sábado, 19 de março de 2011

Crepúsculo - Capítulos 4 ao 6

4. CONVITES
Em meu sonho estava muito escuro e a luz fraca que havia parecia irradiar da pele de Edward. Não conseguia ver seu rosto, só as costas enquanto ele se afastava de mim, deixando-me na escuridão. Por mais rápido que eu corresse, não conseguia alcançá-lo; por mais alto que gritasse, ele não se virava. Perturbada, acordei no meio da noite e não voltei a dormir pelo que pareceu um longo tempo. Depois disso, ele entrou em meus sonhos quase toda noite, mas sempre fora de cena, nunca ao meu alcance. O mês seguinte ao acidente foi inquietante, tenso e, no início, constrangedor. Para minha consternação, eu me vi no centro das atenções pelo resto da semana. Tyler Crowley estava impossível, seguindo-me por toda parte, obcecado por se redimir de alguma forma. Tentei convencê-lo de que o que eu mais queria dele é que esquecesse tudo aquilo – em especial porque não acontecera nada comigo –, mas ele insistia sem parar. Seguia-me entre as aulas e se sentava à nossa mesa, agora abarrotada. Mike e Eric foram ainda menos amistosos com ele do que entre si, o que me deixou preocupada com a possibilidade de ter ganho outro fã indesejado. Ninguém parecia preocupado com Edward, mas expliquei repetidas vezes que o herói era ele – que ele havia me tirado do caminho e quase fora atropelado também. Tentei convencer Jessica, Mike, Eric e todos os outros que sempre comentavam que não o tinham visto ali até a van ser afastada. Perguntei a mim mesma por que ninguém mais o vira parado tão longe, antes que ele salvasse a minha vida de repente e daquele jeito impossível. Com pesar, percebi a provável causa – ninguém mais tinha ciência da presença de Edward como eu. Ninguém o observava da forma como eu fazia. Que pena. Edward nunca ficou cercado de uma multidão de curiosos ansiosos por seu relato em primeira mão. As pessoas o evitavam, como sempre. Os Cullen e os Hale sentavam-se à mesma mesa se sempre, sem comer, conversando entre si. Nenhum deles, em especial Edward, voltou a olhar na minha direção.
Quando ele se sentou ao meu lado na aula, o mais distante possível de mim que a carteira permitia, parecia totalmente inconsciente da minha
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presença. Só ocasionalmente, quando seus punhos de repente se curvavam – a pele esticada ainda mais branca sobre os ossos – é que eu me perguntava se ele estava tão distraído como parecia. Ele queria não ter me tirado do caminho da van de Tyler – não havia outra conclusão que eu pudesse tirar. Queria muito conversar com ele e, no dia seguinte ao acidente, tentei. Da última vez que o vira, do lado de fora da emergência do hospital, nós dois estávamos furiosos. Eu ainda tinha raiva por ele não ter me contado a verdade, embora cumprisse impecavelmente minha parte do trato. Mas ele salvara minha vida, independentemente de como tinha feito isso. E, da noite para o dia, a temperatura elevada de minha raiva desapareceu numa gratidão reverente. Quando cheguei à aula de biologia Edward já estava sentado, olhando para a frente. Eu me sentei, esperando que se virasse para mim. Ele não deu sinais de ter percebido minha presença. – Oi, Edward – eu disse de um jeito agradável, para lhe mostrar que eu ia me comportar. Ele se virou só um pouquinho para mim sem me olhar nos olhos, balançou a cabeça uma vez e depois desviou o rosto. E esse foi o último contato que tivemos, mas ele ficava ali, a trinta centímetros de distância, todo dia. Eu o olhava às vezes, incapaz de me conter – mas de longe, no refeitório ou no estacionamento. Eu o observava à medida que seus olhos dourados ficavam perceptivelmente mais escuros dia após dia. Mas, na aula, eu não prestava atenção nele mais do que ele permitia. Eu estava infeliz. E os sonhos continuaram. Apesar de minhas mentiras cabais, o tom de meus e-mails alertaram Renée de minha depressão, e ela ligou algumas vezes, preocupada. Tentei convencê-la de que era só o clima que me deixava desanimada. Mike, enfim, ficou satisfeito com a frieza evidente entre mim e meu parceiro de laboratório. Eu podia ver que ele estava preocupado que o resgate ousado de Edward pudesse ter me impressionado, e foi um alívio para ele parecer ter tido o efeito contrário. Ele ficou mais confiante, sentando-se na beirada da minha mesa para conversar antes que começasse a aula de biologia, ignorando Edward completamente, como ele nos ignorava.
A neve desapareceu para sempre depois de um dia perigosamente gelado. Mike ficou decepcionado por não poder ter armado sua guerra de
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bolas de neve, mas satisfeito porque logo seria possível fazer a viagem à praia. Porém, a chuva continuava pesada, e as semanas se passaram. Jessica me informou de outro evento que assomava no horizonte – ela ligou na primeira terça-feira de março querendo minha permissão para convidar Mike para o baile de primavera das meninas dali a duas semanas. – Tem certeza de que não se importa… não estava pretendendo convidá-lo? – insistiu ela quando eu disse que não dava a mínima. – Não, Jess, eu não vou – garanti a ela. Dançar estava notoriamente fora de minha gama de habilidades. – Vai ser bem divertido. – Sua tentativa de me convencer foi meio desanimada. Suspeitei de que Jessica gostava mais de minha popularidade inexplicável do que de minha companhia. – Divirta-se com o Mike – encorajei-a. No dia seguinte, fiquei surpresa por Jessica não estar no humor esfuziante de sempre nas aulas de trigonometria e espanhol. Ela ficou em silêncio ao andar ao meu lado entre as aulas e eu tive medo de perguntar por quê. Se Mike a rejeitara, eu era a última pessoa a quem ela gostaria de contar. Meus temores foram confirmados na hora do almoço, quando Jessica se sentou o mais distante possível de Mike, batendo um papo animado com Eric. Mike estava incomumente quieto. Ele ainda estava em silêncio ao me acompanhar à aula, sua expressão de desconforto era mau sinal. Como sempre, eu estava eletricamente ciente de Edward sentado perto o bastante para que eu o tocasse, e ao mesmo tempo tão distante que parecia uma mera invenção de minha imaginação. – Mais aí – disse Mike, olhando para o chão –, a Jessica me convidou para o baile de primavera. – Isso é ótimo. – Eu conferi mais brilho e entusiasmo à minha voz. – Você vai se divertir muito com a Jessica. – Bom… – ele hesitou ao sondar meu sorriso, claramente nada feliz com a resposta que eu dera. – Eu disse a ela que ia pensar no assunto. – Por que fez isso? – Deixei que a reprovação tingisse minha voz, mas fiquei aliviada por ele não ter dado uma negativa absoluta a ela. O rosto dele ficou vermelho vivo enquanto ele baixava a cabeça novamente. A compaixão abalou minha resolução.
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– Eu estava me perguntando se… Bom, se você tinha a intenção de me convidar. Parei por um momento, odiando a onda de culpa que varreu meu corpo. Mas vi, pelo canto do olho, a cabeça de Edward se inclinar por reflexo na minha direção. – Mike, acho que devia dizer sim a ela – eu disse. – Já convidou alguém? – Será que Edward percebeu como os olhos de Mike disparavam para ele? – Não – garanti a ele. – Não vou a baile nenhum. – E por que não? – Mike quis saber. Eu não queria enfrentar os riscos de uma pista de dança, então fiz novos planos rapidamente. – Vou a Seattle no sábado – expliquei. Eu precisava sair da cidade de qualquer forma; de repente era a época perfeita para ir. – Não pode ir em outro fim de semana? – Não, desculpe – eu disse. – Então você não devia fazer a Jess esperar mais tempo… É grosseria. – É, tem razão – murmurou Mike. E se virou, abatido, para voltar ao lugar dele. Fechei os olhos e apertei os dedos nas têmporas, tentando expulsar a culpa e a solidariedade de minha cabeça. O Sr. Banner começou a falar. Eu suspirei e abri os olhos. E Edward estava me encarando com curiosidade, com aquele frustração que eu já conhecia agora ainda mais evidente em seus olhos escuros. Eu sustentei o olhar, surpresa, esperando que ele desviasse a cabeça rapidamente. Mas, em vez disso, ele continuou a olhar com intensidade nos meus olhos, como se me sondasse. Para mim, estava fora de cogitação desviar o rosto. Minha mãos começaram a tremer. – Sr. Cullen? – chamou o professor, esperando pela resposta a uma pergunta que eu não ouvira. – O ciclo de Krebs – respondeu Edward, parecendo relutante ao se virar para o Sr. Banner.
Assim que os olhos dele me libertaram, eu baixei os meus para o meu livro à minha frente, tentando me situar. Com a mesma covardia de sempre, coloquei o cabelo sobre o ombro direito para esconder meu rosto. Não conseguia acreditar no jorro de emoções que pulsava em mim – só porque por acaso olhou para mim pela primeira vez em meia dúzia de
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semanas. Eu não permitiria que ele tivesse esse nível de influência sobre mim. Era ridículo. Mais do que ridículo, não era saudável. Eu me esforcei muito para não ficar atenta a ele pelo resto da aula e, uma vez que era impossível, pelo menos não deixar que ele soubesse que eu estava atenta a ele. Quando o sinal finalmente tocou, dei as costas para Edward a fim de pegar minhas coisas, esperando que ele saísse de imediato, como sempre. – Bella? – A voz dele não devia ter sido tão familiar para mim, como se eu conhecesse aquele som por toda minha vida e não há apenas algumas semanas. Eu me virei devagar, sem vontade nenhuma. Não queria sentir o que sabia que sentiria quando olhasse seu rosto perfeito demais. Minha expressão era cautelosa quando finalmente me virei; a expressão dele era ilegível. Ele não disse nada. – Que foi? Está falando comigo de novo? – perguntei por fim, com um tom involuntário de petulância. Os lábios dele se retorceram, reprimindo um sorriso. – Na verdade não – admitiu ele. Fechei os olhos e inspirei lentamente pelo nariz, ciente de que eu estava trincando os dentes. Ele esperou. – Então o que você quer, Edward? – perguntei, ainda de olhos fechados; era mais fácil falar com ele com alguma coerência desse jeito. – Desculpe. – Ele parecia sincero. – Tenho sido muito rude, eu sei. Mas é melhor assim, pode acreditar. Abri os olhos. Seu rosto estava muito sério. – Não sei o que quer dizer – eu disse, na defensiva. – É melhor não sermos amigos – explicou ele. – Confie em mim. Meus olhos se estreitaram. Eu já ouvira isso antes. – É péssimo que você não tenha chegado a essa conclusão antes – sibilei entredentes. – Podia ter se poupado de todo esse arrependimento. – Arrependimento? – A palavra e meu tom obviamente o pegaram de guarda baixa. – Arrependimento do quê? – De não deixar simplesmente que aquela van me esmagasse. Ele ficou atônito. Olhou para mim sem acreditar. Quando finalmente falou, quase parecia irritado. – Acha que me arrependo de ter salvado você? – Eu sei que se arrepende – rebati.
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– Você não sabe de nada. – Sem dúvida ele estava irritado. Virei a cabeça bruscamente, travando o queixo para conter todas as acusações desvairadas que ia atirar na cara dele. Peguei meus livros, depois me levantei e fui para a porta. Eu pretendia disparar dramaticamente para fora da sala, mas é claro que a ponta da minha bota ficou presa no batente e deixei cair meus livros. Fiquei parada ali por um momento, pensando em deixá-los para trás. Depois suspirei e me abaixei para pegá-los. Ele estava ali; já empilhara meus livros. Entregou-os para mim de cara amarrada. – Obrigada – eu disse friamente. Os olhos dele se estreitaram. – Não há de quê – retrucou ele. Eu me endireitei rapidamente, virei a cara de novo e fui para o ginásio sem olhar para trás. A aula de educação física foi brutal. Agora jogávamos basquete. Meu time nunca me passava a bola, o que foi bom, mas eu caí bastante. Às vezes levava alguém comigo. Hoje estava sendo pior do que de costume porque minha cabeça estava completamente cheia de Edward. Tentei me concentrar nos meus pés, mas ele continuava a rastejar para os meus pensamentos exatamente quando eu mais precisava do meu equilíbrio. Como sempre, foi um alívio ir embora. Quase corri até a picape; havia gente demais que eu queria evitar. O carro sofrera danos mínimos com o acidente. Tive que substituir as luzes de ré e, se eu quisesse realmente pintar, bastava dar um retoque. Os pais de Tyler tiveram que vender a van para o desmanche. Quase tive uma síncope quando virei a esquina e vi uma figura alta e desagradável encostada na lateral da minha picape. Depois percebi que era só Eric. Comecei a andar novamente. – Oi, Eric. – Oi, Bella. – E aí? – eu disse enquanto abria a porta. Não prestei atenção ao tom desagradável na voz dele, então as próximas palavras de Eric me pegaram de surpresa. – É… eu só estava pensando… se você gostaria de ir ao baile de primavera comigo. – A voz dele falhou ao dizer a última palavra. – Pensei que as meninas é que deviam convidar – eu disse, sobressaltada demais para ser diplomática. – Bom, e é – admitiu ele, envergonhado.
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Recuperei a compostura e tentei dar um sorriso caloroso. – Obrigada por me convidar, mas vou a Seattle nesse dia. – Ah – disse ele. – Bom, quem sabe na próxima? – Claro – concordei e depois mordi o lábio. Eu não queria que ele entendesse isso tão literalmente. Ele se curvou, voltando à escola. Ouvi um risinho baixo. Edward passava pela frente da minha picape, os lábios apertados. Abri o carro num rompante e pulei para dentro, batendo a porta ruidosamente. Acelerei o motor de um jeito ensurdecedor e dei a ré para a rua. Edward já estava no carro dele, a duas vagas de distância, passando suavemente por mim, me dando uma fechada. Ele parou ali – para esperar a família; pude ver os quatro andando para lá, mas ainda perto do refeitório. Pensei em bater na traseira de seu Volvo reluzente, mas havia testemunhas demais. Olhei pelo retrovisor e vi que começava a se formar uma fila. Bem atrás de mim, Tyler Crowley estava no Sentra usado recém-adquirido, acenando. Eu estava irritada demais para responder. Sentada ali, olhando para todo lado exceto para o carro na minha frente, ouvi uma batida na janela do carona. Olhei; era Tyler. Olhei novamente pelo retrovisor, confusa. O carro dele ainda estava ligado, a porta aberta. Inclinei-me na cabine para abrir a janela. Estava dura. Consegui abrir pela metade, depois desisti. – Desculpe, Tyler, estou presa atrás do Cullen. – Eu estava irritada; obviamente ele não estava preso ali por culpa minha. – Ah, eu sei… Só queria perguntar uma coisa enquanto estamos atolados aqui. – Ele sorriu. Isso não podia estar acontecendo. – Vai me convidar para o baile de primavera? – continuou ele. – Eu não estarei na cidade, Tyler. – Minha voz parecia meio áspera. Tive que me lembrar de que não era culpa dele que Mike e Eric já tivesse, gasto minha quota de paciência do dia. – É, o Mike me contou – admitiu ele. – Então por quê… Ele deu de ombros. – Eu esperava que você só estivesse se livrando dele do jeito mais fácil. Tudo bem, a culpa era totalmente dele.
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– Desculpe, Tyler – eu disse, tentando esconder minha irritação. – Eu estarei mesmo fora da cidade. – Tudo bem. Ainda temos o baile dos estudantes. E antes que eu pudesse responder, ele estava voltando ao próprio carro. Pude sentir o choque na minha cara. Olhei para a frente e vi Alice, Rosalie, Emmett e Jasper entrando no Volvo. Pelo retrovisor, os olhos de Edward me acompanhavam. Ele sem dúvida tremia de tanto rir, como se tivesse ouvido cada palavra de Tyler. Meu pé apertou mais o acelerador… uma batidinha não os arranharia, só aquela pintura prateada cintilante. Acelerei o motor. Mas todos estavam dentro do carro e Edward partia. Dirigi devagar para casa, resmungando para mim mesma o tempo todo. Quando cheguei, decidi fazer enchiladas de frango para o jantar. Seria um longo processo e isso me manteria ocupada. Enquanto refogava a cebola e a pimenta, o telefone tocou. Quase tive medo de atender, mas podia ser Charlie ou minha mãe. Era Jessica, e estava em júbilo; Mike falara com ela depois da aula e aceitara o convite. Ela precisava desligar, queria telefonar para Angela e Lauren para contar. Sugeri – com uma inocência despreocupada – que talvez Angela, a menina tímida que tinha aula de biologia comigo, pudesse convidar Eric. E Lauren, uma garota retraída que sempre me ignorava na mesa de almoço, podia convidar Tyler; eu soube que ele ainda estava disponível. Jess achou uma ótima idéia. Agora que Mike estava garantido, ela pareceu sincera quando disse que queria que eu fosse no baile. Dei-lhe minha desculpa de Seattle. Depois que desliguei, tentei me concentrar no jantar – cortei o frango em cubos com um cuidado especial; não queria fazer outra viagem ao pronto-socorro. Mas minha cabeça girava, tentando analisar cada palavra que Edward dissera hoje. O que ele quis dizer com a história de que era melhor não sermos amigos? Meu estômago se revirou quando eu percebi que ele devia estar falando sério. Ele devia ter visto como eu estava absorta nele; não devia querer me seduzir… Então não podíamos mais ser amigos… porque ele não estava nada interessado em mim.
É claro que ele não estava interessado em mim, pensei com raiva, maus olhos ardendo – uma reação retardada à cebola. Eu não era interessante. E ele era. Interessante… e inteligente… e misterioso… e
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perfeito… e lindo… e possivelmente capaz de erguer vans inteiras com uma só mão. Bom, estava tudo bem. Eu podia deixá-lo em paz. Eu o deixaria em paz. Passaria por minha sentença aqui no purgatório e depois, com sorte, uma universidade no Sudoeste, ou possivelmente no Havaí, me ofereceria uma bolsa de estudos. Concentrei meus pensamentos nas praias ensolaradas e nas palmeiras enquanto terminava as enchiladas e as colocava no forno. Charlie pareceu desconfiado quando chegou em casa e sentiu o cheiro de pimenta-verde. Não podia culpá-lo – a comida mexicana que chegava mais perto de ser comestível devia estar no sul da Califórnia. Mas ele era um policial, mesmo que um policial de cidade pequena, então teve coragem suficiente para dar a primeira dentada. E pareceu gostar. Foi divertido observar enquanto ele aos poucos começava a confiar nas minhas habilidades culinárias. – Pai? – perguntei quando ele quase havia acabado. – Sim, Bella? – Hmmm, eu só queria que soubesse que vou a Seattle no sábado quem vem… Se não houver problema. – Eu não queria pedir permissão, isso estabeleceria um precedente ruim, mas pareci grosseira, então dei uma valorizada no final. – Por quê? – ele pareceu surpreso, como se fosse incapaz de imaginar uma coisa que Forks não pudesse oferecer. – Bom, queria comprar alguns livros… a biblioteca daqui é muito limitada… e talvez ver algumas roupas. – Eu tinha mais dinheiro do que costumava ter, uma vez que, graças a Charlie, não tive que pagar pelo carro. Não que a picape não me custasse muito no quesito gasolina. – Essa picape não deve ter um consumo de gasolina muito bom – disse ele, ecoando meus pensamentos. – Eu sei; vou parar em Montesano e em Olympia… e em Tacoma, se for preciso. – Vai lá sozinha? – perguntou ele, e não tive como saber se ele desconfiava de que eu tinha um namorado secreto ou só estava preocupado com problemas no carro. – Vou. – Seattle é uma cidade grande… Você pode se perder – encrespou-se ele.
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– Pai, Phoenix é cinco vezes maior do que Seattle… E eu posso ler um mapa, não se preocupe. – Quer que eu vá com você? Tentei ser astuciosa ao esconder meu pavor. – Está tudo bem, pai. Devo passar o dia todo em cabines de provas… Tudo muito chato. – Ah, tudo bem. – A idéia de ficar sentado em lojas de roupas femininas por qualquer período de tempo o fez recuar de imediato. – Obrigada. – Eu sorri para ele. – Vai voltar a tempo para o baile? Grrrr. Só em uma cidade desse tamanho um pai saberia quando acontecem os bailes da escola. – Não… Eu não sei dançar, pai. – De todas as pessoas, ele devia entender isso; eu não herdei os problemas de equilíbrio da minha mãe. Ele entendeu. – Ah, tudo bem – percebeu ele. Na manhã seguinte, quando cheguei ao estacionamento, encostei deliberadamente o mais distante possível do Volvo prata. Não queria me colocar no caminho da tentação e terminar devendo um carro novo a ele. Ao sair da cabine, me atrapalhei com minha chave e ela caiu numa poça a meus pés. Enquanto me abaixava para pegar, uma mão branca apareceu de repente e pegou a chave antes de mim. Endireitei o corpo rapidamente. Edward Cullen estava bem ao meu lado, encostando-se casualmente na picape. – Como é que você fez isso? – perguntei numa irritação surpresa. – Fiz o quê? – Ele estendia minha chave ao falar. Quando fiz menção de pegá-la, ele a largou na palma da minha mão. – Aparecer do nada desse jeito. – Bella, não é culpa minha se você é excepcionalmente distraída. – A voz dele era baixa, como sempre. Aveludada, abafada. Fechei a cara para o seu rosto perfeito. Os olhos estavam claros de novo, uma cor de mel dourada e profunda. Depois tive que olhar para baixo, para reagrupar meus pensamentos embaralhados. – Porque o engarrafamento de ontem? – perguntei, ainda sem olhar para ele. – Pensei que você devia fingir que eu não existo, e não me matar de irritação.
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– Aquilo foi pelo Tyler, e não por mim. Tive que dar uma chance a ele. – Ele riu, malicioso. – Você… – eu arfei. Não conseguia pensar em nenhuma palavra o bastante. Pensei que o calor de minha raiva pudesse queimá-lo fisicamente, mas ele só parecia se divertir mais. – E não estou fingindo que você não existe – continuou ele. – Então está tentando mesmo me matar de irritação? Já que a van do Tyler não fez o serviço? A raiva lampejava por seus olhos castanho-claros. Os lábios se apertaram numa linha rígida, sinais de que o humor se fora. – Bella, você é completamente absurda – disse ele, a voz baixa e fria. A palma das minhas mãos coçou – eu queria tanto bater em alguma coisa. Fiquei surpresa comigo mesma. Em geral não era uma pessoa violenta. Dei as costas e comecei a me afastar. – Espere – chamou ele. Continuei andando, chapinhando com raiva pela chuva. Mas ele estava do meu lado, me acompanhando facilmente. – Desculpe, foi grosseria minha – disse ele enquanto andávamos. Eu o ignorei. – Não estou dizendo que não é verdade – continuou ele –, mas, de qualquer forma, foi uma grosseria dizer aquilo. – Por que não me deixa em paz? – rosnei. – Quero perguntar uma coisa, mas você está me evitando – ele riu. Parecia ter recuperado o bom humor. – Você tem distúrbio de personalidade múltipla? – perguntei séria. – Lá vem você de novo. Eu suspirei. – Tudo bem, então. O que quer perguntar? – Eu estava me perguntando se, no sábado que vem… Sabe como é, no dia do baile de primavera… – Está tentando ser engraçadinho? – eu o interrompi, girando para ele. Meu rosto ficou suado ao ver sua expressão. Pelo olhar, ele parecia se divertir perversamente. – Quer por favor me deixar terminar? Mordi o lábio e cruzei as mãos, entrelaçando os dedos, para não fazer nada precipitado.
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– Eu a ouvi dizer que vai a Seattle nesse dia e estava pensando se você queria uma carona. Por essa eu não esperava. – Como é? – Não tinha certeza do que ele pretendia. – Quer uma carona para Seattle? – Com quem? – perguntei, aturdida. – Comigo, é claro. – Ele enunciou cada sílaba como se estivesse falando com alguém com problemas mentais. Eu ainda estava pasma. – Por quê? – Bom, eu pretendia ir a Seattle nas próximas semanas e, para ser sincero, não tenho certeza se sua picape vai agüentar. – Minha picape funciona muito bem, obrigada por sua preocupação. – Recomecei a andar, mas estava surpresa demais para manter o mesmo nível de raiva. – Mas sua picape pode chegar lá com um tanque de gasolina? – Ele acompanhava meus passos novamente. – Não vejo como isso pode ser da sua conta. – Dono daquele Volvo idiota e reluzente. – O desperdício de recursos não-renováveis é da conta de todos. – Francamente, Edward. – Senti um arrepio me perpassar ao dizer o nome dele, e odiei isso. – Eu não consigo entender você. Pensei que não quisesse ser meu amigo. – Eu disse que seria melhor se não fôssemos amigos, e não que eu não queria ser. – Ah. Obrigada, agora está tudo muito claro. – Ironia pesada. Percebi que tinha parado de andar de novo. Agora estávamos sob a cobertura do refeitório, então eu podia olhar mais facilmente o rosto dele. O que certamente não ajudou a clarear meus pensamentos. – Seria mais… prudente para você não ser minha amiga – explicou ele. – Mas estou cansado de tentar ficar longe de você, Bella. Os olhos dele estavam gloriosamente intensos quando disse esta última frase, a voz ardente. Eu não conseguia me lembrar de como se respirava. – Vai comigo a Seattle? – perguntou ele, ainda intenso. Eu ainda não conseguia falar, então só balancei a cabeça. Ele sorriu brevemente e depois seu rosto ficou sério.
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– Você realmente deve ficar longe de mim – alertou ele. – Vejo você na aula. Ele se virou abruptamente e voltou pelo caminho de onde viemos.
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5. TIPO SANGUÍNEO 
Fui para a aula de inglês, entorpecida, nem percebi que, quando entrei naquela sala, a aula já havia começado. – Obrigada por se juntar a nós, Srta. Swan – disse o Sr. Mason num tom depreciativo. Eu corei e corri para me sentar. Foi só quando a aula terminou que percebi que Mike não estava no lugar de sempre, ao meu lado. Senti uma pontada de culpa. Mas ele e Eric me encontraram na porta, como faziam, então deduzi que eu não era totalmente imperdoável. À medida que seguíamos, Mike pareceu se tornar mais ele mesmo, seu entusiasmo aumentando enquanto falava da previsão do tempo para o fim de semana. A chuva devia dar uma trégua curta, então talvez fosse possível a viagem à praia que ele planejava. Tentei parecer ansiosa, para compensar a decepção que lhe causara ontem. Foi difícil; com ou sem chuva, eu ainda estaria deprimida, se tivéssemos sorte. O resto da manhã passou indistintamente. Era difícil acreditar que eu não havia simplesmente imaginado o que Edward me dissera, ou como estavam seus olhos. Talvez fosse só um sonho muito convincente que eu confundia com a realidade. Isso parecia mais provável do que eu realmente atraí-lo de alguma maneira. Então fiquei impaciente e assustada quando Jessica e eu entramos no refeitório. Queria ver a cara dele, ver se ele tinha reassumido a personalidade fria e indiferente que eu conhecera nas últimas semanas. Ou se, por milagre, eu realmente ouvira o que pensei ter ouvido esta manhã. Jessica tagarelava sem parar sobre os planos para o baile – Lauren e Ângela convidaram os outros meninos e todos iam juntos –, sem a menor consciência de minha desatenção. A decepção me inundou quando meus olhos focalizaram infalivelmente a mesa dele. Os outros quatro estavam ali, mas ele não. Será que tinha ido para casa? Segui a tagarelice interminável de Jessica pela fila, sentindo-me oprimida. Perdi o apetite – só comprei uma garrafa de soda limonada. Queria apenas me sentar e ficar amuada. – Edward Cullen está olhando para você de novo – disse Jessica, finalmente me arrancando de minhas abstrações ao pronunciar o nome dele. – Por que será que ele está sentado sozinho hoje?
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Minha cabeça se levantou de repente. Segui o olhar dela e vi Edward, sorrindo torto, olhando-me de uma mesa vazia do lado oposto de onde se sentava sua família no refeitório. Depois de ver meus olhos, ele levantou a mão e gesticulou com o indicador para que eu me juntasse a ele. Enquanto eu encarava sem acreditar, ele deu uma piscadela. – Ele quer dizer você? – perguntou Jessica com uma perplexidade insultante na voz. – Talvez ele precise de ajuda com o dever de biologia – murmurei, para convencê-la. – Hmmm, é melhor ver o que ele quer. Eu podia sentir que ela me olhava depois que me afastei. Quando cheguei à mesa de Edward, fiquei de pé ao lado da cadeira na frente dele, insegura. – Por que não fica comigo hoje? – perguntou ele, sorrindo. Eu me sentei automaticamente, observando-o com cautela. Ele ainda sorria. Era difícil acreditar que alguém tão lindo pudesse ser tão real. Tive medo de que ele pudesse desaparecer numa nuvem repentina de fumaça e eu acordasse. Ele parecia estar esperado que eu dissesse alguma coisa. – Isso é diferente – consegui falar por fim. – Bom… – Ele parou, e depois o resto das palavras saíram num jato. – Eu concluí que, já que vou para o inferno, posso muito bem fazer o serviço completo. Esperei que ele disse alguma coisa que fizesse sentido. Os segundos se passaram. – Sabe que não faço idéia do que você quer dizer – ressaltei por fim. – Eu sei. – Ele sorriu de novo e mudou de assunto. – Acho que seus amigos estão com raiva de mim por ter roubado você. – Eles vão sobreviver. – Eu podia sentir os olhares fuzilando minhas costas. – Mas é possível que eu não a devolva – disse ele com um brilho perverso nos olhos. Engoli em seco. Ele riu. – Parece preocupada. – Não – eu disse mas, ridiculamente, minha voz falhou. – Surpresa, na verdade… Qual é o motivo disso tudo?
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– Eu lhe disse… Fiquei cansado de tentar ficar longe de você. Então estou desistindo. – Ele ainda sorria, mas os olhos ocre eram sérios. – Desistindo? – repeti, confusa. – Sim… Desistindo de tentar ser bom. Agora só vou fazer o que eu quiser e deixar os dados rolarem. – O sorriso dele diminuiu à medida que ele explicava e um tom sério esgueirou-se por sua voz. – Está me confundindo de novo. O sorriso torto de tirar o fôlego reapareceu. – Eu sempre falo demais quando converso com você… Este é um dos problemas. – Não se preocupe… Eu não entendo nada mesmo – eu disse desvirtuadamente. – Estou contando com isso. – Então, numa linguagem clara, agora somos amigos? – Amigos… – refletiu ele, indeciso. – Ou não – murmurei. Ele sorriu. – Bom, acho que podemos tentar. Mas estou avisando desde já que não sou um bom amigo para você. – Por trás do sorriso, o alerta era real. – Você já disse isso muitas vezes – observei, tentando ignorar o tremor súbito em meu estômago e manter minha voz inalterável. – Sim, porque você não está ouvindo. Ainda estou esperando que acredite nisso. Se for inteligente, vai me evitar. – Acho que também já deixou clara sua opinião sobre o meu intelecto. – Meus olhos se estreitaram. Ele sorriu como quem se desculpa. – E aí, como estou sendo… nada inteligente, vamos tentar ser amigos? – Lutei para recapitular a conversa confusa. – Isso parece bom. Olhei para minhas mãos agarradas na garrafa de soda limonada, sem ter certeza do que fazer agora. – No que está pensando? – perguntou ele, curioso. Virei-me para seus olhos dourados, confusa, e, como sempre, soltei a verdade sem querer. – Estou tentando entender quem é você. Seu queixo se apertou, mas ele manteve o sorriso no rosto com algum esforço.
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– Está tendo sorte? – perguntou ele num tom meio rude. – Não muita – admiti. Ele riu. – Quais são suas teorias? Eu corei. No último mês, andei vacilando entre Bruce Wayne e Peter Parker. Não havia jeito de eu confessar isso. – Não vai me dizer? – perguntou ele, inclinando a cabeça de lado com um sorriso tremendamente tentador. Sacudi a cabeça. – É constrangedor demais. – Isso é muito frustrante, sabia? – queixou-se ele. – Não – discordei rapidamente, semicerrando os olhos. – Não consigo nem imaginar por que seria frustrante… Só porque alguém se recusa a contar o que está pensando, mesmo que o tempo todo esteja fazendo pequenas observações obscuras que pretendem especificamente que você passe a noite toda se perguntando o que poderiam significar… Ora, por que isso seria frustrante? Ele deu um sorriso duro. – Ou melhor – continuei, a irritação contida agora fluía livremente –, digamos que a pessoa também tenha tido uma série de atitudes estranhas… De um dia salvar sua vida sob circunstâncias impossíveis a tratá-lo como um pária no dia seguinte, e nunca explicar nada disso, nem mesmo depois de ter prometido. Isso também não seria nada frustrante. – Você tem um gênio e tanto, não é? – Não gosto de dois pesos e duas medidas. Ficamos nos encarando, sem sorrir. Ele olhou por sobre meu ombro e depois, inesperadamente, deu uma risadinha. – Que foi? – Parece que seu namorado acha que estou sendo desagradável com você… Está se perguntando se vem ou não interromper nossa briga. – Ele riu novamente. – Não sei de quem está falando – eu disse friamente. – Mas tenho certeza de que está enganado. – Não estou. Eu lhe disse, é fácil interpretar a maioria das pessoas. – A não ser a mim, é claro.
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– Sim. A não ser você. – Seu humor mudou de repente, os olhos ficaram injetados. – Fico me perguntando o porquê disso. A intensidade dessa declaração me obrigou a desviar os olhos. Concentrei-me em abrir a tapa da soda limonada. Tomei um gole, olhando a mesa sem ver. – Não está com fome? – perguntou ele, distraído. – Não. – Não estava com vontade de mencionar que meu estômago já estava cheio… de borboletas. – E você? – Olhei para a mesa vazia diante dele. – Não, não tenho fome. – Não entendi a expressão dele; parecia curtir uma piada particular. – Pode me fazer um favor? – perguntei depois de um segundo de hesitação. Ele de repente ficou cauteloso. – Depende do que você quer. – Não é grande coisa – garanti a ele. Ele esperou, em guarda, mas curioso. – Eu só pensei… se, para meu próprio bem, você podia me avisar com antecedência da próxima vez que decidir me ignorar. Para que eu fique preparada. – Olhei a garrafa de soda limonada enquanto falava, desenhando o anel da abertura com o dedo mínimo. – Parece justo. – Ele estava apertando os lábios para não rir quando eu olhei. – Obrigada. – Então posso ter uma resposta em troca? – perguntou ele. – Uma. – Me dê uma teoria. Epa. – Essa não. – Você não qualificou, só prometeu uma resposta – lembrou-me ele. – E você mesmo já quebrou promessas – lembrei-lhe por minha vez. – Só uma teoria… Eu não vou rir. – Vai sim. – Eu tinha certeza disso. Ele olhou para baixo e depois para mim através dos cílios longos e escuros, os olhos cor de cobre abrasadores. – Por favor? – sussurrou ele, inclinando-se para mim.
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Eu pestanejei, minha mente ficando oca. Santo Deus, como é que ele fazia isso? – É… o quê? – perguntei, confusa. – Por favor, me conte só uma teoriazinha. – Seus olhos ainda ardiam para mim. – Hmmm, bom, foi picado por uma aranha radioativa? – Ele também sabia hipnotizar? Ou eu é que era uma covarde irremediável? – Isso não é muito criativo – zombou ele. – Desculpe, é só o que tenho – eu disse, amuada. – Nem chegou perto – zombou ele. – Nada de aranhas? – Nada. – E nada de radioatividade? – Nada. – Droga – eu suspirei. – A criptonita também não me incomoda – ele riu. – Não devia rir, lembra? Ele lutou para recompor a expressão. – Um dia eu vou descobrir – eu o alertei. – Gostaria que não tentasse. – Ele estava sério de novo. – Porque… – E se eu não for um super-herói? E se eu for o vilão? – Ele sorriu brincalhão, mas seus olhos eram impenetráveis. – Ah – eu disse, enquanto várias coisas que ele sugeriu se encaixavam de repente. – Entendi. – Entendeu? – Subitamente seu rosto ficou sério, como se ele tivesse medo de ter falado demais sem querer. – Você é perigoso? – conjecturei, minha pulsação se acelerando enquanto eu percebia, por intuição, a verdade em minhas próprias palavras. Ele era mesmo perigoso. Estava tentando me dizer isso o tempo todo. Ele só olhou para mim, os olhos com alguma emoção. Não consegui compreender. – Mas não mau – sussurrei, sacudindo a cabeça. – Não, não acredito que você seja mau.
– Está enganada. – A voz dele era quase inaudível. Ele olhou para baixo, roubando minha tampa de garrafa e girando-a de lado entre os dedos. Eu olhei para ele, perguntando-me por que não tinha medo. Ele foi
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sincero no que disse, isso era óbvio. Mas eu só me sentia ansiosa, tensa… e, mais do que qualquer coisa, fascinada. Como sempre me sentia quando ficava perto dele. O silêncio durou até que percebi que o refeitório estava quase vazio. Com um salto fiquei de pé. – Vamos chegar atrasados. – Eu não vou à aula hoje – disse ele, girando a tampa com tanta rapidez que ela se tornou apenas só mancha. – E por que não? – É saudável matar aula de vez em quando. – Ele sorriu para mim, mas seus olhos ainda estavam perturbados. – Bom, eu vou – disse a ele. Eu era covarde demais para me arriscar a ser apanhada. Ele voltou a atenção para a tampa. – A gente se vê depois, então. Eu hesitei, dilacerada, mas o primeiro sinal me fez disparar porta afora – com um último olhar para confirmar que ele não havia se mexido um centímetro. Enquanto eu quase corria para a aula, minha cabeça girava mais rápido do que a tampinha da garrafa. Tão poucas perguntas foram respondidas em comparação com a quantidade de perguntas novas que surgiram. Pelo menos a chuva havia parado. Tive sorte; o Sr. Banner ainda não estava na sala quando cheguei. Eu me acomodei rapidamente em meu lugar, percebendo que Mike e Angela me olhavam. Mike parecia ressentido; Angela parecia surpresa e um tanto temerosa. E então o Sr. Banner entrou na sala, cumprimentando a turma. Fazia malabarismos com umas caixinhas de papelão nos braços. Baixou-as na mesa de Mike, dizendo-lhe para começar a passá-las pela turma.
– Muito bem, pessoal, quero que todos tirem um objeto de cada caixa – disse ele enquanto pegava um par de luvas de látex do bolso do casaco e as vestia. O som áspero das luvas sendo puxadas nos pulsos me pareceu agourento. – O primeiro deve ser um cartão indicador – prosseguiu ele, pegando um cartão branco com quatro quadrados e exibindo-o. – O segundo é um aplicador de quatro dentes… – Ele ergueu uma coisa que parecia um prendedor de cabelos sem dentes – e o terceiro é um microbisturi estéril. – Ele levantou um pedacinho de plástico azul e o abriu
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em dois. A lâmina era invisível dessa distância, mas meu estômago revirou. – Vou andar pela sala com um conta-gotas com água para preparar seus cartões, então só comecem quando eu chegar até vocês, por favor. – De novo ele começou pela mesa de Mike, colocando cuidadosamente uma gota de água em cada um dos quatro quadrados. – Depois quero que piquem o dedo com o bisturi cuidadosamente… – Ele pegou a mão de Mike e deu uma estocada com a lâmina na ponta do dedo médio dele. Ah, não. Um suor pegajoso brotou em minha testa. – Coloquem uma pequena gota de sangue em cada um dos dentes. Ele demonstrou, espremendo o dedo de Mike até que o sangue fluiu. Engoli em seco convulsivamente, meu estômago palpitando. – E depois apliquem no cartão – concluiu ele, segurando o cartão com as gotas vermelhas para que víssemos. Fechei os olhos, tentando ouvir através do zumbido nos meus ouvidos. – A Cruz Vermelha vai fazer coleta de sangue em Port Angeles no fim de semana que vem, então pensei que todos vocês deviam conhecer seu tipo sangüíneo. – Ele parecia orgulhoso de si mesmo. – Os alunos que ainda não têm 19 anos vão precisar de permissão dos pais… Tenho formulários na minha mesa. Ele continuou pela sala com as gotas de água. Encostei o rosto no tampo de mesa frio e preto e tentei me manter consciente. Em volta de mim, eu podia ouvir gritinhos, queixas e risos enquanto meus colegas de turma espetavam os dedos. Eu respirava lentamente pela boca. – Bella, está tudo bem? – perguntou o Sr. Banner. A voz dele estava perto da minha cabeça e parecia alarmada. – Eu já sei meu tipo sangüíneo, Sr. Banner – disse numa voz fraca. Estava com medo de levantar a cabeça. – Acha que vai desmaiar? – Sim, senhor – murmurei, xingando-me por dentro por não matar a aula quando tive a chance. – Alguém pode levar Bella à enfermaria, por favor? – gritou ele. Não precisei olhar para cima para saber que Mike seria o voluntário. – Pode andar? – perguntou o Sr. Banner. – Posso – sussurrei. Só me deixe sair daqui, pensei. Nem que seja engatinhando.
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Mike parecia ansioso ao passar o braço por minha cintura e puxar meu braço para o ombro dele. Eu me apoiei nele pesadamente ao sair da sala de aula. Mike me rebocou devagar pelo campus. Quando estávamos perto do refeitório, fora de vista do prédio quatro, para o caso do Sr. Banner estar olhando, eu parei. – Deixe eu me sentar um minuto, está bem? – pedi. Ele me ajudou a sentar na beira da calçada. – E o que quer que você faça, não tire a mão do bolso – alertei. Eu ainda estava tão tonta. Tombei de lado, colocando o rosto no cimento enregelante e molhado da calçada, fechando os olhos. Isso pareceu ajudar um pouco. – Puxa, você está verde, Bella – disse Mike, nervoso. – Bella? – Uma voz diferente chamava a distância. Não! Por favor, tomara que eu esteja imaginando essa voz horrivelmente familiar. – Qual é o problema… Ela se machucou? – Agora a voz estava mais perto e ele parecia perturbado. Não era imaginação minha. Fechei os olhos com força, esperando morrer. Ou, no mínimo, que eu não vomitasse. Mike pareceu estressado. – Acho que está desmaiando. Não sei o que aconteceu, ela nem furou o dedo. – Bella. – A voz de Edward estava bem do meu lado, agora aliviada. – Pode me ouvir? – Não – eu gemi. – Vá embora. Ele riu. – Estava levando ela à enfermaria – explicou Mike num tom defensivo –, mas ela não conseguiu ir tão longe. – Vou cuidar dela – disse Edward. Pude ouvir o sorriso ainda na voz dele. – Pode voltar para a aula. – Não – protestou Mike. – Eu é que devo fazer isso. De repente a calçada desapareceu debaixo de mim. Meus olhos se abriram de choque. Edward me levantara nos braços com tanta facilidade que eu parecia pesar cinco quilos, em vez de cinqüenta. – Me coloque no chão! – Por favor, por favor, que eu não vomite nele. Ele estava andando antes que eu terminasse de falar. – Ei! – gritou Mike, já a dez passos de nós.
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Edward o ignorou. – Você está horrível – disse-me ele, sorrindo maliciosamente. – Me coloque na calçada de novo – eu gemi. O balanço de seu andar não estava ajudando. Ele me afastou de seu corpo, com cuidado, sustentando todo o meu peso só com os braços, e isso não pareceu incomodá-lo. – Então você desmaia quando vê sangue? – perguntou ele. Isto parecia diverti-lo. Não respondi. Fechei os olhos de novo e reprimi a náusea com toda a minha força, cerrando os lábios. – Até mesmo seu próprio sangue – continuou ele, divertindo-se. Não sei como ele abriu a porta enquanto me carregava, mas de repente ficou quente, então eu sabia que estava dentro de algum lugar. – Ah, meu Deus – ouvi uma voz de mulher arfar. – Ela desmaiou na aula de biologia – explicou Edward. Abri os olhos. Estava na secretaria e Edward passava pelo balcão da frente, indo para a enfermaria. A Srta. Cope, a ruiva da recepção, correu à frente dele para manter a porta aberta. A enfermeira com cara de vovó desviou os olhos de um romance, pasma, enquanto Edward me carregava pela sala e me colocava delicadamente no papel que estalava e revestia o colchão de vinil marrom da única maca. Depois ele se afastou e foi se encostar na parede do outro lado da sala estreita, o mais distante possível. Seus olhos estavam brilhantes e excitados. – Ela só teve uma pequena vertigem – garantiu ele à enfermeira sobressaltada. – Estão fazendo tipagem sangüínea na biologia. A enfermeira assentiu, compreensiva. – Sempre acontece com alguém. Ele sufocou um riso de escárnio. – Só fique deitada um minuto, querida; vai passar. – Eu sei – suspirei. A náusea já estava cedendo. – Isso acontece muito? – perguntou ela. – Às vezes – admiti. Edward tossiu para ocultar outro riso. – Pode voltar para a aula agora – disse-lhe ela. – Acho que vou ficar com ela. – Ele disse isso com tal autoridade que a enfermeira, embora franzisse os lábios, não discutiu. – Vou pegar um pouco de gelo para colocar na sua testa, querida – disse-me ela, e depois irrompeu porta afora.
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– Você tinha razão – eu gemi, deixando meus olhos se fecharem. – Em geral tenho… Mas sobre o que especificamente desta vez? – Matar aula é mesmo saudável. – Tentei respirar de um jeito uniforme. – Por um momento, você me assustou lá fora – admitiu ele depois de uma pausa. Seu tom de voz dava a impressão de que ele confessava uma fraqueza humilhante. – Pensei que Newton estivesse arrastando seu corpo para enterrar no bosque. – Rá rá. – Eu ainda estava de olhos fechados, mas me sentia mais normal a cada minuto. – Sinceramente… Já vi cadáveres com uma cor melhor. Fiquei preocupado se teria que vingar seu assassinato. – Coitado do Mike. Aposto que ele ficou irritado. – Ele realmente me odeia – disse Edward de um jeito animado. – Você não pode saber – argumentei, mas depois me perguntei se, de repente, ele podia. – Eu vi a cara dele… Sei que me odeia. – Como foi que você me viu? Pensei que estava matando aula. – Agora eu estava quase bem, embora o mal-estar provavelmente tivesse passado mais rápido se eu tivesse comido alguma coisa no almoço. Por outro lado, talvez fosse uma sorte que meu estômago estivesse vazio. – Estava no meu carro, ouvindo um CD. – Uma resposta normal, o que me surpreendeu. Ouvi a porta, abri os olhos e vi a enfermeira com uma compressa fria na mão. – Lá vamos nós, querida. – Ela a colocou na minha testa. – Parece melhor – acrescentou. – Acho que estou bem – eu disse, sentando-me. Só com um pequeno zumbido nos ouvidos, mas nada girava. As paredes verde-menta ficaram onde deveriam estar. Pude ver que ela estava prestes a me fazer deitar de novo, mas a porta se abriu exatamente naquele momento e a Srta. Cope colocou a cabeça para dentro. – Temos mais um – alertou ela. Desci da maca para liberá-la para o próximo invalido. Devolvi a compressa à enfermeira. – Toma, não preciso disso.
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E depois Mike cambaleou pela porta, agora apoiando Lee Stephens, que estava pálido, outro menino de nossa turma de biologia. Edward e eu nos encostamos na parede para deixar que passassem. – Ah, não – murmurou Edward. – Vá para a secretaria, Bella. Olhei para ele, desnorteada. – Confie em mim… Vá. Gire i o corpo e peguei a porta antes que ela se fechasse, disparando para fora da enfermaria. Pude sentir Edward bem atrás de mim. – Desta vez você me deu ouvidos. – Ele estava pasmo. – Senti o cheiro de sangue – eu disse, torcendo o nariz. Lee não estava enjoado de ver outras pessoas, como eu. – As pessoas não conseguem sentir cheiro de sangue – contestou ele. – Bom, eu consigo… É isso que me deixa enjoada. Tem cheiro de ferrugem… e sal. Ele me olhava com uma expressão insondável. – Que foi? – perguntei. – Nada. Mike depois saiu pela porta, olhando de mim para Edward. Seu olhar para Edward confirmou aquilo que Edward disse sobre o ódio que ele sentia. Ele olhou novamente para mim, os olhos taciturnos. – Você parece mesmo melhor – acusou ele. – Não tire a mão do bolso – eu o alertei novamente. – Não está mais sangrando – murmurou ele. – Vai voltar à aula? – Tá brincando? Se for para a aula, vou acabar voltando para cá. – É, acho que sim… Então, vai nesse fim de semana? À praia? – Enquanto falava, ele disparou outro olhar para Edward, que estava encostado no balcão atravancado, imóvel como uma escultura, fitando o vazio. Tentei parecer o mais simpática possível. – Claro, eu disse que iria. – Vamos nos reunir na loja do meu pai, às dez. – Os olhos dele dispararam para Edward de novo, perguntando-se se devia deixar escapar muita informação. Sua linguagem corporal deixava claro que não era um convite aberto. – Estarei lá – prometi.
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– A gente se vê no ginásio, então – disse ele, andando inseguro para a porta. – A gente se vê – respondi. Ele olhou para mim mais uma vez, a cara redonda num beicinho, e depois, ao passar lentamente pela porta, seus ombros arriaram. Uma onda de solidariedade me inundou. Pensei em sua expressão decepcionada de novo… No ginásio. – Ginásio – eu gemi. – Posso cuidar disso. – Eu não tinha percebido que Edward viera para o meu lado, mas agora ele falava no meu ouvido. – Sente-se e pareça pálida – murmurou ele. Não era nenhum desafio; eu era sempre pálida e minha recente vertigem deixara um leve brilho de suor no meu rosto. Sentei em uma das cadeiras dobráveis que rangiam e encostei a cabeça na parede, com os olhos fechados. Desmaiar sempre me deixava exausta. Ouvi Edward falar suavemente no balcão. – Srta. Cope? – Sim? – Eu não a ouvira voltar à mesa. – Bella tem educação física no próximo tempo e não acho que ela esteja se sentindo muito bem. Na verdade, eu estava pensando que devia levá-la para casa agora. Acha que pode dispensá-la da aula? – A voz dele era derretida como mel. Eu podia imaginar como seus olhos estavam mais dominadores. – Vai precisar de uma dispensa também, Edward? – disse irrequieta a Sra. Cope. Por que não poderia fazer isso? – Não, tenho a Sra. Goff, ela não vai se importar. – Muito bem, está tudo resolvido. Melhoras, Bella – disse ela a mim. Acenei com a cabeça levemente, exagerando um pouco na cena. – Consegue andar, ou quer que eu carregue você novamente? – De costas para a recepcionista, a expressão dele tornou-se sarcástica. – Vou andando. Levantei-me com cuidado, e ainda estava bem. Ele manteve a porta aberta para mim, seu sorriso educado mas os olhos debochados. Saí para o chuvisco frio e fino que começara a cair. Era bom – a primeira vez que eu gostava da umidade constante que caía do céu –, lavava meu rosto da transpiração pegajosa. – Obrigada – eu disse enquanto ele me seguia para fora. – Quase vale a pena passar mal para faltar à educação física.
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– Disponha. – Ele estava olhando para a frente, semicerrando os olhos na chuva. – Então você vai? No sábado, quero dizer? – Eu esperava que ele fosse, mas parecia improvável. Não conseguia imaginá-lo pegando carona com o resto dos garotos da escola; ele não pertencia ao mesmo mundo. Mas esperava que ele pudesse me dar a primeira centelha de entusiasmo que sentiria pelo passeio. – Aonde vocês vão exatamente? – Ele ainda olhava para frente, sem expressão. – La Push, à primeira praia. – Analisei seu rosto, tentando interpretá-lo. Seus olhos pareceram se estreitar minimamente. Ele olhou para mim pelo canto do olho, sorrindo torto. – Acho que não fui convidado. Eu suspirei. – Eu estou convidando. – É melhor você e eu não pressionarmos ainda mais o coitado do Mike esta semana. Não vamos querer que ele desmorone. – Os olhos dele dançavam; ele estava gostando da idéia mais do que devia. – Mike-bobão – murmurei, preocupada com o modo como ele disse “você e eu”. Eu gostei mais do que eu devia. Agora estávamos perto do estacionamento. Virei para a esquerda, para minha picape. Algo pegou meu casaco, puxando-me para trás. – Aonde você pensa que vai? – perguntou ele, furioso. Agarrava um pedaço de meu casaco. Fiquei confusa. – Vou para a casa. – Não me ouviu prometer que levaria você para a casa com segurança? Acha que vou deixar você dirigir nas suas condições? – A voz dele ainda era indignada. – Que condições? E a minha picape? – reclamei. – Vou pedir a Alice para levar depois da aula. – Ele agora me rebocava para o carro dele, puxando-me pelo casaco. Era o que eu podia fazer para não cair de costas. Ele provavelmente me arrastaria de qualquer maneira, seu caísse. – Solta! – insisti. Ele me ignorou. Cambaleei de lado pela calçada molhada até que chegamos ao Volvo. Depois ele finalmente me libertou – e eu tropecei para a porta do carona.
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– Você é tão mandão! – eu rosnei. – Está aberta – foi só o que ele respondeu. Ele assumiu a direção. – Sou perfeitamente capaz de dirigir para casa! – Fiquei parada ao lado do carro, fumegando. Agora chovia forte e eu não havia posto o capuz, então meu cabelo estava pingando nas minhas costas. Ele baixou o vidro elétrico e se inclinou para mim sobre o assento. – Entre, Bella. Não respondi. Estava calculando mentalmente minhas chances de chegar à picape antes que ele pudesse me alcançar. Tinha que admitir que não eram boas. – Vou arrastar você de volta – ameaçou ele, adivinhando meus planos. Tentei manter a maior dignidade que pude ao entrar no carro dele. Não tive muito sucesso – eu parecia um gato meio ensopado e minhas botas guinchavam. – Isso é totalmente desnecessário – eu disse, toda rígida. Ele não respondeu. Mexeu nos controles, ligando o aquecedor e a música baixa. Enquanto arrancava do estacionamento, eu me preparei para dar um gelo nele – fazendo um beicinho que fechava minha expressão –, mas depois reconheci a música que tocava e minha curiosidade venceu minhas intenções. – “Clair de Lune”? – perguntei surpresa. – Conhece Debussy? – Ele também pareceu surpreso. – Não muito bem – admiti. – Minha mãe toca muita música clássica em casa… Só conheço minhas favoritas. – Também é uma das minhas favoritas. – Ele ficava através da chuva, perdido em pensamentos. Ouvi a música, relaxando no banco de couro cinza-claro. Era impossível não reagir à melodia familiar e tranqüilizadora. A chuva encobria tudo do lado de fora da janela em borrões de cinza e verde. Comecei a perceber que estávamos indo muito rápido; mas o carro se movia com tal estabilidade, tão tranqüilamente, que não senti a velocidade. Só a cidade lampejava por nós. – Como é a sua mãe? – perguntou-me ele de repente. Olhei para ele e o vi me analisando com olhos curiosos.
– Ela é muito parecida comigo, só que mais bonita – eu disse. Ele ergueu as sobrancelhas. – Tenho muita coisa do Charlie. Ela é mais atirada
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do que eu, e mais corajosa. É irresponsável e meio excêntrica, e é uma cozinheira imprevisível. Ela é minha melhor amiga. – Eu parei. Falar dela estava me deixando deprimida. – Quantos anos você tem, Bella? – A voz dele parecia frustrada por algum motivo que não consegui imaginar. Ele parou o carro e percebi que já estávamos na casa de Charlie. A chuva era tão forte que eu mal conseguia ver a casa. Era como se o carro estivesse submerso em um rio. – Tenho 17 anos – respondi, meio confusa. – Não parece ter 17 anos. Havia uma censura em seu tom de voz; isso me fez rir. – Que foi? – perguntou ele, curioso novamente. Ele fez uma careta e mudou de assunto. – Então por que sua mãe se casou com o Phil? Fiquei surpresa de ele se lembrar do nome; eu só falei nele uma vez; quase dois meses atrás. Precisei de um momento para responder. – Minha mãe… é muito jovem para a idade dela. Acho que Phil a faz se sentir ainda mais nova. De qualquer forma, ela é louca por ele. – Sacudi a cabeça. A atração era um mistério para mim. – Você aprova? – E isso importa? – contra-ataquei. – Quero que ela seja feliz… E é ele quem ela quer. – Isso é muito generoso… eu acho. – O quê? – Acha que ela teria a mesma consideração com você? Independentemente de quem você escolhesse? – De repente ele estava atento, os olhos procurando os meus. – A-acho que sim – gaguejei. – Mas afinal de contas, ela é mãe. É meio diferente. – Ninguém assustador demais, então – zombou ele. Dei um sorriso duro como resposta. – O que quer dizer com assustador? Piercings na cara toda e tatuagens enormes? – Acho que essa é uma definição. – Qual é a sua definição? Mas ele ignorou minha pergunta e me fez outra. – Acha que eu posso ser assustador? – Ele ergueu uma sobrancelha e o leve vestígio de sorriso iluminou seu rosto.
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Pensei por um momento, perguntando-me se seria melhor dizer a verdade ou mentir. Concluí por continuar com a verdade. – Hmmm… Acho que você podia ser, se quisesse. – Está com medo de mim agora? – O sorriso desapareceu e seu rosto celestial de repente ficou sério. – Não. – Mas respondi rápido demais. O sorriso voltou. – Então, agora vai me falar de sua família? – perguntei para distraí-lo. – Deve ser uma história muito mais interessante do que a minha. Ele ficou cauteloso imediatamente. – O que quer saber? – Os Cullen adotaram você? – conferi. – Sim. Hesitei por um momento. – O que aconteceu com os seus pais? – Eles morreram há muitos anos. – Seu tom era categórico. – Eu sinto muito – murmurei. – Eu não me lembro deles com muita clareza. Carlisle e Esme têm sido meus pais há bastante tempo. – E você os ama. – Não foi uma pergunta. Ficou óbvio pelo modo como ele falou deles. – Sim. – Ele sorriu. – Não consigo pensar em duas pessoas melhores. – Você tem muita sorte. – Sei que tenho. – E seu irmão e sua irmã? Ele olhou no relógio do painel. – Meu irmão e minha irmã e, a propósito, Jasper e Rosalie, vão se irritar muito se tiverem que ficar na chuva esperando por mim. – Ah, desculpe, acho que você tem que ir. – Eu não queria sair do carro. – E você deve querer sua picape de volta ante que o chefe Swan chegue em casa, assim não precisa contar a ele sobre o incidente na biologia. – Ele sorriu para mim. – Tenho certeza de que ele já sabe. Não há segredos em Forks. – Eu suspirei. Ele riu e havia uma tensão em seu riso.
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– Divirta-se na praia… Espero que o clima esteja bom para um banho de sol. – Ele olhou a cortina de chuva. – Não vou ver você amanhã? – Não. Emmet e eu vamos sair mais cedo para o fim de semana. – O que vão faze? – Uma amiga podia perguntar isso, não podia? Eu esperava que a decepção não estivesse evidente demais em minha voz. – Vamos escalar a Great Rocks Wilderness, ao sul de Rainier. Lembrei que Charlie disseram que os Cullen acampavam com freqüência. – Ah, bom, então divirtam-se. – Tentei parecer entusiasmada. Mas acho que não o enganei. Um sorriso brincava pelo canto de seus lábios. – Faz uma coisa por mim nesse fim de semana? – Ele se virou para me olhar no rosto, utilizando todo o poder de seus olhos dourados ardentes. Concordei, impotente. – Não se ofenda, mas você parece ser uma daquelas pessoas que atrai acidentes feito um imã. Então… Procure não cair no mar, nem se afogar, nem nada disso, está bem? – Ele deu um sorriso torto. A sensação de abandono desapareceu enquanto ele falava. Eu olhei para ele. – Verei o que posso fazer – respondi e saí para a chuva. Bati a porta do carro com uma força exagerada. Ele ainda estava sorrindo ao arrancar com o carro.
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6. HISTÓRIAS DE TERROR 
Sentada no meu quarto, tentando me concentrar no terceiro ato de Macbeth, eu na verdade tentava ouvi minha picape. Tinha pensado que mesmo com o martelar da chuva poderia ouvir o rugido do motor. Mas quando olhei pela cortina – de novo – de repente ela estava ali. Eu não ansiava pela sexta-feira e ela mais do que cumpriu minhas não-expectativas. É claro que houve comentários sobre o desmaio. Jessica especialmente parecia se divertir com a história. Por sorte Mike manteve a boca fechada e ninguém parecia saber do envolvimento de Edward. – E aí? o que é que o Edward Cullen queria ontem? – perguntou Jessica na aula de trigonometria. – Não sei – respondi com sinceridade. – Ele não chegou a dizer. – Você parecia meio chateada – ela jogou verde. – Parecia? – Mantive minha expressão vazia. – Sabe de uma coisa, eu nunca o vi se sentar com ninguém a não ser com a família dele. Aquilo foi esquisito. – Esquisito – concordei. Ela pareceu irritada; sacudia os cachos escuros com impaciência, acho que esperava ouvir algo que lhe desse um bom assunto para fofocar. A pior parte da sexta-feira foi que, embora soubesse que ele não estaria lá, eu ainda esperava. Quando fui para o refeitório com Jessica e Mike, não consegui deixar de olhar a mesa dele, onde Rosalie, Alice e Jasper conversavam, as cabeças próximas. E não consegui evitar a depressão que me engolfou quando percebi que eu não sabia quanto tempo teria que esperar para vê-lo novamente. À minha mesa de sempre, todos estavam cheios de planos para o dia seguinte. Mike estava animado de novo, confiando muito no meteorologista local, que prometera sol para amanhã. Era ver para crer. Mas hoje estava mais quente – quase quinze graus. Talvez o passeio não fosse completamente infeliz. Interceptei alguns olhares não amistosos de Lauren durante o almoço, que só fui entender quando todos fomos para a aula juntos. Eu estava bem ao lado dela, só a alguns palmos de sue cabelo louro e liso, e ela evidentemente não tinha percebido isso.
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– …não sei por que a Bella – ela pronunciou meu nome com desprezo – simplesmente não se senta com os Cullen de agora em diante – eu a ouvi murmurar com Mike. Nunca havia percebido que a voz dela era anasalada e desagradável, e fiquei surpresa pela malícia implícita. Realmente não a conhecia muito bem, com certeza não o suficiente para que ela não gostasse de mim. Ou assim eu pensei. – Ela é minha amiga; ela senta com a gente – respondeu Mike aos cochichos, com lealdade, mas também de um jeito meio territorialista. Parei para deixar que Jess e Angela passassem por mim. Não queria ouvir mais nada. No jantar, Charlie parecia entusiasmado com minha viagem a La Push de manhã. Acho que ele se sentia culpado por me deixar em casa sozinha nos fins de semana, mas ele passara tempo demais formando seus hábitos para quebrá-los agora. É claro que sabia os nomes de todos os meninos que iam, e dos pais deles, e dos bisavós também, provavelmente. Ele parecia aprovar. Eu me perguntei se ele aprovaria meu plano de pegar uma carona a Seattle com Edward Cullen. Não que eu fosse contar a ele. – Pai, conhece um lugar chamado Great Rocks ou coisa assim? Acho que fica ao sul de Mount Rainier – perguntei casualmente. – Conheço… Por quê? Dei de ombros. – Um pessoal estava falando de acampar lá. – Não é um lugar muito bom para acampar. – Ele pareceu surpreso. – Tem ursos demais. Muita gente vai lá na temporada de caça. – Ah – murmurei. – Talvez eu tenha entendido o nome errado. Eu queria dormir, mas uma luminosidade incomum me acordou. Abri os olhos e vi uma luz amarelo-clara jorrando pela minha janela. Nem acreditei. Corri para a janela para olhar, e sem dúvida era o sol. Estava no lugar errado do céu, baixo demais, e não parecia estar tão perto como deveria, mas era possível ver um grande trecho de azul no meio. Fiquei na janela pelo maior tempo que pude, com medo de que, se saísse, o azul desaparecesse novamente.
A loja Olympic Outfitters, dos Newton, ficava no norte da cidade. Eu tinha visto a loja, mas nunca parara ali – não tinha muita necessidade de equipamentos para ficar ao ar livre por um longo período de tempo. No estacionamento, reconheci o Suburban de Mike e o Sentra de Tyler.
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Enquanto eu estacionava perto daqueles carros, pude ver o grupo parado na frente do Suburban. Eric estava lá, junto com outros dois meninos que eram da minha turma; eu me lembrava vagamente de que os nomes eram Ben e Conner. Jess estava ali, ladeada por Angela e Lauren. Outras três meninas estavam junto delas, inclusive uma que eu me lembrava de ter derrubado na educação física na quinta-feira. Essa me lançou um olhar de nojo quando eu saía do meu carro e cochichou alguma coisa com Lauren. Lauren sacudiu a cabeça de barba de milho e me olhou com desprezo. Então este ia ser um dia daqueles. Pelo menos Mike ficou feliz em me ver. – Você veio! – gritou ele, contentíssimo. – E eu disse que hoje ia fazer sol, não disse? – Falei que viria – eu lembrei a ele. – Só estamos esperando Lee e Samantha… A não ser que você tenha convidado alguém – acrescentou Mike. – Não – menti de leve, esperando não ser pega na mentira. Mas também querendo que acontecesse um milagre e Edward aparecesse ali. Mike pareceu satisfeito. – Quer ir no meu carro? É nele ou na minivan da mãe de Lee. – Claro. Ele sorriu de alegria. Era tão fácil deixar Mike feliz. – Pode sentar na frente – prometeu ele. Escondi meu pesar. Não era tão simples assim fazer Mike e Jessica felizes ao mesmo tempo. Eu podia ver Jessica se aproximando de nós carrancuda. Mas o números estava a meu favor. Lee trouxe mais duas pessoas e de repente cada espaço no carro era necessário. Consegui espremer Jessica entre Mike e eu no banco da frente do Suburban. Mike pode ter ficado menos alegre com isso, mas pelo menos Jessica parecia satisfeita. Eram só 24 quilômetros de Forks a La Push, com as florestas verdes, densas e lindas margeando a estrada na maior parte do caminho e o largo rio Quillayute serpenteando embaixo. Fiquei feliz por me sentar junto à janela. Baixamos os vidros – o Suburban era meio claustrofóbico com nove pessoas lá dentro – e tentei absorver o máximo de sol que pude.
Eu já estive muitas vezes nas praias de La Push durante meus verões em Forks com Charlie, e a curva de oitocentos metros da primeira praia já era conhecida. Mas ainda era de tirar o fôlego. A água era verde-escura, mesmo ao sol, com cristas brancas, e quebrava na praia cinzenta e
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rochosa. As ilhas surgiam das águas com escarpas empinadas, alcançando cumes desiguais, e coroadas por abertos austeros e elevados. A praia só tinha uma lasca de areia na beira da água; depois disso se alargava em milhões de pedras grandes e lisas que pareciam uniformemente cinzentas à distância, mas de perto tinham todos os tons que uma pedra deveria ter: terracota, verde-marinho, lavanda, cinza-azulada, dourado fosco. A linha da maré era tomada de enormes troncos trazidos pelo mar, embranquecidos pelas ondas salgadas, feito ossos, alguns em pilhas na beira da floresta, outros deitados solitários, fora do alcance das ondas. Havia um vento fresco vindo das ondas, frio e salgado. Pelicanos flutuavam na sondas enquanto gaivotas e uma águia solitária rodavam acima deles. As nuvens ainda circundavam o céu, ameaçando invadir a qualquer momento, mas por enquanto o sol brilhava corajosamente em seu halo de céu azul. Pegamos o caminho para a praia. Mike na frente, até um anel de troncos que obviamente tinha sido usados para festas como a nossa. Já havia um círculo de fogueira no lugar, cheio de cinzas escuras. Eric e o menino que pensei se chamar Ben juntaram galhos quebrados das pilhas mais secas junto à floresta, e logo havia uma construção no formado de uma tenda indígena no alto do carvão antigo. – Já viu uma fogueira de madeira de praia? – perguntou-me Mike. Eu estava sentada em um dos galhos cor de osso; as outras meninas se agruparam, fofocando animadas, do outro lado. Mike se ajoelhou junto à fogueira, acendendo um dos gravetos menores com um isqueiro. – Não – eu disse enquanto ele colocava o graveto aceso cuidadosamente na tenda. – Então vai gostar dessa… Olhe só as cores. – Ele acendeu outro galho e o colocou junto ao primeiro. As chamas começaram a lamber rapidamente a madeira seca. – É azul – eu disse surpresa. – É por causa do sal. É lindo, né? – Ele acendeu mais um galho, colocado onde a fogueira não tinha pegado, e depois veio se sentar do meu lado. Felizmente, Jess estava do outro lado de Mike. Ela se virou para ele e reivindicou sua atenção. Fiquei olhando as estranhas chamas azuis e verdes estalarem para o céu.
Depois de meia hora de bate-papo, alguns meninos queriam andar até as piscinas da maré baixa próximas. Foi um dilema. Por um lado, eu
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adorava aquelas piscinas de maré. Elas me fascinavam desde que era criança; era uma das poucas coisas que queria ver quando tinha que vir para Forks. Por outro lado, eu também já caí muito nelas. Não é grande coisa quando se tem 7 anos e você está com seu pai. Isso me lembrou do pedido de Edward – de que eu não caísse no mar. Foi Lauren quem decidiu por mim. Ela não queria fazer caminhada nenhuma e estava com os sapatos errados para isso. A maioria das outras meninas ao lado de Angela e Jessica também decidiu ficar na praia. Esperei até que Tyler e Eric decidissem continuar com elas antes de me levantar rapidamente para me juntar ao grupo pró-caminhada. Mike me abriu um sorriso enorme quando viu que eu ia com eles. A caminhada não era muito longa, embora eu odiasse perder o céu no bosque. Estranhamente, a luz verde da floresta não combinava com o riso adolescente, era obscura e agourenta demais para se harmonizar com as brincadeiras leves em volta de mim. Tive que observar cada passo que dava com muito cuidado, evitando raízes embaixo e galhos em cima, e logo fiquei para trás. Por fim atravessei os confins esmeralda da floresta e reencontrei a praia rochosa. A maré estava baixa, e um rio de maré passava por nós a caminho do mar. Junto a suas margens seixosas, piscinas rasas que nunca eram completamente drenadas fervilhavam de vida. Tive o máximo de cuidado para não me inclinar demais na beira das piscinas marinhas. Os outros não tinham medo, pulando nas pedras, empoleirando-se precariamente na beira. Achei uma pedra que parecia muito instável na margem de uma das maiores piscinas e me sentei ali com cautela, fascinada com o aquário natural abaixo de mim. Os buquês de anêmonas de cores vivas ondulavam sem parar na correnteza invisível, conchas retorcidas corriam pelas margens, escondendo os caranguejos dentro delas, estrelas-do-mar prendiam-se imóveis nas rochas e em outras estrelas, enquanto uma pequena enguia preta de listras brancas ondulava pelas algas verde-claras, esperando pelo retorno do mar. Fiquei completamente absorta, a não ser por uma pequena parte da minha mente que vagava para o que Edward estaria fazendo agora, tentando imaginar o que ele diria se estivesse aqui comigo.
Por fim os meninos ficaram com fome e eu me levantei, rígida, para segui-los de volta. Desta vez, tentei acompanhar seu ritmo pela floresta, tão naturalmente que algumas vezes caí. Fiquei com alguns arranhões na
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palma das mãos e os joelhos de meus jeans ficaram sujos de verde, mas podia ter sido pior. Quando voltamos para primeira praia, o grupo que deixamos tinha se multiplicado. À medida que nos aproximávamos, pude ver o cabelo preto liso e reluzente e a pele acobreada dos adolescentes recém-chegados da reserva que apareceram para fazer uma social. A comida já estava sendo distribuída, e os meninos correram para reivindicar uma parte enquanto Eric nos apresentava à medida que cada um de nós entrava na roda da fogueira. Angela e eu fomos as últimas a chegar e, enquanto Eric dizia nossos nomes, vi um menino mais novo sentado nas pedras perto da fogueira, olhando para mim com interesse. Senti ao lado de Angela, e Mike nos trouxe sanduíches e uma seleção de refrigerantes para que escolhêssemos, enquanto um menino que parecia ser o mais velho dos visitantes tagarelava o nome dos outros sete que estavam com ele. Só o que captei foi que uma das meninas também se chamava Jessica, e o menino que notou minha presença se chamava Jacob. Foi relaxante ficar sentada ali com Angela; era o tipo de pessoa sossegada – não sentia necessidade de preencher cada silêncio com tagarelice. Me deixava livre para pensar enquanto comíamos, sem ser perturbada. E eu estava pensando em como o tempo parecia fluir de forma desconexa em Forks, às vezes pensando indiscretamente, com cada imagem se destacando de forma mais clara do que outras. E depois, em outras ocasiões, cada segundo era significativo, grudado em minha mente. Eu sabia exatamente o que provocava a diferença e isso me perturbava. Durante o almoço as nuvens começavam a avançar furtivamente pelo céu azul, disparando por um momento na frente do sol. Enquanto terminavam de comer, as pessoas começaram a se afastar em grupos de dois ou três. Algumas desceram para a beira da praia, tentando jogar pedras pela superfície agitada. Outras se reuniram numa segunda expedição às piscinas da maré baixa. Mike – com Jessica como uma sombra – seguiu para uma das lojas do vilarejo. Algumas crianças do lugar se espalharam, fiquei sentada sozinha em meu tronco na praia, com Lauren e Tyler se ocupando de um CD player que alguém pensara em trazer, e três adolescentes da reserva empoleirados em volta da roda, inclusive o menino chamado Jacob e o mais velho que tinha agido como porta-voz.
Alguns minutos depois de Angela sair com os andarilhos, Jacob veio sentar-se ao meu lado. Parecia ter 14 anos, talvez 15, e tinha cabelos
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pretos brilhantes e compridos, presos com elástico num rabo-de-cavalo na nuca. Sua pele era linda, sedosa e castanho-avermelhada; os olhos eram escuros e fundos sobre as maçãs altas do rosto. Ele ainda tinha um arredondamento infantil no queixo. Um rosto muito bonito ao todo. Mas minha opinião indiscutível sobre sua aparência foi prejudicada pelas primeiras palavras que saíram de sua boca. – Você é Isabella Swan, não é? Foi como se o primeiro dia de aula estivesse se repetindo. – Bella – suspirei. – Meu nome é Jacob Black. – Ele estendeu a mão num gesto de amizade. – Você comprou a picape do meu pai. – Ah – eu disse, aliviada, apertando sua mão macia. – Você é filho do Billy. Eu devia me lembrar de você. – Não, eu sou o mais novo da família… Você só se lembra de minhas irmãs mais velhas. – Rachel e Rebecca – lembrei-me de repente. Charlie e Billy tinham nos reunido muitas vezes durante minhas visitas para nos manter ocupadas enquanto eles pescavam. É claro que eu tive acessos de raiva suficientes para dar um fim às viagens de pescaria quando tinha 11 anos. – Elas estão aqui? – Examinei as meninas na beira do mar, perguntando-me se as reconheceria agora. – Não. – Jacob sacudiu a cabeça. – Rachel ganhou uma bolsa de estudos para uma colégio interno em Washington, e Rebecca se casou com um surfista samoano… Agora mora no Havaí. – Casada. Caramba. – Eu estava pasma. As gêmeas só eram um pouco mais velhos do que eu. – E aí, gostou da picape? – perguntou ele. – Adorei. Funciona maravilhosamente. – É, mas é bem lenta – ele riu. – Fiquei aliviado quando o Charlie a comprou. Meu pai não ia me deixar trabalhar na montagem de outro carro quando tínhamos um veículo em perfeito funcionamento ali. – Não é tão lenta assim – objetei. – Já tentou passar de noventa por hora? – Não – admiti. – Ainda bem. Não tente. – Ele riu. Não consegui deixar de sorrir também.
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– Ela é ótima nas batidas – propus em defesa de minha picape. – Acho que nem um tanque poderia derrubar aquele monstro velho – concordou ele com outra risada. – Então você monta carros? – perguntei, impressionada. – Quando tenho tempo, e se tiver peças. Por acaso você não sabe onde posso conseguir um cilindro mestre de um Volkswagen Rabbit 1986? – perguntou ele de brincadeira. Ele tinha uma voz rouca e agradável. – Não, desculpe – eu ri. – Não vi nenhum ultimamente, mas vou ficar de olho para você. – Como se eu soubesse o que era aquilo. Era muito fácil conversar com ele. Ele abriu um sorriso brilhante, olhando para mim de um jeito que aprendi a reconhecer, avaliando-me. E eu não fui a única a perceber. – Conhece a Bella, Jacob? – perguntou Lauren, no que concluí ser um tom insolente, do outro lado da fogueira. – A gente se conhece praticamente desde que eu nasci – ele riu, sorrindo para mim de novo. – Que legal. Ela não parecia achar que era legal, e seus olhos claros e impertinentes se estreitaram. – Bella – disse ela novamente, olhando atentamente meu rosto –, eu estava dizendo ao Tyler que é uma pena que nenhum dos Cullen tenha podido vir aqui hoje. Ninguém pensou em convidá-los? – Sua expressão de preocupação não era nada convincente. – Quer dizer a família do Dr. Carlisle Cullen? – perguntou o menino mais velho antes que eu pudesse responder, para irritação de Lauren. Ele estava mais para um homem do que um menino e sua voz era muito grave. – É, você conhece? – perguntou ela de um jeito condescendente, virando-se um pouco para ele. – Os Cullen não vem aqui – disse ele num tom de voz que encerrava o assunto, ignorando a pergunta. Tyler, tentando recuperar a atenção de Lauren, pediu a opinião dela sobre um CD que ele segurava. Ela estava distraída.
Olhei o menino de voz grave, surpresa, mas ele estava olhando para a floresta escura atrás de nós. Ele disse que os Cullen não vinham aqui, mas o tom de voz implicava mais alguma coisa – que eles não tinham
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permissão para isso; eram proibidos de vir. Suas maneiras deixaram uma estranha impressão em mim e tentei ignorá-las, sem sucesso. Jacob interrompeu minhas reflexões. – Então, Forks ainda não pirou você? – Ah, eu diria que este é um jeito suave de dizer a verdade. – Eu fiz uma careta. Ele também sorriu de um modo afetado, compreendendo tudo. Eu ainda estava perturbada por causa do breve comentário sobre os Cullen e tive uma inspiração súbita. Era um plano idiota, mas não tive nenhuma idéia melhor. Eu esperava que o jovem Jacob ainda fosse inexperiente com as garotas, de modo que não pudesse ver através de minhas tentativas sem dúvida lamentáveis de paquerar. – Quer ir até a praia comigo? – perguntei, tentando imitar aquele jeito de olhar com o rabo do olho de Edward. Eu sabia que não podia ter o mesmo desempenho, mas num salto Jacob se colocou de pé, cheio de disposição. Enquanto seguíamos para o norte pela pedras multicoloridas até o quebra-mar de troncos, as nuvens finalmente cerraram fileira no céu, escurecendo o mar e fazendo a temperatura cair. Enfiei as mãos nos bolsos do casaco. – E aí, você, o quê, uns 16 anos? – perguntei, tentando não parecer uma idiota enquanto batia as pestanas como vira as mulheres fazendo na TV. – Acabei de fazer 15 – confessou ele, lisonjeado. – É mesmo? – Minha cara estava cheia de uma falsa surpresa. – Eu achava que você era mais velho. – Sou alto para a minha idade – explicou ele. – Você vai muito a Forks? – perguntei meio cínica, como se esperasse por um sim. Eu me sentia uma idiota. Tinha medo de que ele se virasse para mim com nojo e me acusasse de minha fraude, mas ele ainda parecia lisonjeado. – Não muito – admitiu ele com a testa franzida. – Mas quando terminar meu carro, posso ir lá sempre que você quiser… Depois que tiver minha carteira – emendou-se ele. – Quem era o outro menino com quem Lauren estava conversando? Ele parecia meio velho para sair com a gente. – Eu fiquei com os mais novos intencionalmente, tentando deixar claro que preferia Jacob. – É o Sam… Ele tem 19 – informou-me ele.
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– O que é que ele estava dizendo sobre a família do médico? – perguntei inocentemente. – Os Cullen? Ah, eles não podem vir à reserva. – Ele desviou os olhos, para a ilha James, enquanto confirmava o que eu pensava ter ouvido na voz de Sam. – E por que não? Ele olhou novamente para mim, mordendo o lábio. – Epa. Não posso falar nada sobre isso. – Ah, eu não vou contar a ninguém, é só curiosidade minha. – Tentei manter o sorriso sedutor, perguntando-me se eu o estava forçando de um jeito imbecil demais. Mas ele também sorriu, parecendo fascinado. Depois ergueu um sobrancelha e sua voz ficou ainda mais rouca do que antes. – Gosta de histórias de terror? – perguntou ele de modo agourento. – Adoro – eu me entusiasmei, fazendo esforço para reprimir meus sentimentos. Jacob andou até um tronco caído ali perto, com raízes que se projetavam para fora como as pernas enfraquecidas de uma aranha enorme e branca. Ele se empoleirou de leve em uma das raízes retorcidas enquanto eu me sentava abaixo dele no tronco. Ele olhou para as pedras, um sorriso pairando nas extremidades dos lábios grossos. Eu podia ver que ele ia tentar dar o máximo de si. Concentrei-me em manter o interesse que senti emanar de meus olhos. – Conhece alguma de nossas histórias antigas, sobre de onde viemos… quer dizer, dos quileutes? – começou ele. – Na verdade não – admiti. – Bom, são um monte de lendas, e dizem que algumas datam da grande inundação… Ao que parece, os antigos quileutes amarraram as canoas no topo das árvores mais altas da montanha para sobreviver como Noé e a arca. – Ele sorriu, para me mostrar como dava pouco crédito a essas histórias. – Outra lenda diz que descendemos de lobos… E que os lobos ainda são nossos irmãos. É contra a lei da tribo matá-los. E há as histórias sobre os frios. – A voz dele ficou um pouco mais baixa. – Os frios? – perguntei, agora sem fingir estar intrigada.
– É. Há histórias dos frios tão antigas quanto as lendas dos lobos, e algumas são mais recentes. De acordo com a lenda, meu bisavô conheceu
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alguns. Foi ele quem fez o acordo que os manteve longe de nossas terras. – Ele revirou os olhos. – Seu bisavô? – eu o estimulei. – Ele era um ancião da tribo, como meu pai. Olhe só, os frios são inimigos naturais do lobo… Bom, não do lobo, mas dos lobos que se transformam em homens, como nossos ancestrais. Você pode chamar de lobisomens. – Os lobisomens tem inimigos? – Só um. Olhei para ele com seriedade, esperando disfarçar minha impaciência como admiração. – Então veja você – continuou Jacob –, por tradição, os frios são nossos inimigos. Mas aquele bando que veio para o nosso território na época do meu bisavô era diferente. Eles não machucavam as pessoas como os outros da espécie deles faziam… Não deviam ser perigosos para a tribo. Então meu bisavô fez um trégua com eles. Se eles prometessem ficar longe de nossas terras, nós não os revelaríamos aos caras-pálidas. – Ele deu uma piscadela para mim. – Se eles não eram perigosos, então por quê…? – Tentei entender, lutando para que ele não visse como eu estava levando a sério essa história de fantasma. – Sempre há um risco para os seres humanos que ficam perto dos frios, mesmo que eles sejam civilizados, como este clã. Nunca se sabe quando podem ficar famintos demais para resistir. – Ele deliberadamente assumiu um tom de ameaça. – Como assim, "civilizados"? – Diziam que eles não machucavam seres humanos. Supostamente, de algum modo, conseguiam caçar só animais. Tentei manter minha voz despreocupada. – E o que é que isso tem a ver com os Cullen? Eles são iguais aos frios que seu bisavô conheceu? – Não. – Ele fez uma pausa dramática. – Eles são os mesmos. Ele deve ter pensado que a expressão de medo no meu rosto era inspirada por sua história. Jacob sorriu, satisfeito, e continuou.
– Agora há mais deles, têm uma fêmea nova e um macho novo, mas os outros são os mesmos. Na época do meu bisavô, já conheciam o líder,
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Carlisle. Ele esteve aqui e se foi antes que o seu povo tivesse chegado. – Ele reprimia um sorriso. – E o que eles são? – perguntei por fim. – O que são os frios? Ele sorriu de um jeito sombrio. – Bebedores de sangue – respondeu ele numa voz de dar calafrios. – O seu povo os chama de vampiros. Olhei a arrebentação eriçada depois que eles respondeu, sem ter certeza do que minha expressão demonstrava. – Você está arrepiada – ele riu, satisfeito. – Você sabe contar uma história – eu o elogiei, ainda olhando as ondas. – É muito louco, não é? Não surpreende que meu pai não queira que a gente fale sobre isso com ninguém. Não consegui controlar minha expressão o suficiente para olhar para ele. – Não se preocupe, não vou falar nada. – Acho que acabo de violar o trato – ele riu. – Vou levar isso para o túmulo – prometi, e depois estremeci. – Mas, sério, não conte nada ao Charlie. Ele ficou muito chateado com meu pai quando soube que alguns de nós deixaram de ir ao hospital desde que o Dr. Cullen começou a trabalhar lá. – Não vou, claro que não. – Então, acha que somos um bando de nativos superticiosos ou o quê? – perguntou num tom de brincadeira, mas com um toque de preocupação. Eu não havia tirado os olhos do mar. Eu me virei e sorri para ele com a maior naturalidade que pude. – Não. Acho que você conta histórias de terror muito bem. Ainda estou arrepiada, está vendo? – Ergui o braço. – Legal. – Ele sorriu. E depois o som de pedras se chocando da praia nos alertou de que alguém se aproximava. Nossas cabeças se viraram ao mesmo tempo e vimos Mike e Jessica a uns cinqüenta metros de distância, andando na nossa direção. – Aí está você, Bella – gritou Mike aliviado, acenando o braço acima da cabeça. – Esse é seu namorado? – perguntou Jacob, alertado pela pontada de ciúme na voz de Mike. Fiquei surpresa por ter sido tão óbvio.
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– Não, claro que não – sussurrei. Eu estava tremendamente grata a Jacob e ansiosa para que ele ficasse o mais feliz possível. Pisquei para ele, desviando-me cuidadosamente de Mike ao fazer isso. Ele sorriu, orgulhoso de minha paquera desajeitada. – E aí, quando eu conseguir minha carteira… – começou ele. – Deve me procurar em Forks. A gente pode sair um dia desses. – Eu me senti culpada ao dizer isso, sabendo que o havia usado. Mas na verdade eu gostava de Jacob. Ele era alguém de quem eu podia ser amiga. Mike nos alcançou, e Jessica ainda estava alguns passos atrás. Pude ver os olhos dele avaliando Jacob, e ele parecia satisfeito com sua evidente juventude. – Aonde você foi? – perguntou Mike, embora a respostas estivesse bem diante dele. – Jacob estava me contando algumas histórias do lugar – eu me antecipei. – Foi bem interessante. Sorri calorosamente para Jacob e ele retrubuiu o sorriso. – Bom – Mike fez uma pausa, reavaliando com cuidado a situação enquanto observava nossa camaradagem. – Estamos indo embora… – Parece que vai chover logo. Todos olhamos aborrecidos para o céu. Certamente parecia chuvoso. – Tudo bem. – Eu me levantei. – Estou indo. – Foi bom ver você de novo – disse Jacob, e eu sabia que ele estava sacaneando um pouco o Mike. – Foi mesmo. Da próxima vez que Charlie vier ver o Billy, eu também venho – prometi. Ele sorriu de orelha a orelha. – Isso seria legal. – E obrigada – acrescentei com seriedade. Puxei o capuz enquanto andava sobre as pedras para o estacionamento.
Algumas gotas começavam a cair, criando manchas escuras nas pedras em que pousavam. Quando chegamos ao Suburban, os outros já estavam guardando tudo nos carros. Eu me arrastei para o banco traseiro ao lado de Angela e Tyler, anunciando que já tinha decidido não sentar na frente. Angela ficou olhando pela janela a tempestade que se formava, e Lauren se contorcia ao meio do banco para ocupar a atenção de Tyler,
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então eu podia simplesmente recostar a cabeça, fechar os olhos e me esforçar muito para não pensar.

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