sexta-feira, 4 de março de 2011

Os Delírios de Consumo de Becky Bloom - Capítulos 13 ao 15

TREZE

Ah, Deus. Isto é ruim. Quero dizer, não estou sendo paranóica, estou? Isto é muito ruim.
Quando sento no metrô, no caminho de casa, olho para minha imagem no espelho: por
fora calma e relaxada. Mas, por dentro, minha cabeça mais parece uma aranha correndo
apressada em círculos, tentando achar uma saída. Busca, busca, as pernas oscilando, sem
escapatória... Tudo bem, pára. Pára! Acalme-se e vamos examinar as opções mais uma
vez.
Opção um: Ir à reunião e dizer a verdade.
Não posso. Simplesmente não posso. Eu não posso ir lá no banco, na segunda-feira, e
admitir que não existem 1.000 libras da minha tia que e que nunca haverá. O que eles vão
fazer comigo? Ficarão muito sérios, não é? Vão me sentar na cadeira e começar a
examinar todos os meus gastos e... Ah, Deus, fico doente só de pensar. Não posso fazer
isto. Não posso ir. Fim da história.
Opção dois: Ir à reunião e mentir.
Então... o que... dizer a eles que as 1.000 libras estão a caminho e que outras quantias
virão em breve. Humm. Possível. O problema é que não acho que eles vão acreditar. E
então ainda ficarão muito sérios, me sentarão na cadeira e me darão um sermão. Não.
Nem pensar.
Opção três: Não ir à reunião.
Mas se eu não for, Derek Smeath telefonará para Philip e eles começarão a conversar.
Talvez toda a história apareça e ele descubra que na verdade não quebrei minha perna.
Ou não tive febre ganglionar. E, depois disso, eu não poderei jamais voltar a entrar no
escritório. Ficarei desempregada. Minha vida vai terminar aos vinte e cinco anos de
idade. Mas então, talvez este seja um preço que valha a pena pagar.
Opção quatro: Ir à reunião com um cheque de 1.000 libras.
Perfeito. Entrar feliz, entregar o cheque, dizer “Alguma coisa mais?” e sair feliz outra
vez. Perfeito.
Mas como vou arranjar 1.000 libras até a manhã de segunda-feira? Como?
Opção cinco: Fugir.
O que seria muito infantil e imaturo. Não vale a pena considerar.
Fico imaginando para onde eu poderia ir. Talvez algum lugar do exterior. Lãs Vegas.
Sim, eu poderia ganhar uma fortuna nos cassinos. Um milhão de libras ou algo assim. Até
mais, talvez. E depois, sim, depois eu mandaria um fax para Derek Smeath, dizendo que
estou fechando minha conta bancária devido à sua falta de confiança em mim.
Deus, sim! Isto não seria fantástico? “Prezado Sr. Smeath, fiquei um pouco surpresa
com a sugestão recente de que eu tenha insuficiência de fundos para cobrir minha conta
com garantia e também por seu jeito sarcástico. Como este cheque de 1,2 milhão (um
vírgula dois milhão) demonstra, tenho fundos suficientes ao meu dispor e que dentro em
breve estarei mudando para um de seus concorrentes. Talvez eles me tratem com mais
respeito. PS: estou enviando cópia desta carta para seus superiores.”
Gosto tanto da idéia que me abandono um pouco nela, corrigindo a carta mais e mais
na minha cabeça. “Prezado Sr. Smeath, como procurei informá-lo discretamente em
nosso último encontro, sou de fato uma milionária. Se pelo menos o senhor tivesse
confiado em mim, as coisas poderiam ter sido diferentes.”
Deus, ele vai se lamentar, não? Isto vai ensiná-lo. Ele provavelmente vai me telefonar
e se desculpar. E não adianta se rastejar e dizer que não tinha intenção de me ofender.
Porque será tarde demais. Muito tarde. Ah! Hahahaha...
Droga. Perdi minha estação.
Quando chego em casa, Suze está sentada no chão rodeada de revistas lustrosas.
- Oi!- diz ela radiante. – Advinha o quê? Vou aparecer na Vogue!
- O quê? – digo sem acreditar. – Você foi pega na rua ou algo assim? – Depois percebo
que não devia parecer tão surpresa. Quero dizer, Suze tem um corpo excelente. Ela
poderia facilmente ser modelo. Mas... Vogue!
- Não eu, boba! – diz ela. – Minhas molduras.
- Suas molduras vão estar na Vogue? - Agora eu realmente não acredito.
- No número de junto! Vou aparecer numa matéria intitulada “Relaxe- designers estão
trazendo de volta a diversão para os interiores.” Legal , não é? O único problema é que
até agora eu só fiz duas molduras, portanto preciso fazer um pouco mais para o caso de
quererem comprá-las.
- Certo – digo, tentando organizar minhas idéias sobre tudo isso. – E então, como a
Vogue está fazendo um artigo sobre você? Eles... ouviram falar de você?
Como eles podem ter ouvido falar dela? Estou pensando. Quero dizer, ela só começou
a fazer molduras quatro dias atrás!
- Não, boba! – diz ela e ri. – Telefonei para Lally. Você conheceu a Lally? – Balanço
minha cabeça indicando que não. – Bem, ela é editora de moda da Vogue agora e falou
com Perdy, que é o editor de interiores, e Perdy me telefonou de volta. E quando eu disse
a ela como eram minhas molduras, ela ficou louca.
- Nossa – digo. – Muito bem.
- Ela me explicou o que devo falar na minha entrevista também – acrescenta Suze e
limpa sua garganta de um jeito importante. – Quero criar espaço para as pessoas se
divertirem, não para admirarem. Há um pouco de criança em todos nós. A vida é curta
demais para minimalismos.
- Ah, certo – digo. – Fantástico!
- Não, espere, havia outra coisa também. – Suze franze a testa pensativa. Ah, si, que
meus desenhos são inspirados no espírito imaginativo de Gaudi. Vou telefonar para
Charlie agora- ela acrescenta entusiasmada. – Tenho certeza de que ela é alguma coisa na
Tatler.
- Fantástico – digo novamente.
E é fantástico.
Estou realmente feliz por Suze. Claro que estou.
Mas há uma parte de mim que está pensando como tudo acontece tão fácil para ela?
Aposto que nunca teve que encarar um gerente de banco desagradável na vida dela. E
aposto que nunca teta tampouco. Desanimada, sento no chão e começo a folhear uma
revista.
- Por falar nisso – diz Suze, olhando para mim do telefone. – Tarquin ligou há mais ou
menos uma hora para combinar sua saída. – Ela sorri maliciosa. – Você está ansiosa?
- Ah – digo, com ar meio de tédio. – Claro que sim.
Eu havia me esquecido disso, para ser sincera. Mas tudo bem, só vou esperar até
amanhã de tarde e dizer que estou com cólica menstrual. Fácil. Ninguém jamais
questiona isto, especialmente os homens,
- Ah, sim – diz Suze, apontando para uma Harpers & Queen aberta no chão. – E olha
quem eu acabei de encontrar agorinha na lista dos Cem Solteiros Mais Ricos! Ah, olá,
Charlie – diz ela ao telefone. – É Suze! Ouça...
Olho para a Harpers & Queen aberta e gelo. Luke Brandon está me olhando da página
31, diz a legenda. Idade 32. Fortuna estimada: 10 milhões de libras. Empresário de uma
inteligência assustadora. Mora em Chelsea, atualmente namorando Sacha de Bonneville,
filha do bilionário francês.
Não quero saber disto. Por que eu estaria interessada em quem Luke Brandon está
namorando? Ruidosamente viro as páginas e começo a ler sobre o Número 17, que parece
muito melhor. Dave Kington. Idade 28. Fortuna estimada: 20 milhões de libras.
Anteriormente jogador do Manchester United, agora é guru da administração e
empresário de roupas esportivas. Mora em Hertfordshire, recentemente separou-se da
namorada, a modelo Cherisse.
E de qualquer modo, Luke Brandon é chato. Todo mundo diz isso. Só faz trabalhar.
Obcecado por dinheiro, provavelmente.
Número 16. Ernest Flight. Idade 52. Fortuna estimada: 22 milhões de libras. Diretor e
acionista majoritário da empresa de alimentos Flight. Mora em Nottinghamshire,
recentemente divorciado de sua terceira esposa Susan.
E eu nem acho ele é tão bonito assim. Alto demais. E provavelmente não freqüenta
uma academia ou algo assim. Ocupado demais. Ele deve ser horrível sem roupa.
Número 15. Tarquin Cleath-Stuart. Idade 26. Fortuna estimada: 25 milhões. Dono de
terras desde que herdou o enorme patrimônio da família aos 19 anos de idade. Muito
tímido quanto à publicidade. Mora em Pethshire e Londres com uma velha babá;
atualmente solteiro.
Além do mais, que tipo de homem compra malas de presente? Quero dizer, uma valise,
pelo amor de Deus, quando ele tinha a Harrods inteira para escolher. Ele poderia ter
comprado para a namorada um colar ou umas roupas. Ou poderia ter... Ele poderia ter...
Espera um momento, que foi isso?
O que foi isso?
Não. Não pode ser. Claro que não...
Ah, meu Deus.
E de repente não consigo respirar. Não consigo me mexer. Minha estrutura toda está
concentrada na foto não muito nítida na minha frente. Tarquin Cleath-Stuart? Tarquin,
primo de Suze? Tarquin?
Tarquin... tem... 25... milhões... de libras?
Acho que ou desmaiar, se eu não puder tirar minha mão desta página. Estou olhando
para o décimo quinto solteiro mais rico da Inglaterra e eu o conheço.
Não só o conheço, mas ele me convidou para sair.
Vou jantar com ele amanhã à noite.
AI-MEU-DEUS.
Vou ser uma milionária. Uma multimilionária. Eu sabia. Eu não sabia? Eu sabia.
Tarquin vai se apaixonar por mim e me pedir em casamento e nós vamos nos casar num
belo castelo escocês exatamente como em Quatro casamentos e um Funeral (só que
ninguém vai morrer no nosso.) E vou ter 25 milhões de libras.
E o que Derek Smeath vai dizer depois? Hah!
Hah!
- Quer uma xícara de chá? – diz Suze, desligando o telefone. – Charlie é um doce. Ele
vai me levar no programa de “Novos Talentos da Inglaterra”.
- Excelente – digo vagamente, e limpo minha garganta. – Só... só estava olhando para
Tarquin aqui.
Preciso verificar. Preciso verificar se não há algum outro Tarquin Cleath-Stuart, algum
primo que eu não tenha ouvido falar.Por favor Deus, por favor deixe-me estar saindo com
o rico.
- Ah, sim – diz Suze casualmente. – Ele sempre está nessas coisas. – Deus, eles sempre
exageram tudo. Vinte e cinco milhões de libras!
- Então ele não tem 25 milhões de libras?- digo, parecendo desinteressada.
- Ah, não! – Ela ri como se a idéia fosse ridícula. – O patrimônio vale uns... Ah, não
sei. Uns 18 milhões de libras.
- Essas revistas! – digo eu, e reviro meus olhos solidária.
- Chá Earl Grey? – diz Suze levantando-se. – Ou normal?
- Earl Grey – digo, apesar de, na verdade, preferir Typhoo. Porque é melhor eu
começar a agir como uma aristocrata, não é, se vou ser a namorada de alguém com o
nome de Tarquin Cleath-Stuart.
Rebecca Cleath-Stuart.
Becky Cleath-Stuart.
Olá, aqui fala Rebecca Cleath-Stuart. Sim, a esposa de Tarquin. Nos conhecemos na...
sim, eu estava usando Chanel. Como você é esperta!
- Por falar nisso – acrescento -, Tarquin disse onde devo encontrá-lo?
- Ah, ele vem buscá-la – diz Suze.
Mas claro que vem. O décimo quinto solteiro mais rico da Inglaterra não se encontra
com você na estação do metrô, não é? Ele não diz simplesmente “Vejo você debaixo do
grande relógio, na Waterloo”. Ele vem e pega você.
Ah, é isto. É isto! Minha nova vida finalmente começou. Eu nunca passei tanto tempo
me arrumando para um encontro na minha vida. Nunca. O processo começa às oito horas
do sábado de manhã – quando olho para meu guarda-roupas aberto e percebo que não
tenho uma única roupa para usar – e só termina às sete e meia da noite quando passo nos
cílios outra camada de rímel, me borrifo com Coco Chanel e entro na sala de visitas para
o veredicto de Suze.
- Uau! – diz ela, olhando para mim de uma moldura que está forrando de brim
desbotado. – Você está... simplesmente incrível!
E devo dizer, concordo. Estou toda de preto mas preto caro. O tipo de preto profundo e
suave que encanta. Um vestido simples sem manda, da Whistles, o mais alto dos sapatos
da Jimmy Choos e um par de brincos estonteantes de ametista não lapidada. E por favor
não pergunte quanto tudo custou, porque é irrelevante. É uma compra de investimento. O
maior investimento da minha vida.
Não comi nada o dia todo, portanto estou linda e magra, e desta vez, pelo menos meu
cabelo ficou ótimo. Eu estou... bem, nunca estive melhor em toda a minha vida.
Mas claro, a aparência é apenas parte do pacote, não é? Por isto, eu astutamente parei
na livraria Waterstone’s, no caminho para casa, e comprei um livro sobre Wagner. Li a
tarde inteira, enquanto esperava minhas unhas secarem, e até decorei algumas pequenas
passagens para soltar na conversa.
Não sei bem o que Tarquin gosta além de Wagner. Mesmo assim, isto deve ser
suficiente para sustentar a conversa. E de qualquer modo, espero que ele esteja
planejando levar-me em algum lugar realmente glamouroso com uma banda de jazz,
portanto estaremos muito ocupados dançando de rosto colado para podermos conversar.
A campanhia da porta toca e eu começo a me movimentar. Devo admitir, meu coração
está batendo fortemente de nervoso. Mas, ao mesmo tempo, me sinto estranhamente
calma. É isto. Aqui começa minha nova existência de multimilhões de libras. Luke
Brandon: morda-se.
- Vou atender – diz Suze, sorrindo para mim, e desaparece no hall. Um instante depois
ouço-a dizer – Tarkie!
- Suze!
Me olho no espelho, respiro fundo e viro para o lado da porta, justo quando Tarquin
aparece. Sua cabeça está ossuda como sempre e ele está usando outro de seus ternos
antigos e estranhos. Mas de algum modo nada disso parece importar agora. Na realidade,
sua aparência não está me mobilizando. Só estou olhando para ele. Olhando e olhando
para ele, incapaz de falar, incapaz de ter qualquer pensamento exceto: vinte e cinco
milhões de libras.
Vinte e cinco milhões de libras. O tipo de pensamento que faz você se sentir tonta e
estimulada, como numa corrida de um brinquedo num parque de diversões. De repente
quero correr pela sala, gritando “Vinte e cinco milhões! Vinte e cinco milhões!” jogando
notas no ar como se eu fosse uma dessas dançarinas de comédia Hollywoodiana.
Mas não faço isso. Claro que não. Digo “Oi, Tarquin” e dirijo-lhe um sorriso radiante.
- Oi, Becky – diz ele. – Você está linda.
- Obrigada – digo, e abaixo o olhar recatado para meu vestido.
- Vocês querem ficar para um titchi? – diz Suze, que está muito afetuosa como se fosse
minha mãe e esta fosse minha noite de formatura e eu estivesse saindo com o garoto mais
popular da escola.
- Ermmm... não, acho que vamos indo – diz Tarquin, encontrando meu olhar – O que
acha, Becky?
- Claro – digo. - Vamos.

QUATORZE

Um táxi com o motor ligado está esperando na rua, e Tarquin me ajuda a entrar. Para ser
sincera, estou um pouco desapontada por não ser uma limosine com chofer, mas tudo
bem. Isto também é bom. Ser retirada de um táxi por um dos solteiros mais cobiçados da
Inglaterra para... quem sabe onde? O Savoy? O Claridges? Dançar no Annabel’s?
Tarquin ainda não me contou onde estamos indo.
Ah, Deus, talvez seja um desses lugares malucos onde tudo é servido ob um abafador
de prata, com um milhão de facas e garfos, e garçons esnobes observando, só esperando
para pegar você fazendo alguma coisa errada. Mas tudo bem. Desde que eu não entre em
pânico. Só mantenha a calma e lembre as regras. Certo. Quais são elas mesmos?
Talheres: começar pelos de fora e ir passando para os de dentro. Pão; não fatiar o
pãozinho, só quebrar em pequenos pedaços e colocar a manteiga em pequenos pedaços e
colocar a manteiga em cada um, individualmente. Ketchup: não pedir em nenhuma
circunstância.
E se for lagosta? Nunca comi uma lagosta na minha vida. Vai ser lagosta, não vai? E
eu não vou saber o que fazer, e será terrivelmente embaraçoso. Porque eu nunca comi
lagosta? Por quê? É tudo culpa dos meus pais. Eles deviam ter me levado a restaurantes
caros desde criança para que eu desenvolvesse uma habilidade natural com as comidas
complicadas.
— Pensei em jantar num lugar gostoso e calmo — diz Tarquin, olhando para min.
— Ótimo — digo. — Um jantar gostoso e calmo.
Graças a Deus. Isto provavelmente significa que não vamos enfrentar lagostas e
abafadores e prata. Vamos para algum lugar pequeno e escondido que quase ninguém
conhece. Algum pequeno clube prive, numa rua discreta. Onde é preciso bater numa
porta de aparência normal e sem nome,e que quando se entra está cheio de celebridades
sentadas em sofás, comportando-se como pessoas normais. Sim! E talvez Tarquin
conheça-as todas!
Mas claro que ele conhece todas. Ele é um multimilionário, não é?
Olho pela janela e vejo que estamos passando pela Harrods. E só por um momento
meu estômago aperta de dor quando me recordo da última vez que estive ali. Malditas
malas. Maldito Luke Brandon. Huh. Na verdade, eu queria que ele estivesse passando por
nós bem agora, para eu poder fazer um despreocupado aceno com a mão, do tipo estoucom-
o-décimo-quinto-homem-mais-rico-da-Inglaterra.
— OK — diz Tarquin repentinamente para o motorista. — Pode nos deixar aqui. —
Sorri para mim. — Praticamente na entrada.
— Ótimo — digo e alcanço a porta do táxi.
Praticamente na entrada do quê? Quando saio do táxi, olho à volta, imaginando onde
estamos indo. Estamos perto do Hyde Park? Viro-me lentamente e vejo uma placa e de
repente percebo o que está acontecendo. Estamos indo para o Lanesborough!
Uau. Quanta classe! Jantar no Lanesborough! Mas claro. Onde mais alguém iria numa
primeira saída?
— Então — diz Tarquin, surgindo ao meu lado. — Só pensei que podíamos comer
uma coisinha e depois... veríamos.
— Parece bom — digo quando começamos a andar.
Excelente! Jantar no Lanesborough e depois sairmos para alguma discoteca charmosa.
Isto está ficando maravilhoso.
Passamos direto pela entrada do Lanesborough, mas isso não me perturba. Todo
mundo sabe que os VIPs entram pela porta dos fundos para evitar os paparazzi. Não que
eu esteja vendo algum paparazzi por aqui mas provavelmente isto se torna um hábito.
Vamos mergulhar por alguma ruela de trás e entrar pela cozinha, enquanto os chefs
fingem não nos ver, e depois aparecemos no foyer. Isto é tão legal.
— Estou certo de que você já esteve aqui antes — diz Tarquin desculpando-se. — Não
é a escolha mais original.
— Não seja bobo! — digo quando paramos e nos voltamos para umas portas
envidraçadas. — Eu simplesmente adoro...
Espera aí, onde estamos? Isto não é a entrada dos fundos de lugar nenhum. Isto é...
Pizza Express.
Tarquin está me levando para o Pizza Express. Não acredito. O décimo quinto homem
mais rico do país está me levando para uma droga de pizzaria.
— ...pizza — termino a frase baixinho. — Adoro isso.
— Ah, que bom! — diz Tarquin. — Achei que nós não íamos querer nenhum lugar
muito badalado.
— Ah, não. — Faça o que acredito ser uma expressão convincente. — Odeio lugares
badalados. É muito melhor comermos juntos uma pizza gostosa num lugar calmo.
— Foi o que pensei — diz Tarquin, virando-se para me olhar. — Mas agora me sinto
um pouco mal. Você se vestiu tão bonita... — ele faz uma pausa em dúvida, olhando para
minha roupa. (E é bom que o faça. Não gastei uma fortuna na Whistles só para ser levada
a Pizza Express.) — Quero dizer, se você quisesse, poderíamos ir a algum lugar um
pouco mais chique. O Lanesborough é logo depois da esquina.
Ele levantava os olhos questionando e eu quase digo "Ah sim, por favor !” quando de
repente, num flash inconsciente, percebo o que está acontecendo. Isto é um teste não é? É
com escolher três cofres em um conto de fadas. Todo mundo conhece as regras. Você
nunca escolhe o dourado que brilha. Ou mesmo o de prata, cuja beleza também
impressiona. O que deve fazer é escolher o pequeno, feinho, de chumbo e então faz-se
um clarão de luz e ele se transforma numa montanha de jóias. Então é isto. Tarquin está
me testando, para ver se eu gosto dele por ele mesmo ou se estou apenas atrás de seu
dinheiro.
O que, fracamente, eu considero bastante. Quero dizer, quem ele pensa que sou?
— Não, vamos ficar aqui — digo e toco seu braço de leve. É muito mais informal.
Muito mais... divertido.
O que é bem verdade mesmo. E eu gosto de pizza. E aquele pão de alho delicioso.
Humm. Sabe, agora que estou pensando misto, é uma boa escolha.
Quando o garçom entregar os cardápios, dou uma olhada superficial na lista, mais já sei o
que quero. É o que sempre peço quando vou ao Pizza Express. Fiorentina. A que tem
espinafre e um ovo. Sei que soa estranho, mas, honestamente, é deliciosa.
— Gostariam de um aperitivo? — diz o garçom, e estou quase dizendo o que
geralmente digo, que é “Ah, vamos tomar uma garrafa de vinho”, quando penso em não
fazer nada disso.Estou jantando com um multimilionário aqui. Vou mesmo é toar um
gim-tônica.
— Um gim-tônica — digo firme e olho para Tarquin, desafiando-o a ficar chocado.
Mas ele sorri pra mim e diz:
— A não ser que queira champanhe?
— Ah — digo completamente aterrorizada.
— Sempre acho que champanhe e pizza são uma boa combinação — diz ele e olha
para o garçom. — Uma garrafa de moët, por favor.
Bem, isto faz o gênero. E Tarquin está de fato agindo bem normal.
O champanhe chega, nós brindamos e tomamos uns golpes. Estou realmente
começando a me divertir. Depois vejo a mão ossuda de Tarquin aproximando-se de mim
lentamente sobre a mesa. Em um reflexo completamente sem intenção, afasto meus dedos
fingindo coçar minha orelha. Um lampejo de desapontamento passa pelo seu rosto
provocando uma tosse sem graça, e realmente fingida olhando para um quadro à minha
esquerda.
Ah, Deus. Por que tive que fazer isso? Se vou me casar com o cara, preciso fazer muito
mais que segurar sua mão.
Posso fazer isto, digo a mim mesma com firmeza. Posso sentir-me atraída por ele. É só
uma questão de autocontrole e, possivelmente também, de ficar muito alta. Assim,
levanto minha taça e tomo vários golpes grandes. Posso sentir as bolhas fluindo para
minha cabeça, cantando feliz “Vou ser a mulher de um milionário! Vou ser a mulher de
um milionário!” E, quando olho de volta para Tarquin, ele já parece um pouco mais
atraente (numa maneira fuinha de ser). O álcool obviamente vai ser a chave de nossa
felicidade conjugal.
Minha cabeça está tomada pelo dia feliz do nosso casamento. Eu num vestido
maravilhoso de alguns costureiros famosos; meus pais sentindo-se orgulhosos. Nunca
mais problema de dinheiro. Nunca mais. O décimo quinto homem mais rico do país. Uma
casa na Belgrávia Sra. Tarquin Cleath-Stuart. Só de imaginar, já me sinto quase desmaiar
de vontade.
Ah, Deus, tudo isso poderia ser meu. Pode ser meu.
Sorrio o mais suavemente para Tarquin, que hesita — depois sorri de volta. Ufa.
Não estraguei tudo. Ainda esta de pé. Agora só precisamos descobrir que somos
completas almas gêmeas com milhares de ciosas em comum.
— Adoro o... — digo
— Você...
Ambos falamos ao mesmo tempo.
— Desculpe — digo. — Continue.
— Não, continue você — disse Tarquin.
— Ah — digo. Bem... Eu só ia dizer o quanto adorei o quadro que você deu a Suze. —
Não faz mal cumprimentar seu gosto novamente. — Adoro cavalos — acrescento como
boa medida.
— Então deveríamos cavalgar juntos — diz Tarquin. — Conheço uma cachoeira de
aluguel muito boa, perto do Hyde Park. Não é o mesmo que no campo, claro...
— Que idéia maravilhosa! — digo. — Seria muito divertido!
Não há a menor possibilidade de alguém me fazer montar um cavalo. Nem no Hyde
Park. Mas tudo bem, só continuarei o plano e depois, no dia, direi que torci meu pé ou
algo assim.
— Você gosta de cachorro? — pergunta Tarquin.
— Adoro cachorro — respondo confiante.
Que é mais ou menos verdade. Não gostara de fato de ter um cachorro — dá trabalho
demais e pêlos por toda parte. Mas gosto de ver labradores correndo pelo parque. E o
filhote Andrex. Esse tipo de coisa.
Entramos num silêncio e eu tomo uns goles de champanhe.
— Você gosta do seriado EastEnders? — pergunto finalmente. — Ou você é uma
pessoa... do tipo Coronation Street?
— Creio que nunca assisti a nenhum dos dois — diz Tarquin desculpando-se. —
Tenho certeza de que são muito bons.
— Bem... são razoáveis — digo. — Às vezes são realmente bons e outras vezes... —
diminuo o tom no fim e sorrio para ele. — Você sabe.
— Claro — exclama Tarquin, como se eu tivesse dito algo realmente interessante.
Dá-se um outro silêncio estranho. Isto está ficando um pouco sem graça.
— Onde você mor na Escócia há boas lojas? — finalmente pergunto. Tarquin faz uma
pequena careta.
— Eu não saberia. Quando posso, não me aproximo de lojas.
— Ah, certo — digo, e tomo um gole bem grande de champanhe. — Não, eu... eu
também odeio lojas. Não agüento fazer compras.
— Verdade? — exclama Tarquin surpreso. — Pensei que todas as mulheres adorassem
fazer compras.
— Não eu! — digo. — Eu preferiria mil vezes estar... no campo, cavalgando. Com uns
dois cachorros correndo atrás.
— Parece perfeito — diz Tarquin sorrindo para mim. — Vamos ter que fazer isso
algum dia.
Agora está ficando bom! Interesses comuns. Objetivos compartilhados.
Tudo bem, talvez eu não tenha sido totalmente honesta, talvez eles não sejam
exatamente meus interesses no presente. Mas poderiam ser. Eles podem ser. Eu posso
facilmente começar a gostar de cachorros e cavalos, se precisar.
— Ou... ou ouvir Wagner, claro — digo, casualmente. Ah! De gênio!
— Você realmente aprecia Wagner? — diz Tarquin. — Não é todo mundo que gosta.
— Eu adoro Wagner — insisto. — É meu compositor favorito. — Tudo, rápido — o
que o livro dizia? — Adoro os... er... elementos melódios que se entrelaçam no prelúdio.
— No Prelúdio a quê? — pergunta Tarquin interessado.
Ah, merda. Há mais de um prelúdio? Tomo um gole de champanhe, ganhando tempo,
desesperadamente procurando lembrar de alguma coisa mais do livro. Mas a única outra
parte que consigo lembrar é “Richard Wagner nasceu em Leipzig”.
— Todos os Prelúdios — digo finalmente. — Acho que todos eles são... fabulosos.
— Certo – diz Tarquin, parecendo um pouco surpreso.
Ah, Deus. Não foi a coisa certa a dizer, foi? Mude de assunto, mude de assunto.
Por sorte, naquele momento um garçom se aproxima com nosso pão de lho, e nós
saímos do tema Wagner. E Tarquin pede mais champanhe. De algum modo, acho que
iremos precisar dela.
O que significa que, quando chego na metade da minha Fiorentina, já bebi quase uma
garrafa inteira de champanhe e estou... Bem, francamente, estou completamente bêbada.
Meu rosto está formigando, meus olhos estão brilhando e meus gestos estão muito mais
descontrolados do que o usual. Mas isto não importa. Na verdade, ficar bêbada é uma boa
coisa — porque significa que estou também encantadoramente vivaz e alegre e estou
mais ou menos levando a conversa sozinha. Tarquin também está alto, mas não tanto
quanto eu. Ele foi ficando cada vez mais quieto e pensativo. E continua me olhando.
Quando termino meu último pedaço de pizza e me reclino no encosto da cadeira
confortavelmente, ele olha para mim em silêncio por um instante, depois leva a mão ao
bolso e traz uma caixinha.
— Aqui — diz ele. — Isto é para você
Devo admitir, por um momento o coração parou e eu pensei... Chegou a hora! Ele está
me propondo casamento! (Curiosamente, o pensameno que passa pela minha cabeça logo
a seguir é “Graças a Deus Poderei Pagar Meu Cheque Especial”. Humm. Quando ele me
propuser de verdade, preciso pensar em alguma coisa um pouco mais romântica.)
Mas claro, ele não está propondo, está? Está só me dando um presente.
Eu sabia.
Então abro e encontro uma caixa de couro, tendo dentro um pequeno broche no
formato de um cavalo. Muitos detalhes finos, lindamente trabalhado. Uma pequena pedra
verde (esmeralda?) nos olhos.
Realmente não é meu tipo de coisa.
- É lindo - digo, meio espantada. - Absolutamente... estupendo.
- É bem bonito, não é? - diz Tarquin. - Achei que gostaria.
- Eu adorei. - Viro-o entre os dedos (tem selo - bom) depois olho para ele e pisco umas
duas vezes com olhos umedecidos. Deus, como estou bêbada. Acho que estou na verdade
vendo através do champanhe. - Foi tudo tão gentil de sua parte - murmuro.
Além do mais eu não uso broches própriamente. Quero dizer, onde se deve prendê-los?
No meio de um top lindo? Quero dizer, cá pra nós. E os furos sempre deixam enormes
buracos em todo lugar.
- Vai ficar lindo em você - diz Tarquin após uma pausa, e de repente percebo que ele
está esperando que eu o coloque.
Aaargh! Vai destruir meu lindo vestido da Whistles! E quem quer um cavalo
galopando entre os peitos, afinal?
- Preciso colocá-lo - digo e abro o fecho. Com muito cuidado enfio pelo tecido e
aperto fechando, já sentindo-o repuxar o vestido. E agora, estou com aparência de muito
idiota?
- Está lindo - diz Tarquin, encontrando meu olhar. - Mas... você sempre está linda.
Meu estômago dá um nó quando o vejo inclinar-se na minha direção. Ele vai tentar
segurar minha mão de novo, não vai? E provavelmente vai me beijar. Dou uma olhada
para os lábios de Tarquin - separados e levemente úmidos - e tenho um tremos
involuntário. Ah, Deus. Não estou bem pronta para isto. Quero dizer, obviamente eu
quero beijar Tarquin, claro que sim. De fato, acho-o incrivelmente atraente. Só que...
acho que, antes, preciso de um pouco mais de champanhe.
- Aquela echarpe que você estava usando na outra noite - diz Tarquin. - Estava
sinplesmente deslumbrante. Olhei para você nela e pensei...
Agora posso ver sua mão dirigindo-se para a minha.
- Minha echarpe Denny and George? - Interrompo vivaz, antes que ele diga mais
alguma coisa. - Sim, linda, não é? Foi da minha tia, mas ela morreu. Foi muito triste,
mesmo.
Simplesmente continue falando, penso. Continue falando rapidamente e gesticule
muito.
- Mas de qualquer modo, ela me deixou sua echarpe - continuo depressa. - Portanto
sempre me lembrarei dela por causa disso. Pobre tia Erminitrude.
- Sinto muito mesmo - diz Tarquin, parecendo sem ação. - Eu não sabia.
- Não. Bem... sua lembrança permanece através de boas obras - digro e abro um leve
sorriso. - Ela era uma mulher muito caridosa. Muito... generosa.
- Existe alguma espécie de fundação em seu nome? - pergunta Tarquin. - Quando meu
tio morreu...
- Sim! - respondo agradecida. - Exatamente isso. A... a Fundação Erminitrude Bloom
para... violinistas - improviso ao visualizar um cartaz de uma noite musical. - Violinistas
em Malawi. Aquela era sua causa.
- Violinistas em Malawi? - repete Tarquin.
- Ah, sim! - ouço-me murmurar. - Há uma escassez desesperadora de músicos clássicos
lá. E a cultura é tão enriquecedora, independentemente das circustâncias materiais.
Não consigo acreditar que etou surgindo com todo esse disparate. Olho apreensiva
para Tarquin e para minha total descrença, ele parece realmente interessado.
- Então, o que exatamente a fundação pretende fazer? - pergunta ele.
Ah, Deus. Em que estou me metendo aqui?
- É... financiar seis professores de violino por ano - respondo após uma pausa. - Claro,
eles precisam de treinamento de especialista, além de violinos especiais para levarem
para lá. Mas os resultados valerão a pena. Eles irão ensinar as pessoas como fazer
violinos também, portanto eles ficarão auto-suficientes e não dependerão do ocidente.
- Verdade? - A sobrancelha de Tarquin franze. Eu disse alguma coisa que não faz
sentido?
- De qualquer modo. - Dou uma risadinha. - Chega de falar de mim e de minha família.
Você viu algum filme bom recentemente?
Isto é bom. Podemos falar sobre filmes e depois a conta virá, e depois...
- Espera - diz Tarquin. - Diga-me, como está indo o projeto até agora?
- Ah- digo. - Ahn... muito bem. Considerando que não me mantive a par de seu
progreso recentemente. você sabe, essas coisas são sempre...
- Eu realmente gostaria de contribuir com alguma coisa - diz ele me interrompendo.
O quê?
Ele gostaria de fazer o quê?
- Você sabe a quem devo dirigir o cheque? - diz ele, alcançando o bolso da jaqueta. É à
Fundação Bloom?
Enquanto olho, paralisada de surpresa, ele tira um talão de cheques do Coutts.
Um talão de cheques cinza pálido do Coutts.
O décimo quinto homem mais rico do país.
- Não... não estou bem certa - ouço-me dizer, como se fosse de uma grande distância. -
Não sei bem as palavras exatas.
- Bem, farei o cheque pagável a você, então, está bem? - diz ele. - E você poderá passálo
adiante. - Alegre ele começa a escrever:
Pagar a Rebecca Bloom
A quantia de
5...
Quinhentas libras. Deve ser. Ele não daria só cinco míseras...
mil libras,
T.A.J. Cleath-Stuart
Não consigo acreditar no que estou vendo. Cinco mil libras, num cheque, nominal a
mim. Cinco mil libras que pertencem a tia Erminitrude e aos professores de violino de
Malawi.
Se eles existissem.
- Tome-o - diz Tarquin, e me entrega o cheque. Como num sonho, vejo-me pegango o
cheque.
Pagar a Rebecca Bloom a quantia de 5 mil libras.
Leio as palavras outra vez, lentamente, e sinto uma onda de alívio tão forte que me faz
querer cair em lágrimas. A quantia de cinco mil libras. Mais do que minha divida no
cheque especial e no cartão VISA juntos. Este cheque resolveria todos os meus
problemas de uma só vez. E, tudo bem, não sou exatamente uma violinista do Malawi,
mas Tarquin nunca saberia a diferença, não é? Ele nunca iria apurar. Ou, se o fizesse, eu
poderia surgir com alguma história.
De qualquer modo, o que são cinco mil libras para um multimilionário como Tarquin?
Ele provavelmente nem iria perceber se paguei ou não. Uma ninharia de cinco mil libras,
quando ele tem vinte e cinco milhões! Se vocÊ transforma numa fração de sua riqueza é...
Bem, é de rir, não é? É o equivalente a uns cinquenta centavos para as pessoas normais.
Por que estou hesitante?
- Rebecca?
Tarquin está me olhando, e eu percebo que minha mão está ainda a muitos centímetros
do cheque. Vamos, pegue, oriento a mim mesma com firmeza. É seu. Pegue o cheque e
guarde-o na bolsa. Com um esforço heróico, estico mais a minha mão, querendo segurar
o cheque. Estou chegando mais perto... mais perto... quase lá... meus dedos estão
tremendo do esforço...
Não dá, não consigo. Eu simplesmente não poso fazer isso. Não posso pegar seu
dinheiro.
- Não posso ficar com ele - digo rápido. Afasto minha mão e sinto-me enrubeser. -
Quero dizer... não tenho certeza se a fundação já está aceitando doações.
- Ah, está bem - diz Tarquin, parecendo um pouco surpreso.
- Vou informar-lhe a quem dirigir o cheque quando tiver mais detalhes - digo e tomo
um grande gole do champanhe. - É melhor rasgá-lo.
Quando ele lentamente rasga o papel, não consigo olhar. Olho para minha taça de
champanhe, sentindo vontade de chorar. Cinco mil libras. Teria mudado minha vida.
Teria resolvido tudo. Tarquin pega a caixa de fósforos da mesa, põe fogo nos pedaços de
papel no cinzeiro, e nós dois observamos enquanto queimam.
Depois ele coloca os fósforos na mesa, sorri para mim e diz:
- Me dá licença um minuto.
Levanta-se da mesa e dirige-se para o fundo do restaurante enquanto eu tomo outro
gole de champanhe. Depois apóio minha cabeça nas mãos e dou um soluço. Ah, bem,
penso, procurando ser filosófica. Talvez eu ganhe cinco mil libras numa rifa ou algo
assim. Talvez o computador de Derek Smeath estrague e ele seja forçado a cancelar todas
as minhas dívidas e a começar tudo de novo. Talvez algum completo estranho pague
minha conta do VISA por engano.
Talvez Tarquin volte do banheiro e me peça para casar com ele.
Levanto meus olhos, e eles recaem com uma curiosidade inócua no talão de cheques
do Coutts que Tarquin deixou sobre a mesa. É o talão de cheques do décimo quinto
homem mais rico do país. Uau. Imagino como deve ser por dentro. Ele provavelmente faz
cheque enormes o tempo todo, não é? Ele provavelmente gasta mais dinheiro num dia do
que eu gasto num ano.
Num impulso, puxo o talão de cheques na minha direção e abro. Não sei exatamente o
que estou procurando, estou apenas esperando encontrar alguma quantia exageradamente
grande. Mas o primeiro canhoto é só de 30 libras. Patético! Folheio o talão um pouco e
acho 520 libras. Pagável a Arrundel & Son, seja lá quem for. Depois, um pouco mais
tarde, há um de 7.515 libras para o American Express. Bem, agora sim! Mas, na
realidade, não é a leitura mais excitante do mundo. Este poderia ser o talão de cheques de
qualquer pessoa. Poderia quase ser meu.
Fecho-o e empurro-o de volta para o lugar dele e olho para cima. Quando faço isso,
meu coração pára de bater. Tarquin está olhando direto para mim.
Ele está em pé no bar, sendo orientado para o outro lado do restaurante por um garçom.
Mas não está olhando para o garçom. Está olhando para mim. Quando nossos olhos se
encontram, meu estômago faz um pequeno balanço. Que droga.
Droga. O que será que ele viu exatamente?
Rapidamente tiro minha mão do seu talão de cheques e tomo um gole de champanhe.
Depois olho e finjo vê-lo pela primeira vez. Dou um sorriso e depois de uma pausa ele
sorri de volta. Depois desaparece novamente e eu afundo na cadeira, meu coração
batendo forte.
Tudo bem, não entre em pânico, oriento a mim mesma. Apenas comporte-se com
naturalidade. Ele provavelmente nem mesmo a viu. E se viu, não é o maior crime do
mundo, é, olhar seu talão de cheques? Se ele me perguntasse o que eu estava fazendo, eu
diria que estava... verificando se ele preencheu o canhoto corretamente. Sim. É o que
direi que estava fazendo se ele perguntar.
Mas ele não pergunta. Retorna à mesa, silenciosamente guarda no bolso o talão de
cheques e diz educadamente,
- Você já terminou?
- Sim - digo. - Já sim, obrigada.
Estou procurando soar o mais natural possível - mas tenho consciência de que minha
voz está cheia de culpa, e meu rosto está quente.
- Está bem - diz ele. - Bem, já paguei a conta... portanto vamos?
E terminou. É o fim do encontro. Com uma cortesia impecável, Tarquin me leva até a
porta do Pizza Express, pára um táxi e paga ao motorista pela passagem de volta a
Fulham. Não me atrevo a perguntar-lhe se gostaria de voltar ou sair para um drinque em
algum outro lugar. Há uma frieza na minha coluna que me impede de pronunciar as
palavras. Assim, nos beijamos no rosto e ele me diz que teve uma noite encantadora, e eu
agradeço a ele novamente pela noite maravilhosa.
Durante todo o caminho de volta a Fulham sinto o meu estômago tenso, imaginando o
que ele viu exatamente.
Quando o táxi pára em frente à nossa casa, digo boa noite ao motorista e apanho minhas
chaves. Estou pensando que vou entrar e preparar um banho quente de banheira e,
calmamente, procurar entender o que aconteceu lá de fato. Será que Tarquin realmente
me viu bisbilhotando seu talão de cheques? Talvez ele tenha apenas me visto colocá-lo de
volta no seu lugar. Ou, quem sabe, não tenha visto nada.
Mas então por que de repente ficou tão frio e distante? Deve ter visto alguma coisa,
suspeitado de alguma coisa. E depois, deve ter percebido a maneira que fiquei vermelha e
não consegui olhar nos seus olhos. Ah, Deus, por que sempre tenho de parecer tão
culpada? Eu nem estava fazendo nada. Só estava curiosa. Isto é um crime tão grave
assim?
Talvez eu devesse ter dito alguma coisa logo, ter feito uma piada sobre isso. Ter
transformado num incidente leve e divertido. Mas que tipo de piada se pode fazer sobre
bisbilhotar o talão de cheques de alguém? Ah, Deus, eu sou tão burra. Por que fui tocar
no maldito talão? Eu devia ter ficado sentada apenas, quieta, tomando meu drinque.
Mas em minha defesa... ele o deixou sobre a mesa, não deixou? Ele não pode ser tão
reservado sobre isso. E eu não sei que ele me viu examinando o talão, sei? Talvez ele não
tenha visto. Talvez eu só esteja paranóica.
Quando introduzo minha chave na fechadura, na verdade estou me sentindo bem
positiva. Tudo bem, então Tarquin não estava tão amável no final mas devia estar se
sentindo doente ou algo assim. Ou talvez não estivesse querendo me pressionar. Amanhã
vou mandar um bilhete para ele agradecendo e sugerindo uma saída para assistira Wagner
juntos. Excelente ídéia. E vou estudar um pouco sobre os Prelúdios para que, se ele me
perguntar qual outra vez, eu saiba exatamente o que quer dizer. Sim! Assim tudo vai ficar
bem. Nunca precisava ter me preocupado.
Abro a porta, desabotoando meu mantô e então meu coração dá um nó. Suze está me
esperando no hall. Ela está sentada na escada, me esperando e com uma expressão
estranha no rosto.
- Ah, Bex - diz ela, e balança a cabeça repreensiva. - Acabei de falar com Tarquin.
- Ah, bem - digo, procurando parecer natural, mas ciente de que minha voz parece um
guincho amedrontado. Viro-me para o outro lado, pego meu mantô e lentamente desfaço
minha echarpe, ganhando tempo. O que exatamente ele disse a ela?
- Acho que não tem sentindo perguntar a você por quê? - diz ela após uma pausa.
- Bem - gaguejo, sentindo-me enjoada. Deus, um cigarro iria bem.
- Não estou culpando você, ou algo assim. Só achei que deveria... - Ela balança a
cabeça e suspira. - Você não poderia tê-lo rejeitado de um modo mais gentil? Ele parecia
bastante chateado. O pobre estava mesmo entusiasmado, você sabe.
Isto não está fazendo sentido. Rejeitá-lo mais gentilmente?
- O que exatamente... - umedeço os lábios secos. - O que exatamente ele disse?
- Bem, ele só estava telefonando realmente para dizer que você esqueceu seu guardachuva
- diz Suze. - Aparentemente um dos garçons veio correndo atrás de vocês com ele.
Mas claro perguntei-çhe como tinha sido a saída...
- E... o que ele disse?
- Bem - diz Suze, e encolhe um pouco os ombros. - Ele disse que vocês tinham se
divertido muito mas que você tinha deixado claro que não queria vê-lo novamente.
- Ah!
Deslizo para o chão me sentindo meio fraca. Então foi isso. Tarquin me viu mesmo
folheando seu talão de cheques. Acabei com minhas chances com ele completamente.
Mas ele não disse a Suze o que eu tinha feito. Protegeu-e. Fingiu que tinha sido
ddecisão minha não continuar. Foi um cavalheiro.
Na verdade, ele foi um cavalheiro a noite toda, não foi? Foi gentil, charmoso e educado
comigo. E tudo o que eu fiz a noite toda foi contar-lhe mentiras.
De repente tenho vontade de chorar.
- Só acho uma pena - diz Suze. - Quero dizer, sei que você escolhe e tudo mais mas ele
é um cara tão gentil. E gosta de você há séculos! Vocês dois ficariam perfeito juntos. -
Ela me lança um olhar adulador. - Não há a menor chance de você sair com ele de novo?
- Eu... honestamente acho que não - digo numa voz arranhada. - Suze... estou um
pouco cansada. Acho que vou para a cama.
E, sem encontrar seus olhos, levanto-me e lentamente caminho pelo corredor em
direção ao quarto.

BANK OF LONDON
London House
Mill Street EC3R 4DW
Srta. Rebecca Bloom
Apto. 2
4 Burney Rd
Londres SW6 8FD
23 de março de 2000
Prezada Srta. Bloom
Muito obrigada por sua inscrição para um Empréstimo Fone Fácil no Bank of London.
Infelizmente "comprar roupas e maquiagem" não foi considerado um objetivo adequado
para um empréstimo tão substancial e não segurado, e sua inscrição foi rejeitada pela
nossa equipe de crédito.
Muito obrigada por considerar o Bank of London.
Atenciosamente
Margaret Hopkins
Consultora de Empréstimos

Endwich Bank

AGÊNCIA FULHAM
3 Fulham Rd
Londres SW6 9JH
Srta. Rebecca Bloom
Apto. 2
4 Burney Rd
Londres SW6 8FD
24 de março de 2000
Prezada Srta. Bloom
Estou escrevendo para confirmar nosso encontro às 9:30 na segunda-feira, 27 de março,
aqui em nosso escritório de Fulham. Por favor, dê meu nome na recepção.
Aguardo ansiosamente revê-la.
Subscrevo-me
Atenciosamente
Derek Smeath
Gerente
ENDWICH - PORQUE NOS IMPORTAMOS

QUINZE

Em toda minha vida, nunca me senti tão mal quanto agora que estou acordando na manhã
seguinte. Nunca.
A primeira coisa que sinto é dor. Faíscas de dor explodindo quando tento mexer minha
cabeça; quando tento abrir os olhos; quando tento desvendar algumas coisas
básicas como: Quem sou eu? Que dia é hoje? A esta hora, eu já deveria estar em algum
outro lugar?
Durante algum tempo fico deitada, quieta, ofegante com o esforço de simplesmente
estar viva. De fato, meu rosto está ficando vermelho e estou quase começando a
hiperventilar, então me forço a relaxar e respirar pausadamente. Inspiro... expiro,
inspiro... expiro. E depois com certeza voltarei ao normal e eu me sentirei melhor.
Inspiro... expiro, inspiro... expiro.
Tudo bem... Rebecca. E isto mesmo. Sou Rebecca Bloom, não sou? Inspiro... expiro,
inspiro... expiro.
Que mais? Jantar. Jantei com alguém na noite passada. Inspiro... expiro, inspiro...
expiro.
Pizza. Comi pizza. E com quem eu estava mesmo? Inspiro... expiro... inspiro...
Tarquin.
Expiro.
Ah, Deus. Tarquin.
Folhear o talão de cheques. Tudo arruinado. Tudo minha culpa.
Uma onda familiar de desespero me inunda e fecho os olhos, procurando acalmar
minha cabeça latejante. Ao mesmo tempo, me recordo que na noite passada, quando
voltei para o meu quarto, achei a meia garrafa de uísque com que a Scottish Prudential
havia me presenteado, ainda sentada à minha penteadeira. Abri — apesar de não gostar
de uísque — e bebi... bem, certamente alguns bons goles. O que poderia talvez explicar
por que estou me sentindo tão mal agora.
Lentamente faço um enorme esforço para ficar na posição sentada e ouvir algum
barulho de Suze, mas não consigo ouvir nada. O apartamento está vazio. Só eu.
Eu e meus pensamentos.
Que, para ser sincera, não consigo agüentar. Minha cabeça está latejando e eu me sinto
pálida e trêmula — mas preciso ir andando: distrair-me. Vou sair, tomar uma xícara de
café em algum lugar quieto e procurar me refazer.
De algum modo consigo sair da cama, cambalear até minha cômoda e me olhar no
espelho. Não gosto do que vejo. Minha pele está verde, minha boca está seca e meu
cabelo está grudado na pele em partes. Mas pior que tudo é a expressão do meu olhar:
vago, miseravelmente repugnante. Na noite passada eu recebi uma chance, uma
oportunidade fantástica, numa bandeja de prata. E joguei tudo no lixo. Deus, sou um
desastre. Não mereço viver.
Dirijo-me à King's Road, para me perder no alvoroço anônimo. O ar está frio e fresco
e, enquanto ando pela rua, é quase impossível esquecer a noite passada. Quase,
mas não propriamente.
Entro na Aroma e peço um cappuccino grande, e procuro tomá-lo normalmente. Como
se tudo estivesse bem e eu fosse só mais uma garota que sai num domingo para umas
compras. Mas não consigo. Não consigo fugir dos meus pensamentos. Eles estão girando
dentro da minha cabeça como um disco que não pára, tocando ininterruptamente.
Se pelo menos eu não tivesse pego seu talão de cheques. Se pelo menos eu não tivesse
sido tão burra. Tudo estava indo tão bem. Ele realmente gostava de mim. Nós
estávamos de mãos dadas. Ele estava planejando me chamar para sair de novo. Ah, Deus,
se pelo menos eu pudesse voltar atrás, se pelo menos eu pudesse começar tudo de novo...
Não pense nisso. Não pense sobre o que poderia ter sido. E intolerável demais. Se eu
tivesse agido certo, provavelmente estaria sentada aqui tomando café com Tarquin, não
é? Provavelmente estaria a caminho de me tornar a décima quinta mulher mais rica do
país.
Mas em vez disso... o quê?
Tenho dívidas até o pescoço. Tenho uma reunião com o gerente do meu banco na
segunda-feira cedo. Não tenho a menor idéia do que farei. Nenhuma idéia mesmo.
Miseravelmente, tomo um gole de café e desembrulho meu pequeno chocolate. Não
estou em clima de chocolate, mas o coloco na boca assim mesmo.
A pior coisa — a pior de todas — é que eu estava mesmo começando a gostar de
Tarquin. Talvez ele não seja uma dádiva de Deus no quesito beleza, mas é muito gentil, e
até engraçado ao seu modo. E aquele broche foi mesmo carinhoso.
E o cuidado dele em não contar a Suze o que tinha me visto fazer. E a maneira que ele
acreditou em mim quando contei que gostava de cachorros e de Wagner e os malditos
violinistas do Malawi. O jeito dele tão completamente e absolutamente sem malícia.
Ah, Deus, agora eu realmente vou começar a chorar.
Abruptamente, enxugo meus olhos, esvazio minha xícara e me levanto. Lá fora na rua
eu hesito, depois começo a andar rápido outra vez. Talvez a brisa sopre estes
pensamentos insuportáveis para longe da minha cabeça. Talvez eu me sinta melhor daqui
a pouco.
Mas ando muito e ainda não me sinto melhor. Minha cabeça está doendo e meus olhos
estão vermelhos. Um drinque ou algo assim realmente poderia me fazer bem. Só alguma
coisinha, para me fazer sentir um pouco melhor. Um drinque, um cigarro, ou...
Olho e estou na frente da Octagon. A loja que mais amo neste mundo. Três andares de
roupas, acessórios, móveis, presentes, cafés, sucos naturais e um florista que faz você
querer encher sua casa de flores.
Minha bolsa está comigo.
Só alguma coisinha para me alegrar. Uma camiseta ou algo assim. Ou até mesmo sais
de banho. Eu preciso comprar alguma coisa para mim. Não vou gastar muito. Só vou
entrar e...
Já estou empurrando a porta de entrada. Ah, Deus, o alívio. O calor, a luz. É a este
lugar que eu pertenço. Este é meu hábitat natural.
Só que, mesmo quando me dirijo para as camisetas, não estou tão feliz quanto deveria.
Examino as prateleiras procurando recriar a alegria que geralmente sinto ao comprar para
mim um pequeno presente — mas, de algum modo, hoje me sinto um pouco vazia. Ainda
assim, escolho um top curtinho com uma estrela prateada no meio e o coloco sobre meu
braço, dizendo a mim mesma que já me sinto melhor. Depois vejo uma prateleira de
robes. Um robe novo me faria bem, de fato.
Quando passo o dedo num lindo robe de flanela branco, ouço uma vozinha no fundo da
minha cabeça, como um rádio baixo. Não faça isto. Você está com dívidas. Não
faça isto. Você está com dívidas.
Sim, bem, talvez eu esteja.
Mas, francamente, o que isso importa agora? Já é tarde demais para fazer alguma
diferença. Já estou devendo, posso muito bem ficar devendo um pouco mais. Quase
barbaramente, tiro o robe da prateleira e coloco-o sobre meu braço. Depois pego os
chinelos de flanela combinando. Não faz sentido comprar um sem o outro.
O balcão de saída fica bem à minha esquerda, mas eu o ignoro. Ainda não terminei.
Dirijo-me à escada rolante e subo para o andar de artigos para casa. Está na hora
de comprar um edredom novo. Branco, para combinar com meu robe novo. E um par de
almofadas com uma manta de pele fantasia.
Toda vez que acrescento alguma coisa à minha pilha, sinto um pequeno arrepio de
prazer, como no momento de soltar fogos. E, por um instante, tudo está bem. Mas
depois, aos poucos, a luz e os brilhos desaparecem e fica só a escuridão fria novamente. E
então eu procuro alucinadamente em volta por alguma coisa mais. Uma
enorme vela aromatizada. Um conjunto de gel de banho e creme hidratante. Jo Malone.
Uma bolsa de pot-pourri feita a mão. A medida que acrescento cada peça, sinto um
arrepio — e depois escuridão. Mas os arrepios estão ficando menores a cada vez. Por que
será que o prazer não permanece? Por que não me sinto mais feliz?
— Posso ajudá-la? — diz uma voz, interrompendo meus pensamentos. Uma jovem
vendedora, usando a roupa da Octagon — blusa branca e calças de linho —, aproximouse
e está olhando para minha pilha de coisas no chão. — Quer que eu separe alguns
enquanto você continua comprando?
— Ah — digo sem expressão, e olho para as coisas que acumulei. Já é mesmo muito
até agora. — Não, não se preocupe. Só vou... só vou pagar estas coisas.
De algum modo, nós duas conseguimos arrastar todas as minhas compras pelo chão de
madeira até o caixa elegante de granito no meio da loja e a vendedora começa
a passar tudo. O preço das almofadas foi reduzido, eu nem tinha percebido e, enquanto
ela está verificando o preço exato, uma fila começa a se formar atrás de mim.
— São 370,56 libras — diz ela finalmente e sorri para mim. — Como gostaria de
pagar?
— Erm... cartão Switch — digo e pego minha bolsa. Enquanto ela está passando o
cartão, olho para minhas sacolas de compra e fico imaginando como vou levar tudo isto
para casa.
Mas imediatamente meus pensamentos vão embora. Não quero pensar na minha casa.
Não quero pensar em Suze, Tarquin, ou a noite passada. Ou qualquer coisa
relativa a isso.
— Sinto muito — diz a garota, desculpando-se — mas há algum problema com seu
cartão. Não autorizam a compra. — Ela o devolve. — Tem algum outro?
— Ah — digo, levemente sem jeito. — Bem... aqui está meu cartão VISA.
Que vergonha. E afinal, o que há de errado com meu cartão? Me parece bom. Preciso
reclamar com o banco sobre isto.
O banco. Encontro amanhã, com Dereh Smeath. Ah, Deus. Não pense nisto. Rápido,
pense em alguma outra coisa. Olhe para o chão. Dê uma olhada pela loja. Uma
fila de pessoas, razoavelmente grande, já se formou atrás de mim e ouço tosses e
pigarros. Todos estão me aguardando. Quando olho para a mulher atrás de mim, sorrio
sem graça.
— Não — diz a moça. — Este também não serve.
O quê? Eu me viro em estado de choque. Como pode meu cartão VISA não servir? É
meu cartão VISA, pelo amor de Deus. Aceito no mundo inteiro. O que está acontecendo?
Não faz nenhum sentido. Não faz nenhum...
Meus pensamentos param no meio e uma sensação fria ruim começa a tomar conta de
mim. Todas essas cartas. Essas cartas que tenho guardado na gaveta da minha cômoda.
Certamente elas não podem...
Não. Não diga que cancelaram meu cartão. Eles não podem ter feito isto.
Meu coração começa a disparar de pânico. Sei que não tenho sido muito boa em pagar
minhas contas mas preciso do meu cartão VISA. Preciso dele. Eles não podem
simplesmente cancelá-lo, assim sem mais nem menos. De repente sinto-me tremer um
pouco.
— Há outras pessoas esperando — diz a garota, apontando para a fila. — Portanto, se
não puder pagar...
— Claro que posso pagar — digo com firmeza, consciente de que meu rosto já está
queimando de vermelho. Com as mãos tremendo, procuro na bolsa e acabo achando
meu cartão prateado da Octagon. Estava escondido sob os outros, portanto não devo tê-lo
usado por algum tempo. —Aqui — digo. — Porei todas as compras nele.
— Está bem — diz a garota num tom rude e, num golpe, pega o cartão.
Somente quando estamos aguardando em silêncio pela autorização que começo a
pensar se realmente paguei minha conta da Octagon. Enviaram-me uma carta malcriada
algum tempo atrás, não foi? Alguma coisa a respeito de uma dívida pendente. Mas tenho
certeza de que paguei tudo, séculos atrás. Ou pelo menos, uma parte. Não paguei? Tenho
certeza que eu...
— Vou precisar dar um rápido telefonema — diz a vendedora, olhando para sua
máquina. Ela pega o fone próximo à caixa registradora e disca um número.
— Olá — diz ela. — Sim, se eu puder dar-lhe um número de conta...
Atrás de mim, alguém suspira alto. Posso sentir meu rosto ficando cada vez mais
quente. Não ouso olhar em volta. Não ouso me mover.
— Entendo — diz a vendedora finalmente e coloca o fone no gancho. Olha para mim
e, só de ver a expressão de seu rosto, meu estômago dá um nó. Sua expressão não é mais
de desculpar-se ou polida. É claramente hostil.
— Nosso departamento financeiro deseja que a senhora entre em contato com eles
urgentemente — diz ela num tom áspero. — Vou dar-lhe o número.
— Está bem — digo, procurando parecer calma. Como se isto fosse um pedido
razoavelmente normal. — Está bem, vou fazer isto. Obrigada. — Estendo minha
mão para receber meu cartão. Não estou mais interessada nas minhas compras.
Tudo o que desejo fazer é sair daqui o mais rápido possível.
— Sinto muito, creio que sua conta foi bloqueada — diz a vendedora, sem abaixar a
voz. — Vou ter que ficar com seu cartão.
Olho para ela sem acreditar, sentindo meu rosto pinicar de choque. Atrás de mim há
um sussurrar quando todos ouvem isto e começam a cutucar-se uns aos outros.
— Portanto, a não ser que tenha outro meio de pagar... — ela acrescenta, olhando para
minha pilha de coisas no balcão. Meu robe de flanela. Meu edredom novo. Minha vela
aromática. Uma enorme, notável pilha de coisas. De repente a visão daquilo tudo faz-me
sentir enjoada.
Num estado de torpor, balanço minha cabeça. Sinto- me como se tivesse sido pega
roubando.
— Elsa — chama a vendedora. — Você pode cuidar disso, por favor? A cliente não vai
fazer a compra afinal. - Ela aponta a pilha de coisas e a outra vendedora empurra a pilha
pelo balcão, para fora do caminho, com o rosto deliberadamente sem expressão. —
Próximo, por favor.
A mulher atrás de mim dá um passo à frente, evitando meu olhar embaraçada, e,
lentamente, eu me viro para o outro lado. Nunca me senti tão humilhada em toda a
minha vida. O andar inteiro parece estar olhando para mim — os clientes, os vendedores,
todos sussurrando e se cutucando. Você viu? Viu o que aconteceu?
Com as pernas cambaleantes me afasto, sem olhar para os lados. Isto é um pesadelo.
Só preciso sair, o mais rápido possível. Preciso sair da loja e ir para a rua e ir...
Ir para onde? Para casa, eu suponho.
Mas não posso voltar e encarar Suze e ouvi-la continuar falando sobre o quanto
Tarquin é gentil. Ou até pior, arriscar dar de cara com ele. Ah, Deus. Só de pensar fico
enjoada.
O que vou fazer? Para onde vou?
Tremendo, começo a andar pela calçada, desviando o olhar das vitrines que parecem
estar zombando de mim. O que posso fazer? Para onde posso i r? Sinto-me vazia; quase
desmaiando de pânico.
Paro numa esquina, esperando o sinal luminoso mudar e olho sem expressão para uma
vitrine de coletes de cashmere à minha esquerda. E de repente, ao ver um colete de golfe
vermelho Pringle, sinto lágrimas de alívio brotarem em meus olhos. Há um lugar para
onde posso ir. Um lugar para onde sempre posso ir.
A casa de meus pais.

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