todo o mundo sabe que está cobiçando o cargo de Quirrell. Conhece um
bocado as Artes das Trevas, o Snape.
Harry observou o professor por algum tempo, mas Snape não voltou a
olhar em sua direção.
Finalmente, as sobremesas também desapareceram, e o Profofessor
Dumbledore ficou de pé mais uma vez. O salão silenciou.
— Hum... Só mais umas palavrinhas agora que já comemos e bebemos.
Tenho alguns avisos de início de ano letivo para vocês. Os alunos do primeiro ano
devem observar que é proibido andar na floresta da propriedade. E alguns dos
nossos estudantes mais antigos fariam bem em se lembrar dessa proibição.
Os olhos cintilantes de Dumbledore faiscaram na direção dos gêmeos
Weasley.
— O Sr. Filch o zelador, me pediu para lembrar a todos que não devem
fazer mágicas no corredor durante os intervalos das aulas. Os testes de Quadribol
serão realizados na segunda semana de aulas. Quem estiver interessado em
entrar para o time de sua casa deverá procurar Madame Hooch. E, por último, é
preciso avisar que, este ano, o corredor do terceiro andar do lado direito
está proibido a todos que não quiserem ter uma morte muito dolorosa.
Harry riu, mas foi um dos poucos que fez isso.
— Ele não está falando sério! — cochichou a Percy.
— Deve estar — respondeu Percy franzindo a testa para Dumbledore. —
E estranho porque em geral ele sempre nos diz a razão porque somos proibidos
de ir a algum lugar A floresta está cheia de animais selvagens, todo o mundo sabe
disso. Acho que poderia ter dito aos monitores, pelo menos.
— E agora, antes de irmos para a cama, vamos cantar o hino da escola!
— exclamou Dumbledore. Harry reparou que os sorrisos dos outros professores
tinham amarelado.
Dumbledore fez um pequeno aceno com a varinha como se estivesse
tentando espantar uma mosca na ponta e surgiu no ar uma longa fita dourada, que
esvoaçou para o alto das mesas e se enroscou como uma serpente formando
palavras.
— Cada um escolha sua música preferida — convidou Dumbledore — e lá
vamos nós!
E a escola entoou em altos brados:

Hogwarts, Hogwarts, Hogwarts, Hogwarts,
Nos ensine algo por favor,
Quer sejamos velhos e calvos
Quer moços de pernas raladas,
Temos às cabeças precisadas
De idéias interessantes.
Pois estão ocas e cheias de ar,
Moscas mortas e fios de cotão.
Nos ensine o que vale a pena.
Faça o melhor, faremos o resto,
Estudaremos até o cérebro se desmanchar.

Todos terminaram a música em tempos diferentes. E por fim só restaram
os gêmeos Weasley cantando sozinhos, ao som de uma lenta marcha fúnebre.
Dumbledore regeu os últimos versos com sua varinha e, quando eles terminaram,
foi um dos que aplaudiram mais alto.
— Ah, a música — disse secando os olhos. — Uma mágica
que transcende todas que trazemos aqui! E agora hora de dormir.
— Andando!
Os novos alunos de Grifinória seguiram Percy por entre os grupos que
conversavam, saíram do salão principal e subiram a escadaria de mármore. As
pernas de Harry pareceram chumbo outra vez, mas só porque estava muito
cansado e saciado. Estava cansado demais até para se surpreender que as
pessoas nos retratos ao longo dos corredores murmurassem e apontassem
quando eles passavam, ou que duas vezes Percy os tivesse conduzido por portais
escondidos atrás de painéis corrediços e tapeçarias penduradas. Subiram outras
tantas escadas bocejando e arrastando os pés, e Harry começou a se perguntar
quanto ainda faltava para chegar quando de repente pararam.
Um feixe de bengalas flutuava no ar à frente deles, e quando Percy
avançou um passo em sua direção, começaram a assaltá-lo.
— Pirraça — cochichou Percy para os alunos do primeiro ano. — Um
Poltergeist. — E falou em voz alta — Pirraça, calma.
Um som alto e grosseiro, como o ar escapando de um balão respondeu.
— Quer que eu vá procurar o barão Sangrento?
Ouviram um estalo e um homenzinho com olhos escuros e maus e a boca
escancarada apareceu, flutuando de pernas cruzadas no ar, segurando as
bengalas.
— Oooooooooh! — disse com uma risada malvada. — Calourinhos! Que
divertido!
E mergulhou repentinamente contra eles. Todos se abaixaram.
— Vá embora, Pirraça, ou vou contar ao barão, e estou falando sério! —
ameaçou Percy.
Pirraça estirou a língua e desapareceu, largando as bengalas na cabeça
de Neville. Eles o ouviram partir zunindo, fazendo retinir os escudos de metal ao
passar.
— Vocês tenham cuidado como Pirraça — recomendou Percy, quando
retomaram a caminhada. — O barão Sangrento é o único que consegue controlálo,
ele não dá confiança aos monitores. Chegamos.
No finzinho do corredor havia um retrato de uma mulher muito gorda
vestida de rosa.
— Senha? — pediu ela.
— Cabeça de Dragão — disse Percy e o retrato se inclinou para frente
revelando um buraco redondo na parede. Todos passaram pelo buraco. Neville
precisou de um calço. E se viram na sala comunal da Grifinória, um aposento
redondo cheio de poltronas fofas.
Percy indicou às garotas a porta do seu dormitório e, aos meninos, a porta
do deles. No alto de uma escada em caracol era óbvio que estavam em uma das
torres encontraram finalmente suas camas, cinco camas com reposteiros de
veludo vermelho-escuro.
As malas já haviam sido trazidas. Cansados demais para falar muito, eles
enfiaram os pijamas e caíram na cama.
— Comida de primeira, não foi? — comentou Rony para Harry pelos
reposteiros. — Se manda, Perebas! Ele está roendo os meus lençóis.
Harry ia perguntar a Rony se ele provara as tortinhas de caramelo, mas
adormeceu quase imediatamente.
Talvez Harry tivesse comido demais, porque teve um sonho muito
estranho. Estava usando o turbante do Professor Quirrell, que não parava de
conversar com ele, dizendo que devia se mudar para Sonserina imediatamente,
porque era seu destino. Harry disse ao turbante que não queria ir para Sonserina,
o turbante foi ficando cada vez mais pesado, Harry tentou tirá-lo, mas ele começou
a apertar sua cabeça até doer e aí Malfoy apareceu, rindo do esforço dele. Depois
Malfoy se transformou no professor de nariz de gancho, Snape, cuja gargalhada
ecoou alta e fria, houve um clarão verde e Harry acordou, suado e trêmulo.
Mudou de posição e voltou a dormir, e quando acordou no dia seguinte,
nem se lembrou que tinha sonhado.

CAPÍTULO OITO
O Mestre das Poções

— Ali, olha.
— Onde?
— Ao lado do garoto alto de cabelos vermelhos.
— De óculos?
— Você viu a cara dele?
— Você viu a cicatriz?
Os murmúrios acompanharam Harry desde a hora em que ele saiu do
dormitório no dia seguinte. A garotada que fazia fila do lado de fora das salas de
aula ficava nas pontas dos pés para dar uma espiada, ou ia e vinha nos
corredores para vê-lo duas vezes.
Harry desejou que não fizessem isso, porque estava tentando
se concentrar para encontrar o caminho para suas aulas.
Havia cento e quarenta e duas escadas em Hogwarts largas
e imponentes, estreitas e precárias, umas que levavam a um lugar diferente às
sextas-feiras, outras com um degrau no meio que desaparecia e a pessoa tinha
que se lembrar de saltar por cima.
Além disso, havia portas que não abriam a não ser que a pessoa pedisse,
por favor, ou fizesse cócegas nelas no lugar certo e portas que não eram bem
portas, mas paredes sólidas que fingiam ser portas. Era também muito difícil
lembrar onde ficavam as coisas, porque tudo parecia mudar freqüentemente de
lugar. As pessoas nos retratos saíam para se visitar e Harry tinha certeza de que
os brasões andavam.
Os fantasmas também não ajudavam nada. Era sempre um choque
horrível quando um deles atravessava de repente uma porta que a pessoa estava
querendo abrir. Nick Quase Sem Cabeça ficava sempre feliz de apontar a direção
certa para os alunos de Grifinória, mas Pirraça, o Poltergeist, representava duas
portas fechadas e uma escada falsa se a pessoa o encontrasse quando estava
atrasada para uma aula. Ele despejava cestas de papéis na cabeça das pessoas,
puxava os tapetes de baixo de seus pés, acertava-as com pedacinhos de giz ou
vinha sorrateiro por trás, invisível, e agarrava-as pelo nariz e guinchava: "PEGUEIA
PELA BICANA!” Pior que o Poliergest, se é que era possível, era o
zelador, Argos Filch. Harry e Rony conseguiram conquistar sua má vontade logo
na primeira manhã, Filch encontrou-os tentando forçar caminho por uma porta
que, por azar, era a entrada para o corredor proibido no terceiro andar. Ele não
quis acreditar que estavam perdidos, pois tinha certeza de que estavam
tentando arrombá-la de propósito e ameaçava trancá-los nas masmorras, quando
foram salvos pelo Professor Quirrell, que ia passando.
Filch tinha uma gata chamada Madame Nor-r-r-a, como quem ronrona, um
bicho magro, cor de poeira, com olhos saltados como lâmpadas, iguais aos de
Filch. Ela patrulhava os corredores sozinha, se alguém desobedecesse a uma
regra em sua presença, pusesse o dedão do pé fora da linha, ela corria a buscar
Filch, que aparecia, asmático, em dois segundos. Filch conhecia as
passagens secretas da escola melhor do que ninguém (exceto talvez os gêmeos
Weasley) e podia surgir de repente como um fantasma. Os estudantes a
detestavam e a ambição mais desejada de muitos era dar um bom pontapé em
Madame Nor-r-ra.
Além disso, quando a pessoa conseguia encontrar o caminho das salas,
havia as aulas em si. Mágica era muito mais do que sacudir a varinha e dizer meia
dúzia de palavras engraçadas, como Harry logo descobriu.
Tinham de estudar o céu da noite pelo telescópio toda quarta-feira à meianoite
e aprender os nomes das diferentes estrelas e os movimentos dos planetas.
Três vezes por semana iam para as estufas de plantas atrás do castelo para
estudar herbologia, com uma bruxa baixa e gorda chamada Professora Sprout,
com quem aprendiam como cuidar de todas as plantas e fungos estranhos
e descobriam para que eram usados.
Sem falar, a aula mais chata era a de História da Mágica, a única matéria
ensinada por um fantasma. O Professor Bins era realmente muito velho quando
adormeceu diante da lareira na sala dos professores e levantou na manhã
seguinte para dar aulas, deixando o corpo para trás. Binns falava sem parar
enquanto eles anotavam nomes e datas e acabavam confundindo Emerico, o Mau,
com Urico, o Esquisitão.
O Professor Flitwick, que ensinava Feitiços, era um bruxo miudinho que
tinha de subir numa pilha de livros para enxergar por cima da mesa. No começo
da primeira aula ele pegou a pauta e quando chegou ao nome de Harry soltou um
gritinho excitado e caiu da pilha, desaparecendo de vista.
Já a Professora Minerva era diferente. Harry estava certo quando pensou
que ela não era professora para aluno nenhum aborrecer, severa e inteligente, fez
um sermão no instante em que eles se sentaram para a primeira aula.
— A Transfiguração é uma das mágicas mais complexas e perigosas que
vão aprender em Hogwarts. Quem fizer bobagens na minha aula vai sair e não vai
voltar mais. Estão avisados. — Transformou, então, a mesa em porco e de volta
em mesa.
Todos ficaram muito impressionados e ansiosos para começar, mas logo
perceberam que não iam transformar os móveis em animais ainda por muito
tempo. Depois de fazerem anotações complicadas, receberam um fósforo e
começaram a tentar transformá-lo em agulha. No fim da aula, somente
Hermione Granger produzira algum efeito no fósforo, a Professora
Minerva mostrou a classe como o fósforo ficara todo prateado e pontiagudo e deu
um raro sorriso à aluna.
A matéria que todos estavam realmente aguardando com ansiedade era a
de Defesa Contra as Artes das Trevas, mas as aulas de Quirrell foram uma piada.
Sua sala cheirava fortemente a alho que todos diziam que era para espantar um
vampiro que ele encontrara na Romênia e temia que viesse atacá-lo a qualquer
dia.
Seu turbante contou ele, fora presente de um príncipe africano como
agradecimento por tê-lo livrado de um zumbi incômodo, mas os alunos não tinham
muita certeza se acreditavam na historia. Primeiro porque, quando Simas Finnigan
pediu ansioso para Quirrell contar como liquidara o zumbi, Quirrell ficou vermelho
e começou a falar do tempo, segundo porque eles repararam que havia um cheiro
engraçado em volta do turbante, e os gêmeos Weasley insistiam que devia estar
cheio de alho também, de modo que Quirrell estava protegido em qualquer lugar.
Harry se sentiu aliviado ao descobrir que não estava muito atrasado com
relação ao resto da turma. Muitos alunos tinham vindo de famílias de trouxas e,
como ele, não faziam idéia de que eram bruxas e bruxos. Havia tanto para
aprender que até gente como Rony não estava tão adiantada assim.
Sexta-feira foi um dia importante para Harry e Rony, Eles finalmente
conseguiram encontrar o caminho para o salão principal e tomar o café da manhã
sem se perder nem uma vez.
— O que temos hoje? — perguntou Harry a Rony enquanto punha açúcar
no mingau de aveia.
— Poções duplas com o pessoal da Sonserina. Snape é diretor
da Sonserina. Dizem que sempre os protege. Vamos ver se é verdade.
— Gostaria que Minerva nos protegesse. — A Professora Minerva
era diretora da Grifinória, mas isso não a impedira de dar aos seus alunos uma
montanha de dever de casa no dia anterior.
Naquele instante chegou o correio. Harry agora já se acostumara com
isso, mas levara um susto na primeira manhã quando centenas de corujas
entraram de repente no salão principal durante o café da manhã, circulando as
mesas até verem seus donos e deixarem cair as cartas e pacotes no colo deles.
Edwiges não trouxera nada para Harry até então. Às vezes entrava para
beliscar sua orelha e comer um pedacinho de torrada antes de ir dormir no corujal
com as outras corujas da escola. Esta manhã, porém, ela esvoaçou entre a geléia
e o açucareiro e deixou cair um bilhete no prato de Harry. Ele o abriu
imediatamente.
“Prezado Harry — dizia, numa letra muito garranchosa. — Sei que tem as
tardes de sexta-feira livre, então será que não gostaria de vir tomar uma xícara de
chá comigo por volta das três horas? Quero saber como foi a sua primeira
semana. Mande-me uma resposta pela Edwiges... Hagrid”.
Harry pediu emprestada a pena de Rony e escreveu:
“Sim, gostaria, vejo você mais tarde” no verso do bilhete e despachou
Edwiges outra vez.
Foi uma sorte que Harry tivesse o convite de Hagrid com que se alegrar,
porque a aula de Poções foi a pior coisa que lhe acontecera até ali.
No início do banquete de abertura do ano letivo, Harry tivera a impressão
de que o Professor Snape não gostava dele. No final da primeira aula de Poções,
ele viu que se enganara. Não era bem que Snape não gostava de Harry — ele o
odiava.
A aula de Poções foi em uma das masmorras. Era mais frio ali do que na
parte social do castelo e teria dado arrepios mesmo sem os animais
embalsamados flutuando em frascos de vidro nas paredes à volta.
Snape, como Flitwick, começou a aula fazendo a chamada e, como
Flitwick, ele parou no nome de Harry..
— Ah, sim — disse baixinho. — Harry Potter. A nossa nova celebridade.
Draco Malfoy e seus amigos Crabbe e Goyle deram
risadinhas escondendo a boca com as mãos. Snape terminou a chamada
e encarou a classe. Seus olhos eram negros como os de Hagrid, mas não tinham
o calor dos de Hagrid. Eram frios e vazios e lembravam túneis escuros.
— Vocês estão aqui para aprender a ciência sutil e a arte exata do
preparo de poções — começou. Falava pouco acima de um sussurro, mas eles
não perderam nenhuma palavra. Como a Professora Minerva, Snape tinha o dom
de manter uma classe silenciosa sem esforço. — Como aqui não fazemos gestos
tolos, muitos de vocês podem pensar que isto não é mágica. Não espero que
vocês realmente entendam a beleza de um caldeirão cozinhando em fogo lento,
com a fumaça a tremeluzir, o delicado poder dos líquidos que fluem pelas veias
humanas e enfeitiçam a mente, confundem os sentidos... Posso ensinar-lhes a
engarrafar fama, a cozinhar glórias, até a zumbificar se não forem o bando de
cabeças-ocas que geralmente me mandam ensinar.
Mais silêncio seguiu-se a esse pequeno discurso. Harry e Rony se
entreolharam com as sobrancelhas erguidas Hermione Granger estava sentada na
beiradinha da carteira e parecia desesperada para começar a provar que não era
uma cabeça-oca.
— Potter! — disse Snape de repente. — O que eu obteria se adicionasse
raiz de asfódelo em pó a uma infusão de losna?
“Raiz de quê em pó a um infusão do quê”? Harry olhou para Rony, que
parecia tão embatucado quanto ele, a mão de Hermione se ergueu no ar.
— Não sei não senhor — disse Harry.
A boca de Snape se contorceu num riso de desdém.
-Tsk, tsk, a fama pelo visto não é tudo.
E não deu atenção a mão de Hermione.
— Vamos tentar outra vez, Potter. Se eu lhe pedisse, onde você iria
buscar bezoar?
Hermione esticava sua mão no ar o mais alto que pôde sem se levantar da
carteira, mas Harry não tinha a menor idéia do que fosse bezoar. Tentou não olhar
para Malfoy, Crabbe e Goyle, que se sacudiam de tanto rir.
— Não sei não senhor.
— Achou que não precisava abrir os livros antes de vir, hein, Potter?
Harry fez força para continuar olhando diretamente para aqueles olhos
frios. Folheara os livros na casa dos Dursley, mas será que Snape esperava que
ele se lembrasse de tudo que vira em Mil ervas e fungos mágicos?
Snape continuava a desprezar a mão trêmula de Hermione.
— Qual é a diferença Potter, entre acônito licoctono e acônito lapelo?
Ao ouvir isso Hermione se levantou, a mão esquerda em direção ao teto
da masmorra.
— Não sei — disse Harry em voz baixa. — Mas acho que Hermione sabe,
porque o senhor não pergunta a ela?
Alguns garotos riram, os olhos de Harry encontraram os de Simas e este
deu uma piscadela. Snape, porem não gostou.
— Sente-se — disse com rispidez a Hermione. — Para sua
informação Potter, asfódelo e losna produzem uma poção para adormecer tão
forte que é conhecida como a Poção dos Mortos Vivos. O bezoar é uma pedra
tirada do estômago da cabra e pode salvá-lo da maioria dos venenos. Quanto aos
dois acônitos são plantas do mesmo gênero botânico. Então? Por que não estão
copiando o que estou dizendo?
Ouviu-se um ruído repentino de gente apanhando penas e pergaminhos. E
acima desse ruído a voz de Snape:
— E vou descontar um ponto da Grifinória por sua impertinência, Potter.
As coisas não melhoraram para os alunos da Grifinória na continuação da
aula de Poções. Snape separou-os aos pares e mandou-os misturar uma poção
simples para curar furúnculos.
Caminhava imponente com sua longa capa negra, observando-os pesar
urtigas secas e pilar presas de cobras, criticando quase todos, exceto Draco, de
quem parecia gostar. Tinha acabado de dizer a todos que olhassem a maneira
perfeita com que Draco cozinhara as lesmas quando um silvo alto e nuvens de
fumaça ocre e verde invadiram a masmorra. Neville conseguira derreter o
caldeirão de Simas transformando-o numa bolha retorcida e a poção dos
dois estava vazando pelo chão de pedra, fazendo furos nos sapatos dos garotos.
Em segundos, a classe toda estava trepada nos banquinhos enquanto Neville, que
se encharcara de poção quando o caldeirão derreteu, tinha os braços e as pernas
cobertos de furúnculos vermelhos que o faziam gemer de dor.
— Menino idiota! — vociferou Snape, limpando a poção derramada com
um aceno de sua varinha. — Suponho que tenham adicionado as cerdas de
porco-espinho antes de tirar o caldeirão do fogo?
Neville choramingou quando os furúnculos começaram a pipocar em seu
nariz.
— Levem-no para a ala do hospital — Snape ordenou a Simas.
Em seguida voltou-se zangado para Harry e Rony, que
estavam trabalhando ao lado de Neville.
— Você, Potter, por que não disse a ele para não adicionar as cerdas?
Achou que você pareceria melhor se ele errasse, não foi? Mais um ponto que você
perdeu para Grifinória.
A injustiça foi tão grande que Harry abriu a boca para argumentar, mas
Rony deu-lhe um pontapé por trás do caldeirão.
— Não force a barra — cochichou. — Ouvi dizer que Snape pode
ser muito indigesto.
Quando subiam as escadas para sair da masmorra uma hora depois, os
pensamentos se sucediam velozes na cabeça de Harry, que se sentia deprimido.
Perdera dois pontos para Grifinória na primeira semana, por que Snape o odiava
tanto?
— Ânimo — disse Rony — Snape está sempre tirando pontos de Fred e
Jorge. Posso ir com você a casa de Rúbeo?
As cinco para as três eles saíram do castelo e atravessaram
a propriedade. Hagrid morava numa casinha de madeira na orla da floresta
proibida. Um par de galochas estava à porta da casa.
Quando Harry bateu à porta eles ouviram uma correria frenética e latidos
ferozes. Depois, a voz de Hagrid dizendo:
— Para trás, Canino para trás.
A cara barbuda de Hagrid apareceu na fresta quando a porta se abriu.
— Espere aí. Para trás, Canino.
Ele os fez entrar, lutando para segurar com firmeza a coleira de um
enorme cão de caçar javalis.
Havia apenas um aposento na casa. Presuntos e faisões pendiam do teto,
uma chaleira de cobre fervia ao fogão e a um canto havia uma cama maciça
coberta com uma colcha de retalhos.
— Estejam à vontade — falou Hagrid, soltando Canino, que
pulou imediatamente para cima de Rony e começou a lamber-lhe a orelha. Como
Hagrid, parecia óbvio que Canino não era tão feroz quanto se esperava.
— Este é o Rony — Harry disse a Hagrid, que fora despejar água fervendo
num grande bule de chá e arrumar biscoitos num prato.
— Mais um Weasley, hein? — exclamou Hagrid vendo as sardas de Rony
— Passei metade da vida expulsando seus irmãos da floresta.
Os biscoitos quase quebraram os dentes deles, mas Harry e Rony
fingiram gostar e contaram a Hagrid como tinham sido as primeiras aulas. Canino
descansou a cabeça no colo de Harry e cobriu as vestes dele de baba.
Harry e Rony ficaram contentes de ouvir Hagrid chamar Filch de guitarra
velha.
— Quanto àquela gata, Madame Nor-r-ra, às vezes eu tenho vontade de
apresentar o Canino a ela. Sabe que todas as vezes que vou até a escola ela me
segue por toda parte? Não consigo me livrar da gata. É Filch que a manda fazer
isso.
Harry contou a Hagrid a aula de Snape. Hagrid, como Rony, disse a Harry
que não se preocupasse, que Snape não gostava praticamente de nenhum aluno.
— Mas ele parecia que realmente me odiava.
— Bobagem! Por que o odiaria?
Mas Harry não pôde deixar de pensar que Hagrid evitou encará-lo quando
disse isso.
— Como vai seu irmão Carlinhos? — perguntou Hagrid a Rony. — Eu
gostava muito dele. Tinha muito jeito com animais.
Harry se perguntou se Hagrid teria mudado de assunto de propósito.
Enquanto Rony contava tudo sobre o trabalho de Carlinhos com dragões, Harry
apanhou um pedaço de papel que estava na mesa sob o abafador de chá. Era
uma noticia recortada do Profeta Diário

O CASO GRINGOTES


Prosseguem as investigações sobre o arrombamento
de Gringotes, ocorrido em 31 de julho, que se acredita ter
sido trabalho de bruxos e bruxas das Trevas desconhecido.
Os duendes de Gringotes insistiam hoje que nada foi
roubado.
O cofre aberto na realidade fora esvaziado mais cedo
naquele dia.
"Mas não vamos dizer o que havia dentro, para que
ninguém se meta, se tiver juízo", disse um porta-voz esta tarde.
Harry lembrou-se que Rony lhe contata no trem que alguém tentara roubar
Gringotes, mas não mencionara a data.
— Rúbeo! — exclamou Harry. — Aquele arrombamento de Gringotes
aconteceu no dia do meu aniversário! Talvez estivesse acontecendo enquanto a
gente estava lá!
Não havia a menor dúvida, desta vez, Hagrid decididamente evitara
encarar Harry. Resmungou alguma coisa e lhe ofereceu mais um biscoito. Harry
releu a notícia “O cofre aberto na realidade fora esvaziado mais cedo naquele dia”.
Hagrid esvaziara o cofre setecentos e treze, se é que se podia chamar
esvaziar alguém levar aquele pacotinho encalombado. Seria aquilo que os ladrões
estavam procurando?
Quando Harry e Rony voltaram ao castelo para jantar, tinham os bolsos
pesados com os biscoitos que a educação os impedira de recusar. Harry pensou
que nenhuma das aulas a que assistira até ali tinha lhe dado tanto o que pensar
quanto o chá com Rúbeo Hagrid. Será que Hagrid tinha apanhado o pacote bem
na hora?
Onde estava o pacote agora? Será que ele sabia alguma coisa de Snape
que não queria contar a Harry?

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