segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Coração de Tinta - Capítulos 5 ao 8

5. Apenas uma imagem
~
Que aquele que rouba livros ou não devolve livros emprestados tenha o livro em sua mão transformado numa serpente voraz. Que ele sofra um ataque apopléctico que paralise todos os seus membros. Que, aos gritos  e gemidos, implore por piedade, e seu tormento não seja mitigado até que entre em estado de putrefação. Que as traças corroam suas entranhas como o verme que nunca morre. E que no dia do juízo final seja condenado a arder para sempre no fogo do inferno.
Inscrição na biblioteca do Mosteiro de São Pedro, em Barcelona, citada por Alberto Manguel
~
Eles haviam desembrulhado o livro. Meggie viu o papel pardo em cima de uma cadeira. Nenhum dos dois notou que ela entrara. Elinor estava debruçada sobre um púlpito de leitura, Mo estava de pé ao seu lado. Os dois permaneciam de costas para a porta.
— Incrível. Pensei que não existisse mais nem um  exemplar — dizia Elinor. — Circulam algumas histórias estranhas sobre este livro. O dono de um sebo do qual sou freguesa me contou que há alguns anos teve três exemplares roubados, todos no mesmo dia. Ouvi praticamente a mesma história de dois outros livreiros.
— É mesmo? Realmente estranho! — disse Mo, mas Meggie conhecia a voz dele o bastante para saber que o espanto era falso. — Bom, não importa. Mesmo se não fosse um livro tão raro, continuaria tendo muito valor para mim e eu ficaria feliz em saber que está bem guardado, por um tempo, até que eu venha buscá-lo novamente.
— Na minha casa, todos os livros estão bem guardados — respondeu Elinor, indignada.  — Você sabe, eles são os meus filhos, meus filhinhos de tinta preta, e eu cuido muito bem deles. Mantenho a luz do sol longe de suas páginas, tiro o pó e os protejo das traças famintas e dos dedos sujos das pessoas. Este aqui receberá um lugar de honra, e ninguém mais o verá até que você o queira de volta. Na minha biblioteca, os visitantes são indesejados. Eles só servem para deixar marcas de dedos e casca de queijo nos meus pobres livros. Além disso, como você sabe, disponho de um dispendioso sistema de alarme.
— Sim, isso me tranqüiliza mais do que tudo! — A voz de Mo parecia aliviada. — Muito obrigado, Elinor! Eu realmente agradeço muito. E se por acaso nos próximos dias alguém bater à sua porta perguntando pelo livro, por favor, aja como se nunca tivesse ouvido falar dele, está bem?
— Mas  é claro. O que não se faz por um bom encadernador? Além disso, você é o marido da minha sobrinha.
Sabe que às vezes ainda sinto falta dela? Bem, acho que com você acontece o mesmo. Sua filha parece estar se saindo muito bem sem a mãe. Não é?
— Ela quase não se lembra — disse Mo baixinho.
— Bem, isso é uma bênção, não é mesmo? Às vezes é bastante prático que a nossa memória não funcione tão bem quanto a dos livros. Se bem que sem eles não saberíamos de praticamente mais nada. Tudo seria esquecido: a guerra de
Tróia, Cristóvão Colombo, Marco Polo, Shakespeare, todos os deuses e reis malucos...
Elinor virou-se e parou boquiaberta.
— Acho que não ouvi você bater — ela disse, olhando de forma tão hostil para Meggie que esta precisou juntar toda a sua coragem para simplesmente não dar as costas e sair correndo.
— Há quanto tempo você está aí, Meggie? — perguntou Mo. Meggie ergueu o queixo.
— Ela pode ver o livro, mas de mim você esconde! —ela disse. O ataque ainda era a melhor defesa. — Você nunca escondeu um livro de mim! O que é que esse tem de tão especial? Vou ficar cega se o ler? Ele vai me morder os dedos?
Que segredos terríveis existem aí dentro que eu não posso saber?
— Tenho meus motivos para não mostrá-lo a você —respondeu Mo. Ele estava muito pálido. Sem dizer mais uma palavra, andou até ela e quis puxá-la de volta para a porta, mas
Meggie se soltou.
— Oh, mas ela é teimosa! — observou Elinor. — Isso a torna quase simpática. Sua mãe era igualzinha. Venha cá.
Ela deu um passo para o lado e fez um sinal para que
Meggie se aproximasse.
— Você vai ver que não há nada muito emocionante nesse livro, pelo menos para os seus olhos. Mas tire a prova.
Sempre acreditamos mais em nossos próprios olhos. Ou será que o seu pai  é de outra opinião? — ela disse olhando para Mo.
Mo hesitou, e então sacudiu a cabeça resignado.
O livro estava aberto em cima do púlpito. Ele não parecia ser especialmente antigo. Meggie sabia reconhecer um livro realmente antigo. Na oficina de Mo, ela já vira alguns cujas páginas estavam manchadas como o pêlo de um leopardo e quase tão amarelas quanto. Ela se lembrava de um cuja capa fora atacada por cupins. Os furinhos deixados pelos insetos devoradores pareciam marcas minúsculas de tiros, e Mo retirara o corpo do livro, reencadernara suas páginas com muito cuidado e, como ele dizia, fizera uma roupa nova para ele. Tais roupas podiam ser de tecido ou de couro, simples ou com estampas que Mo imprimia com pequenos carimbos e às vezes também revestia de ouro.
Aquele livro tinha uma capa de pano, de um verde prateado como as folhas de um salgueiro. Os cantos estavam ligeiramente amassados, mas as páginas ainda estavam bem claras e as letras pretas destacavam-se nitidamente no papel.
Na página aberta, havia um pequeno marcador de fita vermelha. Do lado direito, uma ilustração mostrava mulheres luxuosamente vestidas, um saltimbanco cuspidor de fogo, acrobatas e alguém que parecia um rei. Meggie continuou a folhear. Não havia muitas figuras, mas a letra inicial de cada capítulo era como uma pequena ilustração. Em algumas dessas letras havia animais sentados, em volta de outras enroscavam-se plantas, havia também um “B” pegando fogo. As chamas pareciam tão verdadeiras que Meggie passou o dedo em cima delas para se certificar de que não estavam quentes. O capítulo seguinte começava com um  H.  Ele estava com as pernas plantadas numa pose de guerreiro, e em seu braço repousava um animal de rabo peludo. “Dias atrás, ele saíra da cidade sem que ninguém o visse”, Meggie leu, mas antes que pudesse juntar mais palavras,
Elinor fechou o livro no seu nariz.
— Acho que já é suficiente — ela disse, e prendeu com firmeza o livro debaixo do braço. — Seu pai me pediu que guarde este livro num lugar seguro, e é o que vou fazer agora.
Mo pegou a mão de Meggie novamente. Desta vez, ela foi com ele.
— Por favor, Meggie, esqueça esse livro! — ele sussurrou. — Ele só traz infelicidades. Comprarei centenas de outros para você.
Meggie fez que sim e não disse nada. Antes que Mo fechasse a porta atrás deles, ela ainda lançou mais um olhar para Elinor, que observava o livro embevecida, como Mo  às vezes olhava para a filha,  à noite, quando esticava o seu cobertor até debaixo do queixo. Então a porta se fechou.
— Onde ela vai guardá-lo? — perguntou Meggie enquanto seguia Mo pelo corredor.
— Oh, ela tem uns esconderijos excelentes para essas ocasiões — respondeu Mo evasivamente. — Mas eles são secretos, como devem ser os esconderijos. O que você acha de eu lhe mostrar o seu quarto agora?
Ele tentava parecer despreocupado, mas não conseguia muito bem.
— Parece um quarto de hotel chique. Ah, que nada,  é muito melhor.
— Nada mau — murmurou Meggie, olhando ao seu redor. Ela procurava Dedo Empoeirado, mas não viu nem a sombra dele.Onde ele estava? Ela precisava lhe perguntar uma coisa.
Meggie não conseguia pensar em mais nada, enquanto Mo lhe mostrava o quarto e lhe dizia que agora estava tudo em ordem, que ele apenas precisava fazer seu trabalho e então eles iriam para casa. Ela balançava a cabeça como se o estivesse
escutando, mas na verdade só conseguia pensar na pergunta que queria fazer a Dedo Empoeirado. A pergunta lhe queimava os lábios de tal forma que Meggie se espantou com o fato de Mo não a ver. Ali bem no meio da sua boca.
Quando Mo a deixou sozinha para buscar a bagagem no ônibus, Meggie foi até a cozinha, mas Dedo Empoeirado também não estava lá. Até no quarto de Elinor ela deu uma olhada, mas, por mais portas que abrisse na gigantesca casa, não conseguiu encontrá-lo. Finalmente ela estava cansada demais para continuar procurando. Mo já havia se deitado e Elinor também se recolhera. Assim, Meggie foi para o seu quarto e deitou-se na cama enorme. Sentiu-se totalmente perdida, pequenina, nanica, como se tivesse encolhido. Como Alice no País das Maravilhas, ela pensou, e passou a mão nos lençóis floridos. De resto, o quarto lhe agradava. Estava cheio de livros e de quadros. Havia até mesmo uma lareira, mas parecia que não era utilizada havia mais de um século. Meggie lançou as pernas para fora da cama e foi até a janela. Já estava escuro lá fora, e quando ela abriu a janela um vento frio bateu em seu rosto. A única coisa que conseguiu distinguir na escuridão foi a  área coberta de cascalho na frente da casa. Um lampião lançava luz pálida sobre as pedras cinza-claro. O ônibus listrado de Mo, ao lado da perua cinza de Elinor, parecia uma zebra que entrara no estábulo de cavalos por engano. Mo pintara as listras na pintura branca depois que Meggie lhe dera O livro da selva  de  presente. Ela pensou na casa que haviam deixado com tanta pressa, em seus quartos e na escola, onde seu lugar estava vazio hoje. Ela não sabia muito bem se sentia saudades.Meggie deixou a janela aberta quando se deitou. Mo havia posto o baú de livros dela ao lado da cama. Sonolenta, tirou um livro de dentro e tentou construir um ninho com palavras familiares, mas não conseguiu. A lembrança do outro livro sempre apagava as palavras, a todo momento Meggie via as letras capitulares, grandes e coloridas, cercadas por figuras cuja história ela não conhecia, pois o livro não tivera tempo de lhe contar.
“Preciso encontrar Dedo Empoeirado”, ela pensou, sonolenta. “Ele tem que estar aqui!” Mas então o livro escorregou de seus dedos e ela adormeceu.
Na manhã seguinte, o sol a acordou. O ar ainda guardava o frio da noite, mas o céu estava límpido. Meggie encostou-se na janela e, ao longe, entre os galhos das árvores, viu o lago cintilante. O quarto que Elinor lhe destinara ficava no primeiro andar. Mo dormia apenas duas portas adiante, mas
Dedo Empoeirado tivera que se contentar com um cubículo no sótão; Meggie tinha visto esse cubículo durante suas buscas na noite anterior. Havia apenas uma cama estreita, cercada por caixas de livros que se empilhavam até o teto.
Mo já estava à mesa com Elinor quando Meggie entrou na cozinha para tomar o café-da-manhã, mas de Dedo Empoeirado ela não viu nem sinal.
— Oh, ele já tomou café-da-manhã — disse Elinor num tom malicioso quando Meggie perguntou por Dedo
Empoeirado —, na companhia de um animalzinho de dentes afiados, que estava em cima da mesa e os mostrou para mim quando entrei desavisada na cozinha. Fiz saber ao seu excêntrico amigo que os únicos animais que tolero na minha cozinha são as moscas, então ele foi lá para fora com o animal peludo.
— O que você quer com ele? — perguntou Mo.
— Ah... nada de mais, eu... só queria perguntar uma coisa — disse Meggie, que comeu depressa meia fatia de pão, engoliu um pouco do chocolate quente e bem amargo que
Elinor havia preparado e correu para fora.
Ela encontrou Dedo Empoeirado no gramado curto e espevitado detrás da casa, onde havia uma espreguiçadeira ao lado de um anjo de gesso. De Gwin, nem sinal. Alguns passarinhos disputavam alguma coisa nas flores vermelhas das azaléias, e Dedo Empoeirado estava ali, fazendo malabarismos com um ar distraído. Meggie tentou contar as bolas coloridas, quatro, seis, eram oito. Ele as apanhava tão depressa que ela ficou tonta tentando seguir seus movimentos. Ele fazia isso apoiado numa perna só, displicentemente, como se não precisasse olhar. Somente quando notou Meggie, uma das bolas escapou de seus dedos e rolou a seus pés.
Meggie pegou a bola e jogou de volta para ele.
— Onde aprendeu a fazer isso? — ela perguntou. —Foi... maravilhoso.
Dedo Empoeirado fez uma mesura com um ar zombeteiro. Ali estava outra vez o seu estranho sorriso.
— Ganho o meu dinheiro com isso — ele disse. —Com isso e algumas outras coisinhas.
— Como se pode ganhar dinheiro com isso?
— Nas praças. Em festas. Em aniversários de crianças.
Você já foi alguma vez a uma dessas feiras em que as pessoas fazem tudo como se vivessem na Idade Média?
Meggie fez que sim. Uma vez Mo a levara a uma dessas feiras. Havia coisas belíssimas, estranhas, como se não fossem apenas de um outro tempo, mas também de um outro mundo.
Mo comprara uma caixinha para ela, enfeitada com pedrinhas coloridas e um peixinho de metal cintilante verde e dourado, com uma bocarra bem aberta e uma bola na barriga oca, que tilintava como um sino quando a caixa era sacudida. O ar tinha cheiro de pão recém-assado, de fumaça e de roupa úmida,
Meggie vira o ferreiro fazer uma espada e se escondera, atrás de Mo, de uma mulher vestida de bruxa.
Dedo Empoeirado recolheu as bolas e jogou-as na sacola que estava aberta atrás dele na  grama. Meggie aproximou-se de mansinho e espiou dentro dela. Havia garrafas e algodão branco, um saco de leite, mas antes que ela pudesse descobrir mais coisas Dedo Empoeirado fechou a sacola.
— Sinto muito. Segredo profissional — ele disse. — O seu pai deu o livro para essa Elinor, não foi?
Meggie sacudiu os ombros.
— Pode me dizer sem medo. Eu já sei mesmo. Ouvi a conversa. É loucura deixá-lo aqui, mas de que adianta falar?
Dedo Empoeirado sentou-se na espreguiçadeira. Na grama, ao seu lado, estava a mochila. Uma cauda peluda saía para fora.
— Eu vi Gwin — disse Meggie.
— Ah, é? — Dedo Empoeirado recostou-se e fechou os olhos. Na luz do sol, seus cabelos pareciam mais claros. —
Eu também. Está dentro da mochila. Está na hora da sesta dele.
— Eu vi Gwin no livro. — Meggie disse isso sem tirar os olhos de Dedo Empoeirado, mas o rosto dele não se mexeu. Ele não tinha os pensamentos estampados na testa como
Mo. Dedo Empoeirado era como um livro fechado, e Meggie tinha a sensação de que ele morderia os dedos de todos que tentassem lê-lo. — Ele estava numa letra. Numa letra H. Eu vi os chifres.
— É mesmo? — Dedo Empoeirado nem sequer abriu os olhos. — Você sabe em qual das mil estantes essa fanática por livros o colocou?
Meggie fingiu não ouvir a pergunta.
— Por que Gwin se parece com o animal do livro? —ela perguntou. — É verdade que o senhor colou os chifres nele?
Dedo Empoeirado abriu os olhos e piscou com a luz do sol.
— Se eu colei? — ele perguntou olhando para o céu.
Algumas nuvens passavam sobre a casa de Elinor. O sol desapareceu atrás de uma delas e sua sombra caiu sobre a grama verde como uma mancha horrível.
— O seu pai lê para você com freqüência, Meggie? —perguntou Dedo Empoeirado.
Meggie olhou desconfiada para ele. Então se ajoelhou ao lado da mochila e passou a mão na cauda sedosa de Gwin.
— Não  — ela disse.  — Mas ele me ensinou a ler quando eu tinha cinco anos.
— Pergunte a ele por que ele não lê em voz alta - disse Dedo Empoeirado. — Mas não se deixe engabelar com qualquer conversa mole.
— Como assim? — Meggie levantou-se, irritada. — Ele não gosta, é só isso.
Dedo Empoeirado sorriu. Ele se inclinou para fora da espreguiçadeira e enfiou a mão dentro da mochila.
— Ah, isso me parece uma barriga cheia — ele observou.  — Acho que a caçada noturna de Gwin foi bem-sucedida. Espero que ele não tenha saqueado um ninho novamente. Ou será que são apenas o pãozinho e os ovos de
Elinor?
A cauda de Gwin balançou para lá e para cá, quase como a de um gato.
Meggie olhou para a mochila com uma sensação desconfortável. Ela estava contente por não precisar ver o focinho de Gwin. Talvez ele ainda estivesse lambuzado de sangue.Dedo Empoeirado recostou-se novamente na espreguiçadeira de Elinor.
— Quer que eu lhe mostre hoje  à noite para que servem as garrafas, o algodão e as outras coisas misteriosas que estão na minha sacola? — ele perguntou sem olhar para ela.
— Só que tem que estar bem escuro, escuro como o breu.
Você tem coragem de sair de casa no meio da noite?
— É claro! — respondeu Meggie ofendida, embora a última coisa que ela gostasse de fazer fosse sair na noite escura. — Mas antes o senhor tem que me dizer por que...
— O senhor?  — Dedo Empoeirado deu uma gargalhada. — Meu Deus, daqui a pouco você vai me tratar por excelentíssimo senhor Dedo Empoeirado. Não posso suportar ser tratado de senhor; deixe isso para lá, está bem?
Meggie mordeu os lábios e concordou com a cabeça.
Ele tinha razão, “senhor” não combinava com ele.
— Então, como eu ia dizendo, por que você colou os chifres em Gwin? — ela concluiu a pergunta. — E o que você sabe sobre o livro?
Dedo Empoeirado cruzou os braços atrás da cabeça.
— Sei um monte de coisas — ele disse. — E talvez um dia conte a você, mas primeiro temos o nosso encontro. Hoje à noite, lá pelas onze, exatamente aqui. Combinado?
Meggie olhou para um melro que cantava a plenos pulmões no telhado de Elinor.
— Está bem  — ela disse.  — Às onze horas. Então voltou para a casa.
Elinor propusera a Mo que montasse sua oficina ao lado da biblioteca. Ali havia uma saleta onde ela guardava sua coleção de manuais antigos de botânica e biologia (parecia não haver um  único tipo de livro que Elinor não colecionasse).
Essa categoria ficava numa estante de madeira clara, cor de mel. Em algumas extremidades, os livros eram apoiados em vitrines com besouros espetados, o que tornava Elinor ainda mais antipática aos olhos de Meggie. Diante da  única janela havia uma mesa bonita com pés torneados, mas ela não tinha nem metade do tamanho da que Mo tinha em casa, em sua oficina. Era provavelmente por isso que ele  estava xingando baixinho quando Meggie enfiou a cabeça pela abertura da porta.
— Olhe só esta mesa — ele disse. — Aqui em cima alguém pode organizar uma coleção de selos, mas não encadernar livros. Toda a sala é pequena demais. Onde é que vou montar a prensa, onde é que vou deixar as ferramentas?... Na última vez trabalhei lá em cima, no sótão, mas agora lá também está atulhado de caixas de livros.
Meggie passou a mão nas lombadas encostadas umas nas outras.
— Simplesmente diga a Elinor que você precisa de uma mesa maior.
Meggie tirou cuidadosamente um livro da prateleira e abriu-o. Havia figuras dos insetos mais esquisitos, besouros com chifres, besouros com trombas, um deles até mesmo tinha um nariz perfeito. Meggie passou o dedo indicador sobre as figuras desbotadas.
— Mo, por que você nunca leu para mim?
Ele virou-se tão bruscamente que ela quase deixou cair o livro.
— Por que você está me perguntando isso? Você andou conversando com Dedo Empoeirado, não  é? O que ele lhe contou?
— Nada. Absolutamente nada!
A própria Meggie não sabia por que estava mentindo.
Pôs o livro sobre besouros de volta no lugar. Ela quase tinha a impressão de que alguém tecia uma rede muito fina ao seu redor, uma rede de mentiras e segredos, que se fechava cada vez mais.
— Acho que é uma boa pergunta — ela disse enquanto pegava outro livro, o Mestres da camuflagem. Os bichos ali pareciam galhos vivos ou folhas secas.Mo virou-se de costas novamente. Ele começou a espalhar suas ferramentas pela mesa pequena demais:  à esquerda, a dobradeira, depois o martelo de cabeça redonda, com o qual ele dava forma às lombadas, o corta-papel afiado...
Ele costumava fazer isso assobiando baixinho, mas  agora estava totalmente calado. Meggie sentiu que seus pensamentos estavam distantes. Mas onde?
Finamente, ela se sentou no canto da mesa e olhou para ele.
— Eu não gosto de ler em voz alta — ele disse como se não houvesse assunto menos interessante no mundo.  —
Você está cansada de saber. É assim e pronto.
— Por quê? Você me conta histórias. Você sabe contar histórias muito bem. Sabe fazer todas as vozes, sabe fazer suspense e depois ficar engraçado de novo...
Mo cruzou os braços no peito, como se quisesse se esconder atrás deles.
— Você poderia ler  Tom Sawyer  para mim — propôs
Meggie —, ou Como o rinoceronte adquiriu suas rugas.
Essa era uma das histórias preferidas de Mo. Quando ela era menor, os dois  às vezes brincavam que suas roupas estavam cheias de rugas como a pele do rinoceronte.
— Sim, é uma história maravilhosa.
Mo virou-se de costas mais uma vez. Ergueu a pasta que estava em cima da mesa, na qual guardava os papéis coloridos para as folhas de guarda, e começou a folheá-los distraidamente. “Todos os livros deveriam começar com um desses papéis”, ele dissera uma vez para Meggie.  “De preferência com um escuro: vermelho-escuro, azul-escuro, de acordo com a capa. Quando você abre o livro, é como num teatro: ali está a cortina. Você a arrasta para o lado, e a apresentação começa.”
— Meggie, eu realmente preciso trabalhar agora! — ele disse sem se virar. — Quanto antes eu terminar os livros de
Elinor, mais cedo poderemos voltar para casa.Meggie colocou o livro com os bichos camuflados de volta na estante.
— E se os chifres não forem colados? — ela perguntou.
— O quê?
— Os chifres de Gwin. E se Dedo Empoeirado não tiver colado os chifres?
— Eles são colados. — Mo puxou uma cadeira para perto da mesa estreita demais. — Aliás, Elinor foi fazer compras. Se tiver fome antes de ela voltar, faça umas panquecas para você. Está bem?
— Está bem — murmurou Meggie. Por um momento, ela refletiu se deveria lhe contar sobre seu encontro noturno com Dedo Empoeirado, mas então decidiu não fazê-lo.  —
Você acha que posso levar uns livros daqui para o meu quarto?
— Claro. Contanto que eles não desapareçam no seu baú.
— Como esse ladrão de livros do qual você me falou?
— Meggie prendeu três livros embaixo do braço esquerdo e quatro do direito. — Quantos ele roubou? Trinta mil?
— Quarenta mil — respondeu Mo. — Mas pelo menos não matou o dono.
— Não, quem matou foi aquele monge  espanhol, esqueci o nome dele.
Meggie andou até a porta e empurrou-a com a ponta do pé.
— Dedo Empoeirado disse que Capricórnio mataria você para ter o livro — ela tentou fazer a sua voz soar indiferente. — Ele faria isso, Mo?
— Meggie!  — Mo virou-se para  ela empunhando o corta-papel numa pose ameaçadora. — Vá tomar sol ou enfie o nariz num desses livros, mas agora me deixe trabalhar. E diga a Dedo Empoeirado que vou cortá-lo em fatias bem finas com esta lâmina se ele continuar falando besteiras a você.— Isso não foi uma resposta! — disse Meggie, e entrou no corredor com sua pilha de livros.
Quando chegou ao seu quarto, ela espalhou os livros sobre a cama gigantesca e começou a ler: eram sobre besouros, que se mudavam para cascas de caracóis abandonadas, como pessoas que ocupam uma casa vazia, sobre sapos com forma de folhas e lagartos com espinhos coloridos, macacos de barbas brancas, tamanduás listrados e gatos que escavavam a terra em busca de batatas-doces. Parecia haver de tudo, qualquer ser que Meggie pudesse imaginar e ainda muitos outros, que ela não poderia.
Mas em nenhum dos livros sábios de Elinor ela encontrou uma única palavra sobre martas com chifres.
6. Fogo e estrelas
~
Então eles chegavam com seus ursos dançarinos, com seus cães e cabritos, macacos e marmotas, eles andavam na corda bamba, davam cambalhotas de frente e de costas, arremessavam espadas e punhais e lançavam-se sobre as suas pontas e lâminas sem se ferirem, engoliam fogo e pedras trituradas, faziam prestidigitações sob suas casacas e chapéus, com correntes e cálices mágicos, faziam bonecos esgrimir, gorjeavam como o rouxinol, gritavam como o pavão, assobiavam como a rena, e lutavam e dançavam ao som da flauta dupla.
Wilhelm Hertz, O livro do menestrel
~
O dia custou a passar. Meggie apenas viu Mo rapidamente na hora do almoço, quando, meia hora após voltar das compras, Elinor lhes serviu um espaguete com um molho pronto.
— Desculpem, mas eu simplesmente não tenho paciência para ficar horas na cozinha — ela disse quando pôs as panelas em cima da mesa. — Será que o nosso amigo com o bicho peludo sabe cozinhar?
Dedo Empoeirado apenas ergueu os ombros.
— Não, sinto muito, nisso eu não posso ajudar.
— Mo sabe cozinhar muito bem — disse Meggie enquanto colocava o molho aguado na massa.— Ele está aqui para restaurar os meus livros, e não para cozinhar  — respondeu Elinor rudemente.  — Mas e quanto a você?
Meggie sacudiu os ombros.
— Eu sei fazer panquecas — ela disse. — Por que você não arranja uns livros de receitas? Você tem todo tipo de livros. Com certeza ajudaria.
Elinor não achou a proposta nem mesmo digna de uma resposta.
— Ah, aliás, mais uma regra para a noite — ela disse, depois que todos haviam comido um pouco, em silêncio. —Não tolero luz de velas na minha casa. O fogo me deixa nervosa. Ele adora se alimentar de papel.
Meggie engoliu a saliva. Sentiu-se apanhada com a boca na botija. Naturalmente, ela trouxera algumas velas, que estavam lá em cima em seu criado-mudo. Era certo que Elinor as vira.
Porém Elinor não olhou para Meggie, e sim para Dedo
Empoeirado, que estava brincando com uma caixa de fósforos.
— Espero que respeite essa regra — ela disse. — Jáque, pelo visto, contaremos com a sua companhia por mais uma noite.
— Se me permite abusar um pouco mais da sua hospitalidade. Partirei amanhã cedo. Prometo.
Dedo Empoeirado ainda segurava a caixa de fósforos.
O olhar de reprovação de Elinor não parecia incomodá-lo.
— Acho que alguém aqui tem uma idéia totalmente errada a respeito do fogo — disse ele. — Admito que ele possa ser um animalzinho voraz, mas é possível domá-lo.
E, com essas palavras, tirou um palito de fósforo de dentro da caixa, acendeu-o e pôs a chama dentro da boca  aberta.
Meggie prendeu a respiração quando os lábios dele se fecharam em torno do palito aceso. Dedo Empoeirado abriu novamente a boca, tirou o palito apagado e, com um sorriso, colocou-o no prato vazio.
— Está vendo, Elinor? — ele disse. — O fogo não me mordeu. É mais fácil domá-lo do que domar um gato.
Elinor apenas torceu o nariz, mas Meggie não conseguia tirar os olhos de Dedo Empoeirado, de tão admirada que ficou.
A breve exibição de pirotecnia não pareceu impressionar Mo, e Dedo Empoeirado obedeceu ao seu olhar de advertência, fazendo a caixa de fósforos desaparecer no bolso da calça.
— Naturalmente, respeitarei a regra das velas  — ele apressou-se em dizer. — Sem problemas. Mesmo.
Elinor assentiu com a cabeça.
— Bom — ela disse. — Mas tem mais uma coisa. Se hoje você resolver sumir novamente assim que escurecer, como fez ontem, é melhor  não voltar muito tarde.  Às nove horas em ponto ligarei o meu sistema de alarme.
— Oh, então ontem eu realmente tive sorte.
Dedo Empoeirado enfiou um pouco de macarrão no bolso, a salvo do olhar de Elinor, mas não do de Meggie.
— Admito que saio à noite para passear. O mundo fica mais ao meu gosto, silencioso, quase deserto e significativamente mais misterioso. Hoje ànoite, porém, não pretendo passear. Apesar disso, devo lhe pedir para que ligue esse fabuloso sistema um pouco mais tarde.
— Ah, é? E por que, se me permite perguntar?
Dedo Empoeirado piscou para Meggie.
— Bem, eu prometi à pequena senhorita aqui presente uma apresentaçãozinha, que deverá ter início aproximadamente uma hora antes da meia-noite.
— Ah!  — Elinor limpou o molho da boca com o guardanapo. — Uma apresentação. E que tal se o senhor a fizesse durante o dia? Afinal a senhorita aqui presente só tem doze anos de idade e deveria estar na cama às oito.Meggie apertou os lábios. Desde que fizera cinco anos não precisava mais ir para a cama  às oito horas, mas não se deu ao trabalho de explicar isso a Elinor. Em vez disso, ficou observando como Dedo Empoeirado reagia serenamente aos olhares hostis da anfitriã.
— Bem, durante o dia, os números que pretendo apresentar para Meggie não desenvolveriam o efeito correto — ele disse, e recostou-se novamente em sua cadeira. — Para que isso aconteça, o manto negro da noite se faz necessário, infelizmente. Mas por que a senhora não assiste também? Aí entenderá a necessidade de a coisa toda acontecer no escuro.
— Aceite a oferta, Elinor! — disse Mo. — Você vai gostar da apresentação. Talvez depois disso o fogo não lhe pareça mais tão sinistro.
— Não me parece sinistro. Eu apenas não gosto dele!
— observou Elinor, com o rosto impassível.
— Ele também sabe fazer malabarismos — Meggie exclamou. — Com oito bolas.
— Onze — corrigiu Dedo Empoeirado. — Mas malabarismo é mais adequado para o dia.
Elinor apanhou um fio de macarrão da toalha e olhou com cara mal-humorada para Meggie e depois para Dedo
Empoeirado.
— Está bem. Não vou bancar a desmancha-prazeres — ela disse. — Ligarei o alarme e me deitarei na minha cama com um livro às nove e meia, como faço todas as noites, mas, quando Meggie vier me avisar que está indo para a sua apresentação particular, desligarei o alarme novamente por uma hora. É suficiente?
— Perfeitamente — disse Dedo Empoeirado, fazendo uma mesura tão profunda que bateu com a ponta do nariz na borda do prato.
Meggie segurou uma risada.
Eram cinco para as onze quando Meggie bateu na porta do quarto de Elinor.— Entre! — ouviu Elinor exclamar, e quando colocou a cabeça no lado de dentro, a viu sentada em sua cama, profundamente curvada sobre um catálogo grosso como uma lista telefônica, murmurando: — Muito caro, muito caro! Guarde bem um conselho: nunca arrume uma paixão para a qual o seu dinheiro não é suficiente. Ela corrói o seu coração como uma traça. Veja este livro aqui, por exemplo!
Elinor bateu com tanta força com o dedo na página esquerda do catálogo que Meggie não teria se espantado se tivesse feito um furo.
— Olhe que edição, e em tão bom estado. Faz quinze anos que quero comprá-la, mas é cara, muito cara.
Com um suspiro, Elinor fechou o catálogo, jogou-o no tapete e esticou as pernas para fora da cama. Meggie se surpreendeu ao ver que ela usava uma camisola florida comprida, que a fazia parecer muito mais jovem, quase como uma menina que um dia acordou com rugas no rosto.
— Bem, acho que você não vai ser tão louca quanto eu! — ela resmungou enquanto vestia umas meias grossas nos pés descalços. — Seu pai não tem queda para a loucura e a sua mãe também não tinha. Ao contrário, nunca conheci ninguém com uma cabeça tão fresca. Já o meu pai era pelo menos tão maluco quanto eu. Mais da metade dos meus livros eu herdei dele, e de que isso adiantou? Eles o protegeram da morte? Ao contrário. O derrame o surpreendeu num leilão de livros. Não é irônico?
Mesmo com toda a boa vontade, Meggie não conseguiu achar o que dizer sobre o assunto.
— Minha mãe? — ela perguntou no lugar. — Você a conheceu bem? Elinor  bufou como se ela tivesse feito uma pergunta obscena.
— Mas é claro que sim. O seu pai a conheceu aqui. Ele não lhe contou?
Meggie fez que não.
— Ele não fala muito dela.— Bem, talvez seja melhor assim. Para que ficar cutucando antigas feridas? E você nem se lembra dela. O símbolo na porta da biblioteca foi ela quem pintou. Mas agora venha.
Senão você vai perder a sua apresentação.
Meggie seguiu Elinor pelo corredor escuro. Por um instante, teve a sensação maluca de que sua mãe poderia sair por uma das muitas portas e sorrir para ela. Quase não havia luzes acesas em toda a gigantesca casa, e de vez em quando
Meggie batia o joelho numa cadeira ou numa mesinha que não vira na escuridão.
— Por que está escuro aqui? — ela perguntou enquanto Elinor tateava as paredes à procura do interruptor.
— Porque prefiro gastar meu dinheiro com livros a gastar com eletricidade supérflua! — respondeu Elinor, e  olhou irritada para a lâmpada que se acendeu como se, em sua opinião, aquela coisa estúpida pudesse gastar menos eletricidade. Então foi até a caixa de metal que ficava na parede ao lado da porta de entrada, escondida atrás de uma cortina poeirenta. Enquanto abria a caixa, disse: — Espero que você tenha apagado a luz do seu quarto antes de vir para cá.
— Claro — disse Meggie, mesmo não sendo verdade.
— Vire-se! — ordenou Elinor, antes de se voltar para a instalação do alarme com a testa franzida. — Meu Deus do céu, todos esses botões, espero não ter feito nada de errado de novo. Avise-me assim que a apresentação terminar. E nem pense em aproveitar a ocasião para entrar na minha biblioteca e pegar um livro. Lembre-se de que estarei bem ao lado, e tenho ouvidos melhores do que os de um morcego.
Meggie segurou a resposta que estava na ponta da língua. Elinor abriu a porta da casa para ela. Sem dizer uma palavra, passou pela tia e foi para fora. Era uma noite amena, repleta de cheiros estranhos e grilos cantando.
— Você sempre foi assim tão gentil com a minha mãe também?  — ela perguntou quando Elinor ia fechar a porta atrás dela.Elinor olhou para ela por um momento como que petrificada.
— Acho que sim — ela disse. — Sim, é claro. E ela era exatamente tão arrogante quanto você. Divirta-se com o seu devorador de fósforos!
Então ela fechou a porta.
* * *
Meggie andava pelo jardim escuro atrás da casa, quando de repente ouviu música. Ela preencheu a noite instantaneamente, como se estivesse somente esperando pelos passos de
Meggie: era uma música que soava estranha, uma confusão bizarra de sinos, flautas e tambores, alegre e triste ao mesmo tempo. Meggie não teria se espantado se todo um bando de saltimbancos estivesse esperando por ela no gramado atrás da casa de Elinor, mas apenas Dedo Empoeirado estava lá.
Ele aguardava no mesmo lugar em que Meggie o havia encontrado à tarde. A música vinha de um toca-fitas que estava no chão ao lado da espreguiçadeira. Dedo Empoeirado havia colocado um banco de jardim na beira do gramado para sua espectadora. À direita e à esquerda do banco, tochas acesas estavam fincadas na terra. No gramado havia outras duas tochas, cujas chamas desenhavam sombras que tremulavam na noite e dançavam na grama, como criados que Dedo Empoeirado houvesse trazido de um mundo obscuro para aquela ocasião. Ele próprio estava de pé, com o dorso nu, a pele branca como a lua que pairava sobre a casa de Elinor. Era como se ela também tivesse vindo especialmente para a apresentação de Dedo Empoeirado.
Quando Meggie emergiu da escuridão, Dedo Empoeirado fez uma mesura.
— Por favor, tome assento, bela senhorita — ele exclamou no meio da música. — Tudo estava esperando apenas por você.
Encabulada, Meggie sentou-se no banco e olhou ao seu redor. Na espreguiçadeira estavam as duas garrafas de vidro escuro que ela vira na sacola de Dedo Empoeirado. A da esquerda tinha um brilho esbranquiçado, como se Dedo Empoeirado tivesse engarrafado um pouco de luar. Uma série de tochas com cabeças brancas de algodão estavam enfiadas entre as ripas de madeira da espreguiçadeira e, ao lado do toca-fitas, havia um balde e um grande vaso abaulado que, se a memória de Meggie não falhava, provinha do Vestíbulo de Elinor.
Por um breve momento, ela deixou o olhar passear pelas janelas da casa. No quarto de Mo a luz estava apagada, provavelmente ele ainda estava trabalhando, mas no andar de baixo ela viu Elinor, atrás de uma janela iluminada. Quando
Meggie olhou em sua direção, ela fechou a cortina como se tivesse notado seu olhar, mas uma sombra escura ainda se desenhava na cortina amarelo-clara.
— Está ouvindo o silêncio? — Dedo Empoeirado desligou o gravador.
O silêncio da noite pousou como um chumaço de algodão nos ouvidos de Meggie. Nenhuma folha se mexia, apenas se ouvia o crepitar das tochas e o cricrilar dos grilos.
Dedo Empoeirado ligou a música mais uma vez.
— Falei pessoalmente com o vento  — ele disse.  —Pois é, uma coisa você precisa saber: quando o vento encasqueta de brincar com o fogo, nem mesmo eu consigo domá-lo. Mas ele me garantiu que vai se comportar direitinho esta noite e que não estragará a nossa brincadeira.
Com essas palavras, Dedo Empoeirado pegou uma das tochas que estavam enfiadas na espreguiçadeira de Elinor.
Tomou um gole da garrafa com o luar aprisionado e cuspiu uma coisa esbranquiçada no grande vaso. Depois disso, mergulhou no balde a tocha que tinha na mão, tirou-a novamente e encostou sua ponta de algodão gotejante numa de suas irmãs em chamas. O fogo pegou tão de repente que Meggie teve um sobressalto. Dedo Empoeirado, porém, levou a segunda garrafa aos lábios e encheu a boca até que suas bochechas marcadas por cicatrizes ficassem inchadas, parecendo a ponto de arrebentar. Então ele inspirou fundo, bem fundo, esticou o corpo num arco e cuspiu no ar, acima das tochas em chamas, fosse lá o que estivesse em sua boca.
Uma bola de fogo pairava sobre o gramado de Elinor, uma bola de fogo clara e cintilante. Como uma coisa viva, ela ia devorando a escuridão. E era grande, tão grande, que Meggie tinha certeza de que tudo o que estava ao seu redor se consumiria em chamas no próximo instante, tudo, o gramado, a cadeira e o próprio Dedo Empoeirado. Mas ele girou em torno de si mesmo, dançando alegre como uma criança, e cuspiu fogo mais uma vez. Ele o lançou bem alto no céu, como se quisesse incendiar as estrelas. Então acendeu uma segunda tocha e passou a chama pelos seus braços nus. Parecia feliz como um menino que brincava com seu bichinho favorito. O fogo lambia sua pele como um ser vivo feito de labaredas, que se tornara amigo e o acariciava, dançava para ele e espantava a noite. Ele jogou a tocha para o alto, onde a bola de fogo acabara de arder, apanhou-a novamente, acendeu mais uma e ainda outra, e começava a fazer malabarismos com três, quatro, cinco tochas. O fogo rodopiava ao seu redor, dançava com ele, sem mordê-lo: Dedo Empoeirado, o domador de chamas, cuspidor de faíscas, o amigo do fogo. Ele fez as tochas desaparecerem, como se a escuridão as tivesse devorado, e sorriu fazendo uma mesura diante da emudecida Meggie.
Como que enfeitiçada, ela estava ali, sentada no banco duro, e não se cansava de ver. Ele pôs a garrafa na boca maisuma vez e começou a cuspir fogo no rosto escuro da noite.
Mais tarde, Meggie não saberia dizer o que desviou seu olhar das tochas rodopiantes e da chuva de fagulhas para a casa e suas janelas. Talvez ela tenha sentido a presença do mal na pele como um calor ou um frio repentino... mas também talvez o que atraiu seu olhar tenha sido simplesmente a luz que de repente começara a vazar das janelas fechadas da biblioteca sobre as azaléias que cresciam agarradas  à parede. Talvez.
Ela pensou ter ouvido vozes, mais altas do que a música de Dedo Empoeirado, vozes de homens, e um medo terrível se espalhou em seu coração, tão escuro e estranho como na noite em que Dedo Empoeirado aparecera lá fora no pátio de sua casa.Quando ela se levantou de repente, uma tocha escorregou da mão de Dedo Empoeirado e caiu na grama. Ele pisoteou rapidamente o fogo antes que se alastrasse e então, sem dizer uma palavra, seguiu o olhar de Meggie na direção da casa.Ela desatou a correr. O cascalho rangia sob seus sapatos. A porta estava  entreaberta, não havia luz no Vestíbulo, mas Meggie ouviu vozes no corredor que dava para a biblioteca.
— Mo? — ela chamou, e lá estava o medo novamente, picando seu coração com o bico curvo que tinha.
A porta da biblioteca também estava aberta. Exatamente no instante em que Meggie ia entrar, duas mãos fortes a agarraram pelos ombros.
— Quieta! — sussurrou Elinor, e puxou-a para dentro do quarto. Meggie viu como seus dedos tremiam quando ela trancou a porta.
— Me larga! — Meggie arrancou a mão de Elinor, tentou girar a chave de volta, quis gritar que precisava ajudar o pai, mas Elinor apertou a mão contra a sua boca e arrastou-a para longe da porta, apesar de Meggie se debater e pisar no chão com força. Elinor era forte, muito mais forte do que
Meggie.
— Eles são muitos! — ela sussurrou, enquanto Meggie tentava morder seus dedos. — Quatro ou cinco sujeitos gran-dalhões, e estão armados.
Ela puxou Meggie, apesar de sua resistência, para a parede ao lado da cama.
— Já pensei centenas de vezes em comprar um maldito revólver!  — ela sussurrou enquanto encostava o ouvido na parede. — Que nada, milhares de vezes.
— É claro que ele está aqui! — Meggie ouviu a voz, sem precisar encostar o ouvido na parede. Era uma voz áspera, como a língua de um gato. — Quer que busquemos a filhinha dele no jardim para que ela nos mostre? Ou prefere fazer isso você mesmo?
Meggie tentou mais uma vez tirar a mão de Elinor de sua boca.
— Fique quieta de uma vez! — assoprou Elinor em seu ouvido. — Você só vai colocá-lo em perigo. Não está ouvindo?
— Minha filha? O que vocês sabem da minha filha? —
Era a voz de Mo.Meggie começou a chorar. Imediatamente, os dedos de Elinor taparam sua boca
— Tentei chamar a polícia! — ela cochichou em seu ouvido. — Mas o telefone está mudo.
— Oh, sabemos tudo o que precisamos. — Era a outra voz novamente. — Então, onde está o livro?
— Está bem, entregarei o livro! — a voz de Mo soou cansada. — Mas irei com vocês, pois quero o livro de volta assim que Capricórnio não precisar mais dele.
“Irei com vocês...” O que ele estava querendo dizer? Ele não podia simplesmente ir embora. Meggie quis voltar para a porta, mas Elinor segurou-a com firmeza. Meggie quis empurrá-la, mas Elinor agarrou-a com seus braços fortes e tapou sua boca mais uma vez.
— Melhor ainda.  Íamos levá-lo de qualquer forma — disse uma das vozes. Ela soou lenta e rude ao mesmo tempo.
— Você não vai acreditar em como Capricórnio anseia por ouvir a sua voz. Ele confia muito nas suas capacidades.
— É verdade, o substituto que Capricórnio encontrou para você é um tremendo ignorante. — Era outra vez a voz de gato. Meggie ouviu então o barulho de pés se arrastando.
— Veja Cockerell. Ele está manco, e Nariz Chato tinha uma cara bem melhor. E olha que ele não era nenhuma beldade.
— Chega de conversa fiada. Basta, não temos todo o tempo do mundo. E então, vamos levar logo a filha também? — mais uma voz. Ela soava como se alguém apertasse o nariz de seu dono.
— Não! — disse Mo energicamente. — Minha filha fica aqui, ou não entregarei o livro!
Um dos homens riu.
— Ah, entregará, sim, Língua Encantada, aliás você entregaria, sim, mas pode ficar tranqüilo. Não estamos pensando em levar a sua filha. Uma criança só nos causaria atrasos, e Capricórnio já está esperando por você há muito tempo. Então, onde está o livro?
Meggie encostou o ouvido na parede com tanta força que doeu. Ela ouviu passos e depois um barulho, como se algo fosse empurrado e raspasse em outra coisa.
Ao seu lado, Elinor prendeu a respiração.
— Nada mau este esconderijo! — disse a voz de gato.
— Cockerell, pegue-o. E tome conta. Vá na frente, Língua
Encantada. Vamos.
Eles foram. Meggie tentou desesperadamente se soltar do braço de Elinor. Ela ouviu a porta da biblioteca bater e os passos se afastarem, soando cada vez mais baixos. Então tudo ficou em silêncio. E Elinor finalmente a soltou.Soluçando, Meggie precipitou-se para a porta, abriu-a e correu até a biblioteca.
Ela estava vazia. Mo se fora.
Os livros continuavam arrumados em suas prateleiras, apenas num ponto havia uma falha, grande e escura. Meggie acreditou ter visto entre os livros, bem escondida, uma porti-nhola, e ela estava aberta.
— Incrível! — ela ouviu Elinor dizer em suas costas.
— Eles realmente estavam procurando aquele livro.
Meggie empurrou-a para o lado e correu para o corredor.
— Meggie! — exclamou Elinor atrás dela. — Espere!
Mas esperar o quê? Que os estranhos levassem seu pai embora? Ela ouviu como Elinor começou a correr atrás dela.
Seus braços talvez fossem mais fortes, mas as pernas de Meggie eram mais rápidas.
Ainda não havia luz no Vestíbulo. A porta estava escancarada e um vento frio bateu em Meggie quando ela se lançou ofegante na noite.
— Mo! — ela gritou.
Ela pensou ter visto os faróis de um carro no ponto em que o caminho se perdia entre as árvores, e então ouviu o estouro de um motor. Meggie correu para lá. Tropeçou no cascalho  úmido de sereno e caiu de joelhos. O sangue escorria quente pela sua perna, mas Meggie não deu atenção. Continuou a correr, mancando e soluçando, até chegar ao grande portão de ferro lá embaixo. Mas a estrada atrás dele estava vazia.
E Mo se fora.
7. O que a noite oculta
~
É melhor ter mil inimigos fora de casa do que um único dentro dela.
Provérbio árabe
~
Dedo Empoeirado escondeu-se atrás do tronco de uma castanheira quando Meggie passou. Viu como ela parou no portão e ficou olhando para a estrada. Escutou-a chamar pelo pai com voz quase sumida. Os gritos perderam-se na escuridão, pouco mais altos do que o cricrilar de um grilo na grande noite escura. Então, de repente, tudo ficou em silêncio e Dedo
Empoeirado viu a figura esguia de Meggie parada, como se nunca mais fosse voltar a se mexer. Todas as forças pareciam tê-la abandonado, como se a próxima lufada de vento pudesse levá-la dali.
Ela ficou um bom tempo assim. Tanto tempo que Dedo Empoeirado, de vez em quando, fechava os olhos para não ter que vê-la. Mas então ele a ouviu chorar e seu rosto ficou quente de vergonha, como se o vento fosse queimá-lo com o fogo com o qual acabara de brincar. Ele ficou ali quieto, com as costas prensadas contra o tronco da árvore, esperando que
Meggie voltasse para a casa. Mas ela não se mexia.
Finalmente, quando suas pernas já estavam totalmente entorpecidas, ela se virou, como uma marionete que alguém puxasse por um fio, e começou a andar de volta para  a casa.
Não estava mais chorando quando passou por Dedo Empoeirado, apenas enxugava as lágrimas com as mãos e, durante um momento terrível, ele teve o impulso de correr até ela para consolá-la e explicar-lhe por que contara tudo a Capricórnio.
Mas então Meggie já havia passado. Ela acelerou o passo, como se suas forças tivessem voltado. Correu cada vez mais depressa, até que sumiu entre as árvores escuras.E Dedo Empoeirado saiu de trás da  árvore, jogou a mochila nas costas, pegou as duas sacolas com seus pertences e, com passos rápidos, começou a andar em direção ao portão ainda aberto.
A noite o engoliu como a uma raposa predadora.
8. Sozinha
~
— Meu bem — disse minha avó finalmente. —Você não está triste porque terá que continuar a ser um rato pelo resto da sua vida, não é?
— Para mim tanto faz — respondi. — Não tem a menor importância quem a pessoa é ou qual é a sua aparência, contanto que alguém a ame.
Roald Dahl, As bruxas
~
Elinor estava na porta iluminada quando Meggie voltou. Ela vestira um sobretudo por cima da camisola. A noite estava quente, mas um vento frio começara a soprar do mar.
Como a menina parecia desesperada, perdida... Elinor lembrou-se dessa sensação. Não havia nenhuma pior.
— Eles levaram Mo! — A voz de Meggie estava quase sufocada pela raiva impotente. Ela olhou para Elinor com um olhar hostil. — Por que você me segurou? Podíamos ter ajudado!
Meggie havia cerrado os punhos, como que para bater nela se pudesse.
Elinor também se lembrava dessa sensação.  Ás vezes queremos bater em todo mundo, mas não adianta nada, absolutamente nada. A dor permanece.
— Não fale uma bobagem dessas!  — ela disse rudemente. — Como poderíamos ter feito isso? Eles teriam levado você junto. O seu pai gostaria disso? Isso teria adiantado alguma coisa? Não. Então pare de perambular por aí e entre em casa.
Mas a menina não se mexeu.
— Eles vão levar Mo até Capricórnio! — ela sussurrou, tão baixinho que Elinor mal pôde entender.
— Até quem?
Meggie apenas sacudiu a cabeça e enxugou as lágrimas com a manga.
— Logo a polícia estará aqui — disse Elinor. — Eu liguei do celular do seu pai. Eu nunca quis um desses trambolhos, mas acho que agora vou comprar um. Eles simplesmente cortaram o fio do telefone. Meggie ainda não havia se mexido.
Ela tremia.
— Eles já estão longe! — ela disse.
— Meu Deus do céu, não vai acontecer nada com ele!
Elinor fechou o sobretudo. O vento estava mais forte.
Iria chover, com certeza.
— Como é que você pode saber? — a voz de Meggie tremia de raiva.
“Meu Deus, se olhar matasse”, pensou Elinor,  “agora eu já estava morta e enterrada.”
— Ora, ele não quis ir por vontade própria?  — ela respondeu, irritada. — Você também ouviu, não foi?
A menina baixou a cabeça. Era claro que tinha ouvido.
— É verdade! — ela sussurrou. — Ele se preocupou mais com o livro do que comigo.
Elinor não sabia o que responder. O próprio pai dela sempre tivera a firme convicção de que era preciso se preocupar mais com livros do que com filhos. E, depois que ele morrera inesperadamente, ela e suas duas irmãs ainda ficaram durante anos com a sensação de que ele estava na biblioteca como de costume, tirando o pó dos livros. Mas o pai de Meggie era diferente.
— Bobagem,  é claro que ele se preocupou com você!
Não conheço nenhum pai tão louco pela filha quanto o seu.
Você vai ver. Ele vai voltar logo. E agora entre de uma vez! —ela estendeu a mão para Meggie. — Vou lhe preparar um leite quente com mel. Não  é isso que se dá para as crianças que estão muito tristes?
Mas Meggie nem viu direito a mão. Ela se virou de repente e saiu correndo. Como se tivesse se lembrado de alguma coisa.
— Ei, espere!
Depois de praguejar, Elinor calçou os tamancos que usava para cuidar do jardim e foi atrás dela. Aquela tontinha estava indo para trás da casa, para onde o devorador de fogo fizera sua apresentação. Mas a grama estava vazia, obviamente. Apenas as tochas queimadas ainda estavam no chão.
— Pois é, o senhor devorador de fósforos parece ter partido também — disse Elinor.  — Pelo menos, dentro de casa ele não está.
— Talvez ele tenha ido atrás deles! — A menina foi até uma das tochas queimadas e passou a mão nas cabeças carbonizadas. — Isso mesmo! Ele viu que aconteceu e foi atrás deles!
Ela olhou esperançosa para Elinor.
— Com certeza. Deve ter sido isso. — Elinor realmente se esforçou para não parecer irônica. “Como você acha que ele foi atrás deles? A pé?”, ela acrescentou em pensamento.
Mas, em vez de dizer isso, ela pôs a mão no ombro de Meggie
— Deus do céu, a garota ainda tremia.
— Agora venha! — ela disse. — Logo a polícia estará aqui e, por enquanto, realmente não podemos fazer nada.
Você vai ver, em alguns dias o seu pai estará de volta, e talvez o seu amigo cuspidor de fogo esteja junto com ele. Mas até lá teremos que agüentar isso juntas, está bem?
Meggie apenas fez que sim com a cabeça. Sem oferecer resistência, ela se deixou levar até a casa.
— Ainda tenho uma condição — disse Elinor, quando chegaram à porta da casa. Meggie olhou para ela desconfiada.— Enquanto estivermos as duas sozinhas aqui, você poderia parar de olhar para mim desse jeito como se estivesse com vontade de me envenenar? É possível dar um jeito nisso?
No rosto de Meggie, esboçou-se um sorriso meio perdido.
— Acho que sim — ela disse.
Os dois policiais, que em algum momento estacionaram a viatura no pátio coberto de cascalho, fizeram muitas perguntas, mas nem Elinor nem Meggie puderam responder a elas. Não, Elinor nunca vira antes os homens. Não, eles não roubaram dinheiro nem nada de valor, além de um livro. Os dois homens trocaram um olhar de deboche quando Elinor disse isso. Irritada, ela deu uma pequena palestra sobre o valor de livros raros, o que só piorou ainda mais as coisas. Quando Meggie finalmente disse que eles descobririam onde seu pai estava se conseguissem encontrar um certo Capricórnio, os dois trocaram olhares como se a garota tivesse afirmado seriamente que seu pai fora raptado pelo lobo mau. Então eles foram embora. E Elinor levou Meggie para o quarto. Aquela tolinha já estava novamente com lágrimas nos olhos e Elinor não tinha a menor idéia de como se fazia para consolar uma menina de doze anos, então apenas disse:
— Sua mãe também dormia sempre neste quarto.
O que provavelmente era a coisa mais errada que ela poderia ter dito. Por isso, acrescentou bem depressa:— Leia alguma coisa se não conseguir dormir. — Depois pigarreou duas vezes e foi andando pela casa vazia e escura de volta para o próprio quarto.
Por que de repente a casa lhe parecia infinitamente grande e vazia? Em todos aqueles anos em que vivera sozinha ali, Elinor nunca se incomodara com o fato de que, atrás de todas aquelas portas, houvesse apenas livros esperando por ela. Já fazia muito tempo que ela havia brincado de esconde-esconde nos quartos e corredores com suas irmãs. O cuidado com que elas abriam a porta da biblioteca... Lá fora o vento fustigava as janelas. “Meu Deus do céu, não vou conseguir pregar o olho”, pensou Elinor. Então ela pensou no livro que a esperava ao lado da sua cama e, com uma mistura de expectativa alegre e consciência pesada, entrou em seu quarto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário