terça-feira, 22 de março de 2011

Crepúsculo - Capítulos 13 ao 15

13. CONFISSÕES

Na luz do Sol, Edward era chocante, eu não conseguia me acostumar com aquilo, embora o tivesse olhado a tarde toda. Sua pele, branca apesar do rubor fraco da viagem de caça da véspera, literalmente faiscava, como se milhares de diamantes pequenininhos estivessem incrustados na superfície. Ele se deitou completamente imóvel na relva, a camisa aberta no peito incandescente e escultural, os braços nus cintilando. As reluzentes pálpebras pálidas como lavanda estavam fechadas, embora ele evidentemente não estivesse dormindo. Uma estátua perfeita, entalhada em alguma pedra desconhecida, lisa como mármore, cintilante como cristal. De vez em quando seus lábios se mexiam, tão rápido que pareciam estar tremendo. Mas quando perguntei, ele me disse que estava cantando consigo mesmo; era baixo demais para que eu ouvisse. Também aproveitei o sol, embora o ar não estivesse tão seco para o meu gosto. Eu teria gostado de me deitar de costas, como ele fez, e deixar o sol aquecer meu rosto. Mas fiquei sentada, o queixo apoiado nos joelhos, sem vontade de tirar os olhos dele. O vento era suave; enroscava meu cabelo e agitava a relva que se espalhava ao redor de sua forma imóvel. A campina, tão espetacular para mim no início, empalidecia perto de sua magnificência. Hesitante, sempre temerosa, mesmo agora, que ele desaparecesse como uma miragem, lindo demais para ser real… Hesitante, estendi um dedo e afaguei as costas de sua mão faiscante, onde estava ao meu alcance. Outra vez fiquei maravilhada com a textura perfeita, macia como cetim, fria como pedra. Quando ergui a cabeça novamente, seus olhos estavam abertos, observando-me. Hoje cor de caramelo, mais claro, mais quente depois da caçada. Seu sorriso rápido virou o canto de seus lábios perfeitos para cima. – Eu não assusto você? – perguntou ele brincalhão, mas pude sentir a curiosidade real em sua voz suave. – Não mais do que de costume. Ele abriu mais o sorriso; seus dentes cintilaram ao sol.
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Aproximei-me mais um pouco, agora com a mão toda estendida para acompanhar os contornos de seu braço com a ponta dos dedos. Vi que meus dedos tremiam e sabia que ele não deixaria de perceber isso. – Importa-se? – perguntei, porque ele fechara os olhos novamente. – Não – disse ele sem abrir os olhos. – Nem imagina como é. – Suspirou. Passei a mão suavemente pelos músculos perfeitos de seu braço, acompanhando o leve padrão de veias arroxeadas por dentro da dobra de seu cotovelo. Com a outra mão, virei a palma dele para cima. Percebendo o que eu queria, ele virou a mão naqueles seu movimentos ofuscantes de tão rápidos e desconcertantes. Isso me sobressaltou; meus dedos paralisaram em seu braço por um breve segundo. – Desculpe – murmurou ele. Ergui a cabeça a tempo de ver seus olhos dourados se fecharem novamente. – É muito fácil ser eu mesmo com você. Levantei a mão dele, virando-a enquanto via o sol cintilar em sua palma. Eu a trouxe para mais perto de meu rosto, tentando ver os aspectos ocultos de sua pele. – Diga o que está pensando – sussurrou ele. Olhei-o e vi seus olhos me fitando, intensos de repente. – Não saber ainda é estranho para mim. – Sabe de uma coisa, todos nós nos sentimos assim o tempo todo. – É uma vida difícil. – Será que imaginei o sinal de arrependimento em sua voz? – Mas você não me contou. – Eu é que queria poder saber o que você está pensando… – hesitei. – E? – E queria poder acreditar que você é real. E queria não ter medo. – Não quero que sinta medo. – Sua voz era um murmúrio suave. Ouvi o que ele não pôde dizer verdadeiramente, que eu não precisava ter medo, que não havia nada para temer. – Bom, não me refiro exatamente ao medo, embora isso certamente dê o que pensar. Tão rapidamente que perdi seu movimento, ele estava quase sentado, apoiado no braço direito, a palma esquerda ainda em minhas mãos. Seu rosto de anjo estava a centímetros do meu. Eu podia – devia – ter me afastado de sua proximidade inesperada, mas não consegui me mexer. Os olhos dourados me hipnotizavam. – Do que tem medo, então? – sussurrou ele intensamente.
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Mas não consegui responder. Como tinha feito antes, senti seu hálito frio em meu rosto. Doce, delicioso, o aroma me dava água na boca. Era diferente de tudo o que eu conhecia. Instintivamente, sem pensar, cheguei mais perto, inspirando. E ele se foi, a mão arrancada de mim. Quando consegui colocar os olhos em foco, ele estava a uns cinco metros de distância, parado na beira da campina pequena, na sombra de um abeto enorme. Ele me encarava, os olhos escuros nas sombras, a expressão indecifrável. Eu podia sentir a dor e o choque em meu rosto. Minhas mãos vazias formigavam. – Desculpe… Edward – sussurrei. Eu sabia que ele podia ouvir. – Me dê um minuto – disse ele, alto o suficiente para meus ouvidos menos sensíveis. Fiquei sentada, imóvel. Depois de dez segundos incrivelmente longos, ele voltou, devagar para ele. Parou, ainda longe, e afundou graciosamente no chão, cruzando as pernas. Os olhos não deixavam os meus. Ele respirou fundo duas vezes e depois sorriu, desculpando-se. – Lamento muito. – Ele hesitou. – Você entenderia se eu dissesse que fui apenas humano? Assenti uma vez, sem conseguir sorrir da piada dele. A adrenalina pulsava em minhas veias enquanto a percepção do perigo afundava lentamente em mim. Ele podia sentir o cheiro de onde estava sentado. Seu sorriso ficou debochado. – Sou o melhor predador do mundo, não sou? Tudo em mim convida você… Minha voz, meu rosto, até meu cheiro. Como seu eu precisasse disso! – Inesperadamente, ele estava de pé, afastando-se num salto, de imediato fora de vista, aparecendo debaixo da mesma árvore de antes, depois de contornar a campina em meio segundo. – Como se pudesse ser mais rápida do que eu – ele riu amargamente. Ele estendeu a mão e, com um estalo ensurdecedor, quebrou sem esforço um galho de sessenta centímetros de espessura do tronco de um abeto. Balançou-o na mão por um momento, depois o atirou numa velocidade ofuscante, espatifando-o em uma árvore enorme, que sacudiu e tremeu com o golpe. E ele estava na minha frente de novo, parado a meio metro, ainda como uma pedra. – Como se pudesse lutar comigo – disse ele delicadamente.
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Fiquei sentada sem me mexer, com mais medo dele do que jamais senti. Nunca o vi tão completamente livre de sua fachada refinada. Ele nunca foi menos humano… Nem mais lindo. Pálida e de olhos arregalados, fiquei sentada como uma ave presa pelos olhos de uma serpente. Seus olhos adoráveis pareciam brilhar com uma excitação imprudente. Depois, com o passar dos segundos escureceram. Sua expressão aos poucos assumiu a máscara de uma tristeza antiga. – Não tenha medo – murmurou ele, a voz de veludo involuntariamente sedutora. – Eu prometo… – ele hesitou. – Nunca machucar você. Parecia mais preocupado em convencer a si mesmo do que a mim. – Não tenha medo – sussurrou ele novamente enquanto se aproximava, com uma lentidão exagerada. Sentou-se sinuosamente, com movimentos deliberadamente lentos, até que nossos rostos estivessem no mesmo nível, a trinta centímetros de distância. – Perdoe-me, por favor – disse formalmente. – Eu posso me controlar. Você me pegou de guarda baixa. Mas agora estou me comportando melhor. Ele esperou, mas eu ainda não conseguia falar. – Hoje não estou com sede, é sério. – Ele piscou. Com essa eu tive que rir, embora o som fosse trêmulo e entrecortado. – Você está bem? – perguntou ele ternamente, estendendo o braço lenta e cuidadosamente para colocar sua mão de mármore nas costas da minha. Olhei a mão macia e fria, e depois os olhos dele. Eram suaves e preocupados. Olhei novamente para a mão e depois deliberadamente voltei a acompanhar suas linhas com a ponta dos dedos. Olhei para ele e sorri timidamente. Seu sorriso em resposta era estonteante. – Então onde estávamos mesmo, antes de eu ser tão rude? – perguntou ele com a cadência delicada de um século passado. – Sinceramente, não me lembro. Ele sorriu, mas sua expressão era de vergonha. – Acho que estávamos falando sobre por que você tinha medo, além do motivo óbvio. – Ah, sim. – E então?
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Olhei sua mão e rabisquei erraticamente a palma iridescente e macia. Os segundos passavam. – Eu me frustro com tanta facilidade – ele suspirou. Olhei em seus olhos, de repente entendendo que tudo isso era tão novo para ele como era para mim. Mesmo com os muitos anos de experiência insondável que tinha, também era difícil para ele. Tomei coragem com esta idéia. – Eu estava com medo… porque, bom, por motivos óbvios, não posso ficar com você. E tenho medo de que goste de ficar com você, muito mais do que deveria. – Eu olhava suas mãos enquanto falava. Era difícil dizer isso em voz alta. – Sim – concordou ele lentamente. – É de fato motivo para ter medo. Querer ficar comigo. Não é nada bom para você. Fechei a cara. – Eu devia ter me afastado há muito tempo – ele suspirou. – Devia ir embora agora. Mas não sei se posso. – Não quero que você vá embora – murmurei pateticamente, de novo olhando para baixo. – É exatamente este o motivo para que eu vá. Mas não se preocupe. Sou essencialmente uma criatura egoísta. Quero demais sua companhia para fazer o que deveria. – Fico feliz por isso. – Não fique! – Ele retirou a mão, desta vez com mais delicadeza, sua voz era mais áspera do que o normal. Áspera para ele, ainda mais linda do que qualquer voz humana. Era difícil acompanhá-lo – suas oscilações de humor sempre me deixavam com o pé atrás, tonta. – Não é só sua companhia que eu anseio! Jamais se esqueça disso. Jamais se esqueça de que sou mais perigoso para você do que para qualquer outra pessoa. – Ele parou e vi que olhava a floresta sem ver. Pensei por um momento. – Não acho que entenda exatamente o que quer dizer… Pelo menos essa última parte – falei. Ele olhou para mim e sorriu, seu humor mudando novamente. – Como posso explicar? – refletiu. – E sem assustar você de novo… Hmmm. – Sem parecer pensar ele colocou a mão novamente na minha; eu a segurei com força. Ele olhou nossas mãos. – É incrivelmente agradável, o calor. – Ele suspirou.
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Passou-se um minuto enquanto ele organizava os pensamentos. – Sabe como todo mundo gosta de sabores diferentes? – começou ele. – Algumas pessoas adoram sorvete de chocolate, outras preferem morango? Balancei a cabeça. – Desculpe pela analogia com comida… Não consegui pensar em outra forma de explicar. Eu sorri. Ele também sorriu, tristonho. – Veja bem, cada pessoa tem um cheiro diferente, tem uma essência diferente. Se você trancar um alcoólatra em uma sala cheia de cerveja choca, ele vai ficar feliz em bebê-la. Mas podia resistir, se quisesse, se fosse um alcoólatra em recuperação. Agora digamos que você tenha colocado naquela sala uma taça de conhaque de cem anos, o conhaque mais raro e mais refinado… E enchido a sala com seu aroma quente… Como pensa que ele se comportaria? Ficamos sentados em silêncio, olhando-nos nos olhos – tentando ler os pensamentos do outro. Ele foi o primeiro a romper o silêncio. – Talvez esta não seja a comparação correta. Talvez seja mais fácil rejeitar o conhaque. Talvez eu deva fazer de nosso alcoólatra um viciado em heroína. – Então o que está dizendo é que sou seu tipo preferido de heroína? – eu disse num tom de brincadeira, tentando deixar o clima mais leve. Ele sorriu rapidamente, parecendo gostar de meu esforço. – Sim, você é exatamente meu tipo preferido de heroína. – Isso acontece com freqüência? – perguntei. Ele olhou para a copa das árvores, pensando na resposta. – Falei com meus irmãos sobre isso. – Ele ainda olhava fixamente a distância. – Para Jasper, todos vocês são a mesma coisa. Ele é o mais novo em nossa família. É uma luta para ele se privar de tudo isso. Não teve tempo para desenvolver a sensibilidade às diferenças de cheiro, de sabor. Ele olhou rapidamente para mim, com uma expressão de quem se desculpa. – Desculpe – disse. – Não ligo. Por favor, não se preocupe em me ofender, nem em me assustar, o que for. Esse é o seu jeito de pensar. Posso entender isso, ou pelo menos tentar. Só explique como puder.
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Ele respirou fundo e olhou o céu de novo. – Então Jasper não tem certeza se já se deparou com alguém que fosse tão… – ele hesitou, procurando pela palavra certa – atraente como você é para mim. O que me faz pensar que não. Emmett está na estrada há mais tempo, por assim dizer, e ele me compreendeu. Disse que foram duas vezes, para ele, uma mais forte do que a outra. – E para você? – Nunca. A palavra ficou pairando ali por um momento na brisa quente. – O que o Emmett fez? – perguntei para romper o silêncio. Era a pergunta errada. Seu rosto escureceu, a mão se fechou em punho na minha. Ele desviou os olhos. Esperei, mas ele não ia responder. – Acho que sei – disse eu por fim. Ele ergueu os olhos; sua expressão era pensativa e suplicante. – Até o mais forte de nós cai do galho, não é? – O que está pedindo? Minha permissão? – Minha voz ficou mais aguda do que eu pretendia. Tente manter o tom mais delicado; eu imaginava o que a sinceridade custava para ele. – Quer dizer, não há esperanças então? – Mas com que calma eu podia discutir minha própria morte! – Não, não! – Ele de imediato ficou pesaroso. – É claro que há esperança! Quer dizer, é claro que eu não ia… – Ele deixou a frase inacabada. Seus olhos arderam nos meus. – É diferente para nós. Emmett… topou com estranhos por acaso. Foi há muito tempo e ele não tinha tanta… prática, tanto cuidado, como tem agora. Ele silenciou e me observou intensamente enquanto eu pensava. – Então, se tivéssemos nos encontrado… hã, em um beco escuro ou coisa parecida… – minha voz falhou. – Juntei todas as minhas forças para não pular naquela sala cheia de crianças e… – Ele parou de repente, desviando os olhos. – Quando você passou por mim, eu podia ter estragado tudo o que Carlisle construiu para nós, naquele exato momento. Se não tivesse renegado minha sede pelos últimos anos, por tantos anos, não teria sido capaz de me refrear. – Ele parou, franzindo o cenho para as árvores. Edward olhou para mim melancolicamente, nós dois nos lembrando. – Deve ter pensado que eu estava possuído.
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– Eu não entendi o motivo. Como podia me odiar com tanta rapidez… – Para mim, foi como se você fosse uma espécie de demônio, conjurado de meu inferno pessoal para me arruinar. A fragrância que vinha de sua pele… Pensei que me enlouqueceria naquele primeiro dia. Naquela hora que passou, pensei em cem maneiras diferentes de atrair você da sala comigo, ficar sozinho com você. E combati cada uma delas, pensando em minha família, o que eu faria a eles. Tive que fugir, sair dali antes que pudesse pronunciar as palavras que a fariam me seguir… Ele olhou então para minha expressão hesitante enquanto eu tentava absorver suas lembranças amargas. Seus olhos dourados chamuscaram sob as pálpebras, hipnóticos e mortíferos. – Você teria vindo – garantiu ele. Tentei falar calmamente. – Sem dúvida nenhuma. Ele olhou com raiva para minha mãos, liberando-me da força de seu olhar. – E depois, enquanto eu tentava reorganizar meu horário numa tentativa insensata de evitá-la, você estava ali… Naquela sala quente e apertada, o cheiro era enlouquecedor. Foi por muito pouco que não a peguei ali mesmo. Só havia outro ser humano frágil na sala… Era tão fácil lidar com aquilo. Eu tremi no sol quente, vendo minhas lembranças novamente pelos olhos dele, só agora entendendo o perigo. Coitada da Sra. Cope; tremi novamente ao pensar em como estive perto de ser inadvertidamente responsável por sua morte. – Mas resisti. Não sei como. E me obriguei a não esperar por você, não segui-la da escola. Lá fora, quando não podia mais sentir seu cheiro, era mais fácil pensar com clareza, tomar a decisão certa. Deixei os outros perto de casa… Eu estava envergonhado demais para dizer a eles como eu era fraco, eles só souberam que alguma coisa estava errada. E depois fui procurar Carlisle, no hospital, para lhe dizer que eu iria embora. Eu o encarei, surpresa. – Troquei de carro com ele… Ele tinha o tanque cheio e eu não queria parar. Não ousei ir para casa e confrontar Esme. Ela teria feito uma cena e não me deixaria ir. Teria tentado me convencer de que não era necessário… Mas na manhã seguinte eu estava no Alasca.
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Ele pareceu envergonhado, como se admitisse uma grande covardia. – Passei dois dias lá, com alguns velhos conhecidos… Mas estava com saudade de casa. Odiava saber que tinha aborrecido Esme, e o resto deles, minha família adotiva. No ar puro das montanhas era difícil acreditar que você era tão irresistível. Convenci a mim mesmo de que estava fraco para fugir. Eu havia lidado com a tentação antes, não desta magnitude, nem perto disso, mas foi forte. Quem era você, uma garotinha insignificante – de repente ele sorriu –, para me tirar do lugar em que eu queria estar? Então voltei… – Ele fitou o vazio. Eu não consegui falar. – Tomei precauções, caçando, alimentando-me mais do que de costume antes de ver você de novo. Tinha certeza de que era forte o bastante para tratá-la como a qualquer outro ser humano. Fui arrogante com relação a isso. Foi uma complicação inquestionável que eu não pudesse simplesmente ler seus pensamentos para saber qual seria sua reação a mim. Não estava acostumado a ter que chegar a medidas tão tortuosas, ouvindo suas palavras na mente de Jessica… que não é muito original, e era irritante ter que condescender com isso. E depois eu não podia saber se você realmente foi sincera no que disse. Era tudo extremamente irritante. Ele franziu o cenho ao se lembrar disso. – Eu queria que você esquecesse meu comportamento naquele primeiro dia, se possível, então tentei falar com você como faria com qualquer outra pessoa. Na verdade eu estava ansioso, esperando decifrar parte de seus pensamentos. Mas você era interessante demais. Eu me vi presa de suas expressões… E de vez em quando você agitava o ar com a mão ou seu cabelo, e o cheiro me tomava de novo… É claro que depois você estava quase dominada pela paixão diante de meus olhos. Mais tarde, pensei em uma desculpa perfeita para eu ter agido naquele momento… Porque se eu não tivesse salvado você, se seu sangue fosse derramado na minha frente, não acho que eu poderia deixar de expor o que nós somos. Mas eu só pensei nessa desculpa depois. Na hora, só no que eu pensava era: “Ela não.”
Ele fechou os olhos, perdido em sua confissão angustiada. Eu ouvi, com mais ansiedade do que era racional. O bom senso me dizia que eu devia estar apavorada. Em vez disso, fiquei aliviada por finalmente
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entender. E estava cheia de compaixão pelo sofrimento dele, mesmo agora, enquanto ele confessava seu desejo de tirar minha vida. Por fim fui capaz de falar, embora minha voz fosse fraca. – No hospital? Seus olhos lampejaram para os meus. – Eu fiquei horrorizado. Não conseguia acreditar que afinal havia nos colocado em risco, havia colocado a mim mesmo em seu poder… Justo você. Como se eu precisasse de outro motivo para matá-la. – Nós dois vacilamos à menção desta palavra. – Mas teve o efeito contrário – continuou ele rapidamente. – Eu briguei com Rosalie, Emmett e Jasper quando eles sugeriram que estava na hora… A pior briga que tivemos na vida. Carlisle ficou do meu lado, e Alice. – Ele fez uma careta quando disse o nome dela. Não consegui entender por quê. – Esme me disse para fazer o que eu precisasse para ficar. Ele sacudiu a cabeça com condescendência. – Por todo o dia seguinte, ouvi a mente de todos que falaram com você, chocado por você ter mantido sua palavra. Eu não a entendia. Mas sabia que não podia me envolver mais com você. Fiz o máximo que pude para ficar o mais longe possível. E todo dia o perfume de sua pele, de seu hálito, de seu cabelo… me atingiam com a mesma intensidade do primeiro dia. Ele encontrou meus olhos de novo e eles estavam surpreendentemente ternos. – E por tudo isso – continuou ele – eu teria feito melhor se tivesse mesmo exposto a nós todos naquele primeiro momento, do que se agora, aqui… sem testemunhas nem nada que me impeça… eu viesse a machucar você. Eu era bastante humana para te que perguntar. – Por quê?
– Isabella. – Ele pronunciou meu nome inteiro cuidadosamente, depois brincou com meu cabelo com a mão livre. Um choque percorreu meu corpo com seu toque despreocupado. – Bella, eu não poderia conviver comigo mesmo se a ferisse. Você não sabe como isso me torturou. – Ele baixou os olhos, novamente envergonhado. – Pensar em você, imóvel, lívida, fria… Nunca mais vê-la corar de novo, nunca mais ver esse lampejo de intuição em seus olhos quando você vê através de meus pretextos… Seria insuportável. – Ele ergueu os gloriosos olhos angustiados para os
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meus. – Você é, agora, a coisa mais importante do mundo para mim. A mais importante de toda a minha vida. Minha cabeça girava com a mudança rápida de direção em nossa conversa. A partir do tema alegre de meu falecimento iminente, de repente estávamos nos declarando. Ele esperou, e embora eu olhasse para baixo para examinar nossas mãos entre nós, eu sabia que seus olhos dourados estavam nos meus. – Já sabe como me sinto, é claro – eu disse por fim. – Eu estou aqui… O que, numa tradução grosseira, significa que eu preferiria estar morta a ficar longe de você. – Franzi o cenho. – Sou uma idiota. – Você é mesmo uma idiota – concordou ele com uma risada. Nossos olhos se encontraram e eu ri também. Rimos juntos da idiotice e da mera impossibilidade de um momento desses. – E então o leão se apaixonou pelo cordeiro… – murmurou ele. Virei a cara, escondendo os olhos enquanto me arrepiava com a palavra. – Que cordeiro imbecil – suspirei. – Que leão masoquista e doentio. – Ele olhou a floresta sombreada por um longo momento e eu me perguntei aonde seus pensamentos o levavam. – Por quê…? – comecei e depois parei, sem ter certeza de como continuar. Ele olhou para mim e sorriu; o sol reluzia em seu rosto, em seus dentes. – Sim? – Diga por que fugiu de mim antes. O sorriso dele desapareceu. – Você não sabe por quê? – Não, quer dizer, exatamente o que eu fiz de errado? Não vou poder abaixar a guarda, está vendo, então é melhor eu começar a aprender o que não devo fazer. Isto, por exemplo – eu afaguei as costas da mão dele –, parece não fazer mal nenhum. Ele sorriu de novo. – Você não fez nada de errado, Bella. A culpa foi minha. – Mas eu quero ajudar, se puder, a não dificultar ainda mais as coisas para você.
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– Bom… – ele pensou por um momento. – Foi o modo como você se aproximou. A maioria dos humanos se intimida conosco por instinto, são repelidos por nossa estranheza… Eu não esperava que você chegasse tão perto. E o cheiro de seu pescoço. – Ele parou de repente, olhando para verificar se tinha me perturbado. – Tudo bem, então – eu disse de um jeito impertinente, tentando aliviar o clima subitamente tenso. Segurei meu queixo. – Nenhum pescoço exposto. Deu certo; ele riu. – Não, é sério, foi mais a surpresa do que qualquer outra coisa. Ele ergueu a mão livre e a colocou delicadamente em meu pescoço. Fiquei imóvel, o arrepio de seu toque um alerta natural – um alerta me dizendo para ficar apavorada. Mas não havia nenhuma sensação de medo em mim. Havia, porém, outras sensações… – Está vendo – disse ele. – Perfeitamente bem. Meu sangue disparava e eu queria poder reduzir sua velocidade, sentindo que isto devia tornar tudo muito mais difícil – o martelar de minha pulsação em minhas veias. Certamente ele podia ouvi-lo. – O rubor em seu rosto é lindo – murmurou Edward. Ele soltou gentilmente a outra mão. Minhas mãos caíram flácidas no colo. Suavemente, ele afagou minha bochecha, depois segurou meu rosto entre as mãos de mármore. – Fique completamente parada – sussurrou ele, como se eu já não estivesse congelada ali. Devagar, sem tirar os olhos dos meus, ele se inclinou para mim. Depois, de repente, mas com muita delicadeza, pousou seu rosto frio no espaço da base de meu pescoço. Fui completamente incapaz de me mexer, mesmo que eu quisesse. Ouvi o som de sua respiração tranqüila, observando o sol e o vento brincarem em seu cabelo de bronze, mais humano do que qualquer outra parte dele. Com uma lentidão deliberada, suas mãos deslizaram pela lateral de meu pescoço. Eu tremi, e o ouvi prender a respiração. Mas suas mãos não pararam enquanto moviam-se suavemente por meus ombros, e depois se detiveram. Ele virou o rosto para o lado, o nariz roçando minha clavícula. E recostou a cabeça ternamente em meu peito. Ouvindo meu coração. – Ah – ele suspirou.
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Não sei quanto tempo ficamos sentados sem nos mexer. Podem ter sido horas. Por fim o batimento de minha pulsação se aquietou, mas ele não se mexeu nem falou enquanto me segurava. Eu sabia que a qualquer momento isso podia ser demais, e minha vida chegaria ao fim – tão rapidamente que eu talvez sequer percebesse. E eu não conseguia sentir medo. Não conseguia pensar em nada, a não ser que ele estava me tocando. E depois, cedo demais, ele me soltou. Seus olhos estavam tranqüilos. – Não foi assim tão difícil novamente – disse ele com satisfação. – Foi muito difícil para você? – Não tanto quanto eu imaginei que seria. E você? – Não, não foi ruim… para mim. Ele riu da inflexão de minha voz. – Você entendeu o que eu quis dizer. Eu sorri. – Olhe aqui. – Ele pegou minha mão e a colocou em seu rosto. – Sente como está quente? E estava quase quente, sua pele em geral gélida. Mas eu mal percebi, porque tocava seu rosto, algo com que sonhava constantemente desde o primeiro dia em que o vi. – Não se mexa – sussurrei. Ninguém ficava parado como Edward. Ele fechou os olhos e ficou imóvel como uma pedra, uma pedra esculpida sob minha mão. Eu me mexi ainda mais lentamente do que ele, com o cuidado de não fazer nenhum movimento inesperado. Acariciei sua face, delicadamente afaguei sua pálpebra, a sombra roxa na cavidade sob o olho. Acompanhei o formato de seu nariz perfeito e depois, com muito cuidado, seus lábios impecáveis. Os lábios se separaram em minha mão e eu pude sentir o hálito frio na ponta de meus dedos. Eu queria me inclinar, inspirar o cheiro dele. Depois baixei a mão e me aproximei, sem querer pressioná-lo demais. Ele abriu os olhos e eram olhos famintos. Não de uma forma que me desse medo, mas de modo a estreitar os músculos na boca do estômago e mandar minha pulsação martelar nas veias de novo. – Eu quero – sussurrou ele –, quero que você sinta a… complexidade… a confusão… que eu sinto. Isso você poderia entender.
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Ele levantou a mão até meu cabelo, depois afagou com cuidado minha face. – Me diga – sussurrei. – Não acho que possa. Eu lhe falei, por um lado, a fome… a sede… que, criatura deplorável que sou, eu sinto por você. E penso que você pode entender isso, até certo ponto. Mas – ele deu um meio sorriso –, como você não é viciada em nenhuma substância ilegal, provavelmente não pode ter uma empatia completa. Mas… – Seus dedos tocaram meus lábios de leve, fazendo-me tremer outra vez. – Existem outras fomes. Fomes que eu sequer entendo, que são estranhas a mim. – Posso entender isso melhor do que você pensa. – Não estou acostumado a me sentir tão humano. É sempre assim? – Para mim? – eu parei. – Não, nunca. Não até agora. Ele segurou minhas mãos entre as dele. Pareciam tão frágeis em seu aperto de ferro. – Não sei como ficar perto de você – admitiu ele. – Não sei se posso. Eu me inclinei para ele muito lentamente, alertando-o com meus olhos. Encostei meu rosto em seu peito de pedra. Podia ouvir sua respiração, e mais nada. – Isso basta – eu suspirei, fechando os olhos. Em um gesto muito humano, ele pôs os braços em volta de mim e apertou o rosto em meu cabelo. – Você é melhor nisso do que eu pensava – observei. – Tenho instintos humanos… Podem estar enterrados no fundo, mas estão presentes. Ficamos sentados assim por mais um momento imensurável; eu me perguntei se ele podia estar tão sem vontade de se mexer quanto eu. Mas eu podia ver que a luz desaparecia, as sombras da floresta começavam a nos tocar, e suspirei. – Você tem que ir. – Achei que não pudesse ler minha mente. – Está ficando mais clara. – Pude ouvir um sorriso em sua voz. Ele pegou meus ombros e eu olhei seu rosto. – Posso lhe mostrar uma coisa? – perguntou Edward, uma excitação repentina brilhando em seus olhos. – Me mostrar o quê?
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– Vou lhe mostrar como eu viajo na floresta. – Ele viu minha expressão. – Não se preocupe, você estará segura e chegaremos a sua picape muito mais rápido. – Sua boca se abriu naquele sorriso torto tão lindo e meu coração quase parou. – Vai se transformar em morcego? – perguntei, cautelosamente. Ele riu, mais alto do que eu já ouvira. – Como se eu não tivesse ouvido essa antes! – Tudo bem, tenho certeza de que faz isso o tempo todo. – Venha, sua covardezinha, suba em minhas costas. Esperei para ver se estava brincando mas, ao que parecia, ele tinha falado sério. Ele sorriu enquanto lia minha hesitação e estendeu a mão para mim. Meu coração reagiu; embora ele não pudesse ouvir meus pensamentos, minha pulsação sempre me entregava. Depois ele começou a me colocar em suas costas, com muito pouco esforço de minha parte e, além disso, quando estava no lugar, segurou minhas pernas e braços com tanta força em volta dele que eu sufocaria uma pessoa normal. Foi como subir em uma pedra. – Sou um pouco mais pesada do que a sua mochila – alertei. – Rá! – ele bufou. Eu quase podia ouvir seus olhos revirando. Nunca o vi com tamanho bom humor antes. Ele me sobressaltou, pegando minha mão de repente, apertando a palma em seu rosto e inspirando profundamente. – Fica mais fácil o tempo todo – murmurou ele. E depois ele estava correndo. Se um dia eu tive um medo mortal na presença dele, não foi nada se comparado com o que sentia agora. Ele disparou pelos arbustos escuros e densos da floresta como um projétil, como um fantasma. Não havia nenhum som, nenhuma prova de que seus pés tocavam a terra. Sua respiração não se alterava, não indicava esforço nenhum. Mas as árvores voavam a uma velocidade mortal, passando a centímetros de nós. Fiquei tão apavorada que fechei os olhos, embora o ar frio da mata vergastasse meu rosto e o queimasse. Senti como se estivesse colocando a cabeça como uma idiota para fora da janela de uma avião em pleno vôo. E, pela primeira vez na minha vida, senti a fraqueza vertiginosa do enjôo de movimento.
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Depois acabou. Tínhamos andado por horas esta manhã até a campina de Edward e agora, em questão de minutos, estávamos de volta ao carro. – Divertido, não? – sua voz estava alta e animada. Ele ficou imóvel, esperando que eu descesse. Eu tentei. Mas meus músculos não reagiam. Meus braços e pernas ficaram em volta dele, presos, enquanto a cabeça girava de um jeito desagradável. – Bella? – perguntou ele, agora ansioso. – Acho que preciso me deitar – eu arfei. – Ah, me desculpe. – Ele esperou por mim, mas eu ainda não conseguia me mexer. – Acho que preciso de ajuda – admiti. Ele riu baixinho e delicadamente afrouxou meu aperto esmagador de seu pescoço. Não houve resistência à força férrea de suas mãos. Depois ele me puxou de frente para ele, aninhando-me nos braços como uma criança pequena. Segurou-me por um momento, depois colocou-me com cuidado nas samambaias primaveris. – Como se sente? – perguntou ele. Eu não podia ter certeza de como me sentia quando minha cabeça girava tão loucamente. – Acho que estou tonta. – Coloque a cabeça entre os joelhos. Tentei fazer isso e ajudou um pouco. Respirei lentamente, mantendo a cabeça parada. Senti que ele se sentava ao meu lado. Os minutos se passaram e por fim descobri que podia levantar a cabeça. Havia um zumbido oco em meus ouvidos. – Parece que não foi uma grande idéia – refletiu ele. Tentei ser confiante, mas minha voz era fraca. – Não, foi muito interessante. – Rá! Você está branca feito um fantasma… Não, está branca feito eu! – Acho que devia ter fechado os olhos. – Lembre-se disso da próxima vez. – Próxima vez! – gemi. Ele riu, o humor ainda radiante. – Exibido – eu murmurei. – Abra os olhos, Bella – disse ele em voz baixa.
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E ele estava bem ali, a cara tão perto da minha. Sua beleza atordoou minha mente – era demais, um excesso a que eu não conseguia me acostumar. – Fiquei pensando, enquanto estava correndo… – ele parou. – Em não bater nas árvores, espero. – Bella, a bobinha – ele riu. – Correr é uma segunda natureza para mim, não é uma coisa na qual tenha que pensar. – Exibido – murmurei de novo. Ele sorriu. – Não – continuou ele –, estava pensando que há uma coisa que quero experimentar. – E ele pegou meu rosto nas mãos de novo. Eu não conseguia respirar. Ele hesitou – não do jeito normal, do jeito humano. Não como um homem pode hesitar antes de beijar uma mulher, para avaliar sua reação, para ver como seria recebido. Talvez ele hesitasse para prolongar o momento, esse momento ideal da expectativa, às vezes melhor do que o próprio beijo. Edward hesitou para se testar, para ver se era seguro, para se certificar de que ainda tinha controle de suas necessidades. E depois seus lábios frios e marmóreos encostaram com muita delicadeza nos meus. Nenhum de nós estava preparado para minha reação. O sangue ferveu sob minha pele, ardendo em meus lábios. Minha respiração assumiu um ofegar louco. Meus dedos se trançaram em seu cabelo, puxando-o para mim. Meus lábios se separaram enquanto eu respirava seu cheiro inebriante. Imediatamente senti que ele se transformava numa pedra inanimada sob meus lábios. Suas mãos empurraram meu rosto para trás delicadamente, mas com uma força irresistível. Abri os olhos e vi a expressão de cautela. – Epa – sussurrei. – Está atenuando as coisas. Seus olhos eram arredios, o queixo trincado num freio firme, e no entanto ele não perdia a articulação perfeita. Ele segurou meu rosto a centímetros do dele. Ele deslumbrou meus olhos. – Será que devo…? – Tentei me desestimular, para dar algum espaço para ele.
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Suas mãos se recusaram a deixar que eu me mexesse um centímetro que fosse. – Não, é tolerável. Espere um momento, por favor. – A voz era educada e controlada. Mantive os olhos nele, enquanto assistia à excitação neles, que diminuía e se suavizava. Depois ele deu surpreendentemente travesso e diabólico. – Pronto – disse, obviamente satisfeito consigo mesmo. – Tolerável? – perguntei. Ele riu alto. – Sou mais forte do que eu pensava. É bom saber disso. – Queria poder dizer o mesmo. Desculpe. – Você é apenas humana, afinal de contas. – Muito obrigada – eu disse, a voz áspera. Ele estava de pé em um de seus movimentos leves e quase invisíveis de tão rápidos. Ele estende a mão para mim, um gesto inesperado. Eu estava tão acostumada com nosso padrão de falta de contato. Peguei a mão gelada, precisando de apoio mais do que eu pensava. Meu equilíbrio ainda não voltara. – Ainda está fraca por causa da corrida? Ou foi minha perícia no beijo? – Como estava despreocupado, como parecia humano enquanto ria agora, sua face de serafim imperturbável. Ele era um Edward diferente daquele que conheci. E fiquei ainda mais inebriada por ele. Podia me doer fisicamente ser separada dele agora. – Não tenho certeza, ainda estou tonta – consegui responder. – Talvez deva me deixar dirigir. – Ficou maluco? – protestei. – Posso dirigir melhor do que você em seu melhor dia – zombou ele. – Você tem reflexos muito mais lentos. – Não sei bem se isso é verdade, mas não acho que meus nervos, ou minha picape, possam agüentar. – Um pouco de confiança, por favor, Bella. Minha mão estava no bolso, enroscada com força na chave. Franzi os lábios, pensei, depois sacudi a cabeça com um sorriso duro. – Nada disso. Nem pensar. Ele ergueu as sobrancelhas, sem acreditar.
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Comecei a andar em torno dele, indo para o lado do motorista. Ele podia ter me deixado passar se eu não tivesse cambaleado um pouco. Mas também podia ter feito o contrário. Seu braço criou uma armadilha inescapável em minha cintura. – Bella, já gastei muito esforço pessoal a essa altura para manter você viva. Não vou deixar você se sentar ao volante de um carro quando nem consegue andar direito. E, além disso, as pessoas não deixam que os amigos dirijam bêbados – citou ele com um risadinha. Eu podia sentir a fragrância insuportavelmente doce vinda de seu peito. – Bêbada? – objetei. – Está embriagada com minha presença. – Ele dava aquele sorriso brincalhão de novo. – Não posso contestar isso – suspirei. Não havia como escapar; não podia resistir a ele em nada. Ergui a chave e a larguei, vendo sua mão voar como um raio para pegá-la sem fazer nenhum som. – Vá com calma… Meu carro é um cidadão idoso. – Muito sensível – aprovou ele. – E você não está nada afetado? – perguntei, aborrecida. – Com minha presença? Novamente suas feições mutáveis se transformaram, a expressão tornando-se suave e quente. Ele não respondeu a princípio; simplesmente aproximou o rosto do meu e roçou os lábios lentamente, de minha orelha ao queixo, descendo e subindo. Eu tremi. – Apesar disso – murmurou ele enfim –, tenho reflexos melhores.
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14. A MENTE DOMINA A MATÉRIA 

Eu tinha que admitir que ele podia dirigir bem, quando mantinha a velocidade razoável. Como em muitas coisas, parecia não exigir esforço nenhum. Ele mal olhava a estrada, e no entanto os pneus nunca se desviavam mais de um centímetro do meio da pista. Ele dirigia com uma só mão, segurando minha mão no banco. Às vezes olhava o sol poente, às vezes olhava para mim – para meu rosto, meu cabelo voando pela janela aberta, nossas mãos entrelaçadas. Ele ligara o rádio em uma emissora de música antiga e cantava uma música que eu nunca ouvi. Conhecia toda a letra. – Gosta de música dos anos 50? – perguntei. – A música dos anos 50 era boa. Muito melhor do que a dos anos 60, ou dos 70, eca! – Ele estremeceu. – A dos anos 80 era suportável. – Vai me dizer um daí qual é a sua idade? – perguntei, insegura, sem querer perturbar seu ânimo. – Isso importa muito? – Seu sorriso, para meu alívio, continuava sereno. – Não, mas ainda assim fico imaginando… – Fiz uma careta. – Não há nada como um mistério não resolvido para manter a gente acordada à noite. – Eu me pergunto se vai perturbar você – ele refletiu para si mesmo. Olhou para o sol; os minutos se passaram. – Experimente – eu disse por fim. Ele suspirou e depois olhou nos meus olhos, parecendo se esquecer completamente da estrada por um tempo. O que quer que tenha visto ali deve tê-lo estimulado. Ele olhou o sol – a luz do círculo poente cintilava em sua pele em faíscas num tom de rubi – e falou. – Nasci em Chicago em 1901. – Ele parou e olhou para mim pelo canto do olho. Tive o cuidado de não demonstrar surpresa, esperando pacientemente pelo resto. Ele deu um sorrisinho e continuou. – Carlisle me encontrou em um hospital no verão de 1918. Eu tinha 17 anos e estava morrendo de gripe espanhola. Ele me ouviu respirar, embora mal fosse audível a meus próprios ouvidos. Edward me olhou dentro dos olhos de novo.
– Não me lembro muito bem… Foi há muito tempo e a memória humana diminui. – Ficou perdido em pensamentos por um curto tempo
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antes de prosseguir. – Lembro de como foi, quando Carlisle me salvou. Não é fácil, não é uma coisa de que se possa esquecer. – E seus pais? – Eles já haviam morrido da doença. Eu estava sozinho. Foi por isso que ele me escolheu. Em todo o caos da epidemia, ninguém sequer percebeu que eu tinha desaparecido. – Como foi que ele… salvou você? Alguns segundos se passaram antes que respondesse. Ele parecia escolher as palavras com cuidado. – Foi difícil. Não há muitos de nós com a necessidade de fazer isso. Mas Carlisle sempre foi o mais humano, o mais compassivo de nós… Não acredito que se possa encontrar alguém igual a ele em toda a história. – Ele parou. – Para mim, foi simplesmente muito, muito doloroso. Vi, pela disposição de seus lábios, que ele não falaria mais no assunto. Reprimi minha curiosidade, embora ela estivesse longe de ser saciada. Havia muitas coisas que eu precisava pensar sobre esta questão em particular, coisas que só agora começavam a me ocorrer. Sem dúvida sua mente rápida já compreendia cada aspecto que me escapava. Sua voz suave interrompeu meus pensamentos. – Ele agiu por solidão. Este em geral é o motivo por trás da decisão. Fui o primeiro da família de Carlisle, embora ele tenha encontrado Esme logo depois. Ela havia caído de um penhasco. Levaram-na diretamente para o necrotério do hospital mas, de alguma forma, seu coração ainda batia. – Então você precisa estar morrendo para se tornar… – Nós nunca dizíamos a palavra e eu não conseguia pronunciá-la agora. – Não. Carlisle é assim. Ele nunca faria isso com alguém que tivesse alternativas. – O respeito em sua voz era profundo sempre que falava da figura paterna. – Diz ele que é mais fácil, porém – continuou –, se o sangue estiver fraco. – Edward olhou a estrada agora escura e pude sentir que o assunto se encerrava de novo. – E Emmett e Rosalie?
– Carlisle trouxe Rosalie à nossa família em seguida. Só bem mais tarde percebi que ele esperava que ela fosse para mim o que Esme é para ele… Ele era cauteloso com seus pensamentos perto de mim. – Edward revirou os olhos. – Mas ela nunca foi mais do que uma irmã. Apenas dois anos depois ela encontrou Emmett. Ela estava caçando… Estávamos nos
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Apalaches naquela época… E encontramos um urso prestes a acabar com a vida dele. Ela o levou para Carlisle, mais de 150 quilômetros de distância, com medo de não conseguir fazer isso sozinha. Mal consigo imaginar como a viagem foi difícil para ela. Ele me lançou um olhar penetrante e ergueu as mãos, ainda entrelaçadas, para afagar meu rosto. – Mas ela conseguiu – eu o estimulei, desviando-me da beleza insuportável de seus olhos. – Sim – murmurou ele. – Ela viu alguma coisa em seu rosto que lhe deu forças. E eles estão juntos desde então. Às vezes eles moram separados de nós, como um casal. Mas quanto mais novos fingimos ser, mais tempo podemos ficar em um determinado lugar. Forks parecia perfeito, então todos nos matriculamos no colégio. – Ele riu. – Imagino que tenhamos que ir ao casamento deles daqui a alguns anos, de novo. – Alice e Jasper? – Alice e Jasper são duas criaturas muito raras. Os dois desenvolveram uma consciência, como dizemos, sem nenhuma orientação externa. Jasper pertencia a outra… família, um tipo muito diferente de família. Ele estava deprimido e vagava sozinho. Alice o encontrou. Como eu, ela possui certos dons que estão além da norma de nossa espécie. – É mesmo? – eu o interrompi, fascinada. – Mas você disse que era o único que podia ouvir os pensamentos das pessoas. – E é verdade. Ela sabe outras coisas. Ela vê coisas… Coisas que podem acontecer, coisas que estão chegando. Mas é muito subjetivo. O futuro não está gravado em pedra. As circunstâncias mudam. Seu queixo travou quando ele disse isso, e os olhos dispararam para meu rosto e se desviaram tão rapidamente que não tive certeza se tinha só imaginado. – Que tipo de coisas ela vê? – Ela viu Jasper e entendeu que ele procurava por ela antes de saber de sua existência. Ela viu Carlisle e nossa família, e eles se uniram para nos encontrar. Ela é mais sensível a não-humanos. Sempre vê, por exemplo, quando outro grupo de nossa espécie está se aproximando. E qualquer ameaça que eles possam representar. – E existem muitos de… sua espécie? – Fiquei surpresa. Quantos deles podiam estar andando entre nós sem ser detectados?
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– Não, não são muitos. Mas a maioria não se acomoda em um lugar. Só os que são como nós, que desistiram de caçar pessoas – um sorriso tímido em minha direção –, podem viver juntos com os humanos por um determinado tempo. Só descobrimos uma família como a nossa em uma pequena aldeia do Alasca. Moramos juntos por um tempo, mas éramos tantos que ficamos visíveis demais. Aqueles de nós que vivem… de formas diferente tendem a ficar juntos. – E os outros? – Nômades, em sua maioria. Às vezes todos nós vivemos desse jeito. Fica tedioso, como qualquer outra coisa. Mas nos deparamos uns com os outros de vez em quando, porque a maioria de nós prefere o norte. – Por que isso? Agora estávamos estacionados na frente da minha casa e ele desligou o motor. Estava muito silencioso e escuro; não havia luar. A luz da varanda estava apagada, então eu sabia que meu pai ainda não chegara. – Não abriu os olhos esta tarde? – zombou ele. – Acha que posso andar pela rua à luz do sol sem provocar acidentes de trânsito? Há um motivo para que tenhamos escolhido a península de Olympic, um dos lugares mais desprovidos de sol do mundo. É bom ser capaz de sair à luz do dia. Você não acreditaria em como pode ser cansativo viver à noite por oitenta anos. – Então é daí que vêm as lendas? – Provavelmente. – E Alice veio de outra família, como Jasper? – Não, e isso é mesmo um mistério. Alice não se lembra de nada de sua vida humana. E ela não sabe quem a criou. Ela despertou sozinha. Quem a criou desapareceu, e nenhum de nós entende por que, ou como, ele pôde fazer isso. Se ela não tivesse aquele outro sentido, se não tivesse visto Jasper e Carlisle e soubesse que um dia se tornaria uma de nós, provavelmente teria se transformado numa completa selvagem. Havia tanta coisa em que pensar, tanto que eu ainda queria perguntar. Mas, para meu grande constrangimento, meu estômago roncou. Eu nem havia notado que estava com fome. Percebi então que estava absolutamente faminta. – Desculpe, estou impedindo você de jantar. – Eu estou bem, verdade.
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– Nunca passei tanto tempo com alguém que se alimenta de comida. Eu me esqueci. – Quero ficar com você. – Era mais fácil dizer isso no escuro, sabendo, ao falar, que minha voz me trairia, trairia meu vício irremediável nele. – Não posso entrar? – perguntou ele. – Gostaria de entrar? – Não imaginei isso, esta criatura divina sentada na cadeira esfrangalhada da cozinha do meu pai. – Sim, se não houver problema. – Ouvi a porta se fechar baixinho e quase ao mesmo tempo ele estava do meu lado da porta, abrindo-a para mim. – Muito humano – eu o elogiei. – Definitivamente está vindo à tona. Ele andou a meu lado na noite, tão silencioso que eu precisava olhar constantemente para ter certeza de que ainda estava ali. Na escuridão, ele parecia muito mais normal. Ainda pálido, ainda onírico em sua beleza, mas não era mais a criatura cintilante e fantástica de nossa tarde ao sol. Ele chegou à porta antes de mim e a abriu. Eu parei a meio caminho na soleira. – A porta estava destrancada? – Não, usei a chave que estava embaixo do beiral. Entrei, acendi a luz da varanda e me virei para olhá-lo com as sobrancelhas erguidas. Tinha certeza de nunca ter usado a chave na frente dele. – Estava curioso sobre você. – Você me espionou? – Mas de certo modo não consegui infundir o ultraje adequado à minha voz. Eu estava lisonjeada. Ele não parecia arrependido. – O que mais se pode fazer à noite? Deixei passar por um momento e fomos para a cozinha. Ele estava ali na minha frente, precisando me guiar. Sentou-se na mesma cadeira em que tentei imaginá-lo. Sua beleza iluminou a cozinha. Foi um minuto antes de eu consegui desviar o rosto. Concentrei-me em preparar meu jantar, tirando da geladeira o que restava da lasanha, colocando um quadrado em um prato, aquecendo-a no microondas. Ela girou, enchendo a cozinha com o cheiro de tomate e orégano. Eu não tirava os olhos do prato de comida enquanto falava.
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– Com que freqüência? – perguntei casualmente. – Hmmm? – Ele deu a impressão de que tinha sido arrancado de uma seqüência de pensamentos. Eu ainda não tinha me virado. – Com que freqüência você veio aqui? – Venho aqui quase toda noite. Eu girei, atordoada. – Por quê? – Você é interessante quando dorme. – Ele falou categoricamente. – Você fala. – Não! – arfei, o calor inundando meu rosto até a raiz dos cabelos. Segurei-me na bancada da cozinha para me apoiar. É claro que eu sabia que falava dormindo; minha mãe brincava comigo sobre isso. Mas não pensei que fosse uma coisa com que precisasse me preocupar aqui. Sua expressão mudou de imediato para o pesar. – Está com raiva de mim? – Isso depende! – Eu senti, e parecia, que minha respiração fora arrancada de mim. Ele esperou. – De? – insistiu ele. – Do que você ouviu! – eu gemi. No mesmo instante, silenciosamente, ele estava do meu lado, pegando minhas mãos com cuidado. – Não fique chateada! – pediu ele. Ele baixou o rosto ao nível de meus olhos, acompanhando meu olhar. Fiquei sem graça. Tentei desviar os olhos. – Você sente falta da sua mãe – sussurrou ele. – Lamenta por ela. E quando chove, o som a deixa inquieta. Você costumava falar muito de sua cidade, mas agora é menos freqüente. Uma vez você disse: “É verde demais.” – Ele riu baixinho, esperando, como pude ver, não me ofender ainda mais. – Mais alguma coisa? – perguntei. Ele sabia que eu estava chegando lá. – Você disse meu nome – admitiu ele. Suspirei, derrotada. – Muito? – O quanto chama de “muito”, exatamente?
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– Ah, não! – baixei a cabeça. Ele me puxou de novo para seu peito, delicada e naturalmente. – Não fique constrangida – sussurrou em meu ouvido. – Se eu pudesse sonhar, seria com você. Não me envergonharia disso. Depois nós dois ouvimos o som de pneus na entrada de carros, vimos os faróis lampejarem nas janelas da frente, descendo pelo corredor até nós. Enrijeci em seus braços. – Seu pai pode saber que eu estou aqui? – perguntou ele. – Não sei bem… – tentei pensar em alguma coisa rapidamente. – Em outra ocasião, então… E eu estava só. – Edward? – sibilei. Ouvi uma risada espectral, depois mais nada. A chave de meu pai girou na porta. – Bella? – chamou ele. Isso me incomodava antes; quem mais poderia ser? De repente não parecia tão despropositado. – Aqui. – Esperei que ele não pudesse ouvir o tom histérico em minha voz. Peguei o jantar no microondas e sentei-me à mesa enquanto ele entrava. Seus passos pareciam tão ruidosos depois de meu dia com Edward. – Posso comer um pouco disso? Estou morto de fome. – Segurando o encosto da cadeira de Edward para se apoiar ele se equilibrou em uma das botas para tirá-las. Levei a comida comigo, esquartejando-a enquanto via o jantar dele. Queimou minha língua. Enchi dois copos de leite enquanto a lasanha dele aquecia e engoli o meu para aplacar a ardência. Enquanto baixava o copo, percebi que o leite se sacudia e que minha mão tremia. Charlie estava sentado na cadeira, e o contraste entre ele e seu antigo ocupante era cômico. – Obrigado – disse ele enquanto eu colocava a comida na mesa. – Como foi seu dia? – perguntei. As palavras saíram apressadas; eu estava morrendo de vontade de fugir para meu quarto. – Foi bom. Os peixes estavam mordendo… E você? Conseguiu fazer tudo o que queria? – Na verdade, não… Estava bom demais para ficar em casa. – Dei outra dentada grande.
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– Foi um lindo dia – concordou ele. Lindo é pouco, pensei comigo mesma. Terminado o último pedaço de lasanha, levantei o copo e entornei o resto do leite. Charlie me surpreendeu tornando-se observador. – Com pressa? – É, estou cansada. Vou dormir cedo. – Você parece meio animada – observou ele. Por que, ah, por que ele tem que prestar atenção justo esta noite? – Pareço? – foi só o que consegui responder. Rapidamente lavei minha louça na pia e coloquei-a de cabeça para baixo em um pano de prato para secar. – É sábado – refletiu ele. Não respondi. – Não tem planos para esta noite? – perguntou ele de repente. – Não, pai, só quero dormir um pouco. – Nenhum dos meninos da cidade faz seu tipo, hein? – Ele estava desconfiado, mas tentava pegar leve comigo. – Não, nenhum dos meninos atraiu minha atenção ainda. – Tive o cuidado de não enfatizar demais a palavra meninos em minha tentativa de ser sincera com Charlie. – Pensei que talvez aquele Mike Newton… Você disse que ele era simpático. – Ele é só um amigo, pai. – Bom, de qualquer forma, você é boa demais para todos eles. Espere até entrar na faculdade para começar a procurar. – O sonho de todo pai, que sua filha saia de casa antes que os hormônios ataquem. – Parece uma boa idéia para mim – concordei enquanto ia para a escada. – Boa noite, querida – disse ele atrás de mim. Sem dúvida ele estaria ouvindo com cuidado toda noite, esperando que eu tentasse escapulir. – Te vejo de manhã, pai. – Vejo você entrando de fininho no meu quarto à meia-noite para dar uma olhada em mim.
Tentei fazer com que meus passos parecessem lentos e cansados ao subir para o quarto. Fechei a porta alto o bastante para que ele ouvisse, depois fui na ponta dos pés até a janela. Eu a abri e me inclinei para a
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noite. Meus olhos varreram o escuro, as sombras impenetráveis das árvores. – Edward? – sussurrei, sentindo-me uma completa idiota. A resposta baixa e risonha veio de trás de mim. – Sim? Eu girei, a mão voando para o pescoço de pura surpresa. Ele estava deitado em minha cama, com um sorriso enorme, as mãos na nuca, os pés se balançando na ponta, a imagem do conforto. – Oh! – sussurrei, afundando sem equilíbrio no chão. – Desculpe. – Ele apertou os lábios, tentando esconder como se divertia. – Me dê um minuto para meu coração voltar a bater. Ele se sentou devagar, para não me assustar de novo. Depois se inclinou para frente e estendeu os braços longos para me pegar, agarrando-me pelos braços como se eu fosse um bebê. Sentou-me na cama ao lado dele. – Por que não se senta aqui comigo – sugeriu ele, colocando a mão fria na minha. – Como está o coração? – Me diga você… Sei que você o ouve melhor do que eu. Senti seu riso baixo estremecer a cama. Ficamos sentados ali por um momento em silêncio, os dois tentando ouvir meu batimento lento. Pensei em Edward no meu quarto, com meu pai em casa. – Posso ter um minuto como ser humano? – perguntei. – Certamente. – Ele gesticulou com uma das mãos para que eu prosseguisse. – Parado – eu disse, tentando parecer severa. – Sim, senhora. – E ele fez um espetáculo virando estátua na beira da minha cama. Eu me levantei num salto, pegando o pijama atrás da porta e a nécessaire na mesa. Deixei a luz apagada e saí, fechando a porta. Pude ouvir o som da TV subindo pela escada. Bati a porta do banheiro ruidosamente, assim Charlie não viria me incomodar.
Eu quis me apressar. Escovei os dentes com força, tentando ser completa e rápida, retirando todos os vestígios de lasanha. Mas não pude me apressar na água quente do banho. Ela desemaranhou os músculos de minhas costas, acalmou minha pulsação. O cheiro familiar de meu xampu
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fez com que eu me sentisse a mesma pessoa que era esta manhã. Tentei não pensar em Edward, sentado em meu quarto, esperando, porque teria que recomeçar todo o processo de tranqüilização. Por fim, não consegui adiar mais. Fechei a água, enxuguei-me rapidamente, correndo de novo. Vesti a camiseta furada e o moletom cinza. Tarde demais para me arrepender de não ter trazido o pijama de seda Victoria Secrets que minha mãe me deu dois aniversários atrás, que ainda tinha as etiquetas em uma gaveta em algum lugar lá na minha casa. Passei a toalha no cabelo de novo e depois o escovei rapidamente. Atirei a toalha no cesto, enfiei a escova e o creme dental na bolsa. Depois disparei escada abaixo para que Charlie pudesse ver que eu estava de pijama, com o cabelo molhado. – Boa noite, pai. – Boa noite, Bella. – Ele pareceu se assustar com minha presença. Talvez isso o impedisse de vir me ver esta noite. Subi a escada de dois em dois degraus, tentando fazer silêncio, e voei para meu quarto, fechando a porta ao entrar. Edward não havia se mexido nem um milímetro, um adônis entalhado empoleirado em minha colcha desbotada. Eu sorri e seus lábios se retorceram, a estátua que ganhava vida. Seus olhos me avaliaram, passando pelo cabelo molhado, a camiseta puída. Ele ergueu uma sobrancelha. – Bonita. Fiz uma careta. – Não, fica bem em você. – Obrigada – sussurrei. Voltei para o lado dele, sentando de pernas cruzadas. Olhei as linhas no piso de madeira. – Para que tudo isso? – Charlie pensa que eu estou escapulindo de casa. – Ah. – Ele pensou no assunto. – E por quê? – Como se ele não pudesse ver a mente de Charlie com muito mais clareza do que eu podia imaginar. – Ao que parece, eu pareço meio animada demais. Ele ergueu meu queixo, examinando meu rosto. – Na verdade, você parece quente. Ele aproximou o rosto lentamente para mim, pousando a bochecha fria em minha pele. Fiquei completamente imóvel.
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– Hmmm – murmurou ele. Era muito difícil, enquanto ele me tocava, elaborar uma pergunta coerente. Precisei de um minuto de concentração para começar. – Parece ser… muito mais fácil para você, agora, ficar perto de mim. – É assim que parece para você? – murmurou ele, o nariz deslizando pelo canto de meu queixo. Senti sua mão, mais leve do que uma asa de mariposa, afastando meu cabelo molhado na nuca, de modo que seus lábios pudessem tocar o espaço abaixo de minha orelha. – Muito, muito mais fácil – eu disse, tentando respirar. – Hmmm. – Então eu estava me perguntando… – comecei de novo, mas seus dedos delineavam lentamente minha clavícula e eu perdi o fio da meada. – Sim? – sussurrou ele. – Por que – minha voz tremeu, constrangendo-me – você pensa assim? Senti o tremor de sua respiração em meu pescoço enquanto ele ria. – A mente domina a matéria. Eu recuei; enquanto me mexia, ele congelou – e não pude mais ouvir o som de sua respiração. Nós nos olhamos cuidadosamente por um minuto e depois, enquanto seu queixo trincado aos poucos relaxava, sua expressão tornou-se confusa. – Fiz alguma coisa errada? – Não… Ao contrário. Está me deixando louca – expliquei. Ele pensou no assunto por um tempo e, quando falou, parecia satisfeito. – É mesmo? – Um sorriso de triunfo iluminou lentamente seu rosto. – Gostaria de uma rodada de aplausos? – perguntei sarcasticamente. Ele deu um sorriso malicioso. – É uma surpresa agradável – esclareceu ele. – Nos últimos cem anos, mais ou menos – sua voz era debochada –, nunca imaginei uma coisa dessas. Não acreditava que um dia iria encontrar alguém com quem quisesse ficar… de outra maneira, não como meus irmãos e irmãs. E então descobrir, embora tudo seja novo para mim, que sou bom nisso… Em ficar com você… – Você é bom em tudo – assinalei.
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Ele deu de ombros, admitindo isso, e nós dois rimos aos sussurros. – Mas como pode ser tão fácil agora? – pressionei. – Esta tarde… – Não é fácil – ele suspirou. – Mas hoje à tarde, eu ainda estava… indeciso. Lamento muito por isso, foi imperdoável de minha parte me comportar daquele jeito. – Não foi imperdoável – discordei. – Obrigado. – Ele sorriu. – Veja você – continuou ele, agora olhando para baixo. – Não tinha certeza se eu era bastante forte… – Ele pegou minha mão e a apertou de leve em seu rosto. – E enquanto ainda havia essa possibilidade de que eu fosse… dominado – ele respirou o aroma em meu pulso –, eu era suscetível. Até que me decidi que tinha força suficiente, que não havia nenhuma possibilidade de que eu fosse… De que um dia pudesse… Nunca o vi lutar tanto com as palavras. Era tão… humano. – E não existe essa possibilidade agora? – A mente domina a matéria – repetiu ele, sorrindo, os dentes brilhando mesmo no escuro. – Caramba, essa foi fácil – eu disse. Ele atirou a cabeça para trás e riu, baixo como um sussurro, mas ainda exuberante. – Fácil para você! – corrigiu ele, tocando meu nariz com a ponta do dedo. E seu rosto de repente ficou sério. – Estou tentando – sussurrou ele, a voz cheia de dor. – Se for… demasiado, tenho certeza absoluta de que poderei partir. Fechei a cara. Não gostei dessa conversa de partir. – E será mais difícil amanhã – continuou ele. – Fiquei com seu cheiro em minha cabeça o dia todo e vou ficar incrivelmente dessensibilizado. Se ficar longe de você por qualquer período de tempo, terei que começar de novo. Mas não do zero, imagino. – Então não vá embora – respondi, incapaz de esconder o desejo em minha voz. – Isso é bom para mim – respondeu ele, o rosto relaxando num sorriso suave. – Coloque os grilhões… Sou seu prisioneiro. – Mas suas longas mãos formaram algemas em meus pulsos enquanto ele falava. Edward soltou uma risada musical e baixa. Ele riu mais esta noite do que em todo o tempo que passei com ele.
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– Você parece mais… otimista do que de costume – observei. – Não o vi assim antes. – Não é para ser assim? – Ele sorriu. – A glória do primeiro amor, essas coisas. É inacreditável, não é, a diferença entre ler sobre uma coisa, vê-la em fotos e experimentá-la? – Muito diferente – concordei. – Mais poderoso do que imaginei. – Por exemplo – suas palavras agora fluíam rapidamente, precisei me concentrar para apreendê-las –, a emoção do ciúme. Li sobre isso umas cem vezes, vi atores que o retrataram em mil peças e filmes diferentes. Eu acreditava que o entendia com muita clareza. Mas foi um choque para mim… – Ele fez uma careta. – Lembra o dia em que Mike a convidou para o baile? Assenti, embora me lembrasse do dia por um motivo diferente. – Quando você começou a falar comigo de novo. – Fiquei surpreso com o surto de ressentimento, quase de fúria, que senti… Inicialmente não reconheci o que era. Fiquei ainda mais exasperado do que de costume por não saber o que você estava pensando, por que o rejeitou. Seria simplesmente pelo bem de sua amizade? Haveria outra pessoa? Eu sabia que não tinha o direito de me importar nem com uma coisa, nem com outra. Tentei não me importar. E depois a fila começou a se formar – ele riu. Franzi a testa no escuro. – Eu esperei, irracionalmente ansioso para ouvir o que você diria a eles, para ver sua expressão. Não pude negar o alívio que senti, vendo a irritação em seu rosto. Mas não podia ter certeza. Foi a primeira noite em que vim aqui. Eu lutei todas as noites, enquanto via você dormir, com o abismo entre o que eu sabia que era certo, moral, ético, e o que eu queria. Sabia que se continuasse a ignorá-la, como devia fazer, ou se afastasse por alguns anos, até que você fosse embora, um dia você diria sim a Mike, ou a outro igual a ele. Isso me deu raiva. Ele sussurrou: – E então, enquanto você estava dormindo, disse meu nome. Falou com tanta clareza que no começo pensei que estivesse acordada. Mas você se virou inquieta e murmurou meu nome mais uma vez, e suspirou. A sensação que me tomou depois foi enervante, foi perturbadora. E eu sabia que não podia mais ignorar você.
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Ele ficou em silêncio por um minuto, provavelmente ouvindo o martelar irregular e súbito de meu coração. – Mas o ciúme… é uma coisa estranha. É muito mais poderoso do que eu teria pensado. E é irracional! Agora pouco, quando Charlie lhe perguntou sobre aquele ser desprezível do Mike Newton… – Ele sacudiu a cabeça, com raiva. – Eu devia saber que você estava ouvindo – resmunguei. – É claro. – Isso o deixou com ciúme, não é? – Sou novo nisso; você está revivendo o que há de humano em mim e tudo parece mais forte porque é novo. – Mas sinceramente – zombei –, isso incomodar você, depois de eu ouvir que Rosalie… Rosalie, a encarnação da pura beleza, Rosalie… era para ser sua. Com ou sem Emmett, como posso competir com isso? – Não existe competição. – Seus dentes reluziram. Ele colocou minhas mãos em suas costas, segurando-me no peito. Fiquei o mais imóvel que pude, ainda respirando com cuidado. – Eu sei que não existe competição – murmurei em sua pele fria. – É esse o problema. – É claro que Rosalie é mesmo linda à maneira dela, mas mesmo que não fosse minha irmã, mesmo que Emmett não lhe pertencesse, ela não exerceria nem um décimo, não, nem um centésimo da atração que você exerce sobre mim. – Ele agora estava sério e pensativo. – Por quase noventa anos andei entre os meus, e entre os seus… O tempo todo pensando que eu era completo comigo mesmo, sem perceber o que procurava. E sem encontrar nada, porque você ainda não estava viva. – Não é justo – sussurrei, meu rosto ainda pousado em seu peito, ouvindo sua respiração ir e vir. – Não tive que esperar tanto. Por que me saí com tanta facilidade? – Tem razão – concordou ele, divertindo-se. – Eu devia mesmo dificultar as coisas para você. – Ele libertou uma das mãos, liberou meu pulso, só para colocá-lo com cuidado na outra mão. Afagou meu cabelo molhado delicadamente, do alto de minha cabeça à minha cintura. – Você só tem que arriscar sua vida a cada segundo que passa comigo e certamente não é muito. Só precisa dar as costas para sua natureza, sua humanidade… Que valor tem isso? – Muito pouco… Não me sinto privada de nada.
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– Ainda não. – E a voz dele de repente se encheu de uma tristeza antiga. Tentei recuar, olhar seu rosto, mas sua mão se fechou em meus pulso em um aperto insuportável. – O que… – comecei a perguntar, quando seu corpo ficou alerta. Fiquei imóvel, mas de repente ele soltou minhas mãos e desapareceu. Por muito pouco não caí de cara. – Deite-se – sibilou ele. Eu não sabia de onde ele falava no escuro. – Rolei para baixo de minha colcha, enroscando-me de lado, como costumava dormir. Ouvi a porta se abrir um pouco, enquanto Charlie espiava para se certificar de que eu estava onde devia. Respirei tranqüilamente, exagerando o movimento. Passou-se um longo minuto. Fiquei escutando, sem ter certeza se tinha ouvido a porta se fechar. Depois o braço frio de Edward estava em volta de mim, sob as cobertas, os lábios em minha orelha. – Você é péssima atriz… Eu diria que esta carreira está vetada para você. – Dane-se – murmurei. Meu coração esmagava meu peito. Ele cantarolou uma melodia que não reconheci; parecia uma cantiga de ninar. Ele parou. – Quer que eu cante para você dormir? – Ah, sei – eu ri. – Como se eu pudesse dormir com você aqui! – Você faz isso o tempo todo – lembrou-me ele. – Mas sem saber que você estava aqui – respondi friamente. – Então, se não quer dormir… – sugeriu ele, ignorando meu tom de voz. Parei de respirar. – Se não quero dormir…? Ele riu. – O que quer fazer, então? Não consegui responder a princípio. – Não tenho certeza – respondi por fim. – Conte-me quando decidir. Eu podia sentir seu hálito frio em meu pescoço, sentir seu nariz deslizando por meu queixo, inspirando. – Achei que estivesse dessensibilizado.
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– Só porque estou resistindo ao vinho, não quer dizer que não possa apreciar o buquê – sussurrou ele. – Você tem um aroma floral, de lavanda… ou frésia – observou ele. – É de dar água na boca. – É, o dia fica perdido quando não há alguém me dizendo que meu cheiro é apetitoso. Ele riu e depois suspirou. – Decidi o que quero fazer – eu disse a ele. – Quero saber mais de você. – Pergunte o que quiser. Procurei pela mais vital entre minhas perguntas. – Por que você faz isso? – eu disse. – Ainda não entendo como pode se esforçar tanto para resistir ao que você… é. Por favor, não me entenda mal, é claro que fico feliz que resista. Só não vejo por que você se incomoda com isso. Ele hesitou antes de responder. – É uma boa pergunta e você não é a primeira a fazê-la. Os outros, ou seja, a maioria de nossa espécie que se satisfaz com nosso quinhão, eles também se perguntam por que vivemos. Mas veja bem, só porque recebemos… uma certa mão de cartas… não quer dizer que não possamos levantar as apostas… Conquistar as fronteiras de um destino que nenhum de nós quis. Tentar reter o que quer que seja de humanidade essencial que pudermos. Fiquei deitada sem me mexer, presa em um silêncio pasmo. – Dormiu? – sussurrou ele depois de alguns minutos. – Não. – Está curiosa só sobre isso? Revirei os olhos. – Não é só isso. – O que mais quer saber? – Por que pode ler mentes… Por que só você? E Alice, vendo o futuro… Por que é assim? Senti que ele dava de ombros no escuro.
– Não sabemos realmente. Carlisle tem uma teoria… Ele acredita que todos trazemos para esta vida algumas de nossas características humanas mais fortes, e que elas se intensificam… Como nossa mente e nossos sentidos. Ele acha que eu devo ter sido muito sensível aos
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pensamentos dos que me cercavam. E que Alice tinha alguma precognição, onde quer que estivesse. – O que ele trouxe para a nova vida, e os outros? – Carlisle trouxe sua compaixão. Esme trouxe sua capacidade de amar apaixonadamente. Emmett trouxe sua força, Rosalie, sua… tenacidade. Ou você pode chamar de teimosia – ele riu. – Jasper é muito interessante. Ele foi muito carismático em sua primeira vida, capaz de influenciar quem estivesse por perto a ver as coisas da maneira dele. Agora ele pode manipular as emoções dos que o cercam… Tranqüilizar o ambiente de pessoas irritadas, por exemplo, ou excitar uma tuba letárgica. É um dom muito sutil. Pensei nas impossibilidades que ele descreveu, tentando apreendê-las. Ele esperou pacientemente enquanto eu pensava. – Então, onde tudo começou? Quer dizer, Carlisle mudou você e antes alguém deve tê-lo mudado, e assim por diante… – Bom, de onde você veio? Da evolução? Da criação? Não podemos ter evoluído da mesma maneira que as outras espécies, predador e presa? Ou, se não acredita que tudo neste mundo simplesmente aconteceu sozinho, o que eu mesmo tenho dificuldade de aceitar, é tão difícil acreditar que a mesma força que criou o delicado peixe-anjo e o tubarão, o bebê foca e a baleia assassina, possa ter criado nossas espécies juntas? – Vamos esclarecer isso… Eu sou o bebê foca, não é? – É. – Ele riu e algo tocou meu cabelo – seus lábios? Eu quis me virar, para ver se eram mesmo os lábios em meu cabelo. Mas precisava ter cuidado; não queria tornar tudo mais difícil do que já era para ele. – Está pronta para dormir? – perguntou ele, interrompendo o curto silêncio. – Ou tem mais alguma pergunta? – Só um milhão delas, ou dois. – Temos amanhã, e depois de amanhã, e o dia seguinte… – lembrou-me ele. Eu sorri, eufórica com a idéia. – Tem certeza de que não vai desaparecer de manhã? – Eu queria me certificar. – Afinal de contas, você é mítico. – Não vou deixá-la. – Sua voz tinha o selo da promessa. – Mais uma, então, esta noite… – E eu corei. A escuridão não ajudava – eu tinha certeza de que ele podia sentir o calor repentino sob minha pele.
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– O que é? – Não, deixa pra lá. Mudei de idéia. – Bella, pode me perguntar qualquer coisa. Não respondi e ele gemeu. – Pensei que seria menos frustrante não ouvir seus pensamentos. Mas está ficando cada vez pior. – Fico feliz que não possa ler meus pensamentos. Já é bem difícil que você me ouça falar dormindo. – Por favor? – Sua voz era tão convincente, era absolutamente impossível resistir a ela. Sacudi a cabeça. – Se não me disse, vou supor que é algo muito pior do que é na realidade – ele ameaçou sombriamente. – Por favor? – De novo, a voz suplicante. – Bom – comecei, feliz por ele não poder ver meu rosto. – Sim? – Disse que Rosalie e Emmett vão se casar logo… Esse… casamento… é o mesmo dos humanos? Ele riu abertamente, entendendo. – É a isso que quer chegar? Fiquei inquieta, incapaz de responder. – Sim, imagino que deve ser igual – disse ele. – Eu lhe disse, a maioria dos desejos humanos está presente, só oculta por trás de nossos desejos poderosos. – Ah – foi só o que pude dizer. – Havia algum propósito por trás de usa curiosidade? – Bom, eu fiquei me perguntando… sobre você e eu… um dia… Ele ficou sério imediatamente, percebi pela imobilidade súbita de seu corpo. Fiquei paralisada também, reagindo automaticamente. – Não acho que… que… fosse possível para nós. – Porque seria difícil demais para você, se eu ficasse assim tão… perto?
– Certamente isso é um problema. Mas não era no que eu estava pensando. É só que você é tão macia, tão frágil. Tenho que calcular meus atos a cada momento em que estamos juntos para não machucá-la. Posso matá-la com muita facilidade, Bella, simplesmente por acidente. – Sua voz tornou-se um murmúrio delicado. Ele pousou a palma gelada em meu
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rosto. – Se eu fosse precipitado demais… Se por um segundo não estiver prestando a devida atenção, posso estender a mão, querendo tocar seu rosto, e esmagar seu crânio por engano. Não sabe como é incrivelmente quebradiça. Eu não posso, jamais, perder qualquer controle quando estou com você. Ele esperou que eu respondesse, a ansiedade crescendo quando eu não disse nada. – Está com medo? – perguntou ele. Esperei um minuto para responder, assim as palavras seriam sinceras. – Não. Eu estou bem. Ele pareceu deliberar por um segundo. – Mas agora estou curioso… – disse ele, a voz leve novamente. – Você já…? – ele se interrompeu sugestivamente. – É claro que não. – Eu corei. – Eu lhe disse que nunca senti isso por ninguém, nem perto. – Eu sei. Mas sei o que outras pessoas pensam. Sei que o amor e o desejo nem sempre andam de mãos dadas. – Para mim, andam. Agora, de qualquer modo, eles existem para mim dessa forma – eu suspirei. – Isso é bom. Temos pelo menos uma coisa me comum. – Ele pareceu satisfeito. – Seus instintos humanos… – comecei. Ele esperou. – Bom, você me acha atraente nesse sentido, afinal? Ele riu e desarrumou de leve meu cabelo quase seco. – Posso não ser humano, mas sou um homem – garantiu-me ele. Soltei um bocejo involuntário. – Respondi a suas perguntas, agora deve dormir. – Não sei se posso. – Quer que eu vá embora? – Não! – eu disse alto demais. Ele riu, depois começou a cantarolar a mesma cantiga desconhecida. A voz de um arcanjo, suave em meu ouvido. Mais cansada do que tinha percebido, exausta do longo dia de estresse mental e emocional que nunca sentira antes, vaguei para o sono em seus braços frios.
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15. OS CULLEN 

A luz sufocada de outro dia nublado acabou me acordando. Fiquei deitada com o braço nos olhos, grogue e confusa. Algo, um sonho tentando ser lembrado, lutava para irromper em minha consciência. Eu gemi e rolei de lado, esperando que o sono voltasse. E depois o dia anterior inundou minha consciência. – Ah! – Sentei-me tão rápido que minha cabeça girou. – Seu cabelo parece um monte de feno… Mas eu gosto assim. – A voz abafada vinha da cadeira de balanço no canto. – Edward! Você ficou! – eu disse em júbilo e, sem pensar, disparei pelo quarto e me atirei no colo dele. No momento em que meus pensamentos acompanharam meus atos, eu estaquei, chocado com meu entusiasmo descontrolado. Olhei para ele, com medo de ter atravessado o limite errado. Mas ele riu. – É claro – respondeu, sobressaltado, mas parecendo satisfeito com minha reação. Suas mãos afagaram minhas costas. Pousei a cabeça com cuidado em seu ombro, respirando o cheiro de sua pele. – Eu tinha certeza de que era um sonho. – Você não é tão criativa assim – zombou ele. – Charlie! – lembrei, pulando de imediato novamente e indo para a porta. – Ele saiu há uma hora… Depois de desconectar os cabos de bateria de seu carro, devo acrescentar. Tenho que admitir que fiquei decepcionado. Será que isso realmente a impediria, se você estivesse decidida a sair? Eu pensei, ali onde estava, querendo loucamente voltar para ele, mas com medo de estar com mau hálito matinal. – Em geral você não é tão confusa de manhã – observou ele. E abriu os braços para me receber de volta. Um convite quase irresistível. – Preciso de outro minuto humano – admiti. – Vou esperar.
Pulei para o banheiro, minhas emoções irreconhecíveis. Eu não me conhecia, por dentro ou por fora. O rosto no espelho era praticamente estranho a mim – olhos brilhantes demais, pontos febris de vermelho nas
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maçãs do rosto. Depois que escovei os dentes, consegui consertar o caos embaraçado que era meu cabelo, joguei água fria na cara e tentei respirar normalmente, sem nenhum sucesso perceptível. Eu praticamente corri de volta ao meu quarto. Parecia um milagre que ele estivesse ali, os braços ainda esperando por mim. Ele estendeu a mão e meu coração martelou, instável. – Bem-vinda de volta – murmurou, pegando-me nos braços. Ele me embalou por um tempo em silêncio até que percebi que suas roupas haviam mudado, o cabelo penteado. – Você saiu? – eu o acusei, tocando a gola de sua camisa limpa. – Não podia sair nas roupas com que eu vim… O que os vizinhos iam pensar? Fiz um beicinho. – Você tem um sono muito profundo, não perdi nada. – Seus olhos cintilavam. – O falatório veio antes disso. Eu gemi. – O que você ouviu? Seus olhos dourados ficaram muito suaves. – Você disse que me amava. – Você já sabia disso – lembrei a ele, afundando minha cabeça. – Mesmo assim, foi bom ouvir. Escondi o rosto em seu ombro. – Eu te amo – sussurrei. – Agora você é a minha vida – respondeu ele simplesmente. Não havia nada mais a dizer naquele momento. Ele me embalou enquanto o quarto ficava mais claro. – Hora do café-da-manhã – disse ele por fim, despreocupadamente, para provar, tenho certeza, que se lembrava de todas as minhas fragilidades humanas. Então segurei meu pescoço com as duas mãos e arregalei os olhos para ele. O choque atravessou seu rosto. – Brincadeirinha! – eu disse, rindo. – E você disse que eu não sabia atuar! Ele fez uma careta de aversão. – Não foi engraçado.
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– Foi muito engraçado e você sabe disso. – Mas examinei seus olhos dourados com cuidado, para ter certeza de que eu estava perdoada. Ao que parecia, estava. – Devo reformular o que disse? – perguntou ele. – Hora do café-da-manhã para os humanos. – Ah, tudo bem. Ele me atirou delicadamente sobre os ombro de pedra, mas com uma velocidade que me deixou sem fôlego. Protestei enquanto ele me carregava facilmente escada abaixo, mas ele me ignorou. Ele me sentou de lado em uma cadeira. A cozinha estava resplandecente, feliz, parecendo absorver meu estado de espírito. – O que temos para o café? – perguntei, satisfeita. – Hã, não sei bem. O que quer comer? – Sua testa marmórea se enrugou. Eu sorri com malícia, colocando-me de pé. – Está tudo bem, eu me viro sozinha. Observe-me caçar. Encontrei uma tigela e uma caixa de cereais. Eu podia sentir seus olhos em mim enquanto eu me servia de leite e pegava uma colher. Coloquei minha comida na mesa e depois parei. – Posso lhe servir alguma coisa? – perguntei, sem querer ser rude. Ele revirou os olhos. – Coma, Bella. Sentei à mesa, observando-o enquanto dava uma colherada. Ele me fitava analisando cada movimento. Isso me deixou constrangida. Limpei a boca para falar, para distraí-lo. – Qual é a programação de hoje? – perguntei. – Hmmm… – Vi que ele preparava a resposta com muito cuidado. – O que diria de conhecer minha família? Engoli em seco. – Está com medo agora? – Ele pareceu esperançoso. – Estou – admiti; como podia negar isso? Ele podia ver meus olhos. – Não se preocupe. – Ele sorriu. – Vou proteger você. – Não estou com medo deles – expliquei. – Tenho medo de que eles não… gostem de mim. Eles não se surpreenderiam se você levasse alguém… como eu… para conhecê-los em casa? Eles sabem que eu sei sobre eles?
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– Ah, já sabem de tudo. Eles fizeram umas apostas ontem, sabia? – Edward sorriu, mas sua voz era áspera – Se eu traria você de volta. Mas por que alguém apostaria contra Alice, não consigo imaginar. De qualquer modo, não temos segredos em nossa família. Não é viável, com minha leitura de pensamento, Alice vendo o futuro e tudo isso. – E Jasper fazendo você se sentir todo alvoroçado para despejar tudo o que sabe, não se esqueça. – Você prestou atenção. – Ele sorriu com aprovação. – De vez em quando sei fazer isso. – Eu sorri. – Então Alice me viu chegando? Sua reação foi estranha. – Alguma coisa assim – disse ele pouco à vontade, virando-se para que eu não pudesse ver seus olhos. Eu o fitei, curiosa. – Isso é bom? – perguntou ele, virando-se para mim abruptamente e olhando meu café-da-manhã de um jeito debochado. – Francamente, não parece muito apetitoso. – Bom, não é dos piores… – murmurei, ignorando-o quando ele fez uma careta. Eu ainda estava me perguntando por que ele respondeu daquele jeito quando falei em Alice. Comi os cereais às pressas, especulando. Ele ficou de pé no meio da cozinha, a estátua de Adônis de novo, olhando distraído pela janela dos fundos. Depois seus olhos voltaram para mim e ele abriu aquele sorriso de partir o coração. – E você deve me apresentar a seu pai também, imagino. – Ele já conhece você – lembrei a ele. – Como seu namorado, eu quero dizer. Eu o encarei com desconfiança. – Por quê? – Não é esse o costume? – perguntou ele inocentemente. – Não sei – admiti. Meu histórico de namoros me dava poucos pontos de referência com que trabalhar. Não que as regras formais fossem válidas aqui. – Não é necessário, sabe disso. Não espero que você… Quer dizer, você não precisa me pedir em casamento. Seu sorriso era paciente. – Não estou pedindo.
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Empurrei o que restava do cereal para a beira da tigela, mordendo o lábio. – Vai ou não contar a Charlie que sou seu novo namorado? – perguntou ele. – E você é isso mesmo? – Reprimi minha lisonja íntima com a idéia de Edward, Charlie e a palavra namorado no cômodo ao mesmo tempo. – Esta é uma interpretação livre da palavra “novo”, admito. – Tive a impressão de que você era algo mais, na verdade – confessei, olhando a mesa. – Bom, não sei se precisamos dar a ele todos os detalhes sórdidos. – Ele estendeu a mão por sobre a mesa para erguer meu queixo com o dedo frio e delicado. – Mas ele vai precisar de alguma explicação para eu andar tanto por aqui. Não quero que o chefe Swan consiga um mandado de segurança contra mim. – Você fará isso? – perguntei, ansiosa de repente. – Realmente estará aqui? – Desde que você me queira – garantiu-me. – Sempre vou querer você – eu o alertei. – Para sempre. Ele contornou lentamente a mesa e, parando a pouca distância, tocou meu rosto com a ponta dos dedos. Sua expressão era insondável. – Isso o deixa triste? – perguntei. Ele não respondeu. Olhou nos meus olhos por um período imensurável de tempo. – Já terminou? – perguntou por fim. Pulei de pé. – Sim. – Vá se vestir… Vou esperar aqui. Foi difícil decidir que roupa usar. Eu duvidava de que houvesse algum livro de etiqueta detalhando como se vestir quando seu namorado vampiro a leva para casa para conhecer sua família de vampiros. Foi um alívio pensar a palavra comigo mesma. Eu sabia que a rejeitava intencionalmente. Acabei com minha única sai – longa, cáqui, ainda informal. Vesti a blusa azul-escura que ele elogiou um dia. Uma olhada rápida no espelho me disse que meu cabelo estava impossível, então eu o puxei em um rabo-de-cavalo. – Tudo bem. – Quiquei escada abaixo. – Estou decente.
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Ele esperava ao pé da escada, mais perto do que eu pensava, e eu saltei direto para ele. Ele me segurou, mantendo-me a uma distância cautelosa por alguns segundos antes de repentinamente me puxar para mais perto. – Errado de novo – murmurou ele em meu ouvido. – Você está totalmente indecente… Ninguém deve ser uma tentação tão grande, não é justo. – Tentação, como? – perguntei. – Posso trocar… Ele suspirou, sacudindo a cabeça. – Você é tão absurda. – Ele apertou os lábios frios delicadamente em minha testa e a sala girou. O cheiro de seu hálito me impossibilitava de pensar. – Devo explicar como é tentadora para mim? – disse ele. Era obviamente uma pergunta retórica. Seus dedos acompanharam lentamente minha coluna, sua respiração saindo com mais rapidez em minha pele. minhas mãos estavam flácidas em seu peito e senti vertigem novamente. Ele inclinou a cabeça devagar e tocou os lábios frios nos meus pela segunda vez, com muito cuidado, separando-os um pouco. E então eu desmaiei. – Bella? – Sua voz estava alarmada enquanto ele me pegava e me erguia. – Você… me… deixa… fraca – eu o acusei, tonta. – O que vou fazer com você? – gemeu ele, exasperado. – Ontem eu a beijei, e você me atacou! Hoje você desmaia nos meus braços! Eu ri bem fraquinho, deixando que seus braços me apoiassem enquanto minha cabeça girava. – É nisso que dá ser bom em tudo – ele suspirou. – É esse o problema. – Eu ainda estava tonta. – Você é bom demais. Muito, muito bom. – Está enjoada? – perguntou ele; ele nunca me vira assim antes. – Não… Não é o mesmo tipo de desmaio. Não sei o que aconteceu. – Sacudi a cabeça, desculpando-me. – Acho que esqueci de respirar. – Não posso levar você a lugar nenhum desse jeito. – Eu estou bem – insisti. – Sua família vai pensar que sou louca mesmo, que diferença faz? Ele avaliou minha expressão por um momento.
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– Gosto muito dessa cor em sua pele – disse ele inesperadamente. Eu corei de prazer e desviei os olhos. – Olhe, estou tentando ao máximo não pensar no que estou prestes a fazer, então, será que podemos ir? – perguntei. – E você não está preocupada porque vai conhecer uma casa de vampiros, mas porque acha que aqueles vampiros não vão aprová-la, não estou certo? – Está certo – respondi imediatamente, escondendo minha surpresa com o uso despreocupado da palavra. Ele sacudiu a cabeça. – Você é inacreditável. Percebi, enquanto ele dirigia minha picape pela parte principal da cidade, que eu não fazia idéia de onde ele morava. Passamos pela ponte sobre o rio Calawah, a estrada que serpenteava ao norte, as casas aparecendo rapidamente ao nosso lado, cada vez maiores. Eu tentava resolver se perguntava ou se seria paciente quando ele entrou abruptamente em uma estrada sem pavimentação. Não tinha placa, mal era visível em meio às samambaias. A floresta invadia os dois lados, deixando a estrada à frente discernível apenas por alguns metros enquanto se curvava, como uma serpente, em torno das árvores antigas. E então, depois de alguns quilômetros, havia um espaço no bosque e de repente estávamos em uma campina pequena, ou seria um gramado? Mas a escuridão da floresta não cedia, porque havia seis cedros centenários que sombreavam meio hectare com seus longos ramos. As árvores lançavam as sombras protetoras nas paredes da casa que se erguia entre elas, tornando obsoleta e a varanda larga que contornava o primeiro andar. Não sei o que eu esperava, mas definitivamente não era isso. A casa era atemporal, graciosa, e devia ter uns cem anos. Era pintada de um branco suave e desbotado, tinha três andares, era retangular e proporcional. As janelas e as portas ou faziam parte da estrutura original, ou eram uma restauração perfeita. Minha picape era o único carro à vista. Pude ouvir o rio perto dali, oculto nas sombras da flores. – Caramba. – Gosta? – Ele sorriu. – Tem… certo charme. Ele puxou a ponta de meu rabo-de-cavalo e riu. – Pronta? – perguntou, abrindo a porta do carona para mim.
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– Nem um pouquinho… Vamos. – Tentei rir, mas o riso pareceu preso na garganta. Alisei o cabelo, nervosa. – Você está linda. – Ele pegou minha mão tranqüilamente, sem pensar. Andamos pelas sombras densas até a varanda. Eu sabia que ele podia sentir minha tensão; seu polegar fazia círculos suaves nas costas de minha mão. Ele abriu a porta para mim. O interior era ainda mais surpreendente, menos previsível do que o exterior. Era muito iluminado, muito aberto e muito grande. Originalmente devia ter tido muitos cômodos, mas a maioria das paredes fora derrubada, criando um único espaço amplo. A parede de trás, dando para o sul, fora inteiramente substituída por vidro e, para além da sombra dos cedros, o gramado se estendia até o rio largo. Uma enorme escada em curva dominava o lado oeste da sala. As paredes, o teto de vigas altas o piso de madeira e os tapetes grossos eram de tons variados de branco. Esperando para nos receber, de pé pouco à esquerda da porta, numa parte elevada do chão junto a um piano de cauda espetacular, estavam os pais de Edward. É claro que eu já havia visto o Dr. Cullen, mas ainda assim não consegui deixar de ficar pasma novamente com sua beleza, sua perfeição ultrajante. A seu lado estava Esme, imaginei, a única da família que eu nunca vira. Tinha os mesmos traços pálidos e lindos dos demais. Alguma coisa em seu rosto em formato de coração, as ondas de seu cabelo macio cor de caramelo, lembrava-me as ingênuas da época do cinema mudo. Ela era baixa e esguia, no entanto menos angulosa, mais arredondada do que os outros. Ambos estavam com roupas informais, em cores claras que combinavam com o interior da casa. Eles sorriram dando as boas-vindas, mas não se aproximaram de nós. Tentando não me assustar, imaginei. – Carlisle, Esme – a voz de Edward rompeu o curto silêncio –, esta é Bella. – É muito bem-vinda aqui, Bella. – O andar de Carlisle era cadenciado e cuidadoso ao se aproximar de mim. Ele ergueu a mão, inseguro, e eu me aproximei para cumprimentá-lo. – É bom vê-lo novamente, Dr. Cullen. – Por favor, chame-me de Carlisle.
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– Carlisle. – Eu sorri para ele, minha súbita confiança me surpreendendo. Podia sentir o alívio de Edward ao meu lado. Esme sorriu e também se aproximou, estendendo a mão para mim. Seu aperto frio e pétreo era exatamente o que eu esperava. – É muito bom conhecer você – disse ela com sinceridade. – Obrigada. Fico feliz por conhecê-la também. – E estava mesmo. Era como conhecer um conto de fadas; a Branca de Neve em pessoa. – Onde estão Alice e Jasper? – perguntou Edward, mas ninguém respondeu, enquanto eles simplesmente apareciam no alto da ampla escada. – Oi, Edward! – gritou Alice com entusiasmo. Ela correu escada abaixo, um raio de cabelos pretos e pele branca, vindo parar súbita e silenciosamente diante de mim. Carlisle e Esme lançaram olhares de alerta para ela, mas eu gostei. Era natural – para ela, de qualquer forma. – Oi, Bella! – disse Alice, e ela quicou para frente para me dar um beijo no rosto. Se antes Carlisle e Esme pareciam cautelosos, agora ficaram vacilantes. Havia choque nos meus olhos, mas também prazer por ela parecer me aprovar tão sinceramente. Fiquei assustada ao sentir Edward enrijecer ao meu lado. Olhei para seu rosto, mas a expressão era indecifrável. – Seu cheiro é bom, nunca percebi antes – comentou ela, para meu extremo constrangimento. Ninguém mais pareceu saber o que dizer, e então Jasper estava ali – alto e leonino. Uma sensação de tranqüilidade me tomou e eu de repente estava à vontade, apesar de onde me encontrava. Edward olhou para Jasper, erguendo uma sobrancelha, e eu me lembrei do que Jasper podia fazer. – Olá, Bella – disse Jasper. Ele manteve distância, sem se oferecer par um aperto de mãos. Mas era impossível se sentir desconfortável perto dele. – Oi, Jasper. – Sorri timidamente para ele e depois para os outros. – É ótimo conhecer vocês todos… Vocês têm uma bela casa – acrescentei, convencionalmente. – Obrigada – disse Esme. – Ficamos felizes por ter vindo. – Ela falava com sentimento e percebi que me considerava corajosa.
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Também percebi que Rosalie e Emmett não estavam em lugar nenhum à vista, e me lembrei da negativa inocente demais de Edward quando perguntei se os outros não gostavam de mim. A expressão de Carlisle me distraiu dessa linha de pensamento; sugestivamente ele encarava Edward, com intensidade. Pelo canto do olho, vi que Edward assentiu uma vez. Desviei os olhos, tentando ser educada. Meus olhos vagaram novamente para o belo instrumento no tablado junto à porta. De repente me lembrei de minha fantasia de infância de que, se um dia ganhasse na loteria, compraria um piano de cauda para minha mãe. Ela não era muito boa – só tocava para si mesma em nosso piano de armário de segunda mão – mas eu adorava vê-la tocar. Ela ficava tão feliz e absorta – na época parecia um ser novo e misterioso para mim, alguém de fora da persona da “mamãe” que eu conhecia tanto. É claro que ela pagou algumas aulas, mas, como a maioria das crianças, eu choraminguei até que ela me deixou largar tudo. Esme percebeu minha preocupação. – Você toca? – perguntou ela, inclinando a cabeça para o piano. Sacudi a cabeça. – Nem um pouco. Mas é lindo. É de vocês? – Não – ela riu. – Edward não lhe disse que era músico? – Não – Olhei sua expressão inocente com os olhos semicerrados. – Mas acho que eu devia saber. Esme ergueu, confusa, as sobrancelhas delicadas. – Edward pode fazer de tudo, não é? – expliquei. Jasper deu uma risadinha e Esme olhou para Edward com reprovação. – Espero que não tenha se exibido… É uma grosseria – ralhou ela. – Só um pouco – ele riu livremente. A expressão de Esme se atenuou com o som e eles dividiram um breve olhar que não entendi, embora o rosto de Esme parecesse quase afetado. – Na verdade, ele tem sido muito modesto – corrigi. – Bem, toque para ela – estimulou Esme. – Acabou de dizer que me exibir era grosseria – contestou ele. – Toda regra tem sua exceção – respondeu ela. – Gostaria de ouvir você tocar – propus.
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– Então está combinado. – Esme o empurrou para o piano. Ele me puxou, sentando-me a seu lado na banqueta. Ele me deu um olhar longo e exasperado antes de se voltar para as teclas. E então seus dedos fluíram velozes pelo marfim, e a sala se encheu de uma composição tão complexa, tão luxuriante, que era impossível acreditar que só um par de mãos a tocava. Senti meu queixo cair, minha boca se abrir de assombro, e ouvi risinhos baixos atrás de mim com a minha reação. Edward olhou para mim casualmente, a música ainda em volta de nós sem pausa, e piscou. – Gosta dessa. – Você compôs? – eu arfei, compreendendo. Ele assentiu. – É a preferida de Esme. Fechei os olhos, sacudindo a cabeça. – Qual é problema? – Eu me sinto extremamente insignificante. A música ficou mais lenta, transformando-se em algo mais delicado, e para minha surpresa detectei a melodia da cantiga de ninar ondulando pela profusão de notas. – Você me inspirou nesta aqui – disse ele suavemente. A música tornou-se insuportavelmente doce. Eu não conseguia falar. – Eles gostam de você, sabia? – disse ele mudando de assunto. – Especialmente Esme. Olhei para trás, mas agora a sala imensa estava vazia. – Aonde eles foram? – Deram-nos privacidade com muita sutileza, imagino. Eu suspirei. – Eles gostam de mim. Mas Rosalie e Emmett… – eu me interrompi, sem ter certeza de como expressar minhas dúvidas. Ele franziu a testa. – Não se preocupe com Rosalie – disse ele, os olhos grandes e convincentes. – Ela vai aparecer. Franzi os lábios, cética. – E Emmett?
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– Bom, é verdade que ele acha que sou mesmo um lunático, mas não tem problemas com você. Está tentando ponderar com Rosalie. – O que a incomoda? – Não tinha certeza se queria saber a resposta. Ele deu um suspiro fundo. – Rosalie é a que mais luta com… com o que somos. É difícil para ela ter alguém de fora sabendo a verdade. E ela tem um pouco de inveja. – A Rosalie tem inveja de mim? – perguntei, incrédula. Tentei imaginar um universo em que alguém tão estonteante como Rosalie teria um motivo possível para ter inveja de uma pessoa como eu. – Você é humana. – Ele deu de ombros. – Ela também queria ser. – Ah – murmurei, ainda atordoada. – Mas até o Jasper… – Na verdade, a culpa é minha – disse ele. – Eu lhe falei que ele era o mais recente a tentar nosso jeito de viver. Alertei-o para guardar distância. Pensei no motivo para isso e estremeci. – Esme e Carlisle…? – continuei rapidamente, para que ele não percebesse. – Ficaram felizes por me verem feliz. Na verdade, Esme não se importaria se você tivesse três olhos e pés de pato. Em todo esse tempo ela se preocupou comigo, com medo de que houvesse alguma coisa ausente em minha constituição básica, que eu fosse jovem demais quando Carlisle me mudou… Ela está em êxtase. O tempo todo que toco você, ela praticamente afoga-se em satisfação. – Alice parece muito… entusiasmada. – Alice tem um jeito próprio de ver as coisas – disse ele através dos lábios apertados. – E não vai me explicar isso, não é? Um minuto de comunicação sem palavras se passou entre nós. Ele percebeu que eu sabia que ele estava escondendo alguma coisa de mim. Percebi que ele não ia soltar nada. Não agora. – Então, o que Carlisle estava dizendo a você antes? Suas sobrancelhas se uniram. – Percebeu isso, não foi? Dei de ombros. – Claro que sim. Ele me olhou pensativamente por alguns segundos antes de responder.
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– Ele queria me contar algumas novidades… Não sabia se era algo que eu quisesse partilhar com você. – E você vai? – Preciso, porque ficarei um pouco… insuportavelmente protetor nos próximos dias… ou semanas… e não gostaria que pensasse que sou naturalmente um tirano. – Qual é o problema? – Não há exatamente nada de errado. Alice só vê alguns visitantes chegando logo. Eles sabem que estamos aqui e estão curiosos. – Visitantes? – Sim… Bom, eles não são como nós, é claro… Em seus hábitos de caça, quero dizer. Não devem entrar na cidade, mas certamente não vou perder você de vista até irem embora. Eu tremi. – Enfim, uma reação racional! – murmurou ele. – Estava começando a pensar que você não tinha nenhum senso de autopreservação. Deixei essa passar, virando a cara, meus olhos vagando novamente pela sala espaçosa. Ele seguiu meu olhar. – Não era o que esperava, não é? – perguntou ele, a voz afetada. – Não – admiti. – Não tem caixões, nem crânios empilhados nos cantos; nem acredito que tenha teias de aranha… Que decepção deve estar sendo para você – continuou ele maliciosamente. Ignorei o escárnio. – É tão claro… e aberto. Ele estava mais sério quando respondeu. – É um lugar que nunca precisamos esconder. A música que ele ainda tocava, a minha música, chegava ao fim, os últimos acordes passando para um tom mais melancólico. A última nota pairou pungentemente no silêncio. – Obrigada – murmurei. Percebi que havia lágrimas em meus olhos. Eu as enxuguei, sem graça. Ele tocou o canto de meu olho, pegando uma lágrima que deixei escapar. Levantou o dedo, examinando a gota pensativamente. Depois, tão rápido que não tive certeza de que realmente fez isso, ele pôs o dedo na boca para sentir o sabor.
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Olhei para ele interrogativamente e ele retribuiu o olhar por um longo momento antes de sorrir. – Quer ver o resto da casa? – Sem caixões? – indaguei, o sarcasmo em minha voz sem mascarar inteiramente a ansiedade leve mais autêntica que sentia. Ele riu, pegando minha mão, levando-me para longe do piano. – Sem caixões – prometeu ele. Subimos a enorme escada, minha mão roçando o corrimão macio como cetim. O longo corredor no alto da escada era revestido de madeira cor de mel, a mesma do piso de tábua corrida. – O quarto de Rosalie e Emmett… O gabinete de Carlisle… O quarto de Alice… – Ele gesticulava ao passarmos pelas portas. Ele teria continuado, mas estaquei no final do corredor, olhando incrédula o ornamento pendurado no alto da parede. Edward riu ao ver minha expressão confusa. – Pode rir – disse ele. – É mesmo irônico. Eu não ri. Minha mão se ergueu automaticamente, um dedo esticado como que para tocar a grande cruz de madeira, sua pátina escura formando um contraste com o tom mais leve da parede. Eu não a toquei, mas fiquei curiosa se a madeira envelhecida seria tão sedosa como parecia. – Deve ser muito antiga – conjecturei. Ele deu de ombros. – Mais ou menos do início de 1630. Desviei os olhos da cruz para encará-lo. – Por que vocês mantêm isso aqui? – perguntei. – Nostalgia. Pertenceu ao pai de Carlisle. – Ele colecionava antiguidades? – sugeri, insegura. – Não. Ele mesmo entalhou. Ficava pendurada na parede acima do púlpito da paróquia em que ele pregava. Não tive certeza se meu rosto traía meu choque, mas voltei a olhar a cruz simples e antiga, só por garantia. Rápida e mentalmente, fiz as contas; a cruz tinha mais de 370 anos. O silêncio se prolongou enquanto eu lutava para apreender o conceito de tantos anos. – Você está bem? – Ele parecia preocupado. – Que idade tem Carlisle? – perguntei rapidamente, ignorando sua pergunta, ainda fitando a cruz.
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– Ele acaba de comemorar o aniversário de 362 anos – disse Edward. Olhei para ele, um milhão de perguntas em meus olhos. Ele me observava cuidadosamente ao falar. – Carlisle nasceu em Londres, por volta de 1640, segundo ele acredita. O tempo não era marcado com precisão na época, pelo menos pelas pessoas comuns. Mas foi pouco antes do governo de Cromwell. Mantive a expressão composta, ciente de seu escrutínio enquanto ouvia. Era mais fácil se eu não tentasse acreditar. – Ele era filho único de um pastor anglicano. A mãe morreu dando à luz. Seu pai era um homem intolerante. À medida que os protestantes chegavam ao poder, ele ficou entusiasmado com a perseguição de católicos romanos e outras religiões. Também acreditava fortemente na realidade do mal. Ele liderou a perseguição de bruxas, de lobisomens… e de vampiros. Fiquei paralisada com a palavra. Tenho certeza de que ele percebeu, mas prosseguiu sem se interromper.

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