sexta-feira, 8 de julho de 2011

Eu Sou o Número Quatro, Capítulos 1 ao 5

CAPÍTULO UM

NO COMEÇO ÉRAMOS NOVE. PARTIMOS AINDA PEQUENOS, QUASE JOVENS DEMAIS para lembrar.
Quase.
Dizem-me que o chão tremeu, que os céus se encheram de luz e explosões. Vivíamos aquelas duas semanas no ano em que as duas luas pairam em lados opostos do horizonte. Era um tempo de cele­bração, e no início as explosões foram confundidas com fogos de artifício. Mas não eram. Fazia calor, e uma brisa suave soprava da água. Sempre me falam sobre o clima: fazia calor. Havia uma brisa suave. Nunca entendi por que isso importava.
O que lembro com mais clareza é como minha avó estava naque­le dia. Agitada, triste. Havia lágrimas em seus olhos. Meu avô se mantinha bem atrás do ombro dela. Lembro como os óculos dele re­fletiam a claridade do céu. Havia abraços. E palavras ditas por eles. Não lembro quais foram. E nada me atormenta mais do que isso.
Levei um ano para chegar aqui. Eu tinha cinco anos quando chegamos. A idéia era nos assimilarmos à cultura local antes de retornar a Lorien, quando fosse novamente possível haver vida por lá. Tive­mos de nos separar e seguir caminhos distintos. Por quanto tempo, ninguém sabia. Ainda não sabemos. Nenhum deles sabe onde estou, e eu não sei onde eles estão ou que aparência têm agora. É assim que nos protegemos, com o encantamento lançado quando partimos, um feitiço que garante que só podemos ser mortos na ordem de nossos números, desde que nos mantenhamos separados. Se nos juntarmos, o encantamento se desfaz.
Quando um de nós é encontrado e morto, uma cicatriz circular contorna o tornozelo direito daqueles que ainda sobrevivem. E no tornozelo esquerdo temos uma cicatriz idêntica ao amuleto que usa­mos, um desenho que se formou quando fomos protegidos pelo en­cantamento lórico. As cicatrizes circulares são outra parte do feitiço. Um sistema de alerta para sabermos onde estamos em relação uns aos outros e quando seremos o próximo na lista dos perseguidores. A primeira cicatriz surgiu quando eu tinha nove anos. Eu dormia, e acordei com a sensação do desenho queimando a pele. Morávamos no Arizona, em uma pequena cidade na fronteira com o México. Acordei gritando no meio da noite, em agonia, aterrorizado ao ver a cicatriz se desenhando. Foi o primeiro sinal de que os mogadorianos finalmente nos haviam encontrado na Terra, o primeiro sinal de que corríamos perigo. Até a cicatriz aparecer, eu quase me convencera de que minhas lembranças não eram realidade, de que o que Henri me dissera estava errado. Queria ser uma criança normal levando uma vida normal, mas então eu soube, sem margem para dúvidas ou discussão, que eu não era. Nós nos mudamos para Minnesota no dia seguinte.
A segunda cicatriz apareceu quando eu tinha doze anos. Estava na escola, no Colorado, participando de um concurso de soletração. Assim que a dor começou, eu soube o que estava acontecendo e o que havia acontecido com o Número Dois. A dor era lancinante, mas dessa vez suportável. Eu teria continuado no palco, mas o calor incendiou minha meia. O professor que conduzia a disputa me so­correu com um extintor de incêndio e me levou para o hospital. O médico no pronto-socorro encontrou a primeira cicatriz e chamou a polícia. Quando Henri chegou, os policiais ameaçaram prendê-lo por maus-tratos. Mas, como ele não estava nem perto de mim quan­do a segunda cicatriz apareceu, acabou sendo liberado. Entramos no carro e partimos, dessa vez para o Maine. Abandonamos tudo o que tínhamos, exceto a Arca Lórica que Henri leva conosco em todas as mudanças. Até agora, vinte e uma.
A terceira cicatriz surgiu há uma hora. Eu estava sentado em um barco. Os donos são os pais do garoto mais popular da escola, que dava uma festa sem que eles soubessem. Eu nunca havia sido convi­dado para festa alguma nessa escola. Como sabia que podíamos par­tir a qualquer momento, eu preferia ficar na minha. Mas tudo esteve calmo nos últimos dois anos. Henri não via nos jornais nada que pu­desse levar os mogadorianos até um de nós ou que nos alertasse da presença deles. Então, fiz alguns amigos. E um deles me apresentou ao garoto que dava a festa. Todo mundo se encontrou no píer. Havia três coolers, música e garotas que eu admirava de longe, mas com quem nunca havia falado, embora quisesse. Zarpamos e seguimos uns oitocentos metros Golfo do México adentro. Eu estava senta­do na beirada do barco com os pés na água, conversando com uma menina bonita, morena e de olhos azuis, chamada Tara. Foi quando senti que estava acontecendo. A água começou a ferver em volta da minha perna, que brilhava onde a cicatriz estava se formando. O terceiro símbolo de Lorien, o terceiro aviso. Tara começou a gritar e as pessoas se aglomeraram ao redor. Eu sabia que não tinha jeito de explicar aquilo. E sabia que precisávamos partir imediatamente.
Agora o risco era maior. Eles haviam encontrado o Número Três, e, onde quer que estivesse, ele ou ela já estava morto. Eu acalmei Tara, beijei seu rosto, disse que tinha sido legal conhecê-la e que esperava que ela tivesse uma vida longa e feliz. Depois, mergulhei do barco e comecei a nadar, sempre submerso, exceto por uma ida à tona para respirar mais ou menos na metade do caminho, na maior velocida­de possível até chegar à praia. Corri pela trilha paralela à estrada, sempre entre as árvores, na mesma velocidade dos carros. Quando cheguei em casa, Henri estava à frente dos escâneres e monitores que usava para pesquisar as notícias do mundo todo e a atividade policial em nossa região. Ele soube sem que eu dissesse uma única palavra, mas levantou minha calça ensopada para ver as cicatrizes.

No início éramos um grupo de nove.
Três se foram, morreram.
Agora restam seis.
Eles estão nos caçando e não vão parar enquanto não matarem todos.
Eu sou o Número Quatro.
Sei que sou o próximo.

CAPÍTULO DOIS

ESTOU NO MEIO DA ENTRADA DA GARAGEM, OLHANDO PARA A CASA. É COR-DE-ROSA suave, quase como cobertura de bolo, e fica elevada uns três metros, sobre o pilotis de madeira. Há uma palmeira na frente. Na parte de trás há um píer que se estende pouco menos de vinte metros no Gol­fo do México. Se a casa fosse localizada um quilômetro e meio ao sul, o píer ficaria no Oceano Atlântico.
Henri sai carregando a última caixa. Algumas sequer foram desembaladas depois da última mudança. Ele tranca a porta e deixa as chaves na caixa de correio, ao lado. São duas horas da manhã. Henri veste short caqui e camisa pólo preta. Está muito bronzeado, e a barba por fazer dá a impressão de abatimento. Ele também está triste com a partida. Joga as caixas na parte de trás da caminhonete com o restante das coisas.
  É isso — diz.
Eu faço que sim com a cabeça. Olhamos para a casa e ouvimos o ven­to batendo nas folhas da palmeira. Estou carregando um saco de aipo.
  Vou sentir saudades daqui — comento. — Mais do que dos outros lugares.
Eu também.
Hora do fogo?
Sim. Quer cuidar disso ou prefere que eu faça?
Eu faço.
Henri pega sua carteira e a joga no chão. Eu pego a minha e faço o mesmo. Ele caminha até a caminhonete e volta trazendo passaportes, certidões de nascimento, cartões do seguro social, talões de cheque, cartões de crédito e do banco, e joga tudo no chão. Todos os documentos e tudo o que se relaciona a nossa identidade neste lugar, tudo forjado e fabricado. Pego no automóvel uma pequena lata de gasolina que mantemos para as emergências e despejo sobre a pilha reduzida. Meu nome atual é Daniel Jones. Minha história atual é que cresci na Califórnia e me mudei para cá por causa do tra­balho de meu pai, que é programador de sistemas. Daniel Jones está prestes a desaparecer. Risco um fósforo e jogo no meio da pilha, e o fogo começa imediatamente. Mais uma vida que se vai. Como sem­pre fazemos, Henri e eu ficamos para ver as chamas. Adeus, Daniel, eu penso, foi um prazer conhecer você. Quando o fogo se extingue, Henri olha para mim.
Temos que ir.
Eu sei.
  Essas ilhas nunca foram seguras. É difícil sair delas rapidamente, difícil fugir. Foi tolice vir para cá.
Eu balanço a cabeça, indicando que concordo. Henri está certo, e eu sei disso. Mas ainda reluto em ir embora. Viemos para cá porque eu queria. Pela primeira vez Henri me deixara escolher nosso destino. Ficamos por nove meses, e esse foi o período mais longo que passamos em um lugar desde que deixamos Lorien. Vou sentir falta do sol e do calor. Vou sentir saudades da lagartixa que ficava me espiando da parede todas as manhãs enquanto eu tomava o café. Embora haja literalmente milhões de lagartixas no sul da Flórida, juro que aquela me seguia até a escola e parecia estar em todos os lugares. Vou sentir falta dos temporais que parecem chegar do nada, de como tudo é parado e silencioso no início da manhã, antes de as gaivotas chegarem. Vou sentir falta dos golfinhos que às vezes aparecem quando o sol se põe. Vou sentir saudades até do cheiro de enxofre das algas marinhas que apodrecem na praia, de como ele preenche a casa e invade nossos sonhos enquanto dormimos.
  Livre-se do aipo, eu vou esperar na caminhonete — Henri diz. — Está na hora.
Eu entro em um bosque fechado à direita da caminhonete. Há três cervos esperando. Jogo o saco com aipos diante deles e me inclino para afagar um de cada vez. Os animais permitem, porque há muito venceram o medo. Um deles levanta a cabeça e olha para mim, os olhos negros e inexpressivos me encarando. Chega a parecer que ele está me dizendo algo. Sinto um calafrio na espinha. Ele abaixa a cabeça e continua comendo.
  Boa sorte, amiguinhos — digo, depois ando até a caminhonete e me sento no banco do carona.
Observamos pelos retrovisores enquanto a casa fica cada vez menor, até que Henri entra na estrada principal e ela desaparece. É sábado. Imagino o que está acontecendo na festa, sem mim. O que estão falando sobre o modo como saí de lá e o que dirão na segunda-feira, quando eu não aparecer na escola. Gostaria de ter me despe­dido. Nunca mais verei ninguém que conheci ali. Nunca mais vou falar com nenhum deles. E nunca saberão o que sou ou por que par­ti. Depois de alguns meses, talvez semanas, é provável que ninguém pense mais em mim.
Antes de chegarmos à estrada estadual, Henri para a fim de abastecer a caminhonete. Enquanto mexe na bomba, eu examino um atlas que ele guarda entre os bancos. Nós o temos desde que chega­mos a este planeta. Traçamos linhas indo e vindo de todos os lugares onde já moramos. A esta altura elas já atravessam todos os Estados Unidos. Sabemos que devemos nos livrar do atlas, mas ele é o único objeto que conservamos e que retrata nossa vida. Pessoas comuns têm fotos, vídeos e diários; nós temos o atlas. Ao examiná-lo, per­cebo que Henri fez uma linha da Flórida até Ohio. Quando imagino Ohio, penso em vacas, milho e pessoas gentis. Sei que as placas dos carros de lá têm escrito "O coração de tudo". Não sei dizer o que é "tudo", mas acho que vou descobrir.
Henri volta à caminhonete. Ele comprou dois refrigerantes e um saco de batatas fritas. Partimos na direção da U.S. 1, que vai nos le­var ao norte. Ele estende a mão para pegar o atlas.
  Acha que há vida em Ohio? — eu brinco.
Ele ri.
  Imagino que haja algumas. E talvez até tenhamos a sorte de encontrar carros e televisão por lá.
Eu movo a cabeça, concordando. Talvez não seja tão ruim quanto imagino.
O que acha do nome "John Smith"? — pergunto.
Foi esse que escolheu?
Acho que sim — respondo. Nunca fui "John" antes, nem "Smith".
  Não é possível encontrar nada mais comum. Eu diria que é um prazer conhecê-lo, Sr. Smith.
Eu sorrio.
É, acho que gosto de "John Smith".
Vou montar seus documentos quando pararmos.
Um quilômetro e meio depois estamos fora da ilha, cruzando a ponte. A água passa por baixo de nós, calma, e a luz da lua brilha, sal­picando de branco a crista das pequenas ondas. À direita está o ocea­no, à esquerda, o golfo; em essência, é a mesma água, mas com nomes diferentes. Tenho vontade de chorar, mas me contenho. Não que esteja triste por deixar a Flórida, mas estou cansado de fugir. Cansado de inventar um nome a cada seis meses. Cansado das novas casas, das novas escolas. Fico me perguntando se algum dia vamos poder parar.

CAPÍTULO TRÊS

PARAMOS PARA COMPRAR COMIDA, ABASTECER E PROVIDENCIAR NOVOS TELEFONES. Escolhemos uma parada de caminhoneiros, onde comemos bolo de carne e macarronada com queijo, uma das poucas coisas que Henri admite ser melhor que qualquer comida de Lorien. En­quanto fazemos a refeição, ele usa o laptop para fazer os novos documentos com nossos novos nomes. Vai imprimir tudo quando chegarmos e, para todos os efeitos, seremos quem estamos dizendo.
Tem certeza de que quer "John Smith"? ele pergunta.
Tenho.
Você nasceu em Tuscaloosa, no Alabama.
Eu dou risada.
De onde tirou isso?
Henri sorri e indica com o queixo duas mulheres sentadas algu­mas mesas adiante. As duas são lindas. Uma delas está usando uma camiseta com a inscrição "FAZEMOS MELHOR EM TUSCALOOSA".
  É para lá que vamos em seguida ele revela.
  Por mais estranho que possa parecer, espero ficar muito tempo em Ohio.
  É mesmo? Gosta da ideia de viver lá?
  Gosto da ideia de fazer alguns amigos, de ir à mesma escola por mais que alguns poucos meses, de, quem sabe, ter uma vida de verdade. Eu estava começando a fazer isso na Flórida. Foi muito legal, e pela primeira vez desde que chegamos à Terra eu me senti quase normal. Quero encontrar um lugar e nele ficar.
Henri parecia pensativo.
Já olhou suas cicatrizes hoje?
Não. Por quê?
Por que isso tudo não tem a ver com você. Trata-se da sobrevivência de nossa raça, quase inteiramente destruída, e de mantê-lo vivo. Cada vez que um de nós morre... cada vez que um de vocês, um dos Gardes, morre... nossas chances diminuem. Você é o Número Quatro, é o próximo da fila. Há uma raça inteira de as­sassinos cruéis à sua caça. Vamos nos mudar ao primeiro sinal de problemas, e isso não está aberto a discussão.
Henri dirige em todo o trajeto. Entre as paradas e a confecção dos novos documentos, a viagem dura trinta horas, mais ou menos. Eu passo a maior parte do tempo cochilando ou jogando videogame. Por causa de meus reflexos, consigo dominar a maioria dos jogos mui­to depressa. O máximo que demorei para virar um jogo foi cerca de um dia. Os que mais gosto são os de guerras alienígenas e espaciais. Finjo que estou novamente em Lorien, combatendo os mogadorianos, derrubando-os, transformando-os em pó. Henri acha isso esquisito e tenta não me encorajar. Diz que precisamos viver no mundo real, onde guerra e morte são de verdade, não uma encenação. Quando finalizo o último jogo, levanto o olhar. Estou cansado de ficar sentado na cami­nhonete. O relógio no painel marca 19h58. Bocejo, esfrego os olhos.
Falta muito?
Estamos quase chegando — responde Henri.
Já escureceu, mas ainda há uma claridade pálida a oeste. Passamos por fazendas de cavalos e de gado, depois por campos desertos e, fora isso, por árvores que vão até onde a vista pode alcançar. Exatamente o que Henri queria: um lugar pacato, para passarmos despercebidos. Uma vez por semana ele passa seis, sete, até oito horas na Internet, atuali­zando uma lista de casas desocupadas país afora que se enquadram em seus critérios: isoladas, fora da área urbana e com disponibilidade ime­diata. Ele me contou que teve de fazer quatro tentativas — um telefone­ma para Dakota do Sul, um para o Novo México e um para o Arkansas — até finalmente fechar o aluguel de onde vamos morar agora.
Após alguns minutos, vemos as luzes esparsas que indicam a ci­dade. Passamos por uma placa que anuncia:

BEM-VINDOS A PARADISE, OHIO
POPULAÇÃO: 5.243

  Puxa! — eu comento. — Este lugar é ainda menor do que aque­le em Montana onde moramos.
Henri está sorrindo.
Acha que isto aqui é o paraíso de quem?
Das vacas, talvez? Dos espantalhos?
Passamos por um velho posto de gasolina, um lava rápido e um cemitério. Então surgem as casas, construções de madeira afastadas umas das outras por nove ou dez metros. Quase todas estão com as janelas decoradas para o Halloween. A calçada atravessa os peque­nos jardins e leva às portas. Uma rotatória marca o centro da cidade, e no meio dela há a estátua de um homem em um cavalo, empu­nhando uma espada. Henri para. Nós dois olhamos para a estátua e rimos, na esperança de que jamais apareça por ali mais alguém com espadas. Ele passa pela rotatória e o sistema de GPS do painel nos manda fazer uma curva. Seguimos para oeste, saindo da cidade.
Percorremos cerca de seis quilômetros antes de virar à esquerda numa alameda de cascalho, depois passamos por campos abertos, que provavelmente ficam repletos de milho no verão, e atravessa­mos mais ou menos um quilômetro e meio de floresta densa. Final­mente a encontramos, escondida no meio da vegetação não apara­da: uma caixa de correspondência de metal enferrujado com letras pretas pintadas na lateral: 17 old mill rd. Ali está o número 17 da estrada do velho moinho.
  A casa mais próxima fica a três quilômetros — Henri diz, en­trando na propriedade.
O mato invade a estradinha de cascalho, cheia de buracos com água lamacenta. Henri para e desliga o motor da caminhonete.
  De quem é aquele carro? pergunto, apontando para o SUV preto atrás do qual Henri acabou de estacionar.
  Deve ser da corretora de imóveis.
A casa é emoldurada pelas árvores. Na escuridão ela tem um cer­to ar sombrio, como se o último morador tivesse ido embora por medo, por ter sido expulso ou fugido. Eu saio da caminhonete. O motor estala e posso sentir o calor que emana dele. Pego minha mala na carroceria e fico ali parado, segurando-a.
  O que acha? Henri pergunta.
A casa tem um andar só. A fachada é de madeira. Boa parte da pintura branca já descascou. Uma das janelas da frente está danifi­cada. As telhas pretas parecem empenadas e prestes a quebrar. Três degraus de madeira levam a uma pequena varanda coberta e mobi­liada com cadeiras bambas. O quintal é comprido e maltratado. Há muito tempo a grama não é molhada.
  Parece o paraíso respondo.
Começamos a caminhar juntos, e, neste instante, uma mulher loura e bem-vestida, mais ou menos da idade do Henri, aparece na porta da casa. Ela está de tailleur e segura uma prancheta e uma pas­ta. Tem um BlackBerry preso ao cós da saia. Ela sorri.
  Sr. Smith?
Sim — Henri confirma.
Sou Annie Hart, corretora da Imobiliária Paradise. Conversamos ao telefone. Tentei ligar mais cedo, mas seu número parecia estar desligado.
Sim, sim. Infelizmente, a bateria acabou a caminho daqui.
Ah, eu odeio quando isso acontece — ela diz e se aproxima de nós para apertar a mão de Henri. Ela pergunta meu nome e eu res­pondo, apesar de me sentir tentado, como sempre, a dizer simples­mente "Quatro". Enquanto Henri assina o contrato, ela me pergunta minha idade e conta que tem uma filha mais ou menos da faixa etária, que estuda no colégio local. A mulher é muito simpática, amigável e nitidamente adora conversar. Henri devolve o contrato e nós três entramos na casa.
A maioria dos móveis está coberta por lençóis brancos. Os que ficaram de fora ganharam uma camada de poeira densa e insetos mortos. Parece que a tela nas janelas vai quebrar se a tocarmos, e as paredes são revestidas de compensado barato. Há dois dormitórios, uma cozinha modesta com piso de linóleo verde-limão e um banhei­ro. A sala de estar é grande e retangular, e fica na frente da casa. Há uma lareira no canto mais afastado. Eu entro e jogo minha mala na cama do quarto menor, que tem um pôster grande e desbotado de um jogador de futebol num uniforme laranja. Ele está no meio de um passe e parece que vai ser esmagado por um sujeito enorme de uni­forme preto e dourado. Os dizeres o identificam como bernie kosar, quarterback, do cleveland browns.
  Venha se despedir da Sra. Hart — Henri grita da sala.
A Sra. Hart está na porta com Henri e me diz para procurar pela filha dela na escola, pois podemos ser amigos. Eu sorrio e respondo que sim, isso seria ótimo. Assim que ela vai embora começamos a descarregar a caminhonete. Dependendo da rapidez com que deixa­mos um lugar, podemos viajar com pouca bagagem, o que significa levar as roupas do corpo, o laptop de Henri e a Arca Lórica com entalhes intricados que nos acompanha a todos lugares. Ou carregar algo mais: normalmente os outros computadores e o equipamento que Henri usa para estabelecer um perímetro de segurança e pes­quisar na Internet notícias e eventos que possam ter a ver conosco. Desta vez estamos com a arca, dois bons computadores, quatro mo­nitores de tevê e quatro câmeras. Também temos algumas roupas, embora poucas peças que eu tenha usado na Flórida sirvam para a vida em Ohio. Henri leva a arca para o quarto dele e carregamos todo o equipamento para o porão, onde ele será instalado, de forma que nenhuma visita possa ver nada. Assim que levamos tudo para dentro, ele começa a conectar as câmeras e ligar os monitores.
Não teremos Internet até amanhã cedo. Mas, se quiser ir à escola, posso imprimir toda a sua nova documentação.
Se eu não for, vou ter que ajudar a limpar a casa e a terminar de instalar tudo?
Vai.
Eu vou para a escola — anuncio.
Então, é melhor ter uma boa noite de sono.



CAPÍTULO QUATRO

OUTRA NOVA IDENTIDADE, OUTRA NOVA ESCOLA. PERDI AS CONTAS DE QUANTAS foram ao longo dos anos. Quinze? Vinte? Sempre uma cidade peque­na, uma escola pequena, a mesma rotina. Alunos novos chamam atenção. Às vezes questiono nossa estratégia de nos limitarmos às cidades pequenas, porque é difícil, quase impossível não ser nota­do. Mas entendo a lógica de Henri: é igualmente impossível que eles não sejam notados.
A escola fica a cinco quilômetros de nossa casa. Henri me leva de carro pela manhã. É menor que a maioria que já frequentei e não é nada imponente: só um edifício térreo, comprido e baixo. Um mural com um pirata e uma faca entre os dentes cobre a parede ao lado da porta principal.
Então agora você é um pirata? Henri pergunta ao meu lado.
Parece que sim respondo.
Conhece as regras ele me lembra.
Esta não é minha primeira vez.
Não mostre sua inteligência. Eles vão se ressentir.
Eu nem sonho com isso.
Não se destaque nem chame muita atenção.
Serei só uma mosca na parede.
E não machuque ninguém. Você é muito mais forte do que eles.
Eu sei.
Mais importante, esteja sempre pronto. Pronto para ir embora sem aviso. O que tem em sua mochila?
Frutas secas e castanhas para cinco dias. Meias e cuecas térmicas. Capa de chuva. Um GPS de mão. Uma faca disfarçada de caneta.
Com você o tempo todo. — Ele respira fundo. — E fique atento aos sinais. Seus Legados vão aparecer a qualquer momento. Escon­da-os a todo custo e me chame imediatamente.
Eu sei, Henri.
A qualquer momento, John — ele repete. — Se seus dedos começarem a desaparecer, se você começar a flutuar ou a tremer violentamente, se perder o controle muscular, se começar a ouvir vozes sem que ninguém esteja falando ou algo parecido, me chame.
Dou um tapinha na mochila:
Meu telefone está bem aqui.
Vou esperar aqui depois da aula. Boa sorte, garoto.
Sorrio para ele. Henri tem cinquenta anos, o que significa que ele tinha quarenta quando chegamos. Isso tornou a transição mais difícil para ele. Henri ainda fala com forte sotaque lórico, frequen­temente confundido com o francês. Logo no início esse foi um bom álibi, por isso ele escolheu o nome Henri, que mantém até hoje, tro­cando apenas o sobrenome para combinar com o meu.
Lá vou eu dominar a escola — digo.
Seja bonzinho.
Eu caminho para o prédio. Como acontece em todo colégio do ensino médio, há rodinhas de alunos do lado de fora. Eles têm seus grupos: os atletas e as líderes de torcida; o pessoal da banda com seus instrumentos; os estudiosos com seus óculos, livros e Black-Berries; e os doidões, um pouco mais afastados e alheios a todos os outros. Um garoto alto e com óculos fundo de garrafa está sozinho.


Ele veste jeans e uma camiseta preta da Nasa, e não deve pesar mais do que quarenta e cinco quilos. Está com uma luneta, observando o céu quase totalmente encoberto. Noto uma menina tirando fotos, transitando com facilidade de um grupo a outro. Ela é linda, tem cabelos louros e lisos abaixo dos ombros, pele de marfim, maçãs do rosto altas e olhos azuis delicados. Todos parecem conhecê-la e cumprimentá-la, e ninguém se opõe a ser fotografado.
A garota me vê, sorri e acena. Acho isso estranho e me viro, para ver se há alguém atrás de mim. Vejo dois garotos discutindo a lição de matemática, e só. Olho novamente para ela. A garota vem em mi­nha direção, sorrindo. Nunca vi, muito menos falei, com uma me­nina tão linda, e, definitivamente, nenhuma jamais acenou e sorriu para mim como se fôssemos amigos. Fico nervoso e começo a corar. Mas também fico desconfiado, porque fui treinado para isso. Ela se aproxima, ergue a câmera e começa a tirar fotos. Levanto as mãos para esconder meu rosto. Ela baixa a câmera e sorri.
Não seja tímido.
Não sou. Só quero proteger sua lente. Meu rosto pode quebrá-la.
Ela riu.
Se continuar com essa cara feia, com certeza. Tente sorrir.
Eu sorrio, mas sem muito entusiasmo. Estou tão nervoso que tenho a sensação de que vou explodir. Posso sentir meu pescoço quei­mando, minhas mãos ficando quentes.
  Isso não é um sorriso de verdade — ela diz, brincalhona. — Sorrir envolve mostrar os dentes.
Sorrio de verdade, e ela tira fotos. Normalmente não permito que ninguém me fotografe. Se um retrato desses cair na Internet ou em um jornal, vai ser muito mais fácil me encontrar. Nas duas vezes em que fui fotografado, Henri ficou furioso, conseguiu as fotos e as destruiu. Se ele souber o que estou fazendo agora, eu fi­carei realmente encrencado. Mas não posso evitar — a garota é tão bonita e tão charmosa... Enquanto ela está me fotografando, um cachorro corre em minha direção. E um beagle com orelhas com­pridas, patas e peito brancos e corpo preto e esguio. Está magro e sujo, como um cão sem dono. Ele se esfrega em minhas pernas, gane, tenta chamar minha atenção. A garota acha bonitinho e pede que eu me ajoelhe, para me fotografar com o cachorro. Assim que ela começa a clicar, o cãozinho se afasta. Cada vez que ela tenta, ele se afasta um pouco mais. Finalmente, ela desiste e faz mais algumas fotos minhas. O cão se senta a uns dez metros de nós e nos observa.
Conhece aquele cachorro? — ela pergunta.
Nunca o vi antes.
Ele gosta de você. Seu nome é John, certo?
Ela estende a mão.
Sim — confirmo. — Como sabe?
  Sou Sarah Hart. Minha mãe é sua corretora de imóveis. Ela me contou que você provavelmente começaria hoje na escola e me disse para procurá-lo. E você é o único aluno novo por aqui hoje.
Eu rio.
É, eu conheci sua mãe. Ela é legal.
Não vai apertar minha mão?
Ela ainda está com o braço estendido. Eu sorrio e a cumprimento, e essa é literalmente uma das melhores sensações que já tive.
Uau! — ela exclama.
O quê?
  Sua mão está quente. Muito quente, mesmo, como se estivesse com febre, ou alguma coisa assim...
Acho que não.
Ela solta minha mão.
Talvez você tenha o sangue quente, só isso.
É, talvez.
Ouço uma campainha soando ao longe, e Sarah diz que é o sinal: temos cinco minutos para chegar à sala de aula. Nós nos despedimos e fico olhando enquanto ela se afasta. Um momento depois, alguma coisa esbarra em meu cotovelo. Eu me viro, e um grupo de jogadores de futebol americano passa por mim, todos vestindo o agasalho do time. Um deles me encara, e percebo que foi ele quem acertou meu braço com a mochila. Duvido que tenha sido um acidente e começo a segui-los. Sei que não vou fazer nada, mesmo podendo. Mas não gosto de valentões. É quando o garoto com a camiseta da Nasa se aproxima e caminha ao meu lado.
  Sei que é novo por aqui, por isso vou informá-lo de algumas coisas — ele fala.
  O quê? — pergunto.
  Aquele é Mark James. Ele é muito importante. O pai é o xerife da cidade, e ele é o astro do time de futebol. Namorava Sa­rah quando ela era líder de torcida, mas ela desistiu da torcida e dele. Mark ainda não superou. Se fosse você, eu não me meteria com ele.
  Obrigado.
O garoto então se afasta, apressado. Eu me dirijo à sala do dire­tor para me inscrever nas disciplinas e começar a assistir às aulas. Viro-me para ver se o cachorro ainda está por ali — ele permanece sentado no lugar, me observando.

O nome do diretor é Sr. Harris. É gordo e quase careca, exceto por alguns fios compridos nas laterais e na parte de trás da cabeça. A barriga cai por cima do cinto. Os olhos são pequenos e saltados, muito juntos. Ele sorri para mim de sua cadeira, e o sorriso parece engolir os olhos.
  Você é o aluno do segundo ano que veio de Santa Fé? — ele pergunta.
Movimento a cabeça em sentido afirmativo e digo que sim, embora nunca tenhamos ido a Santa Fé, ou ao Novo México, para dizer a ver­dade. Uma mentira simples para evitar que encontrem nosso rastro.
Isso explica o bronzeado. O que o traz a Ohio?
O trabalho do meu pai.
Henri não é meu pai, mas sempre digo que é, para não despertar suspeitas. Na verdade ele é meu Guardião, ou pelo menos é assim que o chamariam na Terra. Em Lorien havia dois tipos de cidadãos: os comuns e os que desenvolvem os Legados, ou poderes — que podem ser extremamente variados, qualquer habilidade mesmo, da invisibilidade à capacidade de ler mentes, voar ou manipular as forças da natureza, como o fogo, o vento ou os raios. Os que têm os Legados fazem parte da Garde, e os que não os têm são intitula­dos Cêpans, ou Guardiões. Eu sou membro da Garde. Henri é um Cêpan. Todo Garde é designado a um Cêpan quando pequeno, que o ajuda a entender a história do planeta e a desenvolver seus pode­res. Cêpan e Garde — um grupo para administrar o planeta, o outro para defendê-lo.
O Sr. Harris está assentindo.
  E o que ele faz?
  É escritor. Ele queria morar em uma cidade pequena e tran­quila para terminar o livro em que está trabalhando — respondo, porque esse é nosso disfarce padrão.
O Sr. Harris assente mais uma vez e estreita os olhos.
Você me parece um rapaz forte. Pretende praticar algum espor­te aqui no colégio?
Gostaria muito, mas tenho asma, senhor — explico, repetindo a desculpa de sempre para evitar situações que possam denunciar minha força e minha velocidade.
Lamento saber disso. Estamos sempre em busca de atletas habi­lidosos para o time de futebol. — Ele lança um olhar para a prateleira onde está um troféu com data do ano passado. — Vencemos o Pioneer Conference — diz, cheio de orgulho.
Depois o Sr. Harris estende a mão, retira do arquivo ao lado da mesa duas folhas de papel e me entrega. A primeira folha é meu horário, com alguns tempos em aberto. A segunda é uma lista de ma­térias eletivas disponíveis. Escolho as que me interessam, preencho os horários vagos e então devolvo toda a papelada. Ele me passa as orientações gerais num discurso que parece durar horas, detalhando cada página do manual do aluno de forma dolorosa. Um sinal soa lá fora, e depois outro. Quando ele finalmente termina e pergunta se tenho dúvidas, respondo que não.
  Excelente. Ainda resta meia hora da segunda aula, e você esco­lheu astronomia, com a Sra. Burton. Ela é ótima professora, uma de nossas melhores. Já foi premiada pelo estado uma vez, e o próprio governador entregou o prêmio.
  Isso é muito bom — digo.
O Sr. Harris consegue se levantar de sua cadeira com muito esforço, e nós deixamos a sala e percorremos o corredor. Seus sapatos fazem barulho no chão recém-encerado. O ar cheira a tinta fresca e produto de limpeza. Armários escondem as paredes. Muitos são cobertos por flâmulas do time de futebol. Não deve haver mais de vinte salas de aula no prédio inteiro. Eu conto enquanto passamos.
  Chegamos — diz o Sr. Harris. Ele estende a mão. Eu o cumpri­mento. — Estamos felizes por tê-lo aqui. Gosto de pensar que somos uma família unida. É com alegria que o recebo nela.
  Obrigado — respondo.
O Sr. Harris abre um pouco a porta, enfia a cabeça pela fresta e olha para dentro da sala. Só então percebo que estou um pouco ten­so, que uma leve tontura começa a me dominar. Minha perna direita está tremendo, sinto um nó no estômago. Não entendo por quê. Não pode ser por estar prestes a entrar na primeira aula. Já fiz isso tantas vezes que nem deveria mais ficar nervoso. Respiro fundo e tento me acalmar.
Sra. Burton, desculpe-me por interromper. Seu novo aluno está aqui.
Ah, ótimo! Mande-o entrar — ela diz com voz aguda e entusiasmada.
O Sr. Harris segura a porta aberta e eu entro. A sala é um quadra­do perfeito, com umas vinte e cinco pessoas sentadas em carteiras retangulares do tamanho de mesas de cozinha, três alunos em cada uma. Todos olham para mim. Olho de volta para eles antes de en­carar a Sra. Burton. Ela deve ter uns sessenta anos, veste suéter de lã cor-de-rosa e usa óculos com armação vermelha presos a uma correntinha no pescoço. Tem o sorriso largo e cabelos grisalhos e encaracolados. Minhas mãos estão suadas e sinto meu rosto quen­te, corado. Espero não estar vermelho. O Sr. Harris fecha a porta.
  Como se chama? — ela pergunta.
Nervoso, quase digo "Daniel Jones", mas me contenho, respiro fundo e respondo:
John Smith.
Ótimo! E de onde você é?
Fl... — começo, mas me interrompo outra vez, antes de con­cluir a palavra. — Santa Fé.
Turma, vamos dar a ele as boas-vindas.
Todos aplaudem. A Sra. Burton faz um gesto me convidando a me sentar no lugar vago no centro da sala, entre dois outros alunos. Fico aliviado por ela não fazer mais perguntas. Ela se vira para voltar à mesa e eu começo a caminhar até meu lugar, na direção de Mark James, que está sentado com Sarah Hart. Quando passo, ele estica a perna e põe o pé na minha frente. Eu perco o equilíbrio, mas não caio. O barulho da sola do tênis ecoa na sala.
A Sra. Burton se vira rapidamente:
  O que aconteceu?
Eu não respondo, mas fico encarando Mark. Toda escola tem alguém como ele, o valentão, encrenqueiro, seja qual for o nome que você queira dar, mas nenhum outro tinha se materializado tão de­pressa. O cabelo dele é preto, cheio de gel, arrumado com cuidado para ficar espetado em todas as direções. As costeletas estão cui­dadosamente aparadas, assim como a barba curta. As sobrancelhas são grossas, e os olhos, escuros. Pelo agasalho do time, vejo que ele é aluno antigo — seu nome está escrito em letras cursivas douradas acima do ano. Nós nos encaramos, e a sala toda parece deixar esca­par um gemido de apreensão.
Olho para meu lugar, três mesas atrás da dele, e volto a encará-lo. Posso quebrá-lo ao meio, literalmente, se eu quiser. Posso arremes­sá-lo para o país vizinho. Se ele tentasse fugir usando um carro, eu poderia ser mais rápido, e ainda colocar o automóvel em cima de uma árvore. Mas, além de saber que isso tudo seria uma reação extremamente exagerada, as palavras de Henri ecoam em minha mente: "Não se destaque nem chame muita atenção." Sei que devo seguir seu conselho e ignorar o que acabou de acontecer, como sem­pre fiz. Somos bons nisso, em nos mesclar ao ambiente e viver nas sombras. Mas estou meio deslocado, desconfortável, e antes que eu tenha a chance de pensar duas vezes, a pergunta está feita:
  Queria alguma coisa?
Mark olha em volta, estudando o restante da turma, ergue os om­bros e volta a me encarar.
  Do que está falando? — ele pergunta.
  Pôs o pé na minha frente quando eu estava passando. E trom­bou em mim lá fora. Talvez esteja querendo alguma coisa.
O que está acontecendo? — a Sra. Burton pergunta atrás de mim.
Olho para ela por cima do ombro:
Nada — respondo. E me volto para Mark: — E então?
As mãos dele apertam a beirada da mesa, mas ele fica em silêncio. Nós nos encaramos até ele suspirar e desviar os olhos.
— Foi o que pensei — digo e continuo andando.
Os outros alunos não sabem ao certo como reagir, e muitos ainda olham para mim enquanto me sento entre uma garota ruiva e sar­denta e um menino gordo, que me encara boquiaberto.
A Sra. Burton está em pé na frente da sala. Ela parece um pouco agitada, mas dá de ombros e começa a explicar por que há anéis em torno de Saturno e que eles são feitos basicamente de partículas de gelo e de poeira. Depois de um tempo, deixo de ouvi-la e me con­centro nos alunos. Mais um grupo de pessoas que, novamente, vou tentar manter a distância. Há sempre uma linha tênue entre interagir só o suficiente, para manter a discrição, e interagir pouco demais e acabar me destacando por ser esquisito. Hoje já fiz uma besteira nesse sentido.
Respiro fundo e solto o ar devagar. Ainda sinto o nó no estômago, e minha perna continua tremendo um pouco. Minhas mãos estão um pouco mais quentes. Mark James está sentado três me­sas à minha frente. Ele se vira uma vez e olha para mim, depois cochicha no ouvido de Sarah. Ela se vira. Ela parece ser legal, mas o fato de sair com ele e de estar sentada ao lado dele me faz duvidar disso. Sarah sorri para mim de um jeito simpático. Quero retribuir, mas fico paralisado. Mark tenta cochichar de novo, e ela balança a cabeça e o empurra. Minha audição é muito melhor que a humana quando me concentro, mas estou tão perturbado por aquele sorriso que não escuto nada. Gostaria de ter conseguido ouvir o que disseram.
Abro e fecho as mãos. As palmas estão suadas e começam a arder. Respiro fundo mais uma vez. Minha visão está turva. Cinco minu­tos se passam, depois dez. A Sra. Burton ainda fala, mas não escuto o que ela diz. Cerro os punhos, depois volto a abri-los. Então o ar fica preso em minha garganta. Um brilho pálido surge no centro da palma da minha mão direita. Olho, perplexo, fascinando. Depois de alguns segundos, o brilho começa a ganhar intensidade.
Fecho as mãos. Primeiro, meu medo é de que algo tenha acontecido a um dos outros. Mas o que seria? Não podemos ser mortos fora da ordem. É assim que funciona o encantamento. Mas isso significa que nenhum outro mal pode atingi-los? A mão direita de alguém teria sido cortada? Não tenho como saber. Mas, se acontecesse algo, eu sentiria nas cicatrizes dos meus tornozelos. É só então que com­preendo. Meu primeiro Legado deve estar se formando.
Pego o telefone na mochila e mando uma mensagem de texto para Henri dizendo vnhea, embora tivesse a intenção de escrever venha. Estou tonto demais para tentar digitar mais alguma palavra. Cerro os punhos e os apoio nas pernas. Minhas mãos estão queimando e tremendo. Eu as abro. A palma esquerda está muito vermelha, a direita ainda brilha. Olho para o relógio na parede e vejo que a aula está chegando ao fim. Se conseguir sair da aula, poderei encontrar uma sala vazia, onde eu possa ligar para Henri e perguntar o que está acontecendo. Começo a contar os segundos: sessenta, cinquenta e nove... Agora sinto um ardor intenso, como se pequenas agulhas fossem espetadas em minhas mãos. Vinte e oito, vinte e sete. Abro os olhos e fico olhando para a frente, para Sarah, esperando que isso me distraia. Quinze, quatorze. Olhá-la piora a sensação. Agora as agulhas são como pregos. Pregos que foram deixados em uma forna­lha, aquecidos até ficarem em brasa. Oito, sete.
O sinal soa e, no mesmo instante, eu me levanto e saio da sala, passando apressado pelos outros alunos. Estou tonto, sem equilíbrio. Sigo pelo corredor, sem saber para onde ir. Sinto que alguém me segue. Pego meu horário no bolso de trás da calça e verifico o número de meu armário. Estou com sorte, porque ele fica à minha direita, ali mesmo. Paro e apóio a cabeça na porta de metal. Balanço a cabeça, percebendo que, na pressa de sair, deixei na sala a mochila com o telefone celular. E então alguém me empurra.
  E aí, valentão?
Eu recuo alguns passos, me recupero e levanto a cabeça. Mark está parado, sorrindo para mim.
Algum problema? — ele pergunta.
Não — digo.
Minha cabeça está girando. Tenho a sensação de que vou desmaiar. E minhas mãos queimam. Não sei o que está acontecendo, mas não podia ser em pior hora. Ele me empurra de novo.
  Não é tão valentão sem os professores por perto, não é?
Estou desequilibrado demais para conseguir ficar em pé, tropeço nos próprios pés e caio. Sarah se coloca na frente de Mark.
Deixe ele em paz — ela diz.
Você não tem nada a ver com isso.
  É claro. Você vê um garoto novo conversando comigo e ime­diatamente tenta começar uma briga. Esse é só mais um exemplo de por que não estamos mais juntos.
Começo a me levantar. Sarah estende a mão para me ajudar, e, assim que ela me toca, a dor em minhas mãos aumenta e se espalha, tanto que parece que um raio atingiu minha cabeça. Eu me viro e co­meço a caminhar apressadamente, indo na direção oposta à da aula de astronomia. Sei que todos vão pensar que sou covarde por estar fugindo, mas tenho a sensação de que vou desmaiar a qualquer mo­mento. Mais tarde agradecerei a Sarah e cuidarei de Mark. Agora, só preciso encontrar uma sala com uma porta que eu possa trancar.
Chego ao final do corredor, que cruza com o caminho para a entrada principal da escola. Penso nas orientações do Sr. Harris, no que ele falou sobre os vários espaços da escola e sua localização. Se não me falha a memória, o auditório, as salas da banda e as salas de artes ficam no final deste corredor. Corro até elas o mais depressa que meu estado me permite. Posso ouvir Mark gritando atrás de mim e Sarah gritando com ele. Abro a primeira porta que encontro e a fecho de­pois de entrar. Felizmente, há uma fechadura, e eu a tranco.
Estou em uma sala escura. Há tiras de negativos secando pendura­das em varais. Caio no chão. Minha cabeça gira e minhas mãos quei­mam. Desde que vi o brilho pela primeira vez, mantive as mãos bem fechadas. Agora olho e noto que a mão direita continua brilhando, pulsando. Começo a entrar em pânico.
Sentado no chão, sinto o suor entrando nos olhos. As duas mãos doem terrivelmente. Eu sabia que deveria esperar meus Legados, mas não tinha ideia de que seria assim. Abro as mãos e vejo que a palma direita está brilhando intensamente, a luz começa a se con­centrar. A mão esquerda emite uma luz fraca, trêmula, e a sensação de ardor é quase insuportável. Queria que Henri estivesse comigo. Espero que ele esteja a caminho.
Fecho os olhos e cruzo os braços, balançando-me para a frente e para trás sentado no chão, sentindo tudo em mim doer. Não sei quanto tempo passo ali. Um minuto? Dez? O sinal soa no corredor, anunciando o começo da aula seguinte. Escuto pessoas falando do lado de fora. A porta é sacudida algumas vezes, mas está trancada, e ninguém vai conseguir entrar. Continuo me balançando, de olhos fechados. Ouço mais batidas na porta. Vozes abafadas que não com­preendo. Abro os olhos e noto que o brilho em minha mão iluminou a sala inteira. Cerro os punhos, tentando apagar a luz, mas ela esca­pa por entre os dedos. Então, a porta começa a sacudir de verdade. O que eles vão pensar da luz em minhas mãos? Não há como escondê-la. Como vou explicá-la?
— John? Abra a porta... sou eu — diz uma voz.
O alívio me invade. A voz de Henri, a única no mundo que eu quero ouvir.

CAPÍTULO CINCO

ARRASTO-ME ATÉ A PORTA E A DESTRANCO.  ELA SE ABRE.  HENRI ESTÁ COM roupas de jardinagem, coberto de terra, como se estivesse trabalhan­do no quintal da casa. Fico tão feliz por vê-lo que sinto vontade de pular e abraçá-lo, o que até tento fazer, mas estou tonto demais para ficar em pé e caio novamente.
Tudo bem aí? pergunta o Sr. Harris, que está atrás de Henri.
Tudo bem, só precisamos de um minuto, por favor Henri responde.
Devo chamar uma ambulância?
Não!
A porta se fecha. Henri olha minhas mãos. A luz na direita brilha intensamente, mas a na esquerda tremula, fraca, como se tentasse adquirir confiança em si mesma. Henri sorri, e seu rosto se ilumina como um farol.
  Ah, graças a Lorien! Ele suspira e tira do bolso traseiro um par de luvas de jardinagem. Sorte que eu estava trabalhando no jardim! Ponha as luvas.
Faço o que ele diz, e as luvas escondem completamente a luz. O Sr. Harris abre a porta e espia dentro da sala.
  Sr. Smith? Está tudo bem?
  Sim, tudo bem. Só precisamos de trinta segundos — Henri responde. Depois ele olha para mim. — Seu diretor é intrometido.
Respiro fundo.
Entendo o que está acontecendo, mas por que isso?
Seu primeiro Legado.
Eu sei, mas por que as luzes?
Falaremos sobre isso no carro. Pode andar?
Acho que sim.
Ele me ajuda a levantar. Estou cambaleante, ainda trêmulo, e me agarro ao braço dele para me apoiar.
—- Preciso pegar minha mochila antes de irmos — falo.
Onde está?
Deixei na sala de aula.
Que sala?
Dezessete.
Vou levá-lo para a caminhonete e volto para pegar a mochila.
Apóio o braço direito nos ombros de Henri, que me sustenta pas­sando o braço esquerdo por minha cintura. O segundo sinal já soou, mas ainda escuto a movimentação de pessoas no corredor.
  Você precisa andar do jeito mais normal e ereto que conseguir.
Respiro fundo. Tento reunir toda a força que ainda me resta a fim de percorrer o longo caminho até a saída da escola.
  Vamos lá — digo.
Limpo o suor da testa e acompanho Henri para fora da sala escura. O Sr. Harris ainda está no corredor.
  É só uma crise forte de asma — Henri informa ao passar por ele.
Cerca de vinte pessoas, mais ou menos, continuam no corredor, a maioria delas com câmeras fotográficas penduradas no pescoço, esperando para entrar na sala onde são as aulas de fotografia. Felizmente, Sarah não está ali. Caminho tão ereto quanto posso, um pé à frente do outro. A saída da escola é a trinta metros. São muitos passos. As pessoas cochicham.
"Que cara esquisito."
"Ele estuda aqui?"
"Espero que sim, ele é bonitinho."
"O que acha que ele estava fazendo na sala escura para ficar com o rosto tão vermelho?"
Todos riem.
Da mesma forma que podemos apurar a audição, podemos desligá-la, o que ajuda muito quando você tenta se concentrar no meio de muito barulho e confusão. Eu isolo todo o ruído e acompanho Henri, logo atrás dele. Cada passo exige a força de dez, mas, finalmente, chegamos à porta. Henri a mantém aberta enquanto tento caminhar sozinho até a caminhonete, que está estacionada bem em frente. Nos últimos vinte passos, tenho de me apoiar novamente nos ombros dele. Henri abre a porta e eu entro.
Sala dezessete, você disse?
Sim.
  Devia ter ficado com a mochila. São os pequenos deslizes que levam aos grandes erros. Você não pode errar.
  Eu sei. Desculpe-me.
Ele bate a porta e volta ao edifício. Eu me curvo para a frente no assento, tentando respirar mais devagar. Ainda posso sentir o suor na testa. Ergo o corpo e baixo o para-sol para me olhar no espelho. Meu rosto está mais velho do que eu imaginava, e meus olhos lacrimejam um pouco. Mas, apesar da dor e da exaustão, eu sorrio. Finalmente, penso. Após anos de espera, anos contando apenas com o intelecto e a discrição como defesa contra os mogadorianos, meu primeiro Legado aparece. Henri sai da escola carregando minha mochila. Ele contorna a caminhonete, abre a porta do motorista e joga a mochila no banco.
  Obrigado — digo.
  Não foi nada.
Quando saímos do estacionamento, tiro as luvas e dou uma boa olhada nas mãos. A luz na mão direita começa a se concentrar em um feixe como uma lanterna, porém mais brilhante. A ardência di­minui. A mão esquerda ainda tem aquela luz fraca e tremulante.
  Deveria ficar com as luvas até chegarmos em casa — Henri aconselha.
Eu as ponho de volta e olho para ele, que sorri orgulhoso.
Foi um longo saco de espera — ele diz.
Hmmm? — pergunto.
Ele me olha por um instante.
  Um longo saco de espera — repete. — Pelos seus Legados.
Eu rio. Se há uma coisa que Henri não conseguiu dominar desde que chegou a Terra é a arte de xingar.
Uma longa droga de espera — sugiro.
Foi o que eu disse. Ele olha para a estrada.
  Então, o que fazemos agora? Isso significa que vou poder dis­parar lasers com as mãos ou o quê?
Ele ri.
  É bom pensar que seria assim, mas não.
Bem, mas o que vou fazer com a luz? Quando estiverem me ca­çando, eu me viro e ofusco meu perseguidor, apontando o raio para os olhos dele? É para deixá-los com medo de mim ou coisa do tipo?
Paciência — ele me aconselha. — Você não tem mesmo que entender isso agora. Vamos para casa.
Então, lembro algo que quase me faz pular no banco da caminhonete.
Quer dizer que vamos finalmente abrir a arca?
Ele assente e sorri.
Em breve.
Uau! — exclamo.
A arca de madeira com aqueles entalhes intricados sempre me intrigou. É uma caixa de aparência frágil com o símbolo lórico gra­vado na lateral, e Henri sempre a cercou de muito sigilo. Ele nunca me contou o que há lá dentro, e é impossível abri-la, eu sei, porque tentei mais vezes do que posso contar, sempre sem sucesso algum. É trancada por um cadeado sem abertura visível para a chave.
Quando chegamos em casa, percebo que Henri esteve trabalhando. Ele tirou as três cadeiras que havia na varanda da frente e todas as ja­nelas estão abertas. Lá dentro, os lençóis que cobriam a mobília foram removidos e alguns móveis já estão limpos. Apóio a mochila na mesa da sala de estar e a abro. Uma onda de frustração me invade.
Aquele filho da mãe — digo.
O que é?
Falta meu celular.
E onde está?
Tive uma discussão com um garoto chamado Mark James. Ele deve ter pegado o telefone.
John, você só passou uma hora e meia na escola. Como já conseguiu discutir com alguém? Você não é tão idiota.
  É um colégio. Eu sou o aluno novo. Não foi difícil.
Henri tira o celular do bolso e liga para meu número. Então fecha o aparelho.
  Está desligado — diz.
É claro que está.
Ele me encara.
O que aconteceu?
Reconheço o tom de sua voz: aquele de quando ele está pensando em nos mudarmos de novo.
  Nada. Foi só uma discussão idiota. Talvez eu tenha deixado o telefone cair quando o joguei na mochila — sugiro, mesmo sabendo que não foi isso que aconteceu. — Eu não estava muito bem. Aposto que o celular vai estar esperando por mim na sala de achados e perdidos.
Ele olha em volta e suspira.
  Alguém viu suas mãos?
Eu olho para Henri. Seus olhos estão vermelhos, ainda mais injetados do que quando ele me resgatou. O cabelo está desarrumado e ele parece esgotado, como se fosse cair de exaustão a qualquer momento. A última vez que ele dormiu foi na Flórida, há dois dias. Nem sei como ainda consegue ficar de pé.
  Ninguém viu.
Você esteve na escola por uma hora e meia. Seu primeiro Legado se desenvolveu, você quase se meteu numa briga e deixou a mochila na sala de aula. Isso não é o que se pode chamar de passar despercebido.
Não foi nada. Quer dizer, não foi nada grave o bastante que justifique irmos para Idaho, para Kansas, ou seja, lá qual for nosso próximo destino.
Henri estreita os olhos, refletindo sobre o que acabou de testemu­nhar e tentando decidir se é o suficiente para partirmos.
  Não é hora de sermos descuidados — declara.
  Há discussões em todas as escolas todos os dias. Garanto que ninguém vai nos encontrar só porque um garoto metido a valentão implicou com o aluno novo.
  As mãos do aluno novo não brilham em todas as escolas. Eu inspiro longa e profundamente.
  Henri, você está com cara de quem vai cair morto. Durma um pouco. Podemos decidir depois que você descansar.
  Temos muito o que conversar.
  Nunca o vi tão cansado antes. Durma por algumas horas. Con­versamos depois.
Ele assente.
  Um cochilo deve mesmo me fazer bem.

Henri vai para o quarto e fecha a porta. Eu saio, vou caminhar um pouco pelo quintal. O sol brilha atrás das árvores e eu sinto o vento frio. As lu­vas continuam em minhas mãos. Eu as tiro e guardo no bolso de trás da calça. As mãos estão como antes. Para ser franco, parte de mim se ani­ma com o surgimento de meu primeiro Legado, depois de tantos anos de ansiosa espera. A outra está devastada. As mudanças constantes me esgotaram, e agora vai ser impossível passar despercebido ou ficar em um lugar por algum tempo. Vai ser impossível fazer amigos ou me sen­tir parte de algo. Cansei dos nomes falsos e das mentiras. Estou farto de viver olhando por cima do ombro para ver se há alguém me seguindo.
Eu me abaixo e encosto nas cicatrizes no tornozelo direito. Três círculos, que representam os três mortos. Estamos ligados uns aos ou­tros mais do que pela raça, simplesmente. Enquanto toco as cicatrizes, tento imaginar quem eles eram, se eram garotos ou garotas, onde vi­viam, quantos anos tinham quando morreram. Tento me lembrar das outras crianças que vieram na nave e dar números a cada uma delas. Penso em como seria encontrá-las, conviver com elas. Como teria sido se ainda estivéssemos em Lorien. Como seria se o destino de toda a nossa raça não dependesse da sobrevivência de tão poucos. Como se­ríamos se não estivéssemos enfrentando a perspectiva da morte pelas mãos de nossos inimigos.
É aterrorizante saber que eu sou o próximo. Mas temos nos mantido à frente deles com as constantes mudanças, fugindo. Estou cansado de fugir, mas sei que é isso que nos mantém vivos. Se pararmos, eles nos encontrarão. E, agora que sou o próximo da fila, devem ter inten­sificado a procura, sem dúvida. Certamente sabem que estamos nos fortalecendo, desenvolvendo nossos Legados.
E no outro tornozelo há a outra cicatriz, o sinal que se formou quan­do o feitiço lórico foi lançado em nós, naqueles últimos e preciosos mo­mentos antes de deixarmos nosso mundo. É a marca que nos une.

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